Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08207/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/01/2012
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA POR VONTADE DO JUIZ.
ACÇÃO DE OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE INTENTADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Sumário:I-Nos termos do artigo 279º do Cód. Proc. Civil, o juiz pode ordenar a suspensão da instância quando ocorra motivo justificado.

II- Numa acção com processo especial de oposição à nacionalidade intentada pelo Ministério Público, o juiz pode suspender a instância até que se esclareça a veracidade (ou não) de factos ilícitos praticados pelo R., impeditivos da aquisição da nacionalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul

1- Relatório
O Ministério Público intentou, no TAC de Lisboa, ao abrigo dos artigos 9º e seguintes da Lei nº37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), acção com processo especial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, contra Mário ……………, de nacionalidade brasileira, natural de Vitoria, Espírito Santo, Brasil, residente em Braga.
Por decisão de 1 de Abril de 2010, a Mmª Juiz “a quo”, julgou a acção improcedente.
Inconformado o Ministério Público interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
1) Face aos documentos juntos aos autos, não se pode concluir inexistir fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
2) Impor-se-ia que a Mma. Juíza, antes de decidir a requerida suspensão da instância, tivesse determinado, caso tivesse dúvidas, a realização de outras diligências.
3) Na verdade, o pedido formulado assentava na existência do parecer do SEF desaconselhando a concessão da nacionalidade portuguesa ao réu, por sobre o mesmo pender medida cautelar de paradeiro para notificação de indeferimento do artigo 88° da Lei de Estrangeiros, bem como uma medida cautelar de para notificação de indeferimento do artigo 88° da Lei de Estrangeiros, medida de expulsão do território nacional. Da ficha biográfica enviada pela Polícia Judiciária constava um pedido de paradeiro activo desde 22/6/2009. O réu é suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, susceptíveis de punição com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.
4) Existem indícios de indesejabilidade do pretendente para a comunidade nacional.
5) A própria decisão recorrida reconhece que o indeferimento da requerida suspensão da instância assentou na existência de medida de expulsão do território português e pela não existência de suspeitas da prática de ilícitos de natureza criminal.
6) Por evidente lapso de escrita, o Autor requereu a suspensão da instância por remissão para o artigo 6º da petição inicial e não para o artigo 7°, como efectivamente pretendia.
7) Tendo decidido como decidiu, a douta sentença violou o disposto nos artigos 9°, alínea b), da Lei n°37/81, na redacção da Lei n°2/2006, de 17 de Abril, 56°, n°2, do Decreto-Lei n°237-A/2006, de 14 de Dezembro e 343° do Código Civil.
8) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que mande aguardar a decisão final do processo-crime, através da suspensão da instância 279º nº1, do Código de Processo Civil.”
O recorrido contra-alegou, concluindo como segue:
A - O Réu Márcio, casado com cidadã nacional desde 15 de Março de 2004, formulou, em 05 Junho de 2009, junto da Conservatória dos Registos Centrais a sua pretensão de aquisição de nacionalidade portuguesa.
B - O Ministério Público deduziu Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por parte do Réu, à luz do disposto na alínea b) do art. 9° da Lei da Nacionalidade.
C- De acordo com a disposição legal invocada, é fundamento suficiente para obstar à concessão de nacionalidade portuguesa o facto de o requerente Réu ter sido condenado " com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três nos, segundo a lei portuguesa".
D - À luz principio do ónus da prova (art. 342° do CC) recaí sobre o Ministério Público a prova do facto alegado para obstar à concessão de nacionalidade portuguesa. Prova essa que não logrou efectuar, e que aliás é desde logo afastada pelo Registo Criminal português junto ao Processo.
E - Limita-se a falar em processo crime sem dizer qual o número do mesmo, nem o Tribunal em que o corre termos. Lança suspeita, que depois não concretiza.
F - Foi proferida sentença que julgou improcedente a Oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa deduzida pelo Ministério Público.
G - Sentença que respeita às disposições vigentes, nomeadamente, ao artigo 9° da Lei da Nacionalidade, bem como, e vai de encontro à Jurisprudência dominante.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* *
2. Fundamentação
2.1 De facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1) O réu é natural de Vitória, Espírito Santo, Brasil, onde nasceu em 27 de Maio de 1978, e é filho de Pedro ………… e de Mareia ……………. (cfr. fls. 9, dos autos em suporte de papel, a que pertencem as demais folhas a citar, sem menção de origem).
2) O réu é de nacionalidade brasileira (cfr. fls. 15 e 19).
3) Em 15 de Março de 2004, na Conservatória do Registo Civil de Guimarães, contraiu casamento civil com a cidadã portuguesa Andreia ………………, natural da freguesia de …………., concelho de Guimarães (cfr. fls. 12 e 14).
4) Em 5 de Junho de 2009 foi recebida na Conservatória dos Registos Centrais uma declaração subscrita pelo réu para aquisição da nacionalidade portuguesa com base no casamento referido em 3) (cfr. fls. 6-7).
5) Com base nessa declaração foi organizado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa o processo n°23789/09, onde se questionou a existência de factor impeditivo da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa - concretamente nos termos da al. b) do art. 9° da Lei da Nacionalidade -, razão pela qual foi remetida ao MP certidão para efeitos de eventual instauração do presente processo (cfr. fls. 4-A e 79-80).
6) O réu reside há mais de oito anos em Portugal (cfr. fls. 22 a 50 e 135-136).
7) Vive com a esposa (cfr. fls. 50).
8) Desde que veio residir para território nacional manteve actividade profissional (cfr. fls. 23 a 26, 33 a 35 e 135-136).
9) Tem apresentado anualmente declaração conjunta de rendimentos (cfr. fls. 28 a 32, 36 a 49 e 137).
10) Frequentou em território nacional acções de formação de forma a melhor desempenhar a sua profissão (cfr. fls. 138).
11) Possui contrato de trabalho que lhe permite auferir um vencimento (cfr. fls. 139 a 142).
12) Possui habitação, tendo para o efeito celebrado contrato de arrendamento (cfr. fls. 143 a 148).
13) Possui conta bancária na Caixa Geral de Depósitos (cfr. fls. 149).
14) O réu não tem antecedentes criminais no Brasil (cfr. fls. 16).
15) No certificado do registo criminal relativo ao réu emitido, em 10.11.2009, pelo Ministério da Justiça, da República Portuguesa, nada consta (cfr. fls. 72).
16) Sobre o réu pende no SEF uma medida cautelar de paradeiro para notificação (cfr. fls. 65, 68 e 74).
17) Bem como uma medida de expulsão do território nacional (acordo).

Facto não provado:
A) O réu é suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, designadamente pela prática de crimes susceptíveis de punição com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos [teve-se em conta que este facto foi impugnado pelo réu e que não foi produzida qualquer prova quanto ao mesmo].
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2.2- De direito
Em sede de fundamentação jurídica, a sentença recorrida expendeu o seguinte:
(…) De acordo com o disposto no art. 3° n°1, da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, de 17/4), "O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio." (cfr., em sentido idêntico, o art. 14° n°1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006, de 14/12).
Esta solução legal inspira-se na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar.
O legislador não impõe este princípio da unidade, mas é uma realidade em que se encontra interessado e que por isso promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.
Com efeito, o facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento - o estabelecimento de uma relação familiar -, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português - cfr., os citados arts. 3°, da Lei da Nacionalidade, e 14° n°1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. Como adverte Rui Manuel Moura Ramos, Do Direito Português da Nacionalidade, 1992, pág. 151, "o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração mas não é ele o elemento determinante da aquisição".
Assim, no regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade.
Mas o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz inelutavelmente pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere - a manifestação de vontade do interessado.
De facto, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela seja considerada judicialmente improcedente.
A intencionalidade deste instituto é clara: visa evitar a penetração indesejada de elementos que não reúnam os requisitos considerados, por lei, necessários para aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, ou seja, que o casamento não seja designadamente um simples meio para a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Estipula o art. 9°, da Lei da Nacionalidade (cfr. em sentido idêntico o art. 56° n°2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006), que:
"Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro
O que está em causa na presente acção é a oposição à aquisição de nacionalidade por casamento com base no fundamento inscrito na alínea b) deste art. 9°.
O réu não tem antecedentes criminais no Brasil, nem em Portugal - cfr. n.°s 14) e 15), dos factos provados -, não se tendo provado que o mesmo é suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, designadamente pela prática de crimes susceptíveis de punição com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos - cfr. facto A), dado como não provado.
Acresce que a medida de expulsão de território português não consubstancia qualquer condenação crime, mas antes a aplicação de uma medida de carácter administrativo, pelo que não tem qualquer relevo para efeitos de apreciação deste fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do réu.
Pelo exposto, a presente oposição terá de improceder, já que o autor não logrou provar este fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade (al. b) do art. 9º) como lhe incumbia, devendo, em consequência, prosseguir o processo na Conservatória dos Registos Centrais, não podendo, no entanto, o tribunal ordenar-lhe que conceda a pretendida nacionalidade por tal extravasar o âmbito da presente acção, na qual cumpre apenas apurar se o motivo invocado pelo autor como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do réu procede ou não. (…)”.
Inconformado com este entendimento, o Ministério Público alegou a existência de um parecer do SEF que desaconselhou a concessão da nacionalidade portuguesa ao R:., por sobre o mesmo pender medida cautelar de paradeiro para notificação do indeferimento do artigo 88º da Lei de Estrangeiros, bem como uma medida de expulsão do território nacional.
Alegou ainda que da ficha biográfica enviada pela Polícia Judiciária constava um pedido de paradeiro activo desde 22.06.2009, além de que o R. é suspeito de se encontrar ligado a actividades ilícitas, susceptíveis de punição do mesmo com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, existindo, portanto, indícios de indesejabilidade do pretendente para a comunidade nacional.
Conclui o Ministério Público que, ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto nos artigos 9°, alínea b), da Lei n°37/81, na redacção da Lei n°2/2006, de 17 de Abril, 56°, n°2, do Decreto-Lei n°237-A/2006, de 14 de Dezembro e 343° do Código Civil. Pede o Ministério Público, a final, a revogação da decisão proferida, a qual deverá ser substituída por outra que suspenda a instância até decisão final do processo crime, por forma a ser feita a devida justiça.
É esta a questão a apreciar.
É certo, com observa a decisão recorrida, que os fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, de acordo com o artigo 9º da Lei da Nacionalidade e Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL.nº237-A/2006 são, i) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, ii) A condenação, com trânsito em julgado, de sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos, e iii) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
É certo que não se provou a existência do requisito ii), pois não existe qualquer condenação do R. pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos.
Todavia, o Parecer do SEF e a ficha biográfica remetida pela Polícia Judiciária (fs.71 e seguintes aludem a uma medida cautelar de paradeiro para notificação, o que, não obstante os documentos juntos pelo R. (contrato de trabalho a termo certo e contrato de arrendamento) deixa pairar algumas dúvidas sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e a prática de ilícitos, apesar de não ter sido produzida prova sobre a matéria.
Ou seja, o facto de ser desconhecido o paradeiro do R. e de este estar casado com uma portuguesa, e ainda a existência de uma medida de expulsão do território Nacional, aconselham que se faça uso de prudência na concessão da nacionalidade portuguesa, o que pode ser conseguido através da suspensão da instância até esclarecimento das dúvidas em causa, para esclarecimento dos factos.
Na verdade, o artigo 279º nº1 do Código de Processo Civil permite ao Tribunal ordenar a suspensão da instância por determinação do juiz, quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (sublinhado nosso).
Como diz Alberto dos Reis, “o juiz tem o poder de suspender a instância, quando há motivo justificado para ordenar essa medida” (cfr. “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol.3º, p.265).
Trata-se, a nosso ver, de interpretar um conceito indeterminado, o que envolve o uso de certo grau de discricionariedade, por parte do juiz.
No caso concreto está em causa o interesse público de evitar uma situação irreversível que conceda ao R. a nacionalidade portuguesa e o mesmo poder vir a ser condenado nos termos supra referidos. A suspensão da instância tem a vantagem de evitar que tal suceda até esclarecimento a verdade quanto ao comportamento do R. pelo que ser decretada.
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3. Decisão
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso do Ministério Público, ordenando a baixa dos autos para ser determinada a suspensão da instância até decisão final do processo crime.
Sem custas.
Lisboa, 1.03.012
António A. C. Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira