Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12826/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/10/2016
Relator: CATARINA JARMELA
Descritores:REAGRUPAMENTO FAMILIAR - VIDA FAMILIAR - ARTIGO 99º, DA LEI 23/2007 - ARTIGO 8º, DA CEDH - CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA - ARTIGOS 36º E 67º, DA CONSTITUIÇÃO
Sumário:I – Nos arts. 99º e 100º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 63/2015, de 30/6, é tipificado o elenco dos familiares relevantes para efeitos do direito ao reagrupamento familiar, sendo que, quanto aos filhos maiores, apenas são considerados membros da família do refugiado aqueles que se encontrem a seu cargo, sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal (cfr. art. 99º n.º 1, al. d)) - requisitos que têm de se verificar no momento em que é feito o pedido de reagrupamento familiar - e, relativamente aos netos, estes não são considerados familiares relevantes para efeitos do exercício do direito ao reagrupamento familiar.

II - O conceito de “vida familiar” do art. 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), implica a existência – no momento em que deflagra o conflito - de uma ligação efectiva entre as pessoas, isto é, a existência de uma ligação suficientemente estreita entre elas, o que pressupõe nomeadamente a existência de uma interdependência financeira entre as mesmas.

III - Na densificação do conceito de vida familiar, constante da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará um papel de maior relevo.

IV - O conceito de família que a Constituição da República Portuguesa acolhe implica designadamente mútua assistência e contribuição para as necessidades comuns, ou seja, interdependência financeira, tal como o conceito de vida familiar constante do art. 8º, da CEDH.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
I – RELATÓRIO
Rajaa ……………….. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na qual peticionou:
a) – a declaração de nulidade ou anulabilidade dos actos de indeferimento a que se reportam os autos e, em consequência, a repristinação dos actos tácitos de deferimento do reagrupamento familiar;
b) – caso não se entenda conforme peticionado em a):
- a declaração de inconstitucionalidade do art. 99º, da Lei 23/2007;
- a condenação do réu a praticar actos expressos de deferimento dos pedidos de reagrupamento familiar da filha e netas da autora ou a anular os actos de indeferimento, repristinando os actos tácitos de deferimento.

Por decisão de 16 de Outubro de 2015 do referido tribunal foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, o réu foi absolvido dos pedidos.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

“« Texto no original»”.

O recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, onde concordou com a sentença recorrida.

A DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer, no qual sustentou a improcedência do presente recurso jurisdicional. A este parecer respondeu a recorrente, reiterando que o recurso deve ser julgado totalmente procedente.

Foi proferido despacho de sustentação em 15.1.2016.



II – FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
“1 – Em 13.03.2014, a A. dirigiu ao R. pedido de reagrupamento familiar a favor de sua filha Zenab …………….., de maioridade, e das filhas desta, Anfal ………………. e Maryam …………., netas da ora A., nos termos do requerimento junto como docº. 6 com a p.i., cujo teor abaixo reproduz-se (cfr. docº. 6 junto com a p.i. e procº. instrutor):”
«Texto no original»

2 – O pedido, supra identificado, veio a merecer projecto de decisão, do que a A. foi notificada para efeitos de audiência prévia, mediante oficio datado de 23.05.2014, nos termos e fundamentos do documento nº3 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº.3 junto com a p.i., e procº.instrutor).
3 – A A. ofereceu pronúncia, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 4 junto com a p.i., e procº.instrutor).
4 – Em 13.05.2015, o Director Nacional do SEF, proferiu despacho “ Ratifico a decisão supra de 09.02.2015, proferida pelo Chefe do NRVAR, o Sr. Inspector Manuel ……….” (cfr. docº. junto com a contestação e procº. instrutor).
5 – A A. foi notificada do teor do despacho supra, mediante o oficio com a referencia 333/GJ/2015/10185, datado de 13.05.2015, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. junto com a contestação e procº. instrutor).
6 – O despacho, supra identificado, foi aposto na informação de serviço 89/2015/NRVAR, que mereceu despacho de concordância, datado de 09.02.2015, do Chefe do NRVAR, o Sr. Inspector Manuel ………….., informação e despacho que abaixo reproduz-se (cfr. docº. junto com a contestação e procº. instrutor):”
«Texto no original»

”.

Ao abrigo do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:
7 – A autora é de nacionalidade iraquiana e é portadora do título de residência n.º 8K55217J8, emitido em 14 de Janeiro de 2011 pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, o qual é válido até 14 de Janeiro de 2016 (cfr. Doc. n.º 1, junto com a petição inicial).
8 – A autora beneficia do estatuto de refugiada nos termos do disposto no art. 3º, da Lei 27/2008, de 30/6 (cfr. Doc. n.º 1, junto com a petição inicial).
9 – Marwah ………………., nascida em 15.2.1993, de nacionalidade iraquiana, é filha da autora, beneficia do estatuto de refugiada nos termos do disposto no art. 3º, da Lei 27/2008, de 30/6, e é portadora do título de residência n.º 3L6L11723, emitido em 14 de Janeiro de 2011 pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, o qual é válido até 14 de Janeiro de 2016 (cfr. Doc. n.º 2, junto com a petição inicial, e fls. 78, dos processos administrativos).
10 – Safa ………………………, nascida em 15.2.1993, de nacionalidade iraquiana, é filha da autora, beneficia do estatuto de refugiada nos termos do disposto no art. 3º, da Lei 27/2008, de 30/6, e é portadora do título de residência n.º 2L433J132, emitido em 14 de Janeiro de 2011 pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, o qual é válido até 14 de Janeiro de 2016 (cfr. Doc. n.º 3, junto com a petição inicial, e fls. 77, dos processos administrativos).
11 - Zenab ………………… (que também usa o nome de Zainab ……………), nascida em 2 de Março de 1979, de nacionalidade iraquiana, é filha da autora (cfr. cópia do passaporte junto aos autos em Agosto de 2015 e fls. 79, dos processos administrativos).
12 – Anfal ………………, nascida em 20 de Novembro de 2004, de nacionalidade iraquiana, é filha de Zenab ………………….. (cfr. Doc. n.º 5, junto com a petição inicial, e cópia do respectivo passaporte constante dos processos administrativos).
13 – Maryam ………………, nascida em 4 de Novembro de 2002, de nacionalidade iraquiana, é filha de Zenab …………….. (cfr. Doc. n.º 5, junto com a petição inicial, e cópia do respectivo passaporte constante dos processos administrativos).
14 – A autora foi reconhecida, em 14.2.2008 – altura em que residia na Síria -, como refugiada pela UNHCR (United Nations High Commissioner for Refugees) (cfr. fls. 81, dos processos administrativos).
15 – Em 2011 foi atribuída a Zainab ………….., pela UNHCR, o estatuto de refugiada na Síria (cfr. Doc. n.º 5, junto com a petição inicial).
16 – Em 15.1.2012 o Juiz do Tribunal da Família do Al-Azamia, proferiu a seguinte decisão, quanto ao pedido de atribuição da tutela a Zainab ……………….., relativamente às suas filhas menores Mariam e Anfal:
Perante os elementos fornecidos pela Sra. Zainab ………………., que incluem os autos documento comprovativo da prisão do Sr. Baker ………………………, que deixou os seus filhos menores sem encarregado familiar, ou nomeação de um Titular.
Os testemunhos, Sr. Omar ……………… e o Sr. Hareth ………………., afirmaram que a Sra. Zainab ……………………., tem capacidade para cuidar dos menores até atingirem a maioridade, por esta razão foi lhe constituída tutela, na condição de não ter direito a ter acesso aos seus bens monetários sem ter autorização prévia da instituição de cuidado dos menores” (cfr. Doc. n.º 2, junto pelo SITAF em 31.7.2015).
17 – Previamente à prolação da decisão descrita em 16) foi ouvido, no Estabelecimento Prisional Central de Bagdade, em 3.1.2012, Baker ……………………… – preso por sentença de longa duração - sobre o pedido de tutela feito pela sua esposa relativamente às suas duas filhas menores Mariam e Anfal, o qual declarou o seguinte:
Eu em abaixo assinado, Baker ……………………., declaro que aceitei que a minha esposa será responsável por minhas filhas menores e gerir todas as responsabilidades de suas vidas” (cfr. Doc. n.º 2, junto pelo SITAF em 31.7.2015).
18 – Juntamente com o requerimento de 13.3.2014, descrito em 1), a autora também dirigiu ao réu o requerimento que consta de fls. 3 a 21, dos processos instrutores, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual exarou nomeadamente o seguinte:
25º - Note-se que Zenab ……………………, encontra-se atualmente a viver sozinha, num quarto, algures no Iraque (apenas com as suas duas filhas já supra identificadas, que tem a seu cargo) (…)
(…)
31º Acresce que, tal como já foi supra referido, Zenab …………………, tem duas filhas menores a cargo (…)”.
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se:

- ocorre a nulidade processual prevista no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013;

- existe erro na selecção da matéria de facto;

- a decisão recorrida enferma de erro ao ter julgado improcedente a presente acção (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação das questões respeitantes à nulidade processual e ao erro na selecção da matéria de facto

Invoca a recorrente que a omissão da inquirição das testemunhas que arrolou influi na boa decisão da causa, pelo que considera verificada a nulidade processual prevista no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013.

Mesmo que, assim, não se entenda, defende também a recorrente que a matéria de facto relevante deve ser ampliada, de modo a nela serem incluídos os factos constantes dos artigos 1º a 12º e 51º a 54º, da petição inicial, nos termos do art. 662º n.º 2, al. c), do CPC de 2013, com remessa dos autos ao tribunal a quo, com vista à cabal averiguação desses factos.

Apreciando.

Conforme resulta dos autos, por despacho de 23.7.2015 – ponto 2. -, foi indeferida a produção de prova testemunhal, em face da suficiência probatória dos autos. Além disso, na sentença recorrida consignou-se que, além dos factos aí dados como provados, nada mais se provou com relevância para a decisão de mérito da causa.

A recorrente alega que dos artigos 1º a 12º e 51º a 54º, da petição inicial, consta matéria de facto controvertida e com relevo [concretamente: entre 2007 e 2010 a sua filha Zenab …………………… e as filhas desta viveram consigo na Síria, em comunhão de mesa e habitação, na sua dependência económica, desempenhado a recorrente o papel de chefe de família, dado que o marido daquela sua filha se encontrava detido no Iraque por tempo indeterminado; esta sua filha e as filhas desta permaneceram na Síria, mas em 2013, face ao agravamento da guerra nesse país, viram-se obrigadas a regressar ao Iraque, local onde vivem debaixo de fogo diário (quanto à restante factualidade alegada nesses artigos da petição inicial, a mesma já foi aditada por este tribunal, nos termos supra referidos, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º n.º 1, do CPC de 2013)], mas sem razão.

Com efeito, tal factualidade não tem qualquer influência na decisão da presente acção, pois a solução de direito não reclama o esclarecimento dessa factualidade, conforme de seguida se explicitará (isto é, na apreciação do alegado erro da decisão recorrida ao ter julgado improcedente a presente acção, para onde se remete).

Nestes termos, conclui-se que não se verifica a existência de nulidade processual, nem é caso de anulação da decisão proferida na 1ª instância, para efeitos de ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 662º n.º 2, al. c), do CPC de 2013.

Pelo exposto, tem de improceder a arguição destas questões (existência de nulidade processual e de erro na selecção da matéria de facto).

Passando à análise da questão relativa ao alegado erro da decisão recorrida ao ter julgado improcedente a presente acção

A sentença recorrida considerou que assiste razão à recorrente na alegação da verificação do deferimento tácito do pedido de reagrupamento familiar, “já que o mesmo foi formulado em 13.3.2014, e o R. SEF só proferiu decisão sobre aquele pedido em 09.02.2015 e em 13.5.2015, e face ao disposto no art.º 105º/3 (1) /Lei n.º 23/2007, de 4.7 (…)

(…)

Ou seja, o silêncio do R. e ausência de decisão expressa pelo R. deu lugar à formação de deferimento tácito, o qual constitui para todos os efeitos um “acto administrativo” passível de revogação, se preencher os requisitos legais do instituto da revogação”.

Além disso, na decisão recorrida também se considerou que os actos expressos praticados em 9.2.2015 e 13.5.2015 (o qual ratificou o acto de 9.2.2015) revogaram de forma legal os actos de deferimento tácito, dado que estes eram inválidos, pois o indeferimento do pedido de reagrupamento familiar era a única solução possível, face ao estatuído no art. 99º, da Lei 23/2007, de 4/7, norma que não foi considerada inconstitucional.

A recorrente defende que os actos revogatórios são inválidos, já que a norma em que os mesmos assentam – art. 99º, da Lei 23/2007 – viola preceitos de direito internacional (art. 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e arts. 7º, 15º e 33º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), bem como os arts. 12º, 13º, 15º a 18º, 26º, 36º, 67º e 68º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), razão pela qual entende que são válidos os actos de deferimento tácito.

Passemos, então, à análise do acerto (ou não) da decisão judicial recorrida.

Dispõe o art. 98º n.º 3, da Lei 23/2007, de 4/7 [a qual, e de acordo com o prescrito no seu art. 1º, “define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração”, transpondo para a ordem jurídica interna nomeadamente a Directiva n.º 2003/86/CE, do Conselho, de 22 de Setembro, relativa ao direito ao reagrupamento familiar por parte de nacionais de países terceiros, ou seja, por parte de pessoas que não sejam cidadãos da União Europeia (cfr. o respectivo art. 2º n.º 1, al. a))], o seguinte:

O refugiado, reconhecido nos termos da lei que regula o asilo, tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da sua família que se encontrem no território nacional ou fora dele, sem prejuízo das disposições legais que reconheçam o estatuto de refugiado aos familiares”.

Nos arts. 99º e 100º, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 63/2015, de 30/6, é tipificado o elenco dos familiares relevantes para efeitos do direito ao reagrupamento familiar.

Quanto aos filhos maiores, apenas são considerados membros da família do refugiado aqueles que se encontrem a seu cargo, sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal (cfr. art. 99º n.º 1, al. d)). Relativamente aos netos, estes não são considerados familiares relevantes para efeitos do exercício do direito ao reagrupamento familiar.

Os referidos requisitos (quanto aos filhos maiores) têm de se verificar no momento em que é feito o pedido de reagrupamento familiar [cfr., neste sentido e por analogia, Ac. do Tribunal de Justiça de 9.1.2007, proc. n.º C-1/05, § 37, como salientado na nota 23, da Comunicação, de 3.4.2014, da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as orientações para a aplicação da Directiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar, COM (2014) 210 final, in http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri= celex:52014DC0210].

Nestes termos, face ao estatuído nos arts. 99º e 100º, da Lei 23/2007 e tal como entendeu a sentença recorrida, a recorrente não tem direito ao reagrupamento familiar com:

i) - a sua filha Zenab …………….., pois esta, à data da formulação do pedido, era maior (tinha 35 anos de idade) e não preenchia qualquer dos referidos três requisitos, dado que:

1) - não pode ser considerada, no momento em que foi feito o pedido de reagrupamento familiar, a cargo da recorrente, já que esta nada alegou nesse sentido [a recorrente alegou que a sua filha Zenab ………………….. e as filhas desta, entre 2007 e 2010, viveram consigo na Síria, em comunhão de mesa e habitação, todas elas na sua dependência económica, desempenhado a recorrente o papel de chefe de família, dado que o marido desta sua filha se encontrava detido no Iraque por tempo indeterminado, mas:

- esta alegação é irrelevante, pois, como supra explicitado, o que releva é a situação existente no momento em que é formulado o pedido de reagrupamento familiar;

- a recorrente nunca alegou que, na altura em que o pedido de reagrupamento familiar foi feito (Março de 2014), a sua filha Zenab …………………… e as filhas desta encontravam-se na sua dependência ou que desempenha relativamente às mesmas o papel de chefe de família (aliás, no requerimento também apresentado em 13.3.2014 e que se encontra descrito em 18, dos factos provados, a própria recorrente admite que as suas netas Anfal e Maryam se encontram a cargo - isto é, na dependência - dessa sua filha), e sendo certo que a factualidade dada como prova aponta em sentido diverso, ou seja, de que Zenab …………………..tinha uma vida familiar autónoma relativamente à recorrente (em 2011 Zenad ……………………obteve o estatuto de refugiada e em 2012 foi-lhe reconhecida a tutela relativamente às suas duas filhas menores);

- o pedido de reagrupamento familiar formulado em Março de 2014 foi motivado (exclusivamente) pela total falta de segurança que, segundo a recorrente - afirmação reiterada na pronúncia descrita em 3, dos factos provados, bem como na petição inicial e nas alegações de recurso apresentadas neste processo de intimação -, a sua filha Zenab ………………………… experimenta no Iraque];

2) - não é solteira, já que é casada com Baker ……………………………….;

3) - não se encontra a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal, já que, de acordo com a alegação da recorrente, reside no Iraque;

ii) - nem com as suas netas Anfal …………………… e Maryam ……………………….

Defende a recorrente que o art. 99º, da Lei 23/2007, viola preceitos de direito internacional (art. 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e arts. 7º, 15º e 33º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), bem como os arts. 12º, 13º, 15º a 18º, 26º, 36º, 67º e 68º, da CRP, já que põe em causa a protecção da unidade familiar.

Vejamos.

Dispõe o art. 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), sob a epígrafe “Direito ao respeito pela vida privada e familiar”, o seguinte:

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”.

Como esclarece Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4ª Edição, 2010, em anotação a este art. 8º:

- a pág. 231, “Este artigo tem como objectivo essencial prevenir o indivíduo contras as ingerências arbitrárias dos poderes públicos na sua vida privada e familiar, no seu domicílio e na sua correspondência.

Ele exige do Estado não só um dever de abstenção mas também um papel activo inerente àquele efectivo respeito, até nas relações ente os indivíduos (…)”;

- a pág. 232, “Contudo, as medidas positivas exigidas aos Estados estão, em geral, sujeitas à margem de apreciação do próprio Estado e não devem traduzir-se num fardo insuportável ou excessivo; é preciso ressalvar um justo equilíbrio entre o interesse geral e o interesse do indivíduo (…)”;

- a pág. 240, “A vida familiar repousa sobre um conjunto de relações de natureza física, jurídica e afectiva assim como nas responsabilidades económicas e sociais.

(…)

O direito ao respeito da vida familiar exige, obviamente, uma «família»; definir esta noção de uma forma abrangente revela-se extremamente difícil numa sociedade em mutação, pelo que os órgãos da Convenção preferem uma aproximação prática baseada na existência de laços substanciais e afectivos entre as pessoas que se apresentam como uma família, mesmo que se encontrem separadas (…)” (sublinhados e sombreados nossos);

- e a pág. 241, “Assim, coloca-se a exigência de um casamento legal e não fictício, afastam-se os casamentos de conveniência, como se duvida da existência de uma família quando não há interdependência financeira – Acórdão Abdulaziz, Cabales e Balkandali, de 28 de Maio de 1986, A 94, pág. 32, § 62, Relatório de 7 de Outubro de 1986, caso Berrehab, A 138, pág. 14, §§ 71-72, e Decisões de 10 de Março de 1981, Queixa n.º 8924/80, Déc. Rap. 24, pág. 184, de 14 de Julho de 1982, Queixa n.º 9492/81, Déc. Rap. 30, pág. 71(2), e de 10 de Dezembro de 1984, Queixa n.º 10 375, Déc. Rap. 40, pág. 196 (3) ” (sublinhados nossos).

E Ana Rita Gil, Princípios para a protecção do Direito ao Reagrupamento Familiar nos Estados-Membros da União Europeia, pág. 8, in https://www.academia.edu, “É extensa a jurisprudência do TEDH sobre o conceito de família. O Tribunal tem vindo a construir um conceito dinâmico, que prefere falar de vida familiar ao invés de família, visando com isso demonstrar que determinante é a existência de uma ligação afectiva e efectiva das pessoas em causa” (sublinhados e sombreado nossos).

Do exposto resulta que o conceito de “vida familiar” do art. 8º, da CEDH, implica a existência – no momento em que deflagra o conflito - de uma ligação efectiva entre as pessoas, isto é, a existência de uma ligação suficientemente estreita entre elas, o que pressupõe nomeadamente a existência de uma interdependência financeira entre as mesmas.

No caso sub judice o indeferimento do pedido de reagrupamento familiar não envolve a violação do art. 8º, da CEDH, já que não se pode considerar que a relação existente, em Março de 2014 (data em que foi feito o pedido de reagrupamento familiar), entre a recorrente e a sua filha Zenab ………………. e as filhas desta (Anfal e Maryam), preenche o conceito de “vida familiar”, previsto nesse normativo.

Efectivamente, e conforme acima referido, a recorrente nada alegou no sentido de que a sua filha Zenab ………………… e as filhas desta (Anfal e Maryam) se encontravam a seu cargo, aquando da formulação do pedido de reagrupamento familiar [aliás, no requerimento também apresentado em 13.3.2014 e que se encontra descrito em 18, dos factos provados, a própria recorrente admite que as suas netas Anfal e Maryam se encontram a cargo - isto é, na dependência - dessa sua filha; além disso, a factualidade dada como prova aponta em sentido diverso, ou seja, de que Zenab ………………… tinha uma vida familiar autónoma relativamente à recorrente (em 2011 Zenab ……………………….. obteve o estatuto de refugiada e em 2012 foi-lhe reconhecida a tutela relativamente às suas duas filhas menores)], pelo que não se pode considerar que as mesmas faziam parte da família da recorrente, ou seja, o indeferimento do pedido de reagrupamento familiar não viola o art. 8º, da CEDH, pois não se provou a existência de uma ligação efectiva entre a recorrente e a sua filha Zenab ………………………(e as filhas desta, Anfal e Maryam).

O conceito de “vida familiar” do art. 8º, da CEDH, não se basta com a existência de uma ligação afectiva entre a recorrente e a sua filha Zenab ……………………. (e as filhas desta), pressupondo também a existência – no momento da formulação do pedido de reagrupamento - de uma ligação efectiva entre ambas, isto é, que exista uma ligação suficientemente estreita que permita concluir pela existência de uma dependência entre ambas, realidade que não foi demonstrada, pois nem sequer foi alegada.

Passando à análise dos arts. 7º, 15º e 33º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).

Prescreve o art. 7º, da CDFUE, sob a epígrafe “Respeito pela vida privada e familiar”, que:

Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações”.

Por sua vez dispõe o art. 15º, da CDFUE, sob a epígrafe “Liberdade profissional e direito de trabalhar”, o seguinte:

1. Todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite.

2. Todos os cidadãos da União têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro.

3. Os nacionais de países terceiros que sejam autorizados a trabalhar no território dos Estados-Membros têm direito a condições de trabalho equivalentes àquelas de que beneficiam os cidadãos da União”.

Finalmente determina o art. 33º, da CDFUE, sob a epígrafe “Vida familiar e vida profissional”, que:

1. É assegurada a protecção da família nos planos jurídico, económico e social.

2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a protecção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho”.

Como esclarece Sophie Perez Fernandes, in Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Comentada, Coordenada por Alessandra Silveira e Mariana Canotilho, 2013, pág. 103, em anotação ao transcrito art. 7º:

Inserido no Capítulo II da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia relativo às “Liberdades”, o artigo 7º, sob a epígrafe “Respeito pela vida privada e familiar”, corresponde essencialmente ao artigo 8º, da CEDH. (…) O artigo 7º da CDFUE encontra-se (…) numa relação quase umbilical com o art. 8º da CEDH.

Desde logo, apesar de algumas diferenças redacionais, a formulação do artigo 7º da CDFUE é muito idêntica à do n.º 1 do artigo 8º da CEDH (….)

Para além disso, e tal como recentemente recordou o Tribunal de Justiça no acórdão Dereci, porque o artigo 7º da CDFUE “consagra direitos correspondentes aos que são garantidos pelo artigo 8º, nº 1, da CEDH”, ao mesmo deve dar-se “o mesmo sentido e o mesmo alcance que o sentido e o alcance dados ao artigo 8º, nº 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” (Acórdão (Tribunal de Justiça) Dereci, de 15 de novembro de 2011, proc. C-256/11, considerando 70) – isto, acrescentamos, sem prejuízo do nível de proteção mais elevado resultante da CDFUE ou de outros instrumentos do direito da União, por força do artigo 52º, nº 3, da CDFUE. Nestes sentido, como resulta expressamente das Anotações à CDFUE, as restrições suscetíveis de serem legitimamente impostas ao direito ao respeito pela vida privada e familiar são idênticas às toleradas pelo artigo 8º, nº 2, da CEDH (…)” (sublinhados nossos).

E como também explica Sophie Perez Fernandes, cit., págs. 392 e 393, em anotação ao supra transcrito art. 33º:

Do nº 1 do artigo 33º da CDFUE resulta, pois, a consagração de um princípio geral de protecção - jurídica, económica e social – da família, que se encontra em estreita conexão com várias disposições da CDFUE, nomeadamente o artigo 7º, na parte em que consagra o direito ao respeito pela vida familiar, o artigo 9º, que consagra o direito de contrair casamento e de constituir família, o artigo 24º, relativo aos direitos das crianças, e o n.º 2 do artigo 33º, que enumera um conjunto de direitos tendentes à conciliação da vida familiar e da vida profissional. O artigo 33º, nº 1, não comtempla, por si só, um conjunto de direitos subjectivos em matéria de protecção da família, nem sequer contempla um conceito de família para efeitos de aplicação da CDFUE ou do direito da União Europeia em geral. Este e aquele hão de resultar de uma leitura conjugada do preceito em análise com as disposições da CDFUE conexas e ainda da concretização que do princípio é e será feita pelos legisladores da União e nacionais (artigo 51º, nº 1, da CDFUE) e pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente tendo em consideração o conceito de família resultante da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por força do artigo 52º, nº 3, da CDFUE (4).

O artigo 33º, nº 1, deve, ainda, ser lido em estreita conexão com outros dois preceitos da CDFUE, a saber: o artigo 15º, relativo à liberdade profissional e ao direito de trabalhar, e o artigo 45º, relativo à liberdade de circulação e de permanência. De facto, o exercício destas liberdades fundamentais levanta frequentemente o problema da circulação dos membros da família do cidadão da União que tenha exercido tais liberdades. Ora, a CDFUE não consagra expressamente nenhum direito ao reagrupamento familiar. O Tribunal de Justiça chegou inclusivamente a afirmar que o direito ao respeito pela vida familiar “não deve ser interpretado no sentido de que impõe necessariamente a um Estado-Membro a obrigação de permitir o reagrupamento familiar no seu território”. Contudo, a consideração do artigo 33º, nº 1, da CDFUE poderá reforçar o direito ao reagrupamento familiar, não só porque o reagrupamento familiar favorece a protecção social da família, facilitando ao cidadão da União que tenha exercido aquelas liberdades a prestação de apoio aos membros da sua família, mas também porque consiste numa medida de conciliação da vida familiar e da vida profissional num espaço tendencialmente sem fronteiras como o da União Europeia” (sublinhados nossos).

Do exposto resulta que, na densificação do conceito de vida familiar, constante da CDFUE, a jurisprudência do TEDH desempenhará um papel de maior relevo.

Assim sendo, tendo-se concluído que o indeferimento do pedido de reagrupamento familiar não viola o art. 8º, da CEDH, cumpre igualmente concluir que esse indeferimento não viola os arts. 7º, 15º e 33º, da CDFUE.

Apreciando agora as normas constitucionais invocadas pela recorrente.

Estatui o art. 36º, da CRP, sob a epígrafe “Família, casamento e filiação”, que:

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.

2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.

3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.

4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.

5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

7. A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação”.

E estabelece o art. 67º, da CRP, sob a epígrafe “Família”, o seguinte:

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:

a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares;

b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade;

c) Cooperar com os pais na educação dos filhos;

d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes;

e) Regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana;

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares;

g) Definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global e integrado;

h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”.

A propósito do conceito de família acolhido na CRP, escreveu-se no Ac. n.º 121/2010, do Tribunal Constitucional, o seguinte:

23. Por outro lado, a extensão do casamento a cônjuges do mesmo sexo não contende com o reconhecimento e protecção da família como “elemento fundamental da sociedade” (artigo 67.º da Constituição).

Importa ter presente que a Constituição desvinculou a constituição da família do casamento. O conceito de família que a Constituição acolhe como “elemento fundamental da sociedade” é um conceito aberto e plural, adaptável às necessidades e realidades sociais. A Constituição não definiu o que é a família, dando protecção aos distintos modelos de família que existem na nossa realidade social. Como o Tribunal disse no acórdão n.º 651/09, embora tendo como pano de fundo as uniões de facto heterossexuais, a família que, nos termos do artigo 67.º da Constituição merece a protecção do Estado, “não é só aquela que se funda no matrimónio; é também aquela outra que pressupõe uma comunidade auto-regulada de afectos, vivida estável e duradouramente à margem da pluralidade de direitos e deveres que, nos termos da lei civil, unem os cônjuges por força da celebração do casamento. O direito a escolher viver em tal comunidade de afectos, modelada por vontade própria à margem dos efeitos civis do casamento, tem por certo assento constitucional – seja através da disjunção que o n.º 1 do artigo 36.º da CRP estabelece entre o “direito de constituir família” e o “direito de contrair casamento”, seja através da cláusula de liberdade geral de actuação que vai inscrita no direito ao desenvolvimento da personalidade, contido no n.º 1 do artigo 26.º.”

O casamento entre pessoas do mesmo sexo apenas vai conduzir a que o espaço de realização interpessoal, coabitação, mútua assistência e contribuição para as necessidades comuns com vista à plena realização pessoal, em que a família consiste, assuma, também para elas, a veste jurídica que resulta da sua recíproca vinculação. Não há fundamento para ver nesse alargamento sacrifício, nem sequer no plano de administração de recursos públicos escassos, para a realização das tarefas que nesse domínio incumbem ao Estado (n.º 2 do artigo 67.º da Constituição).» (sublinhados e sombreados nossos).


Do exposto resulta que o conceito de família que a CRP acolhe implica designadamente mútua assistência e contribuição para as necessidades comuns, ou seja, interdependência financeira, tal como o conceito de vida familiar constante do art. 8º, da CEDH.

Assim sendo, o raciocínio que permitiu concluir que o indeferimento do pedido de reagrupamento familiar não viola o art. 8º, da CEDH, é aqui integralmente aplicável, ou seja, esse indeferimento não viola os arts. 36º e 67º, da CRP, nem os arts. 12º, 13º, 15º a 18º, 26º e 68º, desse mesmo diploma, quando conjugados com aqueles primeiros.

Do ora exposto resulta que o indeferimento do pedido de reagrupamento familiar assentou maxime no art. 99º, da Lei 23/2007, norma que não deve ser desaplicada, pois a solução que a mesma permite atingir não viola qualquer norma constitucional ou de direito internacional, assim improcedendo o alegado nesse sentido nas conclusões de recurso.

Conclui-se, assim, que bem andou a decisão recorrida ao julgar improcedente a presente acção [incluindo o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 99º, da Lei 23/2007, entendido este – atento o disposto no art. 7º, do CPTA - como um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos do art. 204º, da CRP, pois caso se considerasse que estava em causa um pedido de fiscalização abstracta, teria de se declarar a jurisdição administrativa incompetente para o seu conhecimento, por tal competência pertencer ao Tribunal Constitucional, de acordo com o estatuído no art. 281º, da CRP – neste sentido, Ac. do Tribunal de Conflitos de 18.10.2012, proc. n.º 14/12 (“I – A fiscalização abstracta sucessiva de normas legais é exclusiva do Tribunal Constitucional”)], pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.

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Nos termos do art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, conjugado com o art. 4º n.ºs 2, al. b), parte final, e 6, do Regulamento das Custas Judiciais, a recorrente, dado que ficou totalmente vencida, e não obstante se encontrar isenta de custas, deverá pagar os encargos do presente recurso jurisdicional a que deu origem.


III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul nos seguintes termos:

I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

II – Condenar a recorrente nos encargos do presente recurso jurisdicional a que deu origem.

III – Registe e notifique.

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Lisboa, 10 de Março de 2016

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(Catarina Jarmela - relatora)

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(Conceição Silvestre)

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(Cristina dos Santos)


(1) No qual se dispõe que “Corresponde a deferimento tácito do pedido a ausência de decisão no prazo de seis meses”.
(2) Nesta decisão (disponível para consulta no sítio da internet do TEDH - http://www.echr.coe.int -, mais concretamente na base de dados Hudoc) considerou-se que a ligação existente entre os requerentes e os seus parentes - irmãs e tias, a residir no Reino Unido – não podia ser qualificada como vida familiar, protegida pelo art. 8º, da CEDH, já que nomeadamente não foi alegada qualquer tipo de dependência entre os mesmos.
(3) Nesta decisão considerou-se que não existiu violação do art. 8º, da CEDH, já que nomeadamente não se provou que a primeira requerente – à qual foi recusada a concessão de autorização de entrada no Reino Unido - fosse financeiramente dependente do segundo requerente, seu filho de 33 anos de idade.
(4) No qual se dispõe que, “Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla”.