Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:337/03.7BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores: PROVISÕES;
CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA;
IRC.
Sumário: I – Atento ao princípio da especialização dos exercícios, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não sendo aqui relevante o momento em que o crédito entra em mora.

II. O então art.° 34º, n.° 1, al. c), do CIRC, exigia não só o registo contabilístico das provisões para créditos de cobrança duvidosa, mas também que o sujeito passivo tivesse provas de terem sido realizadas diligências com vista ao recebimento dos valores em dívida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Veio a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por contra o acto de liquidação adicional de IRC de 1991, no montante de € 4.834,24.

A Recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação judicial e determinou a anulação parcial da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 1991.
II. A douta sentença do tribunal a quo, a nosso ver, e salvo o devido respeito, padece de erro de julgamento sobre a apreciação e valoração dos factos relevantes para o pedido e para a causa de pedir e mormente na interpretação e aplicação das correspondentes normas jurídicas.
III. Profere a douta decisão existir confusão por parte da Inspeção Tributária ao desconsiderar como custo fiscal a referida provisão e tendo em consideração que “O acto praticado violou a lei por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que dos elementos fornecidos à Administração Fiscal consta a indicação de terem sido reclamados judicialmente os créditos considerados de cobrança duvidosa e a prova de, em relação àqueles que se enquadram na alínea c) do n.° 1 do art.° 35.° do CIRC, de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, juntando-se cópias das cartas recebidas dos advogados onde afirmam terem efectuado “inúmeras diligências” para cobrança dos créditos considerados de cobrabilidade duvidosa, sendo que não juntou a totalidade das cartas remetidas a esses clientes, justificando essa opção pela imaterialidade desses créditos. ”
IV. No entanto como está explícito nos factos dados como provados e não provados: “A Impugnante não provou, relativamente aos créditos considerados de cobrança duvidosa referentes às “vendas a dinheiro de 1988 e 1989”, que tivessem sido efectuadas diligências para o seu recebimento. Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, referidos a propósito de cada alínea do probatório. Quanto aos factos não provados a convicção do Tribunal resulta da falta de prova nesse sentido, uma vez que a Impugnante não juntou qualquer documento que comprovasse a efectivação de diligências para o recebimento dos créditos relativos a vendas a dinheiro de 1988 e 1989, não tendo sequer identificado esses clientes.”
V. Acresce dizer que também não documentou com prova suficiente, para que as provisões que integrou como custos do exercício de 1991, relativas a 1990, no valor de €6.332,99, pudessem ser aceites.
VI. Ora na análise realizada pelos serviços de inspecção tributária, não cabe na previsão das normas (artigos 23.°, 33.°, 34.° do IRC) sobre a aceitação de provisões a documentação disponibilizada pelo sujeito passivo, facto que levou a inspecção a realizar a correcção da declaração de IRC.
VII. Neste sentido e de acordo com os factos que fundamentam a douta decisão e que foram dados como provados, está devidamente demonstrado nos pontos E), F), G), H), I), e J), as solicitações realizadas pelos serviços de inspecção ao sujeito passivo para justificar e fundamentar as referidas provisões, e nessa sequência foram facultadas respostas com elementos insuficientes para considerar a provisão como custo fiscal, culminando na correcção constante no ponto K).
VIII. A nossa discordância relativamente ao teor da sentença em crise prende-se com o facto de a mesma ter concluído pela ilegalidade do ato tributário impugnado e em julgar “a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, anulo a liquidação impugnada, na parte referente às provisões constituídas no exercício de 1990, no montante de Esc. 1.267.645$00 (€6.322,98)."
IX. Salvo o devido respeito, tal conclusão, errada, a nosso ver, resulta, antes de mais, do facto de o tribunal a quo ter efetuado uma errada interpretação e enquadramento dos elementos que o sujeito passivo disponibilizou para justificar a contabilização das provisões.
X. Com efeito, para considerar as provisões de cobrança duvidosa como um custo fiscal, à que atender ao artigo 34.° do CIRC, que estabelecia os pressupostos para que estas fossem aceites como custo fiscal, e claro também considerar o artigo 33.° do CIRC.
XI. Na verdade, a documentação inerente à demonstração do preenchimento dos pressupostos sobre a provisão de créditos para cobrança duvidosa, não foi apresentada pelo sujeito passivo em todas as fases do procedimento administrativo, portanto não foi, quando solicitada no procedimento inspectivo, não foi, quando o sujeito passivo apresentou a reclamação graciosa, nem quando requereu o recurso hierárquico, pelo que a decisão se manteve.
XII. Também nos autos de impugnação judicial não se encontra demonstrado que as provisões preencham os requisitos impostos pela Lei, como é exigível, aliás na sua petição inicial (entre os quesitos 61.° a 66.°) diz terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento acrescentando um conceito indeterminado, terem efetuado inúmeras diligências, mas relevando apenas que se disponibilizou a fazê-lo, mas nada juntando como prova documental (por ex.: interpelações aos clientes para cumprimento de pagamento, instauração de processos judiciais).
XIII. A documentação disponibilizada aos serviços de inspecção por parte do sujeito passivo não preenchiam os requisitos prescritos na Lei, para que fosse mantida, pelo que a contabilização dessas provisões como custo fiscal não puderam permanecer na ordem jurídica, caso contrário a administração fiscal teria aceitado a declaração apresentada.
XIV. Não tendo sido esses os procedimentos adotados no caso sub judicie, ou não terem sido demonstrados pelo sujeito passivo, nenhuma ilegalidade pode ser assacada, a nosso ver, à correção da matéria tributável, ao contrário do que vem confirmar a douta decisão.
XV. Porque neste caso o ónus da prova deve ser incumbido à Impugnante.
XVI. Sendo os sujeitos passivos livres de efetuar a gestão das empresas, suportando os gastos que considerem necessários. Diferente é a sua aceitação em termos fiscais. A aceitação fiscal dos gastos deverá obedecer à regra geral prevista no artigo 23.° do CIRC, de acordo com a qual “...são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC...” entre os quais as provisões (alínea h) n.° 1 do artigo 23.° do CIRC) desde que preenchidos os pressupostos de aceitação (ver artigos 33.° e 34.° do CIRC).
XVII. Outrossim é o facto de que ao contrário do que alega a Impugnante, de acordo com o montante das provisões contabilizadas no exercício de 1990, não é impeditivo da correcção realizada pelos serviços inspetivos, considerando que os montantes corrigidos constam igualmente no saldo dos créditos de cobrança duvidosa referidos na Modelo 22 do exercício de 1991, assim influenciando o lucro tributável, quer como provisões, quer como eventuais reposições de provisões.
XVIII. A Fazenda Pública propugna pela procedência do recurso, devendo a sentença recorrida, ser revogada, e decidida a improcedência da impugnação no que concerne à ilegalidade assacada à liquidação impugnada, por erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito.
XIX. Neste caso não estão preenchidos ou demonstrados por parte Impugnante os critérios prescritos na Lei para proceder à contabilização das provisões como custo fiscal.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação ser julgada improcedente.”.

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A Recorrida não contra-alegou.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito com referência às provisões para créditos de cobrança duvidosa, por ter entendido que, atento o princípio da especialização dos exercícios, os serviços de inspecção tributária não poderiam ter corrigido no exercício de 1991 o valor de € 6.322,98 que foi contabilizado como custo no exercício de 1990 a título de provisões para créditos de cobrança duvidosa.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos:
“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos com interesse à decisão:

A) Em 19-05-1992 a Impugnante apresentou junto do 1.° Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira a sua declaração de rendimentos, Mod. 22 de I.R.C., referente ao exercício de 1991 (cfr. doc. a fls. 100 a 101 do Processo Administrativo (PA) Apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

B) Na declaração de rendimentos referida em A) a Impugnante declarou/indicou, no respectivo quadro 12 - Demonstração de resultados - linha 22 - Provisões do exercício, o montante de 1.823.579$00 (cfr. doc. a fls. 100 e 101 do PA Apenso de Recurso Hierárquico (RHQ - 93/02), idem);

C) A Impugnante entregou conjuntamente com a declaração de rendimentos referida em A), o mapa de provisões - Mapa modelo 30 (cfr. admissão por acordo e doc. a fls. 107 do PA Apenso, ibidem);

D) Em anexo ao mapa referido em C), foi junta a relação de todos os clientes sobre os quais foi constituída provisão para "créditos de cobrança duvidosa", e do qual resulta que no ano de 1991 não foram considerados novos clientes como de cobrança duvidosa e que relativamente às "vendas a dinheiro", só foi reforçada a provisão nas "vendas a dinheiro" efectuadas durante o ano de 1989, em 50% do valor em dívida, pelo que foi constituída provisão no valor de 532.527$00 (cfr. admissão por acordo e doc. a fls. 113 do PA Apenso, ibidem);

E) Na sequência de análise interna à declaração de rendimentos referida em A), anexos e restantes documentos que a integravam, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, visando o exercício supra referenciado, solicitaram à Impugnante, através do ofício n.° 660 de 17-01-1994, que, entre o demais, remetesse àquele serviço a relação dos clientes de cobrança duvidosa onde conste os nomes, os números de facturas e datas de vencimento, assim como o devido montante, e provas de esses créditos terem sido reclamados (cfr. doc. a fls. 118 do PA, ibidem);

F) Por carta de 07-02-1994, veio a Impugnante responder à solicitação referida em E), tendo junto a listagem dos principais clientes de cobrança duvidosa e das diligências efectuadas para cobrança dessas dívidas, no que se refere aos créditos em atraso em 1991 dos clientes C......, M......, A......, L......, Lda e C......, informando o seguinte:
1º. Clientes cobrança duvidosa:
As provisões constituídas dizem respeito a reforços (Esc. 1.823.579$00) de 25% e de 50% aos montantes constituídos em exercícios anteriores, pelo facto de a antiguidade dos saldos ter atingido, na maioria dos casos, vinte e quatro meses. Face à grande quantidade de documentos, juntamos fotocópia dos elementos solicitados referentes aos principais créditos cuja cobrança se afigurava duvidosa e cuja provisão foi, no exercício de 1991, reforçada nos termos legais (...)" (cfr. doc. a fls. 119 e 120 e 123 a 147 do PA Apenso, ibidem);

G) Por ofício n.° 04110 de 07-03-1994, os Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, solicitaram à Impugnante, que remetesse àquele serviço a relação de todos os clientes de cobrança duvidosa, onde conste os nomes, os números de facturas, valores em dívida e datas de vencimento, onde o total em causa é de 10.472.004$00, uma vez que, no esclarecimento de 07-02-1994 apenas mencionaram alguns (cfr. doc. 5 a fls. 24 do PA Apenso, ibidem);

H) Em 07-02-1994 a Impugnante, em resposta à solicitação referida em G), remeteu aos Serviços de Inspecção Tributária cópia dos Mapas das Provisões dos exercícios de 1990 e 1991 com os documentos internos que serviram de base ao respectivo cálculo (cfr. doc. a fls. 111 a 117 do PA Apenso, ibidem);

I) Pelos Serviços de Inspecção Tributária foi elaborado o mapa de apuramento Mod. DC - 22, tendo sido acrescido ao lucro tributável do exercício de 1991, a quantia de 1.800.172$00 (€8.979,22), pelo que o lucro tributável daquele exercício, foi alterado para 44.566.919$00, em vez do declarado de 42.766.747$00 (cfr. fls. 98 e 99 do PA Apenso, ibidem);

J) As correcções referidas em I) tiveram a seguinte fundamentação: "(...) São provisões para cobranças duvidosas sem que sejam identificados os respectivos clientes e portanto não haverem provas das reclamações como prevê o art.° 34.° do CIRC.
Por duas vezes foi solicitado a identificação dos clientes de cobranças duvidosas, e apenas foram referidas vendas a dinheiro no ano de 1988, 735.118$00 e no ano de 1989 1.065.054$00.". (cfr. fls. 98 e 99 do PA Apenso, ibidem);

K) Em 30-03-1995, a Administração Tributária efectuou a liquidação adicional de IRC, com o n.° ......, relativa ao exercício de 1991, como o valor a pagar de 969.178$00 (€4.834,24), tendo como data limite de pagamento 21-06-1995, a qual teve por base as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária no mapa de apuramento Mod. DC - 22, referido em I) supra (cfr. fls. 19 e 41 dos autos, ibidem);

L) Em 19-09-1995, a Impugnante deduziu reclamação graciosa, contra a liquidação adicional referida em K), com os seguintes fundamentos:
1.°
A reclamante contabilizou no exercício de 1991 Provisões para créditos de cobrança duvidosa no montante de Esc. 2.664.221$00.

Em 1990 foram considerados de cobrança duvidosa a diversos clientes cujas compras de pequenos montantes foram contabilizados numa conta global de "vendas a dinheiro de 1989".

Em relação a este grupo de clientes foram efectuadas diversas diligências no sentido da cobrabilidade dos respectivos créditos.

O que se revelou de todo infrutífero.

Por motivo de obras, os elementos contabilísticos do ano de 1989, foram encaixotados, mostrando-se de difícil pesquisa os elementos solicitados pela fiscalização.

Porém, não tem razão a fiscalização quando propõe uma correcção de Esc. 1.800.172$00 porquanto a verba que no ano de 1993 afectou os resultados do exercício foi tão só a de 532.527$00.

É que o valor total dos créditos considerados duvidosos de Esc. 1.800.172$00 não é o mesmo que a provisão constituída no exercício de Esc. 532.527$00, afectou os respectivos resultados.
Nestes termos deve a correcção proposta ser revista e corrigida para o montante de 532.527$00, única verba que no ano de 1991 influenciou os custos e, consequentemente o resultado, a qual não pôde ser justificada com os respectivos documentos de suporte,
como é de justiça. (...)". (cfr. carimbo aposto a fls. 2 do PA de Reclamação Graciosa (RG), apenso ao PA de Recurso Hierárquico) RHQ - 93/ 02), ibidem);

M) Em 20-02-2002, foi proferido "projecto de despacho" pelo Chefe da Divisão de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, no sentido de indeferir a reclamação graciosa referida em L) e de ser concedido o direito de audição prévia (cfr. fls. 32 a 37 do PA de RG, apenso ao RHQ - 93-02, ibidem);

N) Por ofício n.° 05912 de 25-02-2002, da Divisão de Justiça Administrativa da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada do projecto da decisão referida em M) e para exercer o direito de "audição prévia" (cfr. fls. 38 e 39 do PA de RG, apenso ao RHQ - 93-02, ibidem);

O) A Impugnante não exerceu o direito de "audição prévia", mencionado em N) (cfr. PA de RG, apenso ao RHQ - 93-02, ibidem);

P) Em 25-03-2002 foi proferido despacho pelo Director de Finanças da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, a indeferir a reclamação graciosa referida em L) supra (cfr. fls. 40 a 45 do PA de RG, apenso ao RHQ - 9302, ibidem);

Q) Por ofício n.° 10760, de 04-04-2002, da Divisão de Justiça Administrativa da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, recebido pela Impugnante em 05-04-2002, foi a mesma notificada do despacho referido em P) supra (cfr. fls. 46 e 47 do PA de RG, apenso ao RHQ - 93-02, ibidem);

R) Em 26-04-2002, a Impugnante deduziu recurso hierárquico tendo por objecto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada em P) supra (cfr. data aposta a fls. 2 do PA de RHQ - 93-02 Apenso, ibidem);

S) Em 13-12-2002, a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia referida em K), no processo executivo n.° ...... (cfr. fls. 121 dos autos, ibidem);

T) Por despacho do Sr. Subdirector-Geral do Imposto sobre o Rendimento datado de 10-01-2003, foi indeferido o recurso hierárquico identificado em R) supra, tendo por base a informação proferida por aqueles serviços, e da qual consta o seguinte:
“os montantes das vendas a dinheiro, sob o ponto de vista contabilístico e fiscal não podem nunca fazer parte dos montantes em dívida para com a empresa.
· Aliás, a empresa não questiona a correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção, quanto à não aceitação como custos em 1991, do remanescente dos 50% sobre as vendas a dinheiro de 1989 que contribuíram para a constituição da provisão no valor de 2.656,23€ (532.527$).
· Discorda, é que essa correcção se estenda aos valores que contribuíram para a constituição das provisões para cobrança duvidosa em 1990 no montante de 6.332.99€ (1.267.645$).
· O que revela que a empresa descurou o facto de, para ser considerado como custo fiscal, o valor acumulado da provisão para cobranças duvidosas será correspondente aos montantes de crédito, que estejam associados riscos de cobrabilidade, resultantes da sua actividade normal, e, como tal evidenciados na contabilidade, o que não se verificou.
4. CONCLUSÃO
Das correcções propostas pelos Serviços de Inspecção Tributária no montante de 8.979,22€ (1.800.172$) conclui-se que:
• contribuinte, integrou verbas que foram consideradas como custos dos exercícios - provisões do exercício - em 1990 (6.322,99€ - 1.267.645$) e 1991 (2.656,23€ - 532.527$);
• que foram efectuadas, sob montantes de "Vendas a Dinheiro efectuadas em 1988 e 1989";
• dos quais, sob o ponto de vista fiscal, não têm qualquer enquadramento em provisões para cobranças duvidosas.
Na verdade, para ser considerado como custo fiscal, o valor acumulado da provisão para cobranças duvidosas, deverá corresponder aos montantes de crédito, cuja incobrabilidade seja factualmente comprovada e como tal evidenciada na contabilidade, o que não se verifica, quando são consideradas verbas relativas a vendas a dinheiro de 1998 e 1999, pelo que em face da argumentação aduzida, sou de opinião de que o presente recurso deve ser indeferido.
5. DIREITO DE AUDIÇAO
Não tendo o sujeito passivo carreado factos novos ao processo, e tendo já sido ouvido sobre os factos em discussão, sou de opinião de propor a dispensa de audiência, fundamentado na alínea c) do ponto 3 da Circular 13 de 08.07.1999 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária.(...)".(cfr. fls. 3 a 8 do Proc. n.° 1703/02 Apenso, ibidem);

U) Em 13-02-2003 a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento mencionada em T) (cfr. fls. 56 e 57 do PA de RHQ - 93/02 Apenso, ibidem);

V) A presente acção foi instaurada em 15-04-2003 (cfr. fls. 3 dos autos).

FACTOS NÃO PROVADOS
A Impugnante não provou, relativamente aos créditos considerados de cobrança duvidosa referentes às "vendas a dinheiro de 1988 e 1989", que tivessem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, referidos a propósito de cada alínea do probatório.
Quanto aos factos não provados a convicção do Tribunal resulta da falta de prova nesse sentido, uma vez que a Impugnante não juntou qualquer documento que comprovasse a efectivação de diligências para o recebimento dos créditos relativos a vendas a dinheiro de 1988 e 1989, não tendo sequer identificado esses clientes.”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o IRC de 1991 e com referência às provisões para créditos de cobrança duvidosa, por entender que, atento o princípio da especialização dos exercícios, os serviços de inspecção tributária não poderiam ter corrigido no exercício de 1991 o valor de € 6.322,98 que foi contabilizado como custo no exercício de 1990 a título de provisões para créditos de cobrança duvidosa.

Não concordando com o assim decidido veio a Fazenda Pública apresentar o presente recurso alegando que, para considerar as provisões de cobrança duvidosa como um custo fiscal, importa atender ao artigo 34.° do CIRC, que estabelecia os pressupostos para que estas fossem aceites como custo fiscal, bem como ao artigo 33.° do CIRC. Mais afirma que a documentação inerente à demonstração do preenchimento dos pressupostos sobre a provisão de créditos para cobrança duvidosa, não foi apresentada pelo sujeito passivo em todas as fases do procedimento administrativo (quando solicitada no procedimento inspectivo, quando o sujeito passivo apresentou a reclamação graciosa nem quando apresentou o recurso hierárquico), pelo que a decisão se manteve. (cfr. conclusões X e XI das alegações). Defende ainda que relativamente ao montante das provisões contabilizadas no exercício de 1990, não é impeditivo da correcção realizada pelos serviços inspetivos, considerando que os montantes corrigidos constam igualmente no saldo dos créditos de cobrança duvidosa referidos na Modelo 22 do exercício de 1991, assim influenciando o lucro tributável, quer como provisões, quer como eventuais reposições de provisões (cfr. conclusão XVII das alegações).


Vejamos então.

Para o efeito a sentença recorrida considerou, na parte que aqui interessa, o seguinte “É certo que no documento de correcção a Inspecção Tributária fundamenta a correcção efectuada ao exercício de 1991, com a desconsideração do custo fiscal da provisão constituída para créditos de cobrança duvidosa de “vendas a dinheiro” no ano de 1988 e 1989, por não terem sido identificados os clientes, e como tal não existirem provas das reclamações efectuadas, nos termos do disposto no artigo 34.º do CIRC, no entanto, tal conclusão assenta num pressuposto errado.

Para que a Inspecção Tributária pudesse acrescer ao lucro tributável o valor total desses créditos considerados de cobrança duvidosa, necessário era que sobre o valor total dos mesmos tivesse sido constituída uma provisão no exercício de 1991, ou seja, que o valor total desses créditos tivesse sido considerado um custo nesse exercício, o que não sucedeu tal como é invocado pela ora Impugnante (…) Efectivamente, tal como é afirmado pela Impugnante e resulta do probatório (cfr. alínea D) do probatório) no exercício de 1991, apenas foi contabilizado como custo o reforço das provisões para créditos de cobrança duvidosa relativos às “Vendas a dinheiro 1989”, no montante de Esc. 532.527$00, pelo que só esta provisão poderia ser corrigida, e não o valor de Esc. 1.800.172$00, o qual corresponde ao valor do crédito considerado de cobrança duvidosa sobre essas vendas a dinheiro.

Deste modo, a Inspecção Tributária no exercício de 1991 corrigiu indevidamente o montante de Esc. 1.267.645$00 (€6.322,98), referente a provisões que foram consideradas como custo fiscal no exercício de 1990, o que não é legalmente admissível atento o imperativo constitucional previsto no artigo 107.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (na redacção da Lei Constitucional 1/89, de 8/7, aplicável à data), de que a tributação das empresas deverá incidir sobre o seu rendimento real, e o princípio da especialização económica dos exercícios previsto no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, em vigor à data dos factos, sendo que, nessa parte, o acto tributário impugnado é ilegal.” .

Importa destacar que as provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto, refletindo o respeito por dois princípios contabilísticos: o princípio da prudência e o princípio da especialização dos exercícios.

Por um lado, o respeito pelo princípio da prudência determina que sejam acauteladas consequências futuras decorrentes de certos eventos, através de estimativas exigidas em condições de incerteza, por outro, o princípio da especialização dos exercícios determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

Na constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, e seguindo o princípio da especialização dos exercícios, estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não sendo, pois, relevante, a este propósito, o momento em que o crédito está em mora.

Desta forma podemos afirmar que as provisões, conjugando o princípio da prudência com o da especialização dos exercícios, visam acautelar eventos futuros de ocorrência provável.

Ora nos termos do art.º 23.º, al. h), do Código do IRC (na redacção ao tempo), as provisões poderiam ser consideradas como custos fiscais.

E o art.º 33.º do CIRC enunciava, taxativamente, o elenco de provisões fiscalmente dedutíveis, constando, da al. a) do seu n.º 1 a possibilidade de dedução de provisões que “… tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.

Por sua vez o art.º 34.º do CIRC consagrava o seguinte:

1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses.

3 - Não serão considerados de cobrança duvidosa:

a) Os créditos sobre o Estado, regiões autónomas e autarquias locais ou aqueles em que estas entidades tenham prestado aval;

b) Os créditos cobertos por seguro, com exceção da importância correspondente à percentagem de descoberto obrigatório, ou por qualquer espécie de garantia real;

c) Os créditos sobre pessoas singulares ou coletivas que detenham mais de 10% do capital da empresa ou sobre membros dos seus órgãos sociais, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1;

d) Os créditos sobre empresas participadas em mais de 10% do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1”.

Do teor do art.º 34.º, n.º 1, al. c) do CIRC, acima transcrito, resulta que o sujeito passivo deve, desde logo, ter na sua posse prova de terem sido realizadas diligências para o recebimento dos valores em dívida. Refira-se que, do ponto de vista temporal, as diligências têm de já ter ocorrido até ao final do exercício a que respeita o custo consubstanciado na provisão. Não basta a exigência do registo contabilístico das provisões, prevendo-se expressamente a obrigatoriedade de o sujeito passivo dispor de tal prova da efetivação das diligências.

Não sendo apresentada a mencionada prova, encontra-se a AT legitimada a proceder às correções respetivas.


No caso em apreço foi efectuada uma correção pelos serviços de inspeção tributária na declaração mod. DC-22 do exercício de 1991 com referência às provisões para créditos de cobrança duvidosa relativos a “vendas a dinheiro dos anos de 1988 e 1989” e em relação aos quais não foram identificados os clientes e para as quais não se provaram as diligências efectuadas nos termos do art. 34º do CIRC e, como tal, não foram aceites como custos, tendo sido acrescidos ao lucro tributável do exercício de 1991.

O Tribunal recorrido entendeu que, em relação aos créditos considerados de cobrança duvidosa, o Impugnante não efectuou qualquer prova das diligências encetadas para o recebimento de tais créditos, argumento ora reiterado pela Recorrente, mas coincidente com a apreciação feita pelo tribunal a quo. A divergência surge em relação ao âmbito das correções, porquanto na decisão recorrida e tomando em consideração o princípio da especialização dos exercícios foi considerado que o valor da correcção deveria abranger apenas os créditos considerados como de cobrança duvidosa que foram registados como custos do exercício, tendo assim o tribunal a quo concluído que, no exercício de 1991 apenas foi contabilizado como custo o reforço das provisões para créditos de cobrança duvidosa no valor de € 2.656,23 (532.527$00) pelo que só esta provisão poderia ser corrigida e acrescida ao lucro tributável daquele exercício. Destarte foi considerada como indevidamente acrescida ao lucro tributável do exercício de 1991 o montante de € 6.322,98 (1.267.643$00) relativo a provisões que foram consideradas como custo fiscal do ano de 1990.

Contra este entendimento vem a Fazenda Pública invocar que relativamente ao montante das provisões contabilizadas no exercício de 1990, não é impeditivo da correcção realizada pelos serviços inspetivos, considerando que os montantes corrigidos constam igualmente no saldo dos créditos de cobrança duvidosa referidos na Modelo 22 do exercício de 1991, assim influenciando o lucro tributável, quer como provisões, quer como eventuais reposições de provisões, mas não lhe assiste razão como veremos de seguida.

Tal como já referido anteriormente, na constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, atento ao princípio da especialização dos exercícios, as referidas provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não sendo, relevante neste aspecto, o momento em que o crédito está em mora. Nesse sentido veja-se o Acórdão do TCA Sul de 14/11/2019 – rec. 9467/16 ao mencionar expressamente que “Considerando o princípio da especialização dos exercícios, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, não sendo aqui relevante o momento em que o crédito entre em mora.”.

E destacamos ainda o Acórdão do TCA Sul de 25.04.2004- rec. 04778/01 quando afirma que “ (…) 2. As provisões para créditos de cobrança duvidosa também constituem custos fiscais do exercício em que são constituídas.

3. Todavia, estas provisões, para terem relevância como custo fiscal, têm de ser constituídas no exercício em que o risco de incobrabilidade do crédito é constatada e reflectida na contabilidade, exercício esse que não tem necessariamente que coincidir com aquele em que a mora do crédito ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança, de que o crédito é de cobrança duvidosa.

4. Assim, por força do princípio da especialização dos exercícios, estas provisões só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício em que os créditos a que se reportam foram considerados de cobrança duvidosa e como tal contabilizados, e não já dos exercícios posteriores.” (sublinhado nosso)

Em face do exposto concluímos que a sentença recorrida não merece qualquer censura, improcedendo o recurso ora apresentado.

Da condenação em custas.

Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, importa atender que, nos processos instaurados até 01/01/2004 (como é o caso), a Fazenda Pública estava isenta do pagamento de custas, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).


V- DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas por delas estar isenta a Recorrente.

Lisboa, 27 de Maio de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Mário Rebelo e Tânia Meireles da Cunha].