Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:781/23.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/25/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
SUBSIDIARIEDADE
Sumário:I- O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II- O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, em 13.1.2022, para o que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido e providência adequada a assegurar a utilidade da decisão de procedência a obter naquela, significando que a acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias instaurada, de natureza urgente e excepcional, configura meio processual inidóneo para o efeito.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

M…………, devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 28.3.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou inobservado o requisito da subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1, ambos do CPTA, e, em consequência, rejeitou liminarmente o requerimento inicial.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A) O Tribunal a quo faz um[sic] interpretação errada da Lei e ignora a Jurisprudência assente no STA e TCA SUL e TCA NORTE sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
B) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o Único instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão[sic]
C) É o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
D) O uso da providência cautelar pela sua precariedade é incerto no seu desfecho.
E) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos.
F) Somado a isso o Réu SEF recorre atualmente das providências cautelares.
G) O que aumenta ainda mais a incerteza do Requerente.
H) O[sic] existe jurisprudência no TCA-SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal e ainda no STA.
I) Existe desde 2019 uma reversão jurisprudencial.
J) O Requerente vê ameaçada a sua identidade em território nacional o seu emprego, está a pagar impostos e não vê reconhecidos os seus direitos.
K) Especial enfâse para o processo n° 2906/22.7BELSB de 23/02/23 do TCA SUL.
L) O tribunal a quo não está a acatar a posição do TCA SUL e STA.
M) Estão ultrapassados os prazos legais previstos no artigo 111°, 1 do CPTA
N) Não existe tempo a perder devendo o R. SEF ser devidamente Intimado a decidir e a emitir o respectivo título de residência ao Autor.
O) Violaram-se os artigos 1º, 2°, 12º, 13°, 15°, 26°, 27°, 36°, 67°, 68 da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 109° CPTA e ainda o art.° 88° n° 2 das Leis 59/17 e Lei 102/17 e ainda artes[sic] 5º, 8º, 10°, 13º todos do CPA e ainda art.° 637° e 639° do CPC.»
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS:
A) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO.
B) DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA A QUO.
C) DEVE SER RECONHECIDA EM DEFINITIVO A INTIMAÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O ÚNICO INSTRUMENTO LEGAL PARA MELHOR SALVAGUARDA DOS INTERESSES DO REQUERENTE E NA DEFESA DA LEI E DA CONSTUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
D) DEVE SER AINDA O RÉU SEF INTIMADO OU CONDENADO A DECIDIR DE IMEDIATO.
E) DEVE AINDA SER O RÉU SEF CONDENADO A EMITIR A RESPECTIVA RESIDÊNCIA LEGAL DO AUTOR COM URGÊNCIA.».

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir rejeitar liminarmente a petição inicial.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos, pertinentes para a decisão da causa:

«1. Em 21.05.2022, o Requerente apresentou junto do Requerido uma manifestação de interesse ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04.07 (facto confessado, cf. artigo 25.º do douto r.i. apresentado).

2. Em 12.03.2023, o Requerente apresentou a juízo o r.i. dos presentes autos de intimação (cf. comprovativo de entrega junto a fls. 1-2 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

3. Em 13.03.2023, foi proferido despacho, convidando o Requerente a “no prazo de 5 dias, vir proceder à substituição da petição para o efeito de requerer a adopção da providência cautelar indicada (ou qualquer outra que a parte entenda como mais adequada), sob pena da rejeição liminar do requerimento inicial apresentado” (cf. despacho junto a fls. 69 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. O Requerente não procedeu à substituição da petição apresentada (cf. requerimento de fls. 73-95 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.».

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«Significa isto, assim, que ao requerente de dada intimação caberá alegar e demonstrar, por um lado, a indispensabilidade do recurso ao presente meio processual – em termos necessariamente conexionados com a defesa de um direito, liberdade ou garantia, nos termos a que supra se aludiu – e, por outro, a sua subsidiariedade, no sentido de que a tutela peticionada não se compadece com o recurso a qualquer outro tipo de acção de que possa lançar mão, juntamente (ou não) com o competente processo cautelar.
Neste contexto, compulsados os autos e independentemente de qualquer consideração adicional acerca da sua indispensabilidade, resulta evidente para este Tribunal que não se verifica, in concretu, a assinalada subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, atento o carácter absolutamente excepcional que este meio processual encerra, enquanto mecanismo tendente à prolação de uma decisão urgente e definitiva.
Com efeito, o intento que o Requerente aqui procura prosseguir – e que, como se viu, consiste primacialmente na obtenção de uma decisão incidente sobre o requerimento a que se alude no ponto 1. da matéria de facto que retro se deu por assente, com a consequente emissão do correlativo título de residência – facilmente poderá ser atingido através da propositura da competente acção administrativa, acompanhada da interposição de processo cautelar tendente à autorização provisória de residência e emissão do respectivo título (cf. artigo 112.º, n.º 2, alínea d), in fine, do CPTA) até que tal pedido seja decidido, cujos efeitos obviariam às consequências nefastas que aqui invoca e que assaca à pretensa actuação do Requerido.
Efectivamente, importa reter que o “normal e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados. Afigura-se, por isso, justificado recorrer, por norma, aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de difícil reparação (sobre os processos cautelares, cfr. artigos 112.º e segs), e reservar os processos urgentes para situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, que são aquelas para as quais, na verdade, não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente, ainda que complementado pelo decretamento provisório - se as circunstâncias o justificarem- de providências cautelares” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit., páginas 888 e 889) – orientação que aqui se sufraga integralmente, não vindo invocada qualquer justificação plausível para que este Tribunal da mesma se afaste.
Ora, contrariamente ao que argui o Requerente, ainda que de forma absolutamente dessubstanciada, não logra este Tribunal compreender porque é que não é possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar, sendo que, como se disse, se aventa como perfeitamente possível o pedido de uma autorização provisória de residência até que o pedido de autorização seja definitivamente decidido.
Assim, nem tal entendimento resulta prejudicado pela circunstância de o processo cautelar se afigurar precário e de haver o risco de “caso a ação principal venha a revogar a decisão inicial o Recorrente regressar a ilegalidade ou permanência ilegal” (que constitui nada menos que o racional base que subjaz processos cautelares) nem, muito menos, poderá o emprego da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ser justificado com a isenção objectiva de custas de que o mesmo goza, como chega a ser ensaiado pelo Requerente (cf. artigos 21.º e 22.º do seu requerimento de fls. 73-95 do processo electrónico), sendo que à parte sempre assistirá a possibilidade de solicitar apoio judiciário junto das autoridades administrativas competentes tendo em vista a propositura de uma acção administrativa (e eventual interposição de processo cautelar), conquanto a sua situação económico-financeira assim o permita, à luz das regras aplicáveis.
Em face do exposto, resulta, assim, manifesto que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se afigura, na situação sub judice, subsidiária face aos demais meios processuais, circunstância que impõe a rejeição liminar do r.i. apresentado, o que se julga de seguida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos.».

E o assim bem decidido é para manter, até porque o Recorrente se limita a discordar do juiz a quo, reiterando os argumentos que expendeu na petição inicial e na resposta ao despacho que o convidou a substituir aquela por requerimento cautelar.

Alega o Recorrente que: a sentença recorrida é apressada, deficiente, faz uma errada interpretação da lei e ignora a jurisprudência unânime do STA e deste TCAS; desde 2019, verifica-se uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar esta acção como o mecanismo processual idóneo a despoletar a emissão de uma decisão administrativa relativamente a pretensões de concessão de residência em território nacional, como resulta, designadamente, dos acórdãos do STA de 11.9.2019, no proc. nº 1899/18.0BELSB e do TCAS, de 15.12.2018, proc. nº 2482/17.2BELSB, de 29.11.2022, proc. nº 661/22.0BELSB, de 23.2.2023, proc. nº 2906/22.7BELSB, tendo o signatário visto confirmados pela quarta vez os seus argumentos sobre a idoneidade deste meio processual.
Contudo, existe jurisprudência deste Tribunal divergente na matéria [como o mandatário do Recorrente também sabe por ser signatário da maioria dos recursos em que a mesma recaiu] como, por exemplo, a que resulta dos acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt -, de 25.5.2023, proc. nº 140/23.8BESNT, de 13.7.2023, proc. nº 866/23.6BELSB, de 13.9.2023, proc.s nºs 3866/22.0BELSB e 924/23.7BELSB – não publicados, consultáveis no SITAF -, como expressa o sumário do acórdão proferido no indicado proc. nº 1151/23.9BELSB:
«I – Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade].
II – Invocando a autora que tem direito à concessão da autorização de residência, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inidóneo, já que a autora poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do réu a conceder, provisoriamente, a autorização de residência.
III - A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível[sublinhados nossos].
Ou se extrai do teor do prolatado no também referido proc. nº 140/23.8BESNT: «(…) // 21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 27-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação.
Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde Março 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal[sublinhados nossos].

Todas estes acórdãos [incluindo os referidos pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que os pressupostos de admissibilidade deste meio processual se aferem relativamente ao que concretamente é alegado, provado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do referido artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido o prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que tais requisitos se encontram verificados.
Mais, ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados na CRP como fundamentais ou direitos análogos, é ónus do requerente alegar e provar factos que permitam concluir pela indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão judicial de mérito que imponha à Administração uma determinada actuação ou omissão para assegurar o respectivo exercício em tempo útil, por o decretamento de uma providência cautelar, necessariamente dependente ou instrumental de uma acção administrativa não urgente, não ser possível ou suficiente atentas as circunstâncias do caso concreto – cfr. o disposto no nº 1 do artigo 109º do CPTA.
Não basta, por isso, o mandatário do Requerente invocar que já instaurou muitas outras acções de intimação parecidas ou para o mesmo efeito, e obteve várias decisões favoráveis em 1ª instância e em recurso, e, limitar-se a enunciar, em termos genéricos [e repetidos de petição em petição, de recurso para recurso], a violação de determinados direitos, liberdades e garantias - ou, como, no caso em apreciação, os direitos à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família -, sem observar o ónus, que recai sobre o requerente que representa, de densificar essa violação e de juntar prova para o efeito.
Ónus que o Requerente/recorrente, ao contrário do que vem alegado no recurso, não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência do uso desta acção de intimação.
Alega ainda o Recorrente, na petição e no presente recurso, que o único meio adequado para satisfazer a sua pretensão de intimação ou condenação do Recorrido a emitir a autorização de residência requerida, era/é a presente acção, de natureza urgente, principal e apta a decidir do respectivo mérito, por não ser idóneo para o efeito o decretamento de uma providência cautelar por precária e incerta, susceptível de esgotar o objecto da acção principal, e por as decisões de decretamento proferidas na matéria terem vindo a merecer recurso pelo Recorrido e algumas sido indeferidas por este Tribunal, mantendo a situação de ilegalidade e agravando o seu sofrimento.
Mas sem razão pelos argumentos já expendidos.
Com efeito, a tutela cautelar adequada permitirá, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 112º do CPTA, assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal, o que não resulta infirmado pela alegação do Recorrente de que é transitória e precária, ou mesmo que o Recorrido tem vindo a interpor recurso das decisões cautelares proferidas, aumentando a incerteza.
A tutela cautelar caracteriza-se, precisamente por ser provisória, sumária e instrumental, não pretendendo resolver o litígio de forma definitiva, mas sim até à decisão que venha a ser proferida na acção de que depende.
Acresce que se o Requerente/recorrente tivesse, na sequência da notificação do tribunal para o efeito, apresentado requerimento cautelar não poderia manter os exactos pedidos que formulou na petição – por nesta, relativa a acção de intimação, visar uma decisão sobre o mérito da causa e naquele uma tutela provisória dos seus direitos e interesses, com critérios de decisão, os previstos no artigo 120º do CPTA, também distintos. Assim poderia ter requerido providência de intimação do Recorrido a emitir autorização de residência provisória, ou/e a de intimação do mesmo a abster-se de adoptar as condutas que normalmente adoptaria perante cidadãos estrangeiros que não são titulares de autorização de residência no território nacional, ou/e outra de intimação a aceitar ou considerar válidos os documentos e vistos relativos à sua permanência no território nacional, cuja validade tenha expirado, ou/e de intimação a reconhecer, emitindo declaração em conformidade, que o documento que comprova que apresentou manifestação de interesse na emissão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 88º, nº 2 da Lei 23/2007, é comprovativo de situação regular para os efeitos de poder beneficiar, exercer os direitos indicados na petição de intimação, juntos de serviços públicos, ou qualquer outra providência inominada desde que adequada à finalidade pretendida enquanto não fosse decidida a acção principal [não urgente e ainda não instaurada], ou emitida a autorização de residência pretendida, se ocorresse primeiro.
Não tendo o Recorrente apresentado requerimento cautelar, impunha-se ao juiz a quo decidir como decidiu, rejeitando liminarmente a petição, sem conhecer do mérito da causa.
Razão pela qual irreleva a alegação de que foram ultrapassados os prazos [para a decisão de mérito] previstos no artigo 111º do CPTA ou de que a actuação do Recorrido é violadora dos disposto nos artigos 1º, 2º, 12º, 13º, 15º, 26º, 27º, 36º, 67º, 68º da CRP, 88º nº 2 das Leis nºs 59/17 e 102/17, nos 5º, 8º, 10°, 13º, do CPA e ainda no art.° 637° e 639° do CPC.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Ricardo Ferreira Leite)

(Catarina Vasconcelos)