Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2576/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
QUESTÃO NOVA
Sumário:I. Tendo a oponente / revertida alegado existirem créditos na esfera jurídica da devedora originária, relacionados com prestações suplementares não realizadas, mas provando-se apenas ter existido a assunção de compromisso em sede de assembleia geral, por parte de um dos acionistas, em injetar determinado valor, a creditar como realização de prestações suplementares, nada se alegando nem demonstrando em torno da efetiva existência de tal obrigação e do seu efetivo não cumprimento, esta ausência de prova reverte contra a oponente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

M...... (doravante Recorrente ou Oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 15.10.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1101…… e apensos, que a secção de processos de Lisboa do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (doravante Recorrido ou IGFSS) lhe moveu, por reversão de dívidas de contribuições e quotizações devidas à Segurança Social, respeitantes aos anos de 2005, 2006 e 2008, da devedora originária F......– P....., SA.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Tal obrigação de prestações suplementares de capital que não foi realizada, conforme resulta provado pelo depoimento das duas testemunhas arroladas e inquiridas, constitui um crédito exigível e penhorável;

b) Verifica-se, assim, que nos termos do disposto no N.° 2 do Artigo 23.° da L.G.T. inexiste fundamento para a reversão contra a Recorrente, enquanto responsável subsidiária, por existirem bens de valor suficiente para a satisfação dos créditos no património da Executada, como é, designadamente, o caso do crédito de €300.000,00;

c) Bem como por existirem responsáveis solidários contra quem deve ser revertida a execução em primeiro lugar;

d) Face ao anteriormente alegado resulta inequívoco que, na douta sentença recorrida, fez o Tribunal "a quo" errada apreciação da prova ao desprezar o valor probatório da acta n.° 24 e o depoimento das testemunhas inquiridas;

e) Em parte alguma do processo se mostra provada a culpa da Recorrente na constituição da dívida, prova que constitui ónus da Exequente;

f) Provada que está a existência de bens penhoráveis do devedor principal (os direitos de crédito supra referidos), a existência de devedores solidários e a suficiência do seu património para satisfazer a totalidade da dívida exequenda, não estando provada a culpa da Recorrente, não pode ser revertida a dívida contra esta.

Termos em que, e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser julgada procedente e provada a oposição da Recorrente à reversão da execução contra si, como devedora subsidiária, tudo com as legais consequências, como é de direito e

JUSTIÇA”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que existem bens penhoráveis (concretamente um crédito relativo a prestações suplementares) na esfera jurídica da devedora originária?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado existirem responsáveis solidários?

d) Verifica-se erro de julgamento, por não ter sido demonstrada a culpa da Recorrente?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 21.09.2006 foi instaurado na Secção de Processo Executivo de Lisboa do IGFSS, I.P., o processo de execução fiscal nº 1101…… contra a sociedade “F......– P....., S.A.”, por dívidas de contribuições à Segurança Social dos períodos de 2005-04 a 2006-06, no montante total de 151.744,14€ (cfr. fls. 1 do PEF apenso).

B) Posteriormente à data referida na alínea antecedente, foram apensados ao PEF também aí referido os PEF’s nºs 1101….. e 1101….., por dívidas de contribuições dos períodos de 2008/02, no montante total de 3.991,21€ (cfr. fls. 39 do PEF apenso).

C) Em 30.05.2006 foi assinada pela Oponente e por C….., a Acta nº 16 da Assembleia Geral da sociedade “F……, S.A.”, na qual foi deliberado o aumento de capital da mesma, de 300.000,00€ para 600.000,00€, com a admissão de um novo accionista (“Laboratórios P….., S.A.”), aí se declarando ter já dado entrada nos cofres da sociedade, naquela data, do montante de 300.000,00€, e se deliberando igualmente a nomeação para a restante parte do triénio de outros dois administradores (cfr. fls. 29 a 31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

D) Na Acta nº 24 de 19.06.2008 o administrador da devedora originária, Dr. G….., em representação da accionista “Laboratórios P…., S.A.”, comprometeu esta sociedade a injetar na “F......” até 15.09.2008, o valor de 300.000,00€ a creditar como realização de prestações suplementares (cfr. fls. 67 a 69 do PEF apenso).

E) Em 06.07.2009, a ora Oponente apresentou em Assembleia-Geral a sua renúncia à administração da “F......, S.A.” (cfr. fls. 48 e 49 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

F) A Oponente desempenhou funções como administradora da sociedade “F......, S.A.” até à sua renúncia, designadamente assinando, em representação e vinculação da sociedade, cheques e requerimentos apresentados junto de entidades oficiais (cfr. fls. 7 a 26-verso do PEF apenso).

G) Em 07.10.2009 foi, no âmbito do PEF referido em A), proferido despacho pela Coordenadora de Processo Executivo de Lisboa II a determinar a preparação do processo para efeitos de reversão contra a Oponente, tendo o mesmo o seguinte teor:

“1. DADOS DO PROCESSO

Para pagamento dos valores em divida à Segurança Social foram instaurados os processos executivos supra identificados com base nas seguintes certidões:

Ver certidões anexas

2. DA CITAÇÃO DO EXECUTADO

O executado foi citado a 29/09/2006. No prazo legal que dispunha para o efeito, não pagou voluntariamente.

3. DOS FUNDAMENTOS

Nos termos e para efeitos do disposto no artigo n.º 153 do Código de Procedimento e Processo Tributário, foram compulsados todos os dados constantes nos Sistema de Execuções Fiscais e de Identificação e Qualificação, designadamente na procura de património suficiente para garantir o ressarcimento do valor em divida do executado, tendo-se apurado o seguinte:

Não são conhecidos quaisquer bens sujeitos a registo, registados em nome do executado, nem tendo este indicado nenhum bem móvel suficiente, pelo que, nos termos do art,º 219º n.º3 do C.P.P.T. permite ao órgão de execução fiscal presumir a insuficiência ou inexistência de bens móveis.

Da informação constante nas Declarações de Remuneração entregues pela executada originária, constata-se que o(a) Sr.(a) M……., NISS na 113……, é responsável subsidiário, tendo desenvolvido actividade de gerente na empresa executada desde I entre 2001-09-01.

Em conclusão, e atendendo aos elementos constantes no processo:

Nos termos do art.º 24° da L.G.T. encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no n.º 2 do art.º 23º da L.G.T., em conjugação com o art.º 153º do C.P.P.T., para efeitos de uma eventual reversão. Proceda-se à notificação do(a) Sr.(a) M...... para exercício de audição prévia por escrito, no prazo de 10 dias, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 23º da L.G.T., comunicando o projecto da decisão e presente fundamentação, necessária para o exercício do direito, conforme dispõe o n.º 4 do art.º 60º da L.G.T..” (cfr. fls. 37 do PEF apenso).

H) Não tendo sido exercido o direito de audição prévia pela Oponente, foi proferido despacho de reversão e a mesma citada em 02.08.2010 (cfr. fls. 48-verso 50- verso).

I) A presente oposição foi apresentada em 02.09.2010 (cfr. fls. 3 dos autos).

J) A Oponente assinou cheques e requerimentos apresentados junto de entidades públicas, sempre em representação da “F......, SA”, durante o ano de 2007 (cfr. fls. 7 a 26-verso do PEF apenso).

K) A partir da entrada da sociedade “Laboratórios P......, S.A.” para o capital social da devedora originária, o seu representante na administração Sr. G...... foi o principal responsável pela parte financeira e económica da “F......” e na parte respeitante às relações com fornecedores (prova testemunhal)”.

II.B. O Tribunal recorrido considerou não provada a seguinte matéria de facto:

“1 – Não foi provado que, à data da reversão, a devedora originária possuísse stock de medicamentos à guarda da sua ex-funcionária B...... com valor estimado em 50.000,00€, ou que, mesmo a existir esse stock o mesmo não estivesse penhorado ou ainda pertencesse efetivamente à devedora originária”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como na posição factual expressa pelas partes nos seus respetivos articulados.

O facto dado como provado em K) resultou do depoimento das testemunhas inquiridas, C......e A......, que demonstraram um conhecimento razoável da situação da sociedade devedora originária após a entrada dos “Laboratórios P......, SA” para o capital social daquela, não tendo, no entanto, acrescentado nada de relevante quanto a todo o período anterior.

Quanto ao facto dado como não provado o mesmo resulta precisamente da circunstância da total falta de prova concreta quanto ao mesmo, não tendo sido apresentado qualquer documento evidenciador do mesmo”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Da leitura integral das alegações de recurso, resulta que a Recorrente considera que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, no tocante à decisão proferida sobre a matéria de facto, decorrendo, em seu entender, da prova produzida (documental e testemunhal) a existência de um crédito exigível e penhorável, atinente a prestações suplementares.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados(2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos.

Com efeito, não são indicados quaisquer pontos de facto que se entendam incorretamente julgados nem que alteração (por aditamento, correção ou supressão) deveria ocorrer na decisão proferida sobre a matéria de facto.

Logo, não foram, por consequência, indicados os meios probatórios pertinentes para qualquer alteração à decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo que a mera indicação de documentos constantes dos autos e a menção global ao depoimento das testemunhas não cumpre as exigências estipuladas pelo art.º 640.º do CPC.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, em virtude da existência de bens penhoráveis

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, dado não ter sido realizada a obrigação de prestações suplementares, estamos perante um crédito exigível e penhorável, no valor de 300.000,00 Eur., inexistindo, por essa via, fundamento para a reversão.

Vejamos.

In casu, a dívida revertida respeita aos anos de 2005 e 2006, dado que, no demais, a Recorrente obteve vencimento em primeira instância.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos”(3). Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Como se referiu anteriormente, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão de facto [cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06)], aplicar-se­-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

In casu, este pressuposto não está posto em causa.

Ademais, há que considerar o disposto no art.º 23.º da LGT, de cujo n.º 1 decorre que é através da reversão que se efetiva a responsabilidade tributária subsidiária.

Resulta deste mesmo art.º 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT.

O carácter subsidiário da responsabilidade tributária, assim como a acessoriedade que a carateriza, implica que, à partida, só depois de excutidos os bens do devedor originário possa ser revertida a execução contra o responsável subsidiário – benefício da excussão prévia.

No nosso ordenamento jurídico, encontra-se consagrado expressamente este benefício da excussão prévia, decorrendo do disposto no art.º 23.º, n.º 2, da LGT, nos termos do qual “[a] reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.

Por seu turno, determina o já referido n.º 2 do art.º 153.º do CPPT que “[o] chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: // a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; // b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.

Assim, é possível a reversão da execução em casos de insuficiência, ou seja, em casos em que existem bens — penhoráveis ou penhorados — na esfera patrimonial do devedor originário de valor inferior ao da dívida exequenda. Logo, o legislador entendeu que o benefício da excussão não é posto em causa nestas circunstâncias.

Este é, pois, um pressuposto da reversão, que deverá estar evidenciado no despacho que a ordena e que antecede a citação do revertido enquanto tal, cabendo, pois, à administração tributária (AT) a sua demonstração. Ou seja, mesmo que o despacho de reversão não indique com pormenor todas as diligências que levou a cabo para extrair a conclusão de que o património da devedora originária é inexistente ou fundadamente insuficiente, esses elementos têm de constar do PEF, por forma a demonstrar a conclusão que conste do despacho de reversão.

Como referimos, a primeira questão suscitada pela Recorrente tem a ver com a circunstância de, na sua perspetiva, a devedora originária dispor de bens bastantes para responder pela dívida exequenda, a saber prestações suplementares ainda não realizadas no valor de 300.000,00 Eur.

Cumpre, antes de mais, analisar alguns institutos do direito societário, cuja abordagem se revela no presente caso pertinente.

O nosso ordenamento prevê, no Código das Sociedades Comerciais (CSC), diversos institutos a considerar.

Assim, temos:

¾ Prestações acessórias, previstas nos art.ºs 209.º e 287.º do CSC, cuja exigibilidade depende de previsão no pacto social que as imponha (a todos ou a alguns dos sócios ou acionistas), “desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efetuadas onerosa ou gratuitamente”. Podem ser reconhecidas em rubricas de capital próprio;

¾ Prestações suplementares, previstas no art.º 210.º do CSC, cuja exigibilidade depende da sua previsão no pacto social e de deliberação dos sócios para que a obrigação de as prestar se torne efetiva, podendo ser exigidas a qualquer momento. São sempre realizadas em dinheiro (ao contrário das acessórias) e não vencem juros. O seu reembolso depende do cumprimento dos requisitos previstos no art.º 213.º do CSC. Também são reconhecidas em rubricas de capital próprio da sociedade.

Nos termos do art.º 210.º do CSC:

“1 - Se o contrato de sociedade assim o permitir, podem os sócios deliberar que lhes sejam exigidas prestações suplementares.

2 - As prestações suplementares têm sempre dinheiro por objeto.

3 - O contrato de sociedade que permita prestações suplementares fixará:

a) O montante global das prestações suplementares;

b) Os sócios que ficam obrigados a efetuar tais prestações;

c) O critério de repartição das prestações suplementares entre os sócios a elas obrigados.

4 - A menção referida na alínea a) do número anterior é sempre essencial; faltando a menção referida na alínea b), todos os sócios são obrigados a efetuar prestações suplementares; faltando a menção referida na alínea c), a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota de capital.

5 - As prestações suplementares não vencem juros”.

Por seu turno, determina o art.º 211.º do mesmo diploma legal que a exigibilidade depende sempre de deliberação dos sócios, não podendo ser exigidas prestações suplementares depois de dissolvida a sociedade.

Do disposto no art.º 212.º do CSC extrai-se, designadamente, que a sociedade não pode exonerar o sócio da obrigação de efetuar prestações suplementares, sendo um direito intransmissível, nele não se podendo sub-rogar os credores da sociedade.

Cumpre ainda atentar no disposto no art.º 213.º do CSC, nos termos do qual:

“1 - As prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal e o respetivo sócio já tenha liberado a sua quota.

2 - A restituição das prestações suplementares depende de deliberação dos sócios.

3 - As prestações suplementares não podem ser restituídas depois de declarada a falência da sociedade.

4 - A restituição das prestações suplementares deve respeitar a igualdade entre os sócios que as tenham efetuado, sem prejuízo do disposto no n.º 1 deste artigo.

5 - Para o cálculo do montante da obrigação vigente de efetuar prestações suplementares não serão computadas as prestações restituídas”.

Deste enquadramento normativo resulta, pois, que se trata de prestações que têm de ser permitidas pelos estatutos da sociedade, sendo tal condição para que os sócios possam deliberar na sua realização, são sempre pecuniárias, não vencem juros e a sua restituição exige a salvaguarda da intangibilidade do capital social.

Abstraindo da querela doutrinal atinente à possibilidade de realização de prestações suplementares em sociedades anónimas (dado que o CSC apenas as prevê para as sociedades por quotas, sendo certo que a prática empresarial tem admitido a existência de prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares no caso das sociedades anónimas, como é o caso da devedora originária), há que sublinhar, do regime a que viemos fazendo referência, o seguinte:

a) As prestações têm de estar previstas no pacto social (originário ou alterado(4));

b) Depende da deliberação dos sócios a efetividade da obrigação de as prestar;

c) Não se pode exonerar o sócio de efetuar prestações suplementares;

d) O direito a exigir prestações suplementares é intransmissível e nele não podem sub-rogar-se os credores da sociedade.

Ora, aplicando estes conceitos ao caso dos autos, desde já resulta que apenas ficou provado que, a 19.06.2008, G…….., em representação da acionista “Laboratórios P......, S.A.”, comprometeu esta sociedade a injetar na “F......”, até 15.09.2008, o valor de 300.000,00 Eur., a creditar como realização de prestações suplementares [cfr. facto D)].

Não resulta provado (nem sequer foi alegado, sublinhe-se) que se trate de obrigação prevista no pacto social e que tenha havido qualquer deliberação social nos termos exigidos pela disciplina do CSC, designadamente no que respeita às exigências constantes dos n.ºs 1 e 2 do art.º 211.º do CSC.

Ainda que se considere que tal deliberação ocorreu, não resulta provado que as prestações suplementares não tenham sido realizadas (aliás, nada sequer é dito em torno do cumprimento do disposto no art.º 204.º do CSC, aplicável em casos de não pagamento de prestações suplementares).

Com efeito, como refere Sérgio Brigas Afonso(5), “[s]e o sócio não cumpriu nem com as suas obrigações de capital, nem com as obrigações de prestações suplementares deverá aplicar-se o regime previsto nos artigos 204.º a 208.º, do CSC, procedimento que poderá conduzir à exclusão do sócio da sociedade e à perda, total ou parcial, da quota detida na sociedade. Na eventualidade de se cumular o incumprimento por falta de pagamento da prestação de capital e da prestação suplementar, deverá distinguir-se a situação em que já foi deliberada a exclusão do sócio por incumprimento da prestação de capital, hipótese em que a obrigação de realização de prestações suplementares já não abrangerá o sócio excluído e a situação em que essa deliberação ainda não ocorreu, hipótese em que deverá proceder-se à cumulação de processos por incumprimento”. Sobre esta eventualidade, nada é dito.

Ou seja, não está cabalmente demonstrada a existência do direito de crédito consubstanciado nas prestações suplementares referidas.

Como tal, não assiste nesta parte razão à Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, por existirem responsáveis solidários

Refere ainda a Recorrente a existência de responsáveis solidários, contra quem a execução deveria ser revertida em primeiro lugar.

Da leitura integral das alegações, verifica-se que a Recorrente sustenta a sua posição no facto de a falta de realização das prestações suplementares e a violação do art.º 35.º do CSC fazer incorrer os seus autores em insolvência culposa, sendo, por essa via, responsáveis solidários perante todos os credores sociais.

Vejamos.

Como resulta do art.º 22.º, n.º 2, da LGT, a responsabilidade tributária pode ser solidária ou subsidiária.

Havendo responsáveis solidários os mesmos respondem pela dívida exequenda a par do devedor principal. Já no caso dos responsáveis subsidiários, o seu chamamento à execução é por via da reversão a que já fizemos referência.

Ora, in casu, a Recorrente defende que a sociedade Laboratórios P...... e G….. são responsáveis solidários que deviam ter respondido pela dívida exequenda.

No entanto, nada ficou provado que permita concluir nesse sentido, nos termos já assinalados em III.A. Como já referimos supra, em termos de obrigação de prestações suplementares não está minimamente provada a sua exigência nos termos legalmente prescritos.

Por outro lado, a Recorrente alega um enquadramento legal, do ponto de vista de insolvência culposa, que não é aqui de chamar à colação. Não estamos perante qualquer processo de insolvência, lugar próprio para a apreciação e a decisão de incidente de qualificação de determinada insolvência (cfr. art.ºs 185.º e ss. do CIRE). É na sentença a proferir no mencionado incidente que se qualifica a insolvência como culposa e se condena as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios.

Ora, nada disso foi factualmente alegado e, naturalmente, nada disso foi provado.

Assim, face ao alegado e provado, nada nos permite concluir pela existência de quaisquer responsáveis solidários.

Como tal, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento, por não ter sido demonstrada a culpa da Recorrente

Finalmente, considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que não resulta provada a sua culpa pelo depauperamento do património da devedora originária.

Compulsada a petição inicial, verifica-se que, quanto ao pressuposto da culpa, inerente ao instituto da reversão, a Recorrente nada disse.

Assim, a questão referida trata-se de questão nova (ius novorum).

Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais(6), sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes.

Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação(7), o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto.

Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes.

“Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”(8)..

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se, pois, que na presente instância foi efetivamente invocada a já referida questão nova, que, como já referimos, não foi oportunamente suscitada.

Assim, sendo questão nova e não respeitando a questão que seja do conhecimento oficioso, a mesma não pode ser aqui apreciada, votando ao insucesso o alegado pela Recorrente a este propósito.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de setembro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Tânia Meireles da Cunha

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(1)Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2)V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3)V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(4)Cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 331
(5)Sérgio Brigas Afonso, «Regime Societário e Fiscal dos Créditos por Prestações Suplementares e Prestações Acessórias», Revista de finanças públicas e Direito fiscal, a. 10, n. 2.
(6)Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 454.
(7)Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119.
(8)António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 119 e 120.