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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07285/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/27/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
DIREITO À INFORMAÇÃO.
DIREITO À INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL E NÃO PROCEDIMENTAL.
MEIO PROCESSUAL DE INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO NO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO.
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. O direito à informação é comummente identificado como um corolário dos princípios da publicidade e da transparência, os quais devem nortear toda a actividade administrativa.
5. O direito à informação procedimental, isto é, o direito à informação administrativa dos directamente interessados num procedimento de cariz administrativo e que esteja pendente, está consagrado no artº.268, nº.1, da Constituição da República, conforme mencionado supra, tendo sido alargado, através do artº.64, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), aprovado através do dec.lei 442/91, de 15/11, a todos aqueles que tiverem um interesse legítimo na obtenção da informação administrativa procedimental.
6. O direito à informação não procedimental, ou seja, o direito à informação administrativa por parte de todo e qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, está consagrado no artº.268, nº.2, da Constituição da República. No âmbito da lei ordinária, é o artº.65, do C.P.A., que regulamenta o direito à informação não procedimental, também chamado princípio do arquivo aberto, respeitando a todos os documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos. Através da Lei 65/93, de 26/8 - Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) - regulamentou-se o acesso aos arquivos e registos administrativos (cfr.actualmente a Lei 46/2007, de 24/8).
7. No âmbito do direito tributário, no que diz respeito aos consagrados direitos à informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, deve ainda levar-se em consideração os artºs.59, da L. G. Tributária (o qual consagra o conteúdo do princípio da colaboração a que estão vinculados, tanto a A. Fiscal como os contribuintes), 64 (o qual consagra o princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes, por que deve rejer-se a actividade tributária), 67 e 68, todos do mesmo diploma (que consagram o direito de acesso dos contribuintes, ou dos seus representantes, aos respectivos processos individuais devidamente organizados e conservados pela administração fiscal).
8. O meio processual destinado ao reconhecimento judicial dos mencionados direitos encontra-se consagrado actualmente nos artºs.104 e seg. do C.P.T.A. (cfr.anteriormente os artºs.82 e seg., da L. P. T. A.), sendo o mesmo aplicável na jurisdição fiscal, “ex vi” do artº.146, nº.1, do C. P. P. Tributário.
9. O artº.54, nº.1, da L.G.T., preceito que contém uma enumeração meramente exemplificativa, define o conceito e âmbito do “procedimento tributário” que corresponde ao de “processo administrativo tributário” definido no artº.71, do anterior C.P.T. É abrangido neste conceito toda a actividade da administração tributária que tem em vista a declaração dos direitos tributários. Também o artº.44, nº.1, do C.P.P.T., nos define as actividades que integram o procedimento tributário. Mais uma vez nos encontramos perante lista de actividades meramente exemplificativa, uma vez que a al.i), deste normativo alude a quaisquer outros actos, ainda não especificados e dirigidos à declaração dos direitos tributários.
10. Dentro do procedimento tributário, vamos encontrar o específico procedimento de liquidação (cfr.artº.54, nº.1, al.b), da L.G.T.; artº.44, nº.1, al.b), do C.P.P.T.), o qual abrange toda a actividade tendente à liquidação dos tributos, iniciando-se, normalmente, com as declarações dos contribuintes e contendo uma fase de fixação da matéria tributável.



O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIRECTOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.48 a 53 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente o meio processual acessório de intimação para prestação de informações deduzido pelo recorrido, ... , em consequência do que intima o recorrente a emitir, no prazo de cinco dias:
1) Certidão do procedimento que culminou com a notificação do ofício referido no nº.1 do probatório, ou,
2) Certificar a inexistência dos elementos pretendidos pelo requerente.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.74 a 84 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso jurisdicional é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que determinou a autoridade requerida a emitir, no prazo de cinco dias, certidão do procedimento que culminou com a notificação do ofício com data de 11/06/2013 sobre Erros Centrais na declaração mod. 3 de IRS, Exercício de 2012 ou a certificar a inexistência dos elementos pretendidos pelo requerente;
2-Ao assim decidir, a douta sentença recorrida terá abstraído do teor do Ofício DSIRS com data de 11/06/2013, bem como do conteúdo do pedido de certidão requerido, para além de não ter considerado o Ofício da DSIRS nº.14881, com data de 22/8/2013, incorrendo assim em insuficiente apreciação da matéria de facto e incorrecta aplicação da lei aplicável;
3-No Ofício de 11/06/2013, identificava-se como "ASSUNTO: Erros centrais na declaração modelo 3 de IRS, exercício de 2012.
Para a declaração mod. 3 de IRS, submetida via Internet, foi verificada a existência dos seguintes erros após validação central:
C70-lncompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro.
Solicita-se a V. Exa. que proceda à correcção, para o que deverá entrar de novo na Entrega de declarações Via Internet", dispondo de um prazo de 30 dias, nos termos da Portaria que aprova os modelos de impressos a que se refere o nº.1 do artigo 57 do Código do IRS, contado continuamente a partir da data do acesso à caixa postal electrónica ou, em caso de ausência de acesso à caixa postal electrónica, do 25º. dia posterior ao envio da notificação, nos termos dos nºs.9 e 10 do artigo 39 do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Caso considere que a sua declaração não apresenta qualquer elemento passível de correcção deve deslocar-se ao seu Serviço de Finanças onde poderá justificar o(s) motivo(s) pelo(s) qual(s) efectuou assim o preenchimento da declaração.";
4-No caso em presença, seria assim, descrita a desconformidade detectada pelos serviços centrais na fase da validação da declaração de IRS entregue por INTERNET, como sendo C70-lncompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro, e convocar-se-ia o contribuinte para a sua correcção ou esclarecimento junto do serviço de finanças, no âmbito do princípio da colaboração entre a administração tributária e os contribuintes;
5-Inexiste qualquer outra explicitação, mais completa, para a comunicação da incompatibilidade detectada na validação, porquanto;
6-É sabido que a entrega electrónica da declaração mod 3 de IRS está sujeita a determinados procedimentos informáticos como a submissão que na sequência do preenchimento da declaração detectará, numa primeira fase, a coerência dos elementos inscritos pelo contribuinte face aos dados previamente registados e, numa segunda fase, a validação da declaração pelos serviços centrais que ocorrerá por regra quarenta e oito horas após a submissão e que deverá certificar a declaração em conformidade com os elementos existentes no respectivo cadastro. Só após é que estará validamente formalizada a entrega por via electrónica da declaração mod. 3 de IRS;
7-Tal incompatiblidade assume-se meramente como um facto ocorrido no processamento electrónico de validação das declarações, uma operação material não inserida em nenhum procedimento tributário, aliás, no momento, inexistente;
8-Não é passível de configurar um acto jurídico, seja administrativo seja tributário;
9-Pelo que, ao contrário do entendimento da douta sentença recorrida, o pedido do ora recorrido de "notificação da fundamentação legalmente exigida do documento em apreço, uma vez que o requerente desconhece, por completo, os termos e os fundamentos daquela alegada incompatibilidade" não estará a reportar-se "a elementos do procedimento tributário - fase de lançamento e liquidação, cujo conhecimento está garantido pelo princípio da tutela judicial efectiva para o exercício esclarecido de direitos processuais", por estar em causa um facto ocorrido na entrega electrónica da declaração de rendimentos, portanto, em momento anterior a qualquer fase de lançamento e de liquidação de imposto;
10-Nem o pedido do recorrido se reconduzirá ao exercício do direito à informação sobre a sua situação tributária previsto na al.c), nº.1, do artº.67, da LGT, ou de um direito à informação procedimental ou de acesso aos arquivos e registos administrativos previsto no nº.1, do artº.104, do CPTA, aplicável “ex vi” artº.146, nº.1, do CPPT, como decorre dos próprios termos em que é formulado - "fundamentação do documento em apreço";
11-Não será assim exigível ao caso a disciplina da fundamentação para os actos procedimentais ou tributários nos termos previstos no artº.77, da LGT, que se refere à obrigatoriedade e forma que deverá revestir a fundamentação da decisão do procedimento, porquanto;
12-É que, como refere o Prof. Carlos Vieira de Andrade, o dever de fundamentação que recai sobre Administração Tributária é a obrigação de indicar as razões de facto e de direito determinantes dos seus actos, exteriorizando, assim, o procedimento interno de formação da vontade decisória (in "O dever de fundamentação expressa dos actos administrativos, Coimbra, 1991, p.13);
13-No caso em apreço, esse dever de fundamentação não existe;
14-Por outro lado, a douta sentença recorrida ao julgar que "inexistindo quaisquer dos elementos pedidos, ou nada mais existindo do que aquilo que já foi comunicado, o que a autoridade deve fazer é informar disso mesmo o requerente, certificando a inexistência dos elementos peticionados", não teve em consideração o Ofício nº.14881, de 22/08/2013, assinado pela Directora de Serviços do IRS e que consta do PA junto à resposta;
15-Na verdade, pelo Ofício nº.14881, sob o assunto "ERRO Central C70 - pedido de notificação de fundamentação", é esclarecido o contribuinte de que a comunicação não constitui uma notificação, como contém os fundamentos de facto - foi entregue um anexo de IRS que não é compatível com a opção constante do cadastro do sujeito passivo, solicita em conformidade que tal incorrecção seja corrigida num determinado prazo e indica a Portaria aplicável ao caso;
16-De facto, a autoridade requerida identificou e comunicou correctamente o erro detectado na entrega electrónica da declaração mod. 3 de IRS do contribuinte;
17-Solicitou a colaboração do mesmo para sua correcção ou esclarecimento no âmbito do princípio da colaboração consignado no artº.59, da LGT, de acordo com o qual, os órgãos da Administração Tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco, traduzindo-se tal colaboração na notificação do sujeito passivo ou demais interessados para esclarecimentos das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos por um lado, e que a colaboração dos contribuintes com a Administração Tributária compreenderá o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária;
18-Para além do referido Ofício nº.14881, de 22/08/2013 ter respondido integralmente ao pedido formulado pelo requerente, na medida em que nenhum acto procedimental ou outro haveria que fundamentar por simplesmente inexistir qualquer procedimento ou estar em causa informação que já não estivesse contida na comunicação efectuada pelo Ofício de 11/06/2013;
19-Pelo que, a douta sentença recorrida ao não ter levado à matéria de facto provada o Ofício nº.14881, de 22/08/2013, e não valorá-lo no âmbito da resposta da Administração Fiscal ao requerimento do contribuinte, procede, salvo o devido respeito, a uma deficiente apreciação dos factos trazidos aos autos e a uma incorrecta subsunção jurídica;
20-De igual modo, não poderia, ainda, a douta sentença recorrida concluir como concluiu, que o pedido do recorrido se referia a elementos do procedimento tributário -fase de lançamento e liquidação, cujo conhecimento está garantido pelo princípio da tutela judicial efectiva para o exercício esclarecido de direitos processuais e que a Administração Fiscal não satisfez integralmente o pedido de certidão e que inexistindo quaisquer dos elementos pedidos, ou nada mais existindo do que aquilo que já foi comunicado, o que a autoridade deve fazer é informar disso mesmo o requerente, certificando a inexistência dos elementos peticionados;
21-Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de intimação de passagem de certidão com todas as legais consequências ou, se assim não se entender, que julgue extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.89 a 101 dos autos), sustentando, nas Conclusões:
1-O recorrido em 2011 entregou a sua declaração Modelo 3 com o anexo C -contabilidade organizada;
2-A qual foi aceite e, na sequência, liquidado o correspondente imposto;
3-O recorrido não exerceu nenhuma opção, não tendo sido por sua iniciativa efectuada nenhuma mudança no seu cadastro;
4-Para o período de 2012, também procedeu à entrega da sua declaração Modelo 3 com mesmo o anexo C - contabilidade organizada;
5-Tendo porém sido notificado do documento em causa nos presentes autos -"Erros centrais na declaração modelo 3 de IRS, Exercício de 2012";
6-O ofício em apreço está sujeito a fundamentação;
7-Uma vez que o mesmo é um acto que se integra no procedimento de lançamento-liquidação do IRS, nos termos dos artigos 65 e 76 do CIRS;
8-O pedido de notificação da fundamentação do documento em apreço, está a reportar-se um acto em matéria tributária do procedimento tributário de lançamento-liquidacão do imposto;
9-Uma vez que afecta os direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes;
10-E como tal é um acto que carece de fundamentação expressa e acessível, nos termos do nº.3, do artigo 268 da CRP;
11-Nos termos deste artigo, os administrados têm o direito à fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que, o artigo 77, da LGT, estende este dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, onde se integra a situação em apreço;
12-Nos termos do artigo 77, da LGT, a decisão do procedimento deverá ser sempre fundamentada, consistindo esta numa exposição das razões de facto e de direito dos actos da administração, exteriorizando, assim, o procedimento interno de formação da vontade decisória;
13-Mais ainda, nos termos do nº.2, do artigo 36, do CPPT, "as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado";
14-Pelo que concluímos que, no caso em apreço, estamos perante um acto que faz parte do procedimento tributário de lançamento-liquidação, e como tal trata-se de um acto em matéria tributária, o qual afecta os direitos e interesses protegidos do contribuintes, estando o mesmo sujeito a fundamentação, nos termos do nº.3, do artigo 268, da CRP, bem como do artigo 77, da LGT, e do direito à informação estabelecido na alínea c), do nº.1, do artigo 67, da LGT;
15-No caso em apreço, nunca (nem sequer no Ofício n.° 14881, de 22 de Agosto de 2013) é esclarecida qual a incompatibilidade entre o anexo e a opção em cadastro;
16-Isto é, não responde qual é essa alteração que está em causa no ofício e o porquê da sua efectivação?
17-Bem como não responde porque é que deixou de preencher os pressupostos do regime fiscal que lhe é aplicável?
18-Porque é que houve alteração dos elementos do cadastro?
19-Esta alteração no cadastro poder ser de grande importância uma vez que pode influenciar a liquidação do imposto;
20-Pelo que apenas podemos concluir que a fundamentação em apreço é insuficiente e não é acessível, violando o estabelecido no nº.3, do artigo 268, da CRP, bem como do artigo 77, da LGT, e do direito à informação estabelecido na alínea c), do nº.1, do artigo 67, da LGT;
Sem prescindir,
21-Considerando a AT que há efectivamente uma necessidade de esclarecimento complementar e que o contribuinte deveria dirigir-se ao serviço de finanças para obter esse mesmo esclarecimento, porque não efectuá-lo por escrito?
22-Segundo o princípio da colaboração, o qual vem estipulado no artigo 59, da LGT, bem como no artigo 7, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), a AT tem o dever de esclarecimento e informação dos contribuintes, dever este que, aliás, decorre diretamente do preceituado no artigo 268, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
23-Mais ainda, o nº.3, do mesmo artigo 268, da CRP, refere que "os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados (...) e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos";
24-Para além deste dever genérico estabelecido na CRP, a AT tem a obrigação legal de assistir os interessados em esclarecer quaisquer aspectos da sua situação tributária, conforme estabelecido na alínea c), do nº.3, do artigo 59, da LGT;
25-Ora, uma das concretizações deste dever de esclarecimento e informação é estabelecida na obrigação legal que impende sobre a AT de informar o interessado sobre a sua concreta situação tributária (alínea c), do nº.1, do artigo 67, da LGT);
26-Sendo que essa informação tem que ser prestada por escrito, conforme estabelecido no nº.2, do mesmo artigo 67, da LGT;
27-Concluímos assim que a AT se absteve da prestação de informação legalmente devida, nomeadamente, a fundamentação legalmente exigida do documento notificado pela AT e denominado como "erros centrais na declaração modelo 3 de IRS, Exercício de 2012", pela Direção de Serviços Sobre o Rendimento Das Pessoas Singulares, devendo ser mantida a decisão do Tribunal “a quo”, a qual condena a AT a emitir, no prazo de cinco dias, certidão do procedimento que culminou com a notificação do Oficio acima referido;
28-Nestes termos deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença do Tribunal “a quo”, com as consequências legais que daí derivam, Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao recurso (cfr.fls.115 e 116 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.49 e 50 dos autos):
1-O Requerente foi notificado do ofício emitido em 11/06/2013 sob a epígrafe "Erros Centrais na declaração mod.3 de IRS, Exercício de 2012", o qual refere, para além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte: «Para a declaração mod.3 de IRS, submetida via Internet, foi verificada a existência dos seguintes erros, após validação central: C70 - INCOMPATIBILIDADE ENTRE O ANEXO ENTREGUE E OPÇÃO EM CADASTRO.
Solicita-se a V. Exa. que proceda à correcção, para o que deverá entrar de novo na "Entrega de Declarações Via Internet", dispondo de um prazo de 30 dias (...)” (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);
2-Requereu em 24/07/2013 a comunicação da fundamentação legalmente exigida com relação ao documento de que fora notificado (cfr.documento junto ao processo administrativo apenso);
3-O pedido não obteve qualquer resposta da requerida;
4-A presente intimação foi enviada ao Tribunal sob registo postal em 19/08/2013 (cfr.carimbo dos CTT aposto no sobrescrito de remessa, a fls.13 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão nada mais se provou de relevante…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso e levando em consideração que o recorrente impugna, parcialmente, a decisão da matéria de facto constante da sentença objecto do presente recurso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
5-Na petição identificada no nº.2 supra, o ora recorrido, ... , com o n.i.f. 212 632 256, requer, nos termos do artº.37, do C.P.P.T., a notificação da fundamentação legalmente exigida do documento em apreço, uma vez que desconhece os termos e os fundamentos da alegada incompatibilidade (cfr.documento junto a fls.7 dos presentes autos);
6-Através de ofício com o nº.14881, datado de 22/8/2013 e remetido ao douto mandatário do requerente e ora recorrido, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respondeu ao requerimento identificado no nº.2 do probatório, tudo conforme documento junto a fls.43 dos presentes autos, o qual refere, para além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte:
“Assunto: Erro central C70 - Pedido de notificação de fundamentação.
(…)
Informa-se que a comunicação que lhe foi dirigida não constitui uma notificação, não necessitando para tal de cumprir os requisitos elencados no artº.36, nº.2, do C.P.P.T.
No entanto, tal como pode verificar, a referida comunicação contém os fundamentos de facto (informa que foi entregue um anexo de IRS que não é compatível com a opção constante do cadastro do sujeito passivo); solicita em conformidade que tal incorrecção seja corrigida (dando para tal ao sujeito passivo um prazo); indicando os fundamentos de direito (indicação da portaria aplicável).
A comunicação indica igualmente quais as consequências legais, quer da acção, quer da inacção.”.
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou totalmente procedente o meio processual acessório de intimação para prestação de informações, em consequência do que intima o recorrente a emitir, no prazo de cinco dias:
1) Certidão do procedimento que culminou com a notificação do ofício referido no nº.1 do probatório, ou,
2) Certificar a inexistência dos elementos pretendidos pelo requerente.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado, alegando em primeiro lugar e como supra se alude, que a sentença recorrida ao não ter levado à matéria de facto provada o Ofício nº.14881, de 22/08/2013, e não valorá-lo no âmbito da resposta da Administração Fiscal ao requerimento do contribuinte, procede a uma deficiente apreciação dos factos trazidos aos autos (cfr.conclusões 2 e 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tais vícios.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Voltando ao caso concreto, remete-se o recorrente para a factualidade aditada ao probatório por este Tribunal e supra exarada (cfr.nº.6 da matéria de facto), factualidade essa que concretiza, se bem percebemos, o que defende o apelante quanto ao que se deve extrair da produção de prova documental no âmbito dos presentes autos.
Nestes termos, deve este Tribunal concluir pela existência de erro de julgamento de facto de que padece a decisão recorrida no que se refere à resposta ao requerimento identificado no nº.2 do probatório, assim sendo forçoso julgar procedente este fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado aduzindo, identicamente e como supra se alude, que inexiste qualquer outra explicitação, mais completa, a prestar pelo apelante para a comunicação da incompatibilidade detectada na validação da declaração de I.R.S. entregue pelo recorrido. Que tal incompatibilidade se assume meramente como um facto ocorrido no processamento electrónico de validação das declarações, uma operação material não inserida em nenhum procedimento tributário. Que está em causa um facto ocorrido na entrega electrónica da declaração de rendimentos, portanto, em momento anterior a qualquer fase de lançamento e de liquidação de imposto. Que o pedido do recorrido não se reconduz ao exercício do direito à informação sobre a sua situação tributária previsto na al.c), do nº.1, do artº.67, da L.G.T., ou de um direito à informação procedimental ou de acesso aos arquivos e registos administrativos previsto no nº.1, do artº.104, do C.P.T.A., aplicável “ex vi” artº.146, nº.1, do C.P.P.T., como decorre dos próprios termos em que é formulado. Que não será exigível ao caso a disciplina da fundamentação para os actos procedimentais ou tributários nos termos previstos no artº.77, da L.G.T., que se refere à obrigatoriedade e forma que deverá revestir a fundamentação da decisão do procedimento (cfr.conclusões 1, 3 a 18 e 20 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O direito à informação é comummente identificado como um corolário dos princípios da publicidade e da transparência, os quais devem nortear toda a actividade administrativa.
O direito à informação, dos particulares face à Administração, encontra consagração constitucional desde a versão inicial do nosso diploma fundamental, datada de 1976, estando actualmente consagrado nos artºs.37, nº.1, e 268, nºs.1 e 2, da Constituição da República, na versão introduzida pela Lei Constitucional 1/2001, de 12/12.
Tal direito dos administrados pode considerar-se de natureza análoga aos “direitos liberdades e garantias” e está subordinado ao mesmo regime destes (cfr.artºs.17 e 18, da Constituição da República). Concretizando, o citado artº.268, da Constituição, consagra no seu nº.1, um direito fundamental à informação dos particulares directamente interessados num determinado procedimento administrativo, o qual exclui qualquer direito ao segredo por parte da Administração, a não ser quando o mesmo revista o carácter de dever funcional (v.g.segredo de justiça). O direito à informação engloba ainda um “feixe” de direitos instrumentais, como é a possibilidade de consulta do processo, de transcrição de documentos, de passagem de certidões, etc., enfim, um verdadeiro direito à transparência documental. Por sua vez o nº.2, do referido artº.268, consagra o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, como consequência do princípio do arquivo aberto ou da administração aberta. Com as ressalvas legais em matéria de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas, a Constituição torna, assim, claro que a liberdade de acesso é a regra, constituindo os arquivos e registos um património aberto da colectividade (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.819 e seg., em anotação ao artº.268; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.690 e seg., em anotação ao artº.104).
No que concerne ao direito à informação procedimental, isto é, o direito à informação administrativa dos directamente interessados num procedimento de cariz administrativo e que esteja pendente, está este consagrado no artº.268, nº.1, da Constituição da República, conforme mencionado supra, tendo sido alargado, através do artº.64, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), aprovado através do dec.lei 442/91, de 15/11, a todos aqueles que tiverem um interesse legítimo na obtenção da informação administrativa procedimental. Os artºs.61 a 64, do C.P.A., tipificaram as várias modalidades deste direito, desdobrando-o em três vertentes: o direito à prestação de informações directas (artº.61, do C.P.A.); o direito à consulta de processos; e o direito à passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos (artº.62, do C.P.A.).
O direito à informação procedimental visa a tutela de interesses e posições jurídicas directas dos cidadãos-administrados, que participam num concreto procedimento, permitindo-lhes melhor conhecer e controlar a actividade da Administração. Por conseguinte, define-se como um direito “uti singulis”, perspectivando o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
Por outro lado, o direito à informação não procedimental, ou seja, o direito à informação administrativa por parte de todo e qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, está consagrado no artº.268, nº.2, da Constituição da República, conforme se alude acima. No âmbito da lei ordinária, é o artº. 65, do C.P.A., que regulamenta o direito à informação não procedimental, também chamado princípio do arquivo aberto, respeitando a todos os documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos. Através da Lei 65/93, de 26/8 - Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) - regulamentou-se o acesso aos arquivos e registos administrativos (cfr.actualmente a Lei 46/2007, de 24/8). Este direito caracteriza-se por ser um direito “uti cives”, estando configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa.
Aquele (direito à informação procedimental) pressupõe a existência de um processo pendente e de um interesse directo ou legítimo do requerente (entendendo-se por interesse legítimo qualquer interesse atendível), enquanto que este último (direito à informação não procedimental) é conferido, potencialmente, a todas as pessoas (cfr. ac.S.T.A.-1ª.Secção, 18/4/1996, rec.39788; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc. 5257/11; José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.299, em anotação ao artº.65).
No âmbito do direito tributário, no que diz respeito aos consagrados direitos à informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, deve ainda levar-se em consideração os artºs.59, da L. G. Tributária (o qual consagra o conteúdo do princípio da colaboração a que estão vinculados, tanto a A. Fiscal como os contribuintes), 64 (o qual consagra o princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes, por que deve rejer-se a actividade tributária), 67 e 68, todos do mesmo diploma (que consagram o direito de acesso dos contribuintes, ou dos seus representantes, aos respectivos processos individuais devidamente organizados e conservados pela administração fiscal).
O meio processual destinado ao reconhecimento judicial dos mencionados direitos encontra-se consagrado actualmente nos artºs.104 e seg. do C.P.T.A. (cfr.anteriormente os artºs.82 e seg., da L. P. T. A.), sendo o mesmo aplicável na jurisdição fiscal, “ex vi” do artº.146, nº.1, do C. P. P. Tributário. Neste, a legitimidade activa afere-se, em primeira linha, pelas razões invocadas no requerimento, verificando-se o referido pressuposto quando não seja ilegal o fim visado pelo requerente. Por outras palavras, é parte legítima aquele que pode iniciar o procedimento administrativo ou nele intervir, tal como o que pode intaurar um meio processual contencioso (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.705).
Do exposto se vê que o nosso ordenamento jurídico consagrou, com acentuada amplitude, os referidos direitos à informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, valendo os mesmos para todas as autoridades administrativas, independentemente da espécie de actividade por elas desenvolvida, abrangendo qualquer tipo de documento e contemplando todos os cidadãos. Os mesmos direitos só admitem as restrições legalmente estabelecidas e que têm a ver com as aludidas ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas e com o dever funcional de segredo. O direito à informação, porque não é um direito absoluto, sofre limitações ou restrições, as quais devem ter expressa autorização constitucional, revestir forma de lei ou de decreto-lei autorizado, respeitar o princípio da proporcionalidade e ressalvar o conteúdo essencial do mesmo direito fundamental (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/5/1998, Antologia de Acórdãos, Ano I, nº.3, pág.173 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5257/11).
No caso “sub judice”, alega o recorrente que a incompatibilidade detectada na validação da declaração de I.R.S. entregue pelo recorrido, consubstancia uma mera operação material não inserida em nenhum procedimento tributário.
Não tem razão o recorrente.
Expliquemos porquê.
O artº.54, nº.1, da L.G.T., preceito que contém uma enumeração meramente exemplificativa, define o conceito e âmbito do “procedimento tributário” que corresponde ao de “processo administrativo tributário” definido no artº.71, do anterior C.P.T. É abrangido neste conceito toda a actividade da administração tributária que tem em vista a declaração dos direitos tributários. Também o artº.44, nº.1, do C.P.P.T., nos define as actividades que integram o procedimento tributário. Mais uma vez nos encontramos perante lista de actividades meramente exemplificativa, uma vez que a al.i), deste normativo alude a quaisquer outros actos, ainda não especificados e dirigidos à declaração dos direitos tributários.
Dentro do procedimento tributário, vamos encontrar o específico procedimento de liquidação (cfr.artº.54, nº.1, al.b), da L.G.T.; artº.44, nº.1, al.b), do C.P.P.T.), o qual abrange toda a actividade tendente à liquidação dos tributos, iniciando-se, normalmente, com as declarações dos contribuintes e contendo uma fase de fixação da matéria tributável (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.441; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.413 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se que o pedido de informação/fundamentação que originou os presentes autos se encontra inserido num procedimento tributário e, mais concretamente, num procedimento de liquidação (cfr.nºs.1 e 2 do probatório). Como assim, o recorrido tem direito à passagem da certidão que requereu, ao abrigo do artº.24, nº.1, do C.P.P.Tributário, na redacção resultante do artº.13, do dec.lei 238/2006, de 20/12, norma que consagra a possibilidade de formulação de pedidos de passagem de certidão por via electrónica e desde que os respectivos actos e termos (insertos em procedimentos ou processos judiciais) estejam devidamente informatizados. Mais se dirá que as certidões cuja passagem se prevê neste artigo são apenas as que sejam pedidas à A. Fiscal, relativamente a processos administrativos ou judiciais que estejam em seu poder (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5257/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.300).
O recorrido tem interesse directo na passagem da certidão que pediu, desde logo, ao abrigo do citado artº.67, nº.1, al.c), da Lei Geral Tributária, preceito que se refere ao direito de informação em concreto, relativamente a contribuintes que têm um determinado procedimento tributário a correr termos na Administração Fiscal (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.615).
Atento o referido, não é questionável o interesse legítimo do requerente/recorrido na passagem da certidão peticionada, sendo de notar que o pedido se refere a elementos do procedimento tributário cujo conhecimento está garantido pelo princípio da tutela judicial efectiva para o exercício esclarecido de direitos processuais.
E, conforme muito bem salienta o recorrido, deve a A. Fiscal esclarecer qual a incompatibilidade entre o anexo e a opção em cadastro existente face ao mesmo. Tal como o porquê de ter havido essa alteração dos elementos do cadastro. Sendo que tal alteração no cadastro do recorrido pode influenciar a liquidação do imposto relativo ao ano de 2012 e à cédula de I.R.S.
Mais se dirá que o conteúdo da mesma certidão não coloca em causa a confidencialidade da situação tributária de quem quer que seja, tal como não colide com as citadas ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas e com o dever funcional de segredo.
Por último, refira-se que a decisão recorrida não violou os artºs.67, nº.1, al.c), e 77, da LGT, contrariamente ao defendido pelo apelante.
Arrematando, julga-se improcedente este esteio do recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Fevereiro de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)