Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2025/18.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS, PATRIMÓNIO E CARGOS SOCIAIS; ADMINISTRADOR DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS.
NULIDADES PROCESSUAIS.
NULIDADES DA SENTENÇA.
ERRO NA FORMA DO PROCESSO.
CONVOLAÇÃO PROCESSUAL.
CITAÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO.
REGULAMENTO CE N.º 1393/2007, DE 13-11-2007; LEI N.º 4/83, DE 2-4. ESTATUTO DO GESTOR PÚBLICO.
CULPA GRAVE.
SEGURANÇA JURÍDICA.
CASO JULGADO MATERIAL.
DIREITO DE RESISTÊNCIA.
ERRO SOBRE A ILICITUDE.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
INIBIÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE CARGO.
Sumário:I - As nulidades processuais não se confundem com as nulidades da sentença;
II- Constituindo anomalias do próprio processo, as nulidades a ele relativas devem ser suscitadas e conhecidas no próprio Tribunal onde ocorrem, por via de reclamação para o respectivo Juiz. Depois, discordando o reclamante da decisão que tenha sido tomada pelo Juiz do processo, poderá impugnar, em recurso, dessa mesma decisão;
III - Já a nulidade da sentença decorre de um desvalor intrínseco ou próprio dessa mesma sentença e só se verifica nos casos taxativamente indicados no art.º 615.º do CPC (ex vi art.º 1.º do CPTA). A arguição das nulidades de sentença que admita recurso, conforme o art.ºs. 617.º do CPC, deve fazer-se nesse mesmo recurso;
IV- É jurisprudência pacífica, que a prática de um acto processual pelas partes através de uma forma incorrecta deve ser corrigido oficiosamente, por convolação processual, quando tal seja possível. Para o efeito, o referido acto tem de poder ser aproveitado, isto é, tem que ter sido praticado dentro do prazo que esteja legalmente estipulado para a nova forma processual e tem de apresentar as formalidades legais necessárias a tal, ou tem de se poder convidar a parte a apresentá-las. Este aproveitamento do acto (erradamente) praticado pelas partes é um corolário dos princípios pro accione, da colaboração e da economia processual;
V – A aplicabilidade do Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007, relativo a citações e notificações dos actos judiciais está expressamente afastada relativamente aos litígios que correm nos tribunais administrativos;
VI- Dos art.ºs. 1.º e 4.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 4/83, de 2-4, decorre a obrigação legal dos Administradores da C.... de apresentarem a declaração de rendimentos, património e cargos sociais junto do TC;
VII – A Lei n.º 4/83, de 02-04, é clara ao fazer incluir os gestores públicos e os titulares de órgão de gestão de empresa participada do Estado, quando designados por este, no elenco dos “altos cargos públicos” abrangidos pelas obrigações dessa mesma Lei. O correspondente regime legal era, também, estável e as alterações ocorridas no Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28-07, que aprova o Estatuto do Gestor Público visaram apenas determinar o âmbito de aplicação desse mesmo Estatuto, não alterar a referida Lei;
VIII- O Ac. do TC que se pronunciou sobre a submissão do Recorrente à Lei n.º 4/83, de 2-4, formou caso julgado material;
IX - Age com culpa grave o Administrador da C.... que depois de não apresentar voluntariamente tal declaração, assim como a não apresentar após uma primeira notificação para o efeito, vem suscitar uma pronúncia, por dúvidas, junto ao TC e mantém-se a incumprir o seu dever legal após ser proferido o correspondente Acórdão do TC e após receber uma nova notificação do TC para que procedesse à apresentação da declaração em falta;
X – Após a prolação do Acórdão do TC e da sua notificação ao R. e Recorrente, exigia-se que este passasse a conhecer da conduta correcta, que deveria seguir para não praticar um facto ilícito e que tomasse consciência ética do desvalor de adoptar uma conduta contrária. Também não podia o R. e Recorrente desconhecer que a persistência no incumprimento da obrigação de apresentar a declaração de rendimentos implicaria o sancionamento nos termos requeridos através desta acção. São, pois, desprovidas de fundamento as alegações relativas à convicção do Recorrente de que estava a actuar ao abrigo do direito de resistência, não tendo consciência da ilicitude da sua conduta ou relativas ao erro sobre a ilicitude;
XI – As circunstâncias de o R. e Recorrente ser estrangeiro, de manter-se a residir no estrangeiro, de desconhecer a língua portuguesa ou de ter exercido o cargo por menos de 6 meses, não justificam a persistência no desconhecimento da lei ou da obrigação declarativa, designadamente por lhe ser de todo impossível ou inviável informar-se sobre os seus deveres legais;
XII – A determinação da aplicação ao R. e Recorrente da inibição para o exercício de cargo que obrigue à declaração de rendimentos pelo período de 5 anos, não viola o princípio da proporcionalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
H..... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou procedente a presente acção, na qual se peticionava a inibição do R., ora Recorrente, para o exercício do cargo de vogal do Conselho de Administração (CA) da C…. (C..) por não ter apresentado a declaração de rendimentos, património e cargos sociais junto do Tribunal Constitucional (TC).
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A. A sentença recorrida enferma de nulidade por erro na forma de processo, uma vez que, na ausência de disposição em contrário, e por força do art. 37.º, 1 CPTA, a inibição do exercício de cargo que obrigue à declaração de rendimentos, património e cargos sociais a que se refere a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, segue a forma de processo da acção administrativa e não qualquer forma de processo urgente, como aquela que foi adoptada nos presentes autos.
B. A sentença recorrida enferma de nulidade emergente da nulidade da citação, uma vez que esta violou as formalidades exigidas no Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, em particular no art. 8.º, 1, aplicável ex vi do art. 239.º CPC, por sua vez aplicável ex vi do art. 23.º CPTA.
C. A sentença recorrida enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório, uma vez que, em virtude da indevida adopção de uma forma de processo especial, ficou prejudicado o direito de defesa do Recorrente, tendo mesmo a sentença sido proferida na pendência do prazo de que dispunha para contestar caso tivesse, como devia, sido seguida a forma da acção administrativa, circunstância que, manifestamente, influiu no exame e na decisão da causa, nos termos do art. 195.º, 1 CPC, aplicável ex vi do art. 1.º CPTA.
D. A sentença recorrida é nula por ter conhecido de questão da qual não podia conhecer, nos termos do art. 615.º, 1, d) CPC, aplicável ex vi do art. 1.º CPTA, uma vez que, na petição inicial, o Ministério Público não concretizou de que modo é que os factos alegados consubstanciavam a suposta culpabilidade do Recorrente, nem de que modo é que tais factos determinavam a graduação dessa culpabilidade, ficando-se por uma mera referência vaga, genérica, tabelar e conclusiva à culpa, pelo que a sentença recorrida não podia, como fez, ter fundamentado a decisão nela contida com juízos de culpabilidade que não encontram suporte no alegado pelo Ministério Público na petição inicial.
E. A sentença recorrida enferma de violação de lei por errada interpretação e aplicação do art. 4.º, 3, a) da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, uma vez que, à data dos factos relevantes, à luz da versão então vigente do art. 1.º, 2 do Estatuto do Gestor Público, o Recorrente, não obstante ser administrador da C...... S.A., não podia ser considerado gestor público, pelo que não se encontrava abrangido pela previsão da disposição primeiramente citada.
F. Subsidiariamente, caso não procedessem as causas de nulidade identificadas nos pontos anteriores, a sentença recorrida sempre enfermaria de violação de lei por violação do princípio da culpa uma vez que, conforme resulta da factualidade dada como provada em primeira instância, o Recorrente aceitou ser administrador da C…. no pressuposto juridicamente fundado de que não estaria sujeito à apresentação de qualquer declaração acerca do seu património ou de outros aspectos da sua vida privada, pelo que a exigência de tal declaração, independentemente de ser normativamente bem ou mal fundada, consubstancia em si mesma uma violação das exigências de previsibilidade inerente ao Estado de direito democrático, pelo que, ao não entregar a declaração controvertida, o Recorrente agiu ao abrigo do direito constitucional de resistência, pelo que não teria cometido qualquer facto sancionável.
G. Subsidiariamente, caso não procedesse o alegado nos pontos anteriores, a sentença recorrida sempre enfermaria de violação de lei por violação do princípio da culpa, pois se deveria considerar que o Recorrente, ao não entregar a declaração controvertida, agiu na convicção de estar no exercício de um direito, no limite o direito de resistência, ou seja, com falta de consciência da ilicitude, pelo que não teria cometido qualquer facto sancionável.
H. Subsidiariamente, caso não procedesse o alegado nos pontos anteriores, a sentença recorrida sempre enfermaria de violação de lei por violação do princípio da proporcionalidade, por a sanção aplicada ser manifestamente excessiva em relação à gravidade da suposta infracção, por não ter o tribunal tomado em consideração as circunstâncias atenuantes, dadas como provadas nos autos, de o Recorrente ser estrangeiro, residente no estrangeiro e desconhecedor do direito português, de ter aceitado o cargo de membro do conselho de administração da C...... S.A., apenas por supor que não teria que entregar qualquer declaração, de ter sido nomeado para um período de três anos, tendo cessado as funções menos de seis meses após a sua assunção de funções, assim que foi notificado da decisão do Tribunal Constitucional de acordo com a qual teria que entregar a declaração, de nunca se ter conformado com a obrigação de entrega da declaração e de ter explicado sempre de forma clara e coerente, ao longo do processo no Tribunal de Constitucional e depois dele, a sua posição e o contexto próprio da mesma, donde resulta que não pretendeu de forma alguma afrontar o direito ou o Estado português, nem pretendeu exercer quaisquer funções equiparadas às funções públicas sem cumprir as obrigações que fossem por si conhecidas.”

O Recorrido Ministério Publico (MP) nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1º - Seguem a forma de acção administrativa a tramitar como processo urgente as acções instauradas pelo Ministério Público para inibição de funções.
2º - O acordão do Tribunal Constitucional faz caso julgado sobre a existência do dever de apresentação das declarações de rendimentos e património e cargos sociais.
3º - Encontra-se demonstrado que o recorrente foi notificado, aquando da cessação de funções para apresentar as declarações de rendimentos e mesmo notificado, manteve a omissão das referidas entregas.
4º - Existe pois base factual para a censura da sua conduta omissiva, pelo menos a título de culpa grave.”

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória porque a decisão recorrida foi tomada no âmbito de uma errada forma processual, porquanto a acção de inibição do exercício de cargo segue a forma de acção administrativa não urgente;
- aferir da nulidade decisória porque a citação efectuada violou as formalidades exigidas nos art.ºs 8.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007, aplicável ex vi art.º 239.º do CPC e 23.º do CPTA;
- aferir da nulidade decisória por violação do direito ao contraditório do R. e Recorrente, que ficou prejudicado face à tramitação urgente da acção, que diminuiu o tempo para a apresentação da contestação;
- aferir da nulidade decisória por se ter conhecido da culpa do Recorrente com base em factos que não foram alegados em termos concretos e especificados pelo MP, ou, se assim não se entender, do erro decisório por violação do princípio da culpa, por o Recorrente ter aceite ser administrador da C…. no pressuposto juridicamente fundado de que não estaria sujeito à apresentação de qualquer declaração do seu património ou de outros aspectos da sua vida privada e porque a não entrega da indicada declaração ocorreu ao abrigo do seu direito de resistência;
- aferir do erro decisório por se fazer uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs 4.º, n.º 3, al. a) da Lei n.º 4/83, de 02-04 e 1.º, n.º 2, do Estatuto do Gestor Público, uma vez que o Recorrente não poderia ser considerado gestor público;
- aferir do erro decisório porque o Recorrente estava convicto que estava a actuar ao abrigo do direito de resistência, não tendo culpa e consciência da ilicitude da sua conduta;
- aferir do erro decisório por violação do principio da proporcionalidade, por a sanção aplicada ser manifestamente excessiva face à gravidade da sua actuação e por o Tribunal não ter tomado em conta como circunstâncias atenuantes os factos de o Recorrente ser estrangeiro, estar a residir no estrangeiro, desconhecer a língua portuguesa, ter aceite o cargo em questão por supor que não teria de entregar qualquer declaração e por ter cessado funções menos de 6 meses após a assunção de funções.

As nulidades processuais não se confundem com as nulidades da sentença.
Conforme decorre do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, ocorre nulidade do processo quando se pratique um acto que a lei não admita, ou se omita um acto ou uma formalidade que a lei prescreva, caso tal consequência seja determinada na lei, ou caso a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
As regras para a arguição das nulidades do processo constam dos art.ºs 186.º a 202.º do CPC. Por regra, o prazo para a respectiva arguição é de 10 dias, contados da notificação de qualquer termo subsequente do processo.
Constituindo anomalias do próprio processo, as nulidades a ele relativas devem ser suscitadas e conhecidas no próprio Tribunal onde ocorrem, por via de reclamação para o respectivo Juiz. Depois, discordando o reclamante da decisão que tenha sido tomada pelo Juiz do processo, poderá impugnar, em recurso, dessa mesma decisão.
Já a nulidade da sentença decorre de um desvalor intrínseco ou próprio dessa mesma sentença e só se verifica nos casos taxativamente indicados no art.º 615.º do CPC (ex vi art.º 1.º do CPTA). A arguição das nulidades de sentença que admita recurso, conforme o art.ºs. 617.º do CPC, deve fazer-se nesse mesmo recurso.
Frente à supra indicada distinção, usa-se dizer: das nulidades reclama-se e dos despachos ou sentenças recorre-se.
É jurisprudência pacífica, que a prática de um acto processual pelas partes através de uma forma processual incorrecta deve ser corrigido oficiosamente, por convolação processual, quando tal seja possível. Para o efeito, o referido acto tem de poder ser aproveitado, isto é, tem que ter sido praticado dentro do prazo que esteja legalmente estipulado para a nova forma processual e tem de apresentar as formalidades legais necessárias a tal, ou tem de se poder convidar a parte a apresentá-las. Este aproveitamento do acto (erradamente) praticado pelas partes é um corolário dos princípios pro accione, da colaboração e da economia processual (cf. entre outros, neste sentido, os Acs. do STA n.º 01068/14, de 13-04-2016 ou o n.º 01508/14, de 16-12-2015 ou do TCAS n.º 07103/13, de 12-12-2013).

Feito este breve enquadramento legal, apreciaremos as alegações do Recorrente.
Vem o Recorrente advogar a nulidade decisória porque a decisão recorrida foi tomada no âmbito de uma errada forma processual, porquanto a acção de inibição do exercício de cargo segue a forma de acção administrativa não urgente. Considera o Recorrente, que existindo um erro grosseiro na forma de processo utilizada, é nulo todo o processado, incluindo a decisão recorrida.
Como acima se assinalou, o erro na forma do processo é uma invocação que se relaciona com uma falha do próprio processo, que conduz à sua nulidade. Ou seja, o invocado erro não é reconduzível a nenhuma nulidade da sentença, pois estas são apenas as indicadas no 615.º do CPC, das quais se aparta a invocada nulidade da sentença por ter sido proferida no culminar de um processo que não seguiu a forma adequada.
Sobre o erro na forma do processo regem os art.ºs 193.º, 195.º a 199.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, determinando o art.º 198.º, n.º 1, do CPC, que a nulidade relativa ao erro na forma do processo só pode ser arguida pelo interessado até à contestação ou nesse articulado, não obstante ser uma nulidade do conhecimento oficioso – cf. art.º 196.º do CPC.
Nestes termos, o R. e Recorrente havia de ter invocado o erro na forma de processo e a consequente nulidade processual em sede de reclamação apresentada directamente ao Juiz titular do processo em 1.ª instância, até à contestação ou nesse articulado.
O R. e Recorrente não apresentou contestação e só em recurso vem invocar a nulidade decorrente do erro na forma de processo.
Ora, a invocação da indicada nulidade em sede deste recurso, para além de ser uma invocação incluída num articulado inapropriado – porque de recurso para o Tribunal Superior e não de reclamação para a 1.ª Instância – é também feita num momento processualmente impróprio para esse efeito (cf. neste sentido o Ac. do STA n.º 187/11, de 25-05-2011 ou do STJ n.º 1205/12.7TVLSB.L2.S1, de 26-11-2015).
Porque o R. e Recorrente tem de considerar-se regularmente citado, como a seguir explicaremos, cumpria-lhe respeitar o prazo para a arguição da nulidade por erro na forma do processo que vem estipulado no art.º 198.º, n.º 1, do CPC, sob pena de a nulidade do processo se considerar sanada.
Ou seja, no caso em apreço nada há que aproveitar, pois à data da apresentação do presente recurso já estava precludido o direito processual do R. e Recorrente para a invocar a nulidade decorrente do erro na forma de processo, pois não exerceu tal direito até à contestação, nada obstando a que o R. a tivesse vindo a apresentar, por ter sido regularmente citado na acção.
Em suma, a referida invocação não é reconduzível a uma nulidade decisória, pelo que o recurso não pode ser conhecido nesta parte.
Atendendo a que o R. não arguiu a nulidade decorrente do erro na forma de processo até à contestação, já não é possível convolar este recurso, nessa parte, numa reclamação a apreciar em 1.ª Instância.

Vem o Recorrente invocar a nulidade decisória porque a citação efectuada violou as formalidades exigidas nos art.ºs 8.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007, aplicável ex vi art.º 239.º do CPC e 23.º do CPTA.
Também quanto a este aspecto o Recorrente confunde a nulidade da sentença com a nulidade do processo. Valem aqui as considerações antes expendidas.
Nos termos do art.º 191.º do CPC, ex vi art.º 23.º do CPTA, a citação é nula quando não tenham sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. Nos termos do n.º 2 do citado preceito, o prazo para a arguição desta nulidade é o que tiver sido indicado na contestação.
Como decorre dos autos o R. e Recorrente foi citado por ofício expedido em 15-11-2018, por correio registado, enviado para a morada da sua residência na Alemanha. Conforme comprovativo constante dos autos, aquele ofício foi recebido na morada em 26-11-2018. Nesse ofício indica-se claramente o direito do R. a apresentar contestação, querendo, referindo-se expressamente o correspondente prazo e a dilação de 10 dias por residir no estrangeiro.
No prazo legal, o R. e Recorrente não contestou nem arguiu a nulidade da citação.
Diz o Recorrente que aquela citação não foi válida, porque não foi citado com as formalidades exigidas nos art.ºs 8.º, n.º 1 do Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007 e essa foi a razão porque não contestou.
Se tal argumento procedesse, seria ainda admissível a invocação da nulidade da citação e do processo, por via da correspondente reclamação para o Juiz da 1.ª Instância, a apresentar em 10 dias após a notificação da sentença. Consequentemente, seria possível conjecturar-se a possibilidade de convolar, nesta parte, o recurso em reclamação para a 1.º Instância.
Porém, tal argumentação não procede, pois, como se indica no próprio Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007, no seu art.º 1.º, n.º 1, o aí consignado não abrange a matéria fiscal, aduaneira, administrativa ou relativa à responsabilidade do Estado por actos e omissões no exercício do poder público.
A aplicabilidade do indicado Regulamento está, pois, expressamente afastada relativamente aos litígios que correm termos nos tribunais administrativos.
Consequentemente, não obstante a remissão do art.º 23.º do CPTA para o regime do processo civil em matéria de citações e notificações, às citações e notificações dos actos judiciais que se fazem nos tribunais administrativos não se aplica o Regulamento CE n.º 1393/2007, de 13-11-2007.
Logo, há que concluir que a citação do R. e Recorrente cumpriu as formalidades legais exigíveis, sendo, pois, válida e eficaz.
Identicamente, o ora Recorrente não apresentou nenhuma reclamação invocando a nulidade da citação no prazo de 10 dias. Logo, também quanto a este aspecto não há que convolar esta parte do recurso numa reclamação.
Em suma, também quanto a este aspecto claudicam os argumentos do recurso.

Vem o Recorrente invocar a nulidade decisória por violação do direito ao contraditório do R. e Recorrente, que ficou prejudicado face à tramitação urgente da acção, que diminuiu o tempo para a apresentação da contestação.
Valem aqui todas as razões já expressas para a invocada nulidade decisória por erro na forma processual, pois também esta invocação não se reporta a nulidades da sentença, tal como vêm indicadas no 615.º do CPC, mas à nulidade de actos processuais.
Terá o Recorrente pretendido invocar uma nulidade processual decorrente da indicação do prazo mais curto, para contestar, que não lhe permitiu essa mesma contestação e assim influiu na decisão da causa, nos termos conjugados dos art.ºs 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA. Ora, se assim é, o Recorrente teria de arguir essa nulidade após ter recebido o ofício de citação, no prazo da contestação e não apenas em sede deste recurso.
Não há que conhecer, portanto, da invocada nulidade do processo.
Pelas razões acima expendidas, também não é possível a convolação desta parte do recuso numa reclamação para o Juiz de 1.ª Instância.

Vem o Recorrente invocar a nulidade decisória por se ter conhecido da culpa do Recorrente com base em factos que não foram alegados em termos concretos e especificados pelo MP ou, se assim não se entender, do erro decisório por violação do princípio da culpa, por o Recorrente ter aceite ser administrador da C… no pressuposto juridicamente fundado de que não estaria sujeito à apresentação de qualquer declaração do seu património ou de outros aspectos da sua vida privada e porque a não entrega da indicada declaração ocorreu ao abrigo do seu direito de resistência.
Determina o art.º 615.º, n.º 1, do CPC que “É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Nos termos dos art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 153.º, 154.º, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, na sentença o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou os fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. O juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final.
Não obstante, não tem o juiz que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar.
Por seu turno, só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória. Nestes termos, determina o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão. Igualmente, o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, comina com a nulidade a sentença que omita pronúncias que sejam devidas, ou para os casos em que o juiz conheça para além das questões de que podia tomar conhecimento.
Ora, no caso a decisão recorrida discriminou os factos provados e decidiu da causa apreciando as questões trazidas a litigio. Nessa apreciação não extravasou essas mesmas questões. Na decisão também não foram apreciadas outras questões que não tivessem sido trazidas a litígio.
Em suma, o Recorrente pode discordar da fundamentação adoptada na decisão recorrida, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão.

Vem o Recorrente, pelas mesmas razões invocar o tal erro decisório.
Confrontada a PI e a decisão recorrida resulta que os factos provados em 1 a 8 foram alegados nos art.ºs 1.º a 8.º da PI. O facto provado em 9 foi alegado nos art.ºs. 9.º e 10.º da PI e o facto provado em 10 foi alegado no art.º 11.º da PI.
Ou seja, na decisão recorrida deu-se por provados os factos alegados na PI, nos seus precisos termos.
Portanto, é manifestamente improcedente a alegação do Recorrente relativa ao conhecimento da culpa do R. e Recorrente com base em factos que não foram alegados na PI.
Quanto à culpa do R. e Recorrente foi considerada verificada por estar provado que o R. não apresentou voluntariamente a declaração de rendimentos, património e cargos sociais, que em 08-11-2016 foi notificado, sob cominação legal, para em 30 dias apresentar essa declaração, que em 01-02-2017 o TC proferiu Acórdão nos termos o qual o R. e Recorrente tinha o dever de fazer tal apresentação e que por ofício de 19-10-2018, o TC determinou ao R. para apresentar a declaração em 30 dias, o que o R. não fez.
Ora, a conduta inadimplente do R. e Recorrente é manifesta atendendo aos referidos factos, que são factos concretos, que ficaram provados.
Do regime legal decorrente da Lei n.º 4/83, de 2-4, designadamente do art.º 1.º, conjugado com o art.º 4.º, n.º 3, al. a), resultava a obrigação legal do R. apresentar a dita obrigação.
Não tendo apresentado a indicada declaração voluntariamente, o R. foi notificado para tal em 08-11-2016, sob cominação, como decorre do art.º 3.º da mesma Lei.
Nesse sentido, foi também a pronúncia do TC, após a qual foi o R. e Recorrente novamente notificado para apresentar a declaração em falta.
Em suma, face aos factos provados nos autos resulta evidente que o R. e Recorrente não cumpriu voluntariamente a obrigação legal, e após ter sido duas vezes notificado para esse efeito manteve-se sem cumprir o mencionado dever.
Deriva da factualidade apurada que em 17-04-2017 o R. e Recorrente apresentou no TC um requerimento suscitando as suas dúvidas quanto à obrigação de cumprimento daquela declaração.
O TC pronunciou-se sobre tal requerimento e prolatou o Ac. indicado em 6. dos factos provados, nos termos do qual se decidiu que o R. e Recorrente, enquanto membro do CA da CGA, estava sujeito ao dever de apresentação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais.
Consequentemente, face à decisão tomada por esse Acórdão do TC, quaisquer dúvidas subjectivamente sentidas pelo R. e Recorrente tem de considerar-se totalmente removidas.
Logo, com a nova notificação pelo ofício do TC, de 19-01-2018, a determinar ao R. e Recorrente a obrigação de entrega da declaração, não poderiam manter-se no espírito do R. e Recorrente mais dúvidas quanto à obrigação legal a que estava adstrito.
A persistência pelo R. na não entrega da declaração neste contexto apenas pode ser entendida como uma vontade pessoal e reiterada de querer incumprir o determinado nos indicados preceitos legais e na decisão jurisdicional. Trata-se, também, de uma vontade perfeitamente injustificada, porquanto o TC já havia emitido uma pronúncia clara sobre a situação, dissipando dúvidas, e tal pronúncia vinculava o R. e Recorrente.
Mais se note, que do facto provado em 10. resulta que o R. e Recorrente, em conjunto com outros Administradores da C...., em 19-06-2018 - isto é, já depois de conhecer o Ac. do TC e depois de ter recebido o ofício desse Tribunal para entregar a declaração de rendimentos, património e cargos sociais - veio reafirmar a sua decisão de não entrega da citada declaração, aduzindo que aceitou o convite feito e assumiu as funções na C.... no pressuposto dessa não entrega, contratualmente assumida pelo então Presidente da C...., A…, que essa expectativa se reforçou por via do movimento legislativo que se seguiu à renúncia dos seus cargos, que a decisão do TC sem qualquer restrição de efeitos traduzia uma clara injustiça, que autorizaria o seu direito de resistência e que se mantinha convictode que no contexto da sua actuação, a não entrega não pode deixar de se considerar licita, ou, pelo menos, inexigível”.
Ora, o teor desta exposição, subscrita pelo R. e Recorrente e demais Administradores da C...., apenas confirma a sua vontade de incumprir a obrigação legal. Essa mesma decisão de incumprir é declarada como livremente assumida. Face ao teor da indicada exposição fica também evidente que o R. e Recorrente tinha pleno e total conhecimento acerca do quadro legal aplicável e dos termos da decisão tomada pelo TC, assim como tinha conhecimento das consequências do correspondente incumprimento.
Acresce, que atendendo às circunstâncias que envolvem o caso, pelo menos após a decisão do TC, exigia-se ao R. e Recorrente outro comportamento, não podendo admitir-se que não teve consciência da censurabilidade da sua conduta por se manter crente que a lei não lhe exigia a apresentação de nenhuma declaração, por tal lhe ter sido (verbalmente) assegurado aquando do convite que lhe foi feito para exercer as funções na C..... Ou seja, face aos factos provados nos autos – factualidade que foi alegada especificadamente na PI e que se reconduz a factos concretos - resulta à evidência que o R. e Recorrente incumpriu a obrigação legal de forma consciente, reiterada e injustificada, ignorando os determinativos legais, a decisão do TC e as comunicações que lhe foram enviadas, antes daquela decisão e depois dela.
Este comportamento é o bastante para que se verifique o pressuposto da culpa que está ínsito ao art.º 3.º da Lei n.º 4/83, de 2-4 (cf. a este propósito o Ac. do STA n.º 0690/07, de 22-08-2007).
Quanto a outras razões relativas à aceitação do cargo de Administrador da C.... por banda do R. e Recorrente, designadamente as decorrentes de estar seguro, em termos jurídicos, que não teria que entregar qualquer declaração do seu património ou de outros aspectos da sua vida privada, não valem neste recurso, primeiro porque essas mesmas razões não ficaram provadas e depois, porque face à prova que se fez, designadamente ao teor do Ac. do TC junto aos autos, deriva que o pressuposto da não obrigação da entrega da declaração não era um pressuposto “juridicamente fundado”.
No demais, ainda que o R. e Recorrente tivesse baseado a sua decisão de aceitar o cargo de Administrador da C.... no pressuposto de que não teria a indicada obrigação declarativa, uma vez confirmada tal obrigação pelo TC, incumbiria ao R. e Recorrente cumprir o dever em falta, ainda que tardiamente, ao invés de se manter a ignorá-lo. Ou seja, o pressuposto que o R. e Recorrente aqui clama – o desconhecimento quanto ao dever de cumprimento da obrigação declarativa – só valeria para eximir a culpa relativamente a uma entrega extemporânea, nunca para justificar uma omissão total e persistente quanto a esse dever.

Quanto à alegação do Recorrente, relativa à não entrega da declaração por estar a exercer o seu direito de resistência, trata-se de uma alegação manifestamente improcedente.
Nos termos do art.º 21.º da CRP “todos têm o direito a resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e a repelir pela força qualquer agressão, quando não for possível recorrer à autoridade pública”.
Ora, no caso não se configura nenhuma a agressão.
Mas, igualmente, não se vislumbra qual o direito, liberdade e garantia que tenha ficado ofendido por uma ordem ilegítima.
No caso em apreço, está-se apenas a apreciar do dever legal do R. e Recorrente de entregar no TC a declaração dos seus rendimentos, património e cargos sociais, nos termos da Lei n.º 4/83, de 2-4.
Tal declaração consubstancia uma medida de controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos. Não se pretende com a indicada obrigação imiscuir na vida privada dos referidos titulares, mas, apenas, manter registada a sua declaração como forma de controlo face à titularidade dos cargos que exercem. Serão cargos públicos e políticos, “cargos de Estado”, por natureza precários ou transitórios, que permitem aos seus titulares um exercício efectivo de poder ou a tomada de decisões politicas e económicas de relevo, tornando-os especialmente vulneráveis a diversas pressões, políticas, económicas ou outras. Quer-se apenas responsabilizar o titular do cargo relativamente à riqueza que já dispõe, introduzindo uma maior transparência no exercício desses cargos e rendimentos daí advindos, contemporâneos ao seu exercício ou imediatamente seguintes, clarificando as fontes de riqueza desses titulares e assegurando que as mesmas possam ser escrutinadas.
Assim, a obrigação da Lei n.º 4/83, de 2-4, em si mesma, não atenta contra nenhum direito, liberdade e garantia do R. e Recorrente.
Também contrariamente ao aduzido pelo Recorrente, no caso, não ocorre uma sucessão imprevisível de regimes legais, que colida com a segurança jurídica e que que tenha coarctado inesperadamente os seus direitos ou obrigações, por ser juridicamente certo e lhe ter sido afiançado aquando do convite que lhe foi feito que não teria obrigações declarativas.
Diversamente, a Lei n.º 4/83, de 02-04 - que era estável desde 02-19-2010, a data da última alteração, introduzida pela Lei n.º 38/2010, de 02-09 - é clara ao fazer incluir os gestores públicos e os titulares de órgão de gestão de empresa participada do Estado, quando designados por este, no elenco dos “altos cargos públicos” abrangidos pelas obrigações dessa mesma Lei – cf. art.º 4.º, n.º 3, als. a) e b), da citada Lei. Quanto, em específico, à obrigação em questão, foi introduzida pela Lei n.º 25/95, de 18-08.
No que concerne às alterações ocorridas no Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28-07, que aprova o Estatuto do Gestor Público, nomeadamente do aditamento ao seu artigo 1.º, como se indica no Acórdão do TC n.º 32/2017, P. 935-16, de 01-02-2017, junto aos autos, visaram apenas determinar o âmbito de aplicação desse mesmo Estatuto, não alterar a Lei n.º 4/83, de 02-04.
Nas palavras do citado Acórdão “o significado do aditamento é simplesmente o seguinte: há uma espécie de gestor público - diferenciada por características específicas dentro do género gestor público - a que não se aplica o EGP. Isto, pelas razões que o legislador explicita no preâmbulo do Decreto- Lei n.° 39/2016
(…) Importa ter presente que o conceito de gestor público no diploma que consagra o estatuto do gestor público é anterior à alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.° 39/2016, dizendo por isso respeito a um momento em que a extensão do conceito e o âmbito de aplicação do regime coincidiam rigorosamente. É evidente que a forma mais indicada para modificar o quadro legal preexistente, no sentido de subtrair ao âmbito de aplicação do EGP os destinatários do atual n.° 2 do artigo 1 .°, não passaria por repensar e reformular o conceito legal de gestor público. Bastaria introduzir uma cláusula de exceção. Foi justamente essa a opção seguida pelo legislador.
Para além de essa ser a solução mais indicada, dificilmente a lei poderia acolher solução diversa. Não parece viável recortar uma noção de gestor público que denote todos os indivíduos designados para órgão de gestão ou administração de empresas públicas, com exclusão daqueles a que se refere o atual n.° 2 do artigo 1.° do EGP. Tal conceito teria de ser: por um lado, suficientemente abstrato para abranger todos os indivíduos atualmente sujeitos ao EGP, na sua grande diversidade; por outro lado, não tão abstrato e extenso que nele pudessem caber os indivíduos a que se destina o atual n.° 2 do artigo 1,°. Só que não se vê facilmente como semelhante conceito seria logicamente possível. Dada a especificidade das características dos indivíduos abrangidos pelo Decreto-Lei n.° 39/2016 - especificidade essa, importa salientá-lo, que se prende com as razões excecionais expostas no preâmbulo desse diploma - a única forma de os subtrair ao âmbito de aplicação do EGP seria através da introdução de uma cláusula de exceção — o que é dizer: de um pressuposto negativo — na norma que determina esse âmbito de aplicação.
(…) 12. Como resulta do que acaba de expor-se, a remissão para o conceito de gestor público que passou a constar da Lei n.° 4/83, na sequência da revisão levada a cabo pela Lei n.° 25/95, foi sempre realizada, em qualquer uma das versões que aquele diploma foi conhecendo, em atenção ao conteúdo da norma que em cada momento o definiu. Só assim se explica que o legislador tenha recorrido a conceitos complementares sempre que a definição legal de gestor público se revelou insuficiente para assegurar que o elenco dos sujeitos onerados pelo dever de declarar os respetivos património, rendimentos e cargos sociais tinha a abrangência ditada pelas exigências do imperativo de transparência na gestão de recursos públicos que constitui o desiderato do regime jurídico de controle público da riqueza. Imperativo esse que tem de ser compreendido em termos muito amplos, segundo a ideia de que a «obrigação de declarar o património, as atividades e Junções privadas e os interesses particulares dos titulares de cargos públicos deriva da vontade de moralizar e melhorar a transparência da vida pública», sendo modelada precisamente em função do «levantamento dos casos em que os interesses privados podem afetar a atuação dos homens públicos» (cfr. nota justificativa inserta no projeto-lei 561/VI, um dos quatro que estiveram na génese da Lei n.° 25/95).
(…) Acresce não haver qualquer razão para supor que o Decreto-Lei n.° 39/2016 procurou modificar esse estado de coisas. De acordo com o seu preâmbulo, «[ijmpõe-se um ajustamento do estatuto dos titulares dos órgãos de administração que seja apto para alcançar o objetivo de maior competitividade das instituições de crédito públicas, sem perda de efetividade do controlo exercido sobre os respetivos administradores, preocupação que se encontra acautelada pela regulação hoje aplicável a qualquer instituição de crédito». Considerou-se, portanto, que as instituições de crédito públicas abrangidas pela exceção introduzida no artigo l.°, n.° 2, do EGP seriam mais competitivas se os seus administradores não estivessem sujeitos às obrigações e aos constrangimentos do mesmo EGP. Tal ganho de competitividade não implicaria, além do mais, qualquer perda de efetividade do controle exercido sobre os respetivos administradores, devido à «regulação particularmente intensa, tanto a nível europeu, como nacional», incidente sobre a atividade das instituições de crédito, em especial das qualificadas como «entidades supervisionadas significativas».
Independentemente da bondade e razoabilidade de tal justificação, o que importa destacar, no âmbito do caso sub juditio, é que a finalidade da exceção à aplicação do EGP nada tem que ver com a sujeição dos administradores em questão aos deveres impostos pela Lei n.° 4/83. Com efeito, do EGP constam diversas obrigações, mas entre estas não se conta nenhuma que se relacione de alguma forma com a declaração de património e rendimentos prevista no artigo 1.° da Lei n.° 4/83. Além do mais, como vimos, a inclusão nesta lei de uma menção aos gestores públicos nunca teve como razão justificativa a circunstância de a estes se aplicar o EGP. O recurso ao conceito de gestor público constitui, simplesmente, um meio de, sinteticamente, abranger uma série de entidades a quem os deveres contidos na Lei n.° 4/83 são de aplicar
14. Uma conclusão sobra, assim, clara: do Decreto-Lei n.° 39/2016 não resulta a exclusão dos administradores da C.... do âmbito de aplicação da Lei n.° 4/83. À mesma conclusão podemos chegar por força de outros tópicos interpretativos, também eles bastantes para a sustentar
(…) Entendimento diferente - isto é, a consideração de que os administradores da C.... não seriam gestores públicos nos termos e para efeitos da Lei n.° 4/83 - introduziria no ordenamento jurídico português relativo aos valores e aos imperativos de transparência uma insustentável subversão valorativa. Valores e imperativos esses que, polarizando a axiologia e a teleologia da lei ordinária, mediatizam ao mesmo tempo a projeção de valorações e desígnios imanentes à própria Constituição. Com afloramentos claros no texto constitucional, nomeadamente nos artigos 48.°, n.° 2, 117.°, 266.°, n.° 2, e medularmente no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.°.
Na verdade, ter-se-ia, assim, de chegar à conclusão de que todos os gestores de empresas meramente participadas pelo Estado, quando designados por este, são abrangidos pelos deveres de transparência contidos na Lei n.° 4/83, enquanto os membros do Conselho de Administração da C...., empresa pública em que o Estado não se limita a exercer influência dominante - pura e simplesmente, detém a totalidade do capital social - não estariam sujeitos a tais deveres. E chegar-se-ia a tal subversão valorativa não a partir de uma decisão clara do legislador nesse sentido - concretizada através de uma alteração à Lei n.° 4/83 ou, ainda que assim não acontecesse, resultando comprovadamente tal intenção de outra norma do ordenamento jurídico mas reflexamente, atribuindo-se caráter decisivo a uma alteração pontual a outro diploma, o EGP. Manifestamente, uma novação legislativa animada por outros desígnios e, por via disso, a projetar-se em comandos normativos alheios aos problemas da transparência.
Ora, tal subversão dos valores da Lei n.° 4/83 é insustentável face aos elementos interpretativos a relevar neste contexto. Os elementos histórico - o progressivo alargamento do elenco das entidades abrangidas pela Lei n.° 4/83 - e sistemático/teleológico - a coerência da alínea a) com a alínea b) do n.° 3 do artigo 4.°, tendo em conta as finalidades prosseguidas pela lei em questão - imporiam aqui sempre outra interpretação do conceito de gestor público. Este poderá ser mais ou menos abrangente, mas deverá incluir, no mínimo, todos os gestores de empresas públicas. Uma interpretação que, de resto e como referido anteriormente, tem também por si a força unívoca e não despicienda do próprio teor literal dos preceitos a que, no seu conjunto, pode pedir-se a resposta ao problema que aqui nos ocupa.”
Em suma, no caso não ocorre uma sucessão imprevisível de regimes legais, que colida com a segurança jurídica, mas terá apenas ocorrido uma errada interpretação jurídica dos citados regimes, levada a cabo quer pelo ora Recorrente, quer por quem o convidou para o indicado cargo afirmando-lhe o pressuposto da inexistência de quaisquer obrigações declarativas.
Quanto ao invocado direito à intimidade da vida privada e familiar e à protecção de dados pessoais não são direitos absolutos (como o não é, nenhum outro direito fundamental), estando sempre limitados pela necessária salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente garantidos. Logo, em diversas situações, a prossecução do interesse público por parte da Administração — que inclui a própria protecção de (outros) direitos fundamentais e de bens constitucionalmente protegidos, como o direito à informação dos cidadãos, a prossecução do interesse público, a transparência e escrutínio na escolha dos decisores políticos ou das opções tomadas por esses decisores - pode «colidir» com aqueles direitos particulares.
No que concerne à invocação da exigência de garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas ou contrárias à dignidade humana de informações relativas às pessoas e família ou ao desenvolvimento da personalidade, não se vislumbra como como tais garantias e direitos saiam violados por via da obrigação declarativa em questão.
De notar, ainda, que o apresentante da declaração pode opor-se à divulgação – integral ou parcial – dos dados da declaração, bastando, para o efeito, invocar a existência de um motivo relevante e seguir os termos legais para efectuar essa oposição, conforme preceituado nos art.ºs 107.º a 109.º da Lei n.º 28/82, de 15-11 - Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (cf. neste sentido, o Ac. do STA n.º 025/13, de 21-03-2013).
Em suma, improcedem as alegações do Recorrente relativas ao exercício legítimo do direito de resistência, à violação de direitos fundamentais ou do princípio da segurança e da confiança.

Com relação ao invocado erro decisório por se fazer uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs 4.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 4/83, de 02-04 e 1.º, n.º 2, do Estatuto do Gestor Público, por o Recorrente não poder ser considerado gestor público, na parte em que esta alegação vise contrariar o decidido no Ac. do TC 01-02.2017, irreleva, de todo, porquanto a decisão do TC formou caso julgado material e decidiu definitivamente sobre a questão da obrigação do ora Recorrente apresentar a declaração em apreço, conforme art.ºs 1.º, n.º1 e 2.º, n.º 1 e 109.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15-11.
Nos termos daquele Acórdão, o Recorrente, enquanto cargo de vogal do CA da C...., teria de ser considerado um gestor público para efeitos da submissão à Lei n.º 4/83, de 2-4. Estando decidida essa questão pelo TC, não cumpre agora apreciá-la novamente, pois a decisão do TC formou caso julgado material.
Assim, sendo certo que o R. e Recorrente estava abrangido pelas obrigações estipuladas na Lei n.º 4/83, de 2-4, cumpria-lhe apresentar a declaração dos seus rendimentos, património e cargos sociais.
No demais, remete-se para o citado Acórdão do TC, designadamente na parte que ficou transcrita.

Quanto à alegação relativa à convicção do Recorrente de que estava a actuar ao abrigo do direito de resistência, não tendo consciência da ilicitude da sua conduta, também não procede, pelas razões já aduzidas e porque nos autos não ficou provado que o Recorrente desconhecesse a ilicitude da sua conduta ou que tal desconhecimento não fosse censurável. Diferentemente, face aos factos provados nos autos, não é nada crível que o Recorrente não tivesse entregue a declaração em questão por estar crente que actuava ao abrigo do seu direito de resistência.
Ficou provado nos autos que o R. e Recorrente formulou junto ao TC um pedido de apreciação da sua situação, por entender que não estava sujeito às obrigações inclusas na Lei n.º 4/83, de 2-4.
Consequentemente, não podem proceder as alegações ora feitas em recurso, que o R. e Recorrente desconhecia a sua obrigação legal e que só não entregou a dita declaração porque pensava que actuava ao abrigo do direito de resistência. Toda esta argumentação para além de não ter suporte factual na matéria assente, briga ostensivamente com os factos que ficaram provados nos autos.
Após a prolação do Acórdão do TC e da sua notificação ao R. e Recorrente, exigia-se que este passasse a conhecer da conduta correcta, que deveria seguir para não praticar um facto ilícito e que tomasse consciência ética do desvalor de adoptar uma conduta contrária. Também não podia o R. e Recorrente desconhecer que a persistência no incumprimento da obrigação de apresentar a declaração de rendimentos implicaria o sancionamento nos termos requeridos através desta acção.
Ou seja, no caso não ocorre um erro sobre a ilicitude, pois tal erro não vem provado.
Mas ainda que se concebesse a existência de um erro sobre a ilicitude, esse mesmo erro sempre seria censurável ou não desculpável, pois a alegada ignorância da lei teria de ser assacada a uma atitude de negação ou de indiferença perante o dever-ser jurídico, que apontariam para uma deficiência da própria consciência-ética do agente, que lhe não lhe tinha permitido apreender correctamente os valores jurídico-legais que estavam em causa. Logo, a conduta (ignorante) do R. e Recorrente sempre seria censurável porque reveladora e concretizadora de uma personalidade apenas indiferente perante o dever-ser jurídico.
Sem embargo, como se disse, face aos factos provados, na situação concreta, o R. e Recorrente tinha a obrigação de saber que estava obrigado a entregar a declaração no TC e que a não entrega configurava um acto contrário à lei, portanto, ilícito.
Falece, pois, a invocada argumentação.

Por fim, vem o Recorrente invocar o erro decisório por violação do princípio da proporcionalidade, por a sanção aplicada ser manifestamente excessiva face à gravidade da sua actuação e por o Tribunal não ter tomado em conta como circunstâncias atenuantes os factos de o Recorrente ser estrangeiro, estar a residir no estrangeiro, desconhecer a língua portuguesa, ter aceite o cargo em questão por supor que não teria de entregar qualquer declaração e por ter cessado funções menos de 6 meses após a assunção de funções.
Estas alegações prendem-se com as anteriores, relativas ao grau de culpa do R. e Recorrente.
Como acima se indicou, atendendo à factualidade apurada nos autos, o R. e Recorrente agiu de forma livre e voluntária, persistindo na ilicitude da sua conduta, mesmo após ter sido prolatado o Ac. do TC e esta decisão lhe ter sido notificada.
Acresce, que os factos que fundam a presente alegação não resultam assentes da factualidade provada.
Frente à matéria provada, desconhece-se, ainda, o nível de habilitações do R. e Recorrente e a preparação que tivesse para alcançar a determinação legal. Porém, frente ao cargo que R. e Recorrente esteve a a exercer – de vogal do CA da C.... – as circunstâncias de ser estrangeiro, de manter-se a residir no estrangeiro, de desconhecer a língua portuguesa ou de ter exercido o cargo por menos de 6 meses - não justificam a persistência no desconhecimento da lei ou da obrigação declarativa, designadamente por lhe ser de todo impossível ou inviável informar-se sobre os seus deveres legais.
Não é crível, face às regras da experiência, que um Vogal do CA da C.... não tivesse ao seu alcance a possibilidade de se informar sobre o quadro legal que lhe era aplicável. Depois, também não é crível, face aos factos provados em 4 e 10 - o pedido de dúvidas apresentado no TC ou o requerimento final a manifestar a oposição ao cumprimento da obrigação declarativa – que aquelas mesmas circunstâncias tenham impedido o R. e Recorrente de alcançar o entendimento e a percepção acerca das suas obrigações legais.
Como decorre do acima exposto, face à matéria provada deriva que o R. e Recorrente, pelo menos após a prolação do Ac. do TC, compreendeu o quadro legal a que estava adstrito. Igualmente, terá compreendido, de forma plena, o conteúdo e alcance das suas obrigações declarativas.
Ainda assim, conforme facto provado em 10, o R. e Recorrente afirmou querer manter-se a incumprir.
Logo, neste enquadramento, só pode ter-se a culpa do R. e Recorrente como uma culpa grave.
Neste contexto, não ofende o princípio da proporcionalidade a determinação da inibição do R. e Recorrente para o exercício de cargo que obrigue à declaração de rendimentos pelo período de 5 anos, a pena máxima prevista no art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83, de 02-04.
O fim da lei é sancionar a conduta inadimplente, em simultâneo com um fim preventivo ou de garantia, obstaculizando-se que o agente prevaricador seja nomeado para cargo que exija idêntica declaração, mantendo-se a reincidir na anterior conduta.
Ora, atendendo à culpa do R. e Recorrente, que é grave, à afirmação veemente e reiterada da vontade de manter-se em incumprimento legal, à invocada associação dessa vontade àquela que fosse a do Presidente da C.... ou do Governo Português, considerando, ainda, os bens jurídicos que se querem proteger com a obrigação da declaração de rendimentos, património e cargos sociais e as consequências que resultam do respectivo incumprimento para a descredibilização dos fins de responsabilização e transparência que a indicada lei quis impor, teremos de concluir que a medida da pena aplicável ao caso não se revela, em termos objectivos, manifestamente desajustada e desproporcionada à consecução daqueles objectivos.
Contra o agende concorrem, também, o relevo do cargo que desempenhava e o comportamento socialmente expectável para um titular de tal cargo, totalmente desconforme com a conduta reiterada de incumprimento legal e jurisdicional, associado ao alheamento face às consequências dessa mesma conduta.
Por outro lado, não se vislumbra que a aplicação da sanção de inibição do R. e Recorrente para o exercício de cargo que obrigue à declaração de rendimentos pelo período de 5 anos lhe imponha um sacrifício excessivo, injustificado e desadequado.
Em suma, claudicam todas as alegações de recurso e há que confirmar a decisão recorrida, porque está certa.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Após transito em julgado do presente acórdão, comunique-se, por certidão, ao TC, cf. art.º 110.º da Lei n.º 28/82, de 15-11.

Lisboa, 21 de Março de 2019

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)