Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03042/09
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:05/26/2009
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IRC
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
Sumário:I – O crédito referente a contribuição autárquica, inscrita para cobrança no ano corrente da data da penhora e nos dois anos anteriores tem privilégio imobiliário especial sobre os imóveis a que aquela respeita.
II – O privilégio imobiliário criado pelo artigo 108.º do CIRC é um privilégio imobiliário geral pelo que no concurso com o privilégio imobiliário especial que a CA tem é este que prevalece.
III – Os créditos da segurança social gozam de privilégio imobiliário geral sobre os bens imóveis do devedor à data da instauração da execução, graduando-se logo após os referidos no artigo 748.º do CC, preferindo, portanto, e nomeadamente, ao IRC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo

1- RELATÓRIO
O Ministério Publico inconformado com a sentença de verificação e graduação de créditos, que corre por apenso à execução fiscal nº……………., instaurada no Serviço de Finanças da ……. 1, contra ………..- C……….. Lda, para cobrança coerciva de IRC do ano de 1991, que posicionou o crédito reclamado pela Segurança Social antes dos créditos reclamados pela Fazenda Pública, dela recorre para este TCA, apresentando na sua alegação as seguintes conclusões:
“ 1.A contribuição autárquica goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial, nos termos do art. 24º, n° 1 do CCA;
2. Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição, nos termos do art. 744°, n° 1 do CCivíl;
3. Tendo a penhora tido lugar em 12.02.2003 gozam os reclamados créditos referentes à contribuição autárquica daquele privilégio especial;
4. Os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, l.P. -Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa e os respectivos juros de mora gozam, por seu turno, de privilégio imobiliário geral sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748° do Código Civil (art. 11° do DL n° 103/80, de 9 de Maio);
5. Os créditos de que fala o art. 748° do Código Civil são "os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações e os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial";
6. A contribuição autárquica foi o imposto que substituiu a contribuição predial;
7. Logo, deveriam os créditos reclamados pela Fazenda Pública, relativos à Contribuição Autárquica dos anos de 2000, 2001 e 2002, ter sido graduados antes dos créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, l.P. - Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa, posicionando-se estes antes do crédito exequendo.
8. Ao assim não decidir violou a douta sentença recorrida o disposto no art. 11° do DL n° 103/80, de 9 de Maio e o art. 748° do Código Civil.”
Não houve contra alegações.

A EMMP neste Tribunal apôs o seu visto nos autos

Colhidos os vistos cumpre decidir

2 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
“ A) O Instituto da Segurança Social, I.P. reclamou os créditos que detém sobre a executada, acrescidos dos juros no valor total de € 56. 364,29, relativos a contribuições dos períodos de Janeiro de 1995 a Maio de 1998, titulados pela certidão de fls. 5 e 6.
B) A Fazenda Pública reclamou os créditos referentes a contribuição Autárquica do imóvel penhorado na execução, no montante total de € 1.583,13 titulados pelas certidões de fls. 11, 14, 15, 22, 23 e 24.
C) Nos autos de execução n° ………….. foi, em 12/02/2003, penhorado o lote de terreno para construção, com a área de 1000 m2, localizado no Casal da ……………., A da……, freguesia da ……., concelho da …………, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……. e descrito na …ª Conservatória do Registo Predial daquele concelho, pelo n°………… (cfr. fls. 21 do processo de execução fiscal)
D) A penhora supra referida foi registada na Conservatória do Registo Predial em 24/03/2003, conforme documento de fls. 21 do processo de execução fiscal” .

3. DO DIREITO
Na sentença recorrida decidiu-se proceder à graduação dos créditos reclamados pela seguinte forma:
1º Crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, l.P, incluindo o capital e respectivos juros
2º Crédito reclamado pela Fazenda Pública relativo a Contribuição Autárquica de 2000, 2001 e 2002, acrescido de juros de mora.
3º Crédito exequendo.
E, para assim o decidir, o Mmº Juiz “ a quo” expendeu o seguinte :
“ (…) Créditos reclamados pela Segurança Social
Os créditos e os juros reclamados relativos a contribuições para a segurança social gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 747°, 1° 1, al. a) do Código Civil (artigo 10° do DL 103/80 de 9/5 e gozam igualmente de privilégio imobiliário geral, graduando-se após os créditos referidos no art. 748° do CC (art. 11° do DL 103/80).
O privilégio incide sobre todos os créditos pelas contribuições independentemente da data da sua constituição e abrange os respectivos juros de mora.
Créditos reclamados pela Fazenda Pública
Nos termos do artigo 24° do Código da Contribuição Autárquica, " a contribuição autárquica goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial".
Por seu lado, o art. 744° do Código Civil, estabelece, no seu n° 1 que "os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição", gozando os juros dos mesmos privilégios dos créditos correspondentes às dívidas sobre as quais incidem.
A jurisprudência dos tribunais é unânime no sentido de considerar que, ainda que posteriores à data da penhora, gozam das referidas garantias especiais, as dívidas de contribuição autárquica que sejam inscritas para cobrança em data anterior à da venda do bem penhorado. A este propósito refere-se no Ac. do STA n° 523/05 de 16/11/2005 o seguinte: «dispõe o art. 744°,n°1, de CC: "Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ... e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição."
É sabido que a contribuição predial foi extinta e substituída pela contribuição autárquica.
Ora, dispõe o art. 24°, n°1, do CCA: "A contribuição autárquica goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial". Dispunha o § 2° do art. 230° do CCP (na redacção do DL n° 764/75, de 31/12): "Na verificação e graduação dos créditos atender-se-á não só à contribuição constante da certidão a que se refere este artigo, mas ainda à que dever ser liquidada pelos meses decorridos até à data da venda ou da adjudicação do prédio".
Estará este preceito revogado? Vejamos. Compreende-se que, sendo a contribuição autárquica de trato sucessivo, não se entenderia que a mesma ficasse desprovida da respectiva garantia (privilégio imobiliário) só pelo facto de haver dilação na venda do imóvel. Por outro lado, o que se compreende no limite fixado a montante (crédito inscrito para cobrança no ano corrente na data da penhora e nos dois anos antecedentes) já não teria a mesma compreensão nesse limite fixado a jusante (créditos posteriores à penhora). É certo que a referida disposição do CCP (art. 230°) parece estar revogada. Na verdade, o CCA, que ressalva expressamente algumas disposições do CCP, não ressalva aquela. Porém, parece-nos que o legislador do CCA disse menos do que queria. Pelas razões atrás apontadas, que estiveram por certo na génese daquele § 2° do art. 230° do CCP, afigura-se-nos evidente que o legislador não quis deixar de fora as situações já referidas, a saber: os créditos por contribuição autárquica posteriores à penhora mas anteriores à data da venda ou adjudicação do prédio.»
Face ao exposto, os créditos por contribuição autárquica reclamados pela Fazenda Pública, gozam de privilégio creditório imobiliário, nos termos da disposições conjugadas do art. 24o do CCA e arts. 735° e 744°,n°1 do CC e art. 230, § 2° do Código da Contribuição Predial.
Quanto à dívida exequenda
Nos termos do disposto no artigo 108° do CIRC, o IRC relativo aos três últimos anos goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do executado à data da penhora ou outro acto equivalente.
Tendo em consideração que a penhora foi efectuada em 12/02/2003 e que o crédito exequendo se refere ao IRC de 1991, não está abrangido por qualquer privilégio, gozando apenas da garantia conferida pela penhora.
Os juros gozam dos mesmos privilégios das dívidas sobre as quais incidem (artigo 8° do Decreto-Lei n° 73/99 de 16/03).
(…)”
DECIDINDO NESTE TCAS
QUID JURIS?
A única questão que se coloca é a de saber se o crédito reclamado pela Fazenda Pública - relativo à contribuição autárquica - deve ser graduado à frente do crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P ( contribuições dos anos de 1995 ( Janeiro) a 1998 ( Maio).Dito por outras palavras, o ora recorrente pretende que o crédito ordenado em 2º lugar seja graduado em 1º. O crédito exequendo deriva de IRC.
Vejamos então, tendo presente que a penhora nos presentes autos teve lugar em 12.02.2003 ( al.c) do probatório).
Importa clarificar que:
A contribuição autárquica é um imposto municipal de carácter patrimonial que incide sobre o valor tributável dos prédios situados no território de um município, qualificável de rústica ou urbana consoante a classificação dos prédios em causa (cfr. art.º 1.º do CCA).
O crédito derivado do incumprimento da obrigação de pagamento do referido imposto, da titularidade das autarquias locais, inscrito para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, tem privilégio imobiliário especial sobre os imóveis cujos rendimentos a ele estejam sujeitos.
O privilégio imobiliário criado pelo art.º 93.º do CIRC (a que corresponde o art.º 108.º após a revisão efectuada pelo Dec.-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho) é um privilégio imobiliário geral, já que não se restringe a determinados bens imóveis, abrangendo, antes, o valor de todos os imóveis existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.
No concurso entre um direito de crédito garantido por um privilégio imobiliário geral e um direito de crédito garantido por um privilégio imobiliário especial, é este que prevalece.
Por sua vez os direitos de crédito da titularidade das instituições de segurança social derivados de taxa contributiva estão protegidos por privilégio imobiliário geral sobre os bens imóveis do devedor à data da instauração da acção executiva, nos termos do art.º 11.º do Dec.-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio.
E do referido art.º 11.º do Dec.-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio – que, como lei especial, prevalece sobre a lei geral – resulta que os créditos respectivos se graduam logo após os referidos no art.º 748.º do Cód. Civil, preferindo, portanto, e nomeadamente, ao IRC.

Aqui chegados temos de considerar que a contribuição autárquica goza, por força do artigo 24º, n.º1 do CCA, à data vigente, das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial.
Na verdade, dispõe o n.º1 do artigo 744º do CC que os créditos por contribuição predial devida ao estado ou às autarquias locais inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos aquela contribuição.

Por seu turno as dividas reclamadas pelo Instituto de Segurança Social, IP, bem como os respectivos juros gozam, independentemente da data da sua constituição, de privilégio imobiliário geral “sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art. 748º do CC”, artigo 11º do DL n.º 103/80, de 09.05, que se mantém em vigor na ordem jurídica.
E, os créditos referidos no artigo 748º do Código Civil, são os respeitantes a contribuição predial – actual autárquica - sisa e imposto sobre sucessões e doações, sendo que a contribuição autárquica foi o imposto que substituiu a contribuição predial .
Assim da harmoniosa conjugação entre as normas citadas e a factualidade assente, não pode subsistir duvida alguma que de que “ os créditos referentes à contribuição autárquica gozam daquele privilégio especial”, como bem nota o recorrente e como aliás se refere na sentença sob censura. No sentido que agora defendemos decidiu o Ac. do STA, proferido no recurso 132/07 de 28/03/2007, de cujo sumário nos apropriamos.

Assiste, pois, inteira razão ao recorrente, padecendo a sentença de erro de julgamento ao graduar os créditos do Instituto da Segurança Social, I.P. antes dos créditos relativos à contribuição autárquica.
A pretensão do recorrente é assim de atender.
Deve pois proceder-se à graduação dos créditos reclamados pela seguinte forma:
1° Crédito reclamado pela Fazenda Pública relativo a Contribuição Autárquica de 2000, 2001 e 2002, acrescido de juros de mora.
2º Crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, l.P, incluindo o capital e respectivos juros
3° Crédito exequendo.


4. DECISÃO
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte impugnada, e modificando-se no sentido pretendido a graduação operada.

Sem custas nesta Instância.

Lisboa 26/05/2009.
ASCENSÃO LOPES
MANUEL MALHEIROS
MAGDA GERALDES