Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00340/03
Secção:CT - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:03/16/2005
Relator:Dulce Neto
Descritores:IRC
CUSTOS FISCAIS
Sumário:1. Nas despesas devidamente documentadas há que presumir a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, razão pela qual compete à A.Fiscal alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.
2. Nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A.Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:BERN..., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 1993 e respectivos juros compensatórios, tudo no valor total de 12.957.301$00.
Terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A matéria de facto fixada na decisão recorrida é omissa quanto à prova efectuada através do depoimento das testemunhas, tendente à demonstração da efectiva prestação ao impugnante dos serviços expressos em determinadas facturas, e pelos respectivos emitentes;
B. Essa matéria revela-se de primordial importância para a decisão da causa, por ser essa a questão que se discute, e que, se não tivesse sido desconsiderada, poderia ter conduzido a uma decisão final diferente da que veio a ser proferida, tendo em atenção, também, o disposto no art. 121º do Código de Processo Tributário, a que actualmente corresponde o art. 100º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
C. A sentença recorrida faz uma errada valoração da prova resultante do relatório de inspecção tributária junta aos autos, quando refere que aquele indicia com forte segurança que as facturas emitidas pelas sociedades “Construções FER..., Ldª” e “Joa...& Irmão, Ldª” não consubstanciam verdadeiras prestações de serviços, uma vez que daquele relatório consta que estas empresas apresentam uma situação fiscal regular, detém contabilidade organizada, contabilizaram como proveitos o valor constante das facturas emitidas ao impugnante, apenas não se encontrando arquivadas as guias de transporte dos materiais incorporados nessas prestações de serviços, não estando, assim, devidamente fundamentada aquela conclusão.
* * *

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mmº Juiz “a quo” proferiu despacho a sustentar o julgado.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por entender que a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte materialidade fáctica:
1. O impugnante dedica-se principalmente à conservação e reparação de edifícios escolares que se encontram a cargo da DREN – Direcção Regional de Educação do Norte – concorrendo para o efeito a diversos concursos públicos;
2. Esses serviços são fundamentalmente feitos através de subcontratos;
3. Em 1995 o impugnante foi objecto de fiscalização tributária de que resultaram correcções às deduções do IVA por si efectuadas e, na parte que ora interessa, a fixação da matéria colectável para efeitos de IRS;
4. Do relatório então elaborado pelos SPIT resulta, além do mais, que:
- O impugnante procedeu à dedução do IVA sem que as facturas exibidas obedecessem ao condicionalismo previsto no nº 5 do art. 35º do CIVA;
- por parte do impugnante houve a preocupação de apresentar um lucro reduzido, jogando para o efeito com os subcontratos e as existências;
- os serviços e bens contidos nas facturas que se encontravam relacionadas nos autos não se encontravam discriminados nem quantificados;
- a data da maior parte das facturas coincide com os últimos meses do ano, o que indicia “facturas de favor” que visam ajustar margens de lucro, aumento dos custos e cobrir outros custos sem documentos legais;
- em relação a Agostinho Rodrigues Coelho, constatou-se que é um contribuinte refractário no que respeita ao cumprimento das obrigações fiscais, sendo que, não obstante não ter empregados ao seu serviço, apresenta elevada facturação, o que indicia dedicar-se ao fabrico de papel falso;
- relativamente às facturas exibidas, não há prova dos pagamentos, dado que os correspondentes recibos de quitação do pagamento são meras saídas em numerário, não obstante, em alguns casos, estarem envolvidos milhares de contos;
- detectou-se (em relação a Fernando Viera Ferreira) que não há guias de transporte dos fornecimentos para o local das presumíveis obras – cfr. o teor do relatório de fls. 11/18, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos;
5. Em face dos elementos recolhidos – não movimentação da conta “Bancos”, facturas emitidas no final do exercício, falta de prova dos pagamentos, a AF não aceitou como custo fiscal o valor constante das facturas apresentadas; como tal, foram feitas correcções aos rendimentos do impugnante do ano de 1993; Em relação a este exercício o rendimento colectável foi-lhe fixado em 27.849.543$00;
6. Daí resultou a liquidação de IRS nº 5320053735, no montante total de 12.957.301$00, que inclui juros compensatórios de 2.852.146$00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 28/05/97 – fls. 6.


A liquidação impugnada resultou da desconsideração pela A.Fiscal de custos fiscais contabilizados pelo impugnante e que se reportavam ao valor de facturas emitidas por AGOSTINHO RODRIGUES COELHO, CONSTRUÇÕES FER..., LDª e JOA...& IRMÃO, LDª, no pressuposto de que não correspondiam a operações efectivamente praticadas.
Segundo o decidido na sentença recorrida, a actuação da A.Fiscal não mereceria censura dado que as questionadas facturas não obedeciam aos requisitos previstos no nº 5 do art. 35º do CIVA e, por outro lado, os factos vertidos no relatório da inspecção tributária indiciariam fortemente que elas não consubstanciavam verdadeiras prestações de serviços, não tendo o impugnante logrado demonstrar a realidade subjacente à emissão dessas facturas ou, pelo menos, gerar dúvida fundada acerca dos factos tributários.
Porque do teor das conclusões do recurso resulta que o impugnante discorda, desde logo, da matéria fáctica que vem fixada na sentença, por ser totalmente omissa quanto à prova que foi produzida pelas testemunhas e de onde resultaria demonstrada a efectiva prestação dos serviços expressos nas facturas, importa conhecer, desde já, se nela se fez ou não bom julgamento da matéria de facto, de molde a assentar o necessário quadro factológico.
Foram inquiridas seis testemunhas, três das quais são os próprios emitentes das facturas (ou gerentes da respectiva sociedade emitente).
O emitente Agostinho Rodrigues Coelho afirma ter prestado serviços, como subempreiteiro, em obras do impugnante, desde 1990 até 1994, altura em que tinha cerca de oito trabalhadores. Esses serviços consistiram na colocação e reparação de tectos (em amstrong) e de pavimentos (em vinil), nas escolas de Boticas, Montalegre e Vila Real; Que só passava as facturas no final da obra, mas durante o decurso da obra o impugnante ia-lhe fazendo pagamentos por conta em dinheiro dada a relação de confiança que existia entre ambos. Confirmou ter emitido as duas facturas em questão nestes autos e a realidade dos serviços a que se reportam.
Esta testemunha não foi, por qualquer meio, contraditada ou impugnada pela Fazenda Pública, presente na inquirição.
Por outro lado, o depoimento da testemunha Eduardo da Costa Teixeira Súcio (que invoca, como razão de ciência, o facto de prestar desde 1988 serviços de serralharia, em regime de subempreitada, em várias obras adjudicadas pela DREN ao impugnante) confirma ser uso normal da relação do impugnante com os subempreiteiros que consigo trabalham a emissão das facturas correspondentes aos serviços prestados só no final da obra, havendo entretanto vários adiantamentos em dinheiro a esses subempreiteiros. Identificou como obras levadas a cabo pelo impugnante nos inícios dos anos 90 as relativas às escolas de Montalegre, Foz Côa, Vila Real, Miranda do Douro, Creixomil, Póvoa de Varzim e Matosinhos, obras que decorriam normalmente no período de férias escolares.
O que é confirmado pela testemunha António Isildo Rabeço Dias, encarregado de obras do impugnante desde cerca de 1989, ao declarar ser normal o pagamento em dinheiro aos subempreiteiros que o impugnante tinha de contratar para realizar as obras que lhe eram adjudicadas pela DREN, já que apenas tinha 3 ou 4 trabalhadores por sua conta, recordando-se da prestação de serviços pelo AGOSTINHO COELHO e pela firma CONSTRUÇÕES FER..., LDª nas obras adjudicadas pela DREN ao impugnante e que no início dos anos 90 o ocorriam, designadamente, nas escolas de Montalegre, Vila Real, Boticas e Lamego.
Além de que a testemunha Alfredo Pereira Neto, fiscal de obras públicas da DREN e que fiscalizou obras adjudicadas ao impugnante nos anos 90, recorda a existência de subempreiteiros nas obras de conservação e manutenção de edifícios escolares, designadamente do AGOSTINHO COELHO (na colocação de pavimentos) e da firma CONSTRUÇÕES FER..., LDª (no ramo da pintura).
Por fim, temos o depoimento dos gerentes das firmas emitentes JOA...& IRMÃO, LDª e CONSTRUÇÕES FER..., LDª, ambos a reconhecerem a emissão das facturas aqui em questão e a subjacente prestação de serviços como subempreiteiros: o primeiro nas escolas de Santo Tirso, Peso da Régua, Famalicão e Guimarães; o segundo nas escolas de Creixomil, Motelo, Lamego e Montalegre, sendo as facturas emitidas no final da obra ou no final do ano, com pagamentos normalmente em dinheiro.
Todas estas testemunhas foram inquiridas na presença da Fazenda Pública, que não aduziu qualquer facto para abalar a sua credibilidade.
Pelo que a matéria fáctica que decorre dos seus depoimentos deve ser considerada e valorada, bem como outra que decorre do relatório da fiscalização e demais documentos juntos aos autos e que se torna essencial evidenciar para uma correcta análise das questões colocadas.

Termos em que se aditam ao probatório os seguintes factos provados:
7. Na sequência de exame à escrita do impugnante levada a cabo pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, foi elaborado o relatório que se encontra documentado a fls. 11/18, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido;
8. Segundo o seu teor, a A.Fiscal não podia considerar relativamente ao exercício de 1993 os seguintes custos contabilizados pelo impugnante, em virtude de se ter concluído que as onze facturas em que se apoiavam, no valor de 25.208.000$00, não titulavam operações efectivas e reais:
Factura nº 155, de 17/11Agostinho Rodrigues Coelho 970.000$00
Factura nº 158, de 14/12“ “ “ 235.000$00
Factura nº 138, de 8/11Joaquim Sousa M. & Irmão, Ldª 5.000.000$00
Factura nº 139, de 25/11“ “ “1.300.000$00
Factura nº 140, de 3/12“ “ “ 700.000$00
Factura nº 141, de 16/12“ “ “4.000.000$00
Factura nº 142, de 31/12“ “ “2.000.000$00
Factura nº 589, de 5/12Construções FER..., Ldª4.375.000$00
Factura nº 590, de 5/12“ “ “1.483.000$00
Factura nº 591, de 5/12“ “ “3.250.000$00
Factura nº 592, de 9/12“ “ “1.895.000$00
9. Dá-se aqui por reproduzido o teor das duas facturas emitidas por Agostinho Rodrigues Coelho, que se encontram documentadas a fls. 20 e 22, especificando a primeira que se reporta a “Serviços prestados na escola de Boticas C+S” e a segunda que se reporta a “Serviços prestados na escola preparatória de Montalegre”;
10. Em anexo a cada uma dessas facturas encontra-se um documento assinado pelo impugnante e pelo emitente da factura e onde aquele declara que contratou este em regime de subempreitada para a realização dos trabalhos que aí discriminam minuciosamente quanto à natureza, quantidade, preço unitário e total, documentos cujo teor se dá por integralmente reproduzido
11. Dá-se aqui por reproduzido o teor das cinco facturas emitidas por Joa...& Irmão, Ldª, que se encontram documentadas a fls. 24, 26, 28, 30 e 32, especificando a primeira que se reporta a “Serviços prestados na escola de Queirós-Secção - obras de adaptação no edifício do antigo Quartel”, a segunda a “Serviços prestados na escola secundária Conde S. Bento, Santo Tirso - obras de conservação”, a terceira a “Serviços na residência de estudantes do Rodo, Peso da Régua – reservatório para gás”, a quarta a “Obras na escola preparatória de Creixomil, Guimarães”, a quinta a “Serviços prestados na escola secundária D. Sanches I de Famalicão – obras de conservação”;
12. Em anexo a cada uma dessas facturas encontra-se um documento assinado pelo impugnante e pelo emitente da factura e onde aquele declara que contratou este em regime de subempreitada para a realização dos trabalhos que aí discriminam minuciosamente quanto à natureza, quantidade, preço unitário e total, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
13. Dá-se aqui por reproduzido o teor das quatro facturas emitidas por Construções FER..., Ldª, que se encontram documentadas a fls. 34, 37, 40 e 43, especificando a primeira que se reporta a “Serviços prestados na obra sita na escola Latino Coelho - Lamego”, a segunda a “Serviços prestados na obra sita na escola secundária de Tarouca”, a terceira a “Serviços prestados na obra sita na escola secundária de Creixomil, Guimarães” e a quarta a “Serviços prestados na obra sita na escola secundária de Montalegre”;
14. Em anexo a cada uma dessas facturas encontra-se não só o respectivo recibo como um documento assinado pelo impugnante e pelo emitente da factura e onde aquele declara que contratou este em regime de subempreitada para a realização dos trabalhos que aí discriminam minuciosamente quanto à natureza, quantidade, preço unitário e total, documentos cujo teor se dá por reproduzido.
15. Os trabalhos que o impugnante efectua para a sua principal cliente - a DREN – são normalmente adjudicados por concurso, recorrendo o impugnante a subempreiteiros para a execução dessas obras dado que só tem 3/4 trabalhadores por sua conta.
16. Na década de 90 o impugnante efectuou diversas obras de recuperação e conservação de escolas, designadamente nas que se encontram identificadas nas facturas emitidas por AGOSTINHO R. COELHO, CONSTRUÇÕES FER..., LDª e JOA...& IRMÃO, LDª;
17. Esses emitentes das facturas prestaram serviços naquelas obras, em regime de subempreitada;
18. As facturas correspondentes a esses serviços eram normalmente emitidas no final da obra ou no fim do ano, existindo usualmente adiantamentos em dinheiro.
19. O impugnante reclamou para a Comissão de Revisão do rendimento colectável que lhe foi fixado na sequência da acção de fiscalização referida em supra 7), a qual foi desatendida nos termos da acta que se encontra documentada a fls. 51/54 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido.

* * *

Como vimos, a liquidação adicional impugnada (IRS relativo ao exercício de 1993)
resultou da desconsideração pela A.Fiscal de custos contabilizados pelo impugnante e que se reportavam ao valor de facturas emitidas por AGOSTINHO RODRIGUES COELHO, CONSTRUÇÕES FER..., LDª e JOA...& IRMÃO, LDª, no pressuposto de que não correspondiam a serviços efectivamente prestados, constituindo custos fiscais simulados.
Segundo o decidido na sentença recorrida, a liquidação não padecia dos vícios que o impugnante lhe imputava, sendo legal a actuação da AF dado que as facturas não revestiam a forma legal prevista no art. 35º do CIVA, pelo que os encargos que titulavam não podiam considerar-se devidamente documentados e fiscalmente dedutíveis, de harmonia com o disposto no art. 41º nº 1 alínea h) do CIRC aplicável “ex vi” do art. 31º do CIRS. Para além disso, «os factos vertidos no relatório elaborado no âmbito da falada acção inspectiva, indiciam com forte segurança que as facturas emitidas pelos referidos subempreiteiros ou firmas não consubstanciam verdadeiras prestações de serviços; logo, sobre o autor recaía o ónus de demonstrar a realidade subjacente à emissão desses documentos ou, pelo menos, gerar dúvida fundada acerca dos factos tributários, o que não foi feito.
Em suma, tais facturas não só “pecam” do ponto de vista forma, como material.
Dito de outro modo, não só essas facturas não preenchem os (todos os) elementos legalmente exigidos (ou exigíveis), como não ficaram demonstrados nesta sede os serviços nelas referenciados».

Posto que o recorrente critica o julgado quer quanto à verificação dos pressupostos para a correcção do seu rendimento colectável quer quanto à inexistência de prova da realidade dos serviços que essas facturas titulam, cumpre apreciar, em primeiro lugar, se em face dos elementos que constam da fundamentação da liquidação a A.Fiscal se encontrava legitimada a efectuar a mencionada correcção.

Como se sabe, a lei tributária faz depender a dedutibilidade do custo da respectiva comprovação (art. 23° nº 1 do CIRC, aplicável a nível de IRS por força do disposto no art. 31º do CIRS) prescrevendo que não são dedutíveis os encargos não devidamente documentados (art. 41º nº 1 alínea h) do CIRC), razão pela qual a A.Fiscal não aceita, em princípio, custos relativamente aos quais inexista na contabilidade do contribuinte documento externo de suporte ou em que este documento se revele insuficiente, designadamente por não obedecer ao formalismo legal, como acontece com custos suportados por facturas que não contêm a devida identificação e discriminação das operações a que se reportam como o impõe o art. 35º do CIVA.
Daí que nas despesas devidamente documentadas tenha de presumir-se a veracidade do custo para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, razão pela qual compete à A.Fiscal alegar a existência de elementos susceptíveis de pôr em causa essa veracidade, designadamente pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que esses documentos não titulam operações reais.
E nas despesas indocumentadas ou insuficientemente documentadas tenha de recair sobre o contribuinte o ónus de comprovar o respectivo custo, como lhe impõe o art. 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente, sendo-lhe possível para o efeito recorrer a outros meios de prova (designadamente a meios complementares de prova documental e prova testemunhal) para o demonstrar e convencer da bondade do correspondente lançamento contabilístico e da ilegalidade da correcção que a A.Fiscal tenha levado a efeito por virtude dessa falta ou insuficiente documentação.
Como salienta TOMÁS DE CASTRO TAVARES, no estudo que publicou na Ciência e Técnica Fiscal nº 396, págs. 7/177, «ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto».
O contribuinte pode, pois, provar que os custos são reais, por corresponderem a trabalhos efectivamente realizados e pagos, comprovando os custos contabilizados como o impõe o art. 23º do CIRC, mesmo que os respectivos documentos de suporte não obedeçam a todos os requisitos do art. 35º do CIVA e não confiram, por isso, o direito à dedução do IVA nos termos do art. 19º e 35º do CIVA.
Aqui reside, aliás, a diferença substancial entre as exigências documentais em sede de IVA e em sede de IRC e IRS, pois que enquanto naquele se exige que o documento (factura) respeite determinados requisitos, expressos no art. 35º nº 5 do CIVA, já ao nível dos impostos sobre o rendimento as exigências formais não são tão severas, bastando «uma qualquer forma externa de representação da operação (que não uma factura, por não incluir as imperativas e específicas solenidades documentais, como a numeração ou o timbre da empresa) (...) desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)» TOMÁS DE CASTRO TAVARES, in ob. e loc. cit., pág. 123.

No caso sub judice, os custos em causa (serviços prestados por subempreiteiros) encontravam-se titulados por facturas que não reuniam um dos requisitos enunciados no art. 35º do CIVA (conforme se pode ver pela consulta dos documentos de fls. 20/43), pois que não discriminavam de forma precisa os serviços a que se reportavam, limitando-se a uma referência genérica a “serviços” prestados numa determinada e identificada escola.
Todavia, e como vimos, essa deficiência pode ser suprida por outros meios de prova, nomeadamente documentos auxiliares que supram convenientemente a imperfeição.
Ora, no caso vertente, verifica-se que anexada a cada uma dessas facturas se encontra uma declaração assinada tanto pelo emitente como pelo receptor da factura e onde se explicitam minuciosamente todas as características essenciais dos serviços a que ela se reporta, seja quanto à sua natureza, quantidade, preço unitário e valor total. E, por outro lado, provou-se que o impugnante efectuou obras de recuperação e conservação nas escolas que se encontram identificadas nas mencionadas facturas, obras para cuja execução tinha necessidade de recorrer ao serviço de subempreiteiros dado que só dispunha de 3 ou 4 trabalhadores, tendo os referidos AGOSTINHO R. COELHO, CONSTRUÇÕES FER..., LDª e JOA...& IRMÃO, LDª prestado efectivamente serviços nessas obras, em regime de subempreitada.
Em face desta prova, cremos que é afastar a deficiência formal das facturas como causa impeditiva da contabilização do respectivo custo.

Restaria, assim, a existência de indícios objectivos, sólidos e consistentes, alegados pela A.Fiscal, quanto à falsidade das facturas, isto é, de que esses concretos e individualizados serviços não haviam sido efectivamente prestados.
Para o efeito, a A.Fiscal alegou os seguintes indícios, tal como ficou enunciado nos pontos 4º e 5º do probatório:
I. por parte do impugnante houve a preocupação de apresentar um lucro reduzido, jogando para o efeito com os subcontratos e as existências;
II. os serviços e bens contidos nas facturas em questão não se encontravam discriminados nem quantificados;
III. a data da maior parte das facturas coincide com os últimos meses do ano, o que indicia “facturas de favor” que visam ajustar margens de lucro, aumento dos custos e cobrir outros custos sem documentos legais;
IV. o Agostinho Rodrigues Coelho é um contribuinte refractário no que respeita ao cumprimento das obrigações fiscais, sendo que, não obstante não ter empregados ao seu serviço, apresenta elevada facturação, o que indicia dedicar-se ao fabrico de papel falso;
V. não há prova dos pagamentos das facturas em questão, pois que os correspondentes recibos de quitação do pagamento são meras saídas em numerário, não obstante, em alguns casos, estarem envolvidos milhares de contos;
VI. em relação a Fernando Viera Ferreira que não há guias de transporte dos fornecimentos para o local das presumíveis obras;
VII. não há movimentação da conta “Bancos” pelo impugnante.

Ora, estes “indícios” não permitem inferir com uma grau de probabilidade elevada, e ainda que com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, a simulação das operações subjacentes às mencionadas facturas.
O primeiro “indício”, além de conclusivo, ficou afastado pela demonstração da necessidade que o impugnante tinha de recorrer a subempreiteiros para executar as inúmeras obras de construção civil a que se dedicava e que lhe eram adjudicadas pela DREN.
O segundo, relativo às apontadas deficiências formais das facturas, já se encontra afastado pela motivação acima exposta.
Quanto ao terceiro “indício”, atente-se que a circunstância de determinadas facturas serem emitidas nos meses de Novembro e Dezembro não significa minimamente que sejam falsas e que tenham visado unicamente “ajustar margens de lucro, aumento dos custos e cobrir outros custos sem documentos legais” como afirma a A.Fiscal, ilação que no caso se mostra mesmo arredada pela prova de que as facturas correspondentes aos serviços prestados pelos subempreiteiros eram normalmente emitidas no final da obra ou no fim do ano, assim ficando afastada a possibilidade de extrair qualquer conclusão válida e consistente da mencionada circunstância.
O mesmo se diga sobre os pagamentos em numerário das referidas facturas e a falta de movimentação da conta “Bancos”, uma vez que esse meio de pagamento é habitual no seio dos pequenos empresários da construção civil, como é o caso do impugnante, e se provou que este normalmente efectuava adiantamentos em dinheiro relativamente ao valor total que posteriormente era facturado no final da obra ou no final do ano. Daí que não impressione o facto de nalgumas dessas facturas constarem valores que, pela sua expressão, são habitualmente liquidados através de cheque (como é o caso das facturas de valor superior a 1000 contos).
Por fim, face à prova de que o impugnante efectuou obras nas escolas que se encontram identificadas nas mencionadas facturas, para cuja execução tinha necessidade de recorrer ao serviços de subempreiteiros uma vez que só tinha 3/4 trabalhadores por sua conta, e que os referidos AGOSTINHO R. COELHO e CONSTRUÇÕES FER..., LDª prestaram serviços nessas obras, em regime de subempreitada, caiem por terra os indícios respeitantes a esses emitentes, designadamente o facto de o Agostinho Rodrigues Coelho ser um contribuinte refractário no que respeita ao cumprimento das obrigações fiscais e de não existirem guias de transporte aos serviços facturados por aquela sociedade.
Face ao exposto, importa concluir que a A.Fiscal não podia desconsiderar os custos que as facturas em causa suportam, a menos que outra actividade instrutória desenvolvida junto das obras públicas identificadas nas facturas (e que infelizmente nunca efectuou) lhe permitissem concluir, com um mínimo de segurança, que às facturas em causa não correspondiam efectivas prestação de serviços.
Assim sendo, haverá que concluir-se pela ilegalidade da liquidação impugnada, com a consequente procedência da impugnação.

* * *


Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a impugnação com todas as legais consequências.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Março de 2005
Dulce Neto (Relator)
José Correia
Eugénio Sequeira