Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1435/09.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
PROVA
INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:
I. Para que não ocorra caducidade do direito à liquidação, é necessário que esta seja notificada dentro do prazo previsto para o efeito, implicando a falta de notificação, nestes casos, ineficácia invalidante do ato emitido.

II. O conceito de “erro imputável aos serviços”, para efeitos do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária”, não se verificando, designadamente, quando o ato de liquidação for anulado em consequência da procedência de vício de forma ou com base em caducidade do direito à liquidação, em virtude de a sua notificação ter sido efetivada depois de ultrapassado o prazo do respetivo direito.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

T....., S.A. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 12.06.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que versou sobre o indeferimento parcial da reclamação graciosa que, por seu turno, teve por objeto a liquidação de retenções na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2001.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“(A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza a quo na parte em que considera parcialmente improcedente o pedido da ora Recorrente, determinando a manutenção em parte das liquidações de retenções na fonte e respetivos juros compensatórios objeto de impugnação;

(B) Tais liquidações referem-se a correções efetuadas pela AT no contexto de um procedimento de inspeção relativas a retenções na fonte realizadas pela Recorrente sobre pagamentos por si efetuados a entidades não residentes a título de remuneração pelas autorizações concedidas por essas entidades para que a Recorrente pudesse transmitir televisivamente várias obras cinematográficas;

(C) A Recorrente entende que mal andou o Tribunal a quo ao manter na ordem jurídica tais correções e respetivas liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios, discordando da Sentença Recorrida quer quanto a matéria de facto, quer de Direito.

DE FACTO

(D) Entende a Recorrente que, no que à matéria de facto diz respeito, não foi oferecida prova bastante relativamente a vários factos que relevam, ao que se julga, , para a boa decisão da causa e que foram considerados, na Sentença Recorrida, como provados (existindo quanto a estes erro na apreciação da prova);

Senão vejamos:

(E) Deu o Tribunal como provado que as liquidações de imposto e juros compensatórios contestadas nos presentes autos foram notificados à Recorrente por cartas registadas expedidas dia 14/09/2005 (cf. al. R), S) e Q) do segmento fáctico da sentença recorrida), o que decorre, segundo a decisão recorrida, do documento a fls 262 do PAT;

(F) O referido documento é uma impressão do sistema interno da AT, que não prova a expedição das liquidações, como de resto vem sendo afirmado por jurisprudência superior reiterada (de que é exemplo o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 09/02/2017 no processo n.º 659/10.0BESNT (em que se lê que “os prints juntos aos autos são documentos internos elaborados pela AT e para efeitos internos, não oponíveis aos recorridos e que não constituem prova suficiente do envio da carta”).

(G) Deve pois ser reapreciada aquela prova, removendo-se os factos antes mencionados da factualidade assente e considerando-se ao invés NÃO PROVADO que as liquidações de imposto e juros compensatórios contestadas nos presentes autos tivessem sido notificados à Recorrente por cartas registadas expedidas dia 14/09/2005.

(H) Entendeu ainda o Tribunal recorrido que a D..... não tinha direito aos pagamentos efetuados pela Recorrente, sendo antes um mero intermediário e estando contratualmente obrigada a passá-los à T..... (cf. pg 17 da sentença recorrida).

(I) Embora esta conclusão conste apenas da fundamentação de direito da sentença recorrida, a mesma resulta da apreciação dos dois contratos cuja prova se deu por assente nas al A) e B) do segmento fáctico da sentença recorrida (os contratos celebrados entre a T..... e a D..... e o contrato entre a D..... e a Recorrente).

(J) Ora, e desde logo, resulta da simples análise do contrato entre a D..... e a Recorrente que aquela se apresentou a esta como a titular dos direitos de transmissão, e concedeu à Recorrente por determinado período de tempo o direito a transmitir os filmes objeto do contrato, mediante o pagamento dos royalties estipulados no mesmo contrato (cf. doc. n.º 19 junto à PI e anexo 1 do doc. n.º B ora junto), mais resultando que que é a D..... (e não qualquer outra entidade que esta agencie ou represente) quem tinha o poder para autorizar o sub-licenciamento dos referidos filmes (conforme cláusula 7 do contrato).

(K) A Recorrente não sabia, e não tinha como suspeitar, que a D..... pudesse ser um mero intermediário.

(L) Acresce que não está demonstrado que os conteúdos que são objeto do contrato entre a T..... e a D..... (relativamente aos quais esta atuará como agente no licenciamento dos direitos de transmissão a terceiros) sejam os conteúdos que esta (D.....) licenciou a Recorrente para transmitir em território português, o que leva a concluir que não pode dar-se por provado (mesmo que a título de conclusão) que a D..... atuasse como um mero intermediário quanto aos concretos conteúdos licenciados à Recorrente.

(M) Os referidos contratos, desacompanhados de outros elementos de prova, são insuficientes para demonstrar que o objeto de ambos no que respeita aos conteúdos seja idêntico, o que não permite dar como assente o facto de que com relação aos rendimentos auferidos pela cedência dos direitos de transmissão de tais conteúdos a D..... atuava como mero intermediário;

(N) Deve por isso considerar-se NÃO PROVADO que a D..... atua como intermediário na relação com a Recorrente;

(O) Assim como NÃO PROVADO que a D..... não tivesse direito a esses pagamentos na qualidade de titular dos direito e estivesse legal ou contratualmente obrigada a transferir ou reencaminhar tais pagamentos à T..... ou qualquer outra entidade, por ser, afinal, um mero intermediário

(P) Mais,(i) o facto de a D..... se intitular “licensor” e atuar no contrato celebrado com a Recorrente como titular dos direitos em causa; (ii) o facto de que a Recorrente não ter qualquer relação (comercial ou outra) com a T.....;(iii) O facto de que a Recorrente desconhecer a existência do contrato constante dos autos celebrado entre a D..... e a T....., que só foi junto a estes autos; conduzem a que deva considerar-se NÃO PROVADO que a Recorrente tivesse qualquer relação (comercial ou outra) com a T....., nem que tivesse efetuado quaisquer pagamentos à T.....; e que a Recorrente soubesse da existência do contrato constante dos autos celebrado entre a D..... e a T.....

(Q) Por outro lado, entende a Recorrente que foi oferecida prova bastante relativamente a vários factos, que, por relevantes, devem ser aditados ao probatório, devendo dar-se por PROVADO, com base nos elementos de prova indicados, que ao abrigo do contrato celebrado entre a Recorrente e a D....., bem como de outros semelhantes celebrados com as entidades não residentes, a Recorrente ter feito vários pagamentos, nos meses indicados na tabela infra (e aos quais correspondeu as correções aí identificadas) (o que não é controvertido e resulta do anexo 2 ao Relatório Final junto aos autos):

DE DIREITO

(R) Também quanto à matéria de Direito não pode a Recorrente conformar-se com a decisão proferida, na parte em que decaiu, quer no que respeita à caducidade do direito à liquidação, quer quanto às ilegalidades de que padecem as correções efetuadas e em consequência as liquidações impugnadas em relação aos pagamentos à D.....;

(S) Entende desde logo a Recorrente que como referido, não ficou demonstrado que a Recorrente tenha sido notificada das liquidações contestadas;

(T) Pelo que, na ausência de tal notificação, são ilegais as liquidações contestadas por caducidade do direito à liquidação, em violação do disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT;

(U) Tal vício é invalidante dos atos e não apenas gerador da sua inexigibilidade (como afirma a sentença recorrida), pelo que pode e deve o mesmo vício ser apreciado e declarado nesta sede recursiva, o que se requer (seguindo de perto a a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria), julgando-se antes a impugnação totalmente procedente e anulando-se as liquidações de imposto e juros contestadas nesta parte, com todas as consequências legais;

(V) No que respeita aos pagamentos feitos à D....., considera a Recorrente que, como referido, não ficou demonstrado que a D..... não tivesse direito aos pagamentos que a Recorrente lhe fez, e que tivesse contratualmente obrigada a passar tais rendimentos a outra entidade, por se tratar de um mero intermediário;

(W) Assim sendo, e ainda que se pudesse entender que, para efeitos de aplicação da taxa reduzida do artigo 12.º, n.º 2 do ADT PT-UK, era necessário que a D..... fosse o beneficiário efetivo desses pagamentos e não um mero intermediário, não ficando esse facto demonstrado nos autos, então sempre deveria considerar-se aplicável essa taxa reduzida e considerar-se ilegais as liquidações contestadas por violação do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do ADT PT-UK ;

(X) Por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, e se pudesse considerar demonstrado nos autos que a D..... atuou como um mero intermediário, a verdade é que, ao contrário do que entendeu o Tribunal, tal circunstancia é totalmente irrelevante para efeitos de aplicação da taxa de 5% prevista no artigo 12.º, n.º 2 do ADT PT-UK;

(Y) Na verdade, nos termos da letra e do espírito de tal preceito, a taxa reduzida aplica-se sempre e quando: 1) esteja em causa o pagamento de royalties; 2) efetuado por uma entidade residente em Portugal, a Recorrente; 3) a uma entidade residente no Reino Unido, o que no caso dos autos se encontra perfeitamente cumprido;

(Z) Não resulta do artigo 12.º do ADT PT-UK ou de qualquer outro preceito desse ADT (ao contrário de outros ADTs celebrados por Portugal e da versão atual da Convenção Modelo em que muitas dessas convenções se inspiraram) a exigência de que a entidade que recebe os pagamentos seja o seu beneficiário efetivo;

(AA) Por isso, e não contendo o ADT PT-UK uma clausula de beneficiário efetivo, não pode a AT (secundada pelo Tribunal a quo) impor uma tal condição para que seja aplicável a taxa de 5%, sendo ilegais as liquidações e padecendo de erro de julgamento de direito a sentença recorrida que nesta parte as mantém;

(BB) Note-se que a sentença recorrida se limita a citar o artigo 12º do ADT Portugal UK e a afirmar que a D..... era um mero intermediário, para daí retirar a conclusão de que a taxa de 5% prevista no ADT em causa não pode aplicar-se,

(CC) Ora, e desde logo, padece a sentença recorrida, nesta matéria, de falta de fundamentação (geradora de nulidade nos termos do art.º 125º do CPPT), por não esclarecer qual o iter seguido que lhe permitiu chegar a tal conclusão;

(DD) Porém, e por silente, presume-se que o Tribunal a quo subscreva a fundamentação da AT que sustenta os atos impugnados, e se assim é, padece a mesma sentença de erro de julgamento de direito;

(EE) Ora, a letra do preceito em causa (o artigo 12º do ADT Portugal-UK) não contém qualquer referência ao beneficiário efetivo, sendo certo que o mesmo ADT, celebrado em 1968, teve por base a Convenção Modelo de 1963, que igualmente não continha esse conceito

(FF) O conceito de beneficiário efetivo veio apenas a ser introduzido na Convenção Modelo de 1977 e desenvolvido nos comentários à Convenção Modelo produzidos em 2003;

(GG) As preocupações (ou o espírito) de 1963 não eram as mesmas de 1977 e é também por isso que a letra do Projeto de Convenção Modelo e da Convenção Modelo não são iguais (tanto no artigo 12.º, como noutros preceitos);

(HH) E em 1977 ou em qualquer outro momento posterior, caso o consenso existisse entre Portugal e o Reino Unido, fácil seria terem as partes “atualizado” o respetivo ADT mediante um protocolo (como fizeram o Reino Unido e os Estados Unidos ainda antes de tal convenção modelo ser adotada);

(II) De facto, como é do conhecimento geral, o conceito de beneficiário efetivo tem origem anglosaxónica, tendo, aliás, sido introduzido pela primeira vez num acordo de dupla tributação sobre o rendimento nos termos que a AT pretende aplicar ao ADT PT-UK, através de um Protocolo ao ADT celebrado entre os EUA e – realce-se - o Reino Unido, em 196613 – antes, portanto, da celebração do ADT PT-UK ;

(JJ) Não é, pois, correto afirmar, como fez a AT na Contestação e supõe-se estará na base da decisão recorrida (e dizemos supõe-se porque a falta de fundamentação da decisão a quo não permite mais do que supor), que a inclusão do conceito de beneficiário efetivo na Convenção Modelo de 1977 é uma “mera clarificação”, no sentido de que tal exigência já estaria ínsita na letra do Projeto da Convecção Modelo de 1963;

(KK) E muito menos é permitida tal conclusão quanto ao ADT PT-UK, quando, muito antes da assinatura deste tratado, já o Reino Unido se havia preocupado em incluir essa mesma referência noutras Convenções que havia celebrado;

(LL) É por isso forçoso concluir que não resulta do ADT PT-UK que os benefícios nele previstos e em especial a taxa reduzida de 5% prevista no seu artigo 12.º, n.º 2 só se aplicam caso a entidade que recebe esses rendimentos e é comprovadamente residente para efeitos fiscais num dos Estados Contratantes seja o seu beneficiário efetivo;

(MM) Deve referir-se a jurisprudência e a doutrina acima citadas, que de forma lapidar concluem que nem a Convenção Modelo nem os comentários a esta revestem força vinculativa, e muito menos quando sejam posteriores aos que estiveram na base do ADT em causa (como acontece no presente caso);

(NN) Ou seja, as Convenções Modelo da OCDE que Portugal tem maioritariamente seguido na negociação dos tratados bilaterais que tem celebrado, assim como os comentários preparados pelo comité dos Assuntos Fiscais às disposições desse modelo são elementos interpretativos desses tratados, mas não constituem, repita-se, letra de lei e, por isso, não podem alterar ou sequer aditar esses tratados, sobretudo porque uma tal solução redundaria na violação do princípio da legalidade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 2 da CRP;

(OO) Sendo certo, em qualquer caso, repita-se, que sempre teria que estar demonstrado (por prova junta aos autos), que o beneficiário efetivo seria outro que não a D....., o que não é o caso;

(PP) Deverá o presente recurso ser julgado procedente e a sentença proferida pela Tribunal a quo ser revogada, na parte em que manteve na ordem jurídica as liquidações contestadas de imposto e juros referentes aos pagamentos feitos pela Recorrente à D..... em violação do artigo 12º do ADT Portugal-UK, e em substituição, julgar a impugnação procedente, anulando as liquidações de imposto e juros contestadas, na parte relativa a esses pagamentos, com todas as consequências legais , não apenas porque não está demonstrado que não fosse este o beneficiário efetivo de tais pagamentos como porque, além disso, o tratado em causa não exige tal demonstração, pelo que a imposição de tal requisito é ilegal e não admitida;

(QQ) Por fim, mesmo que se entendesse, no que não se concede, que tal exigência consta daquele ADT e seria in casu aplicável, a melhor interpretação do conceito de beneficiário efetivo – que é confessadamente uma norma anti-abuso - sempre imporia que, entre outros elementos, se levasse em conta a intenção provada ou pelo menos presumida do contribuinte, sob pena de ser totalmente desproporcional, sobretudo quando radicada numa redação da lei que não contém qualquer referencia à clausula do beneficiário efetivo;

(RR) Assim, estando provado que a Recorrente e a D..... celebraram um contrato em que esta se intitulou licensor ou titular dos direitos cedidos e não estando demonstrado que a Recorrente sabia, nem tinha como saber que a D..... seria um mero intermediário (o que não está demonstrado), não poderia exigir-se-lhe, em face que pusesse isso em causa e promovesse quasiquer diligências adicionais;

(SS) Devendo antes considerar-se que, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do ADT PT-UK tal não é relevante, uma vez que a Recorrente não sabia, nem tinha o dever de saber, que a D..... apenas atuava como intermediária, devendo as liquidações contestadas ser anuladas em conformidade.

Em conclusão, temos que:

(i) deve o presente recurso ser considerado integralmente procedente, por provado, revogando-se em consequência a Sentença Recorrida, julgando-se integralmente procedente a impugnação judicial apresenta e ordenando-se, em consequência, a anulação integral das liquidações contestadas;

(ii) se assim não se entender, deve o presente recurso ser considerado parcialmente procedente, por provado, revogando-se em consequência a Sentença Recorrida, julgando-se parcialmente procedente a impugnação judicial apresenta e ordenando-se, em consequência, a anulação das liquidações contestadas na parte referente aos pagamentos feitos à D....., em virtude do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do ADT PT-UK;

(iii) em consequência, deve a AT ser condenada na devolução do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios sobre essas quantias; bem como,

(iv) ser, ainda, a AT condenada a indemnizar a Recorrente pelas despesas incorridas com a prestação de garantia”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?
b) Verifica-se erro de julgamento, por ter decorrido caducidade do direito à liquidação?
c) Há erro de julgamento, no que respeita aos pagamentos à D....., porquanto a mesma padece de erro sobre os pressupostos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. Com data de 25.02.1999 foi celebrado um “contrato de agente de vendas” entre a T..... Ltd., e a D..... Limited, mediante o qual a primeira nomeia a segunda como sua agente representante exclusiva, para negociar licenças com terceiros, em nome da empresa, exploração de direitos dos produtos no território, sujeitos às cláusulas e condições fixadas nesse contrato, para distribuir os seus produtos em Portugal e todos os territórios de língua portuguesa, e segundo o qual tem direito a uma comissão de 3% dos pagamentos efectuados pelo cessionário [cf. cópia integral do contrato a fls. 290 a 300 do processo de reclamação graciosa em apenso e tradução do contrato a fls. 269 a 279 do processo de reclamação graciosa em apenso].

B. A 26.02.1999 foi assinado pela impugnante conjuntamente com a D..... um contrato de distribuição de licenças de direitos de TV, datado em 02.12.1998, no qual consta que o primeiro autoriza o segundo a transmitir filmes no território acordado [cf. cópia de parte do contrato a fls. 287 a 291 dos autos e a fls. 282 a 289 do processo de reclamação graciosa em apenso e tradução do contrato a fls. 265 a 268 do processo de reclamação graciosa em apenso].

C. A 21.02.2001 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de juros compensatórios n.º ....., no montante de €30.771,91, por entrega fora de prazo do imposto referente à guia n.º ....., paga em 19.01.2001, com data limite de pagamento a 21.01.2000 [cf. cópia da nota de liquidação a fls. 315 dos autos].

D. A 02.02.2002 a impugnante efectuou o pagamento no montante identificado no ponto anterior [cf. cópia da guia de pagamento a fls. 319 dos autos].

E. A impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada em

D) supra que veio a ser deferida por despacho de 28.03.2003 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa [cf. cópia da petição da reclamação graciosa a fls. 316 a 318 dos autos e cópia do despacho e informação para o qual o mesmo referente, que determinou o deferimento da reclamação a fls. 320 a 325 dos autos].

F. A impugnante procedeu à entrega de retenções na fonte referente à declaração de Maio de 2001 relativa à sociedade A....., no montante de €564,46 [facto não controvertido resultante da articulação da alegação da impugnante – artigo 44.º da p.i. e extrato de conta 24232 a fls. 278 dos autos, e dos factos tidos por provados pela inspecção tributária – cf. anexo 1 ao relatório de inspecção a fls. 188 dos autos, onde consta este valor como imposto retido].

G. A impugnante procedeu à entrega de retenções na fonte referente à declaração de Agosto de 2001 relativa à sociedade E....., no montante de €2.063,84 [facto não controvertido resultante da articulação da alegação da impugnante – artigo 44.º da p.i., e dos factos tidos por provados pela inspecção tributária – cf. anexo 1 ao relatório de inspecção a fls. 188 dos autos, onde consta este valor como imposto retido].

H. A impugnante procedeu à entrega de retenções na fonte referente à declaração de Outubro de 2001 relativa à sociedade E....., no montante de €2.057,50 [facto não controvertido resultante da articulação da alegação da impugnante – artigo 44.º da p.i., e dos factos tidos por provados pela inspecção tributária – cf. anexo 1 ao relatório de inspecção a fls. 188 dos autos, onde consta este valor como imposto retido].

I. A impugnante procedeu à entrega de retenções na fonte referente à declaração de Dezembro de 2001 relativa à sociedade E....., no montante de €112,50 [facto não controvertido resultante da articulação da alegação da impugnante – artigo 44.º da p.i., e dos factos tidos por provados pela inspecção tributária – cf. anexo 1 ao relatório de inspecção a fls. 188 dos autos, onde consta este valor como imposto retido].

J. A 20.12.2001 foi pela impugnante entregue a declaração modelo n.º 42, onde foi incluindo o montante de €1.128,92, referente ao montante de retenções na fonte em falta relativamente à sociedade A....., identificada em F) supra [facto não controvertido resultante da articulação da alegação da impugnante – artigo 44.º da p.i. e extrato de conta 24232 a fls. 278 dos autos e guia modelo 42, n.º ....., foi pela impugnante paga a quantia de €61.762,98, a título de retenções na fonte de IRC de rendimentos de capitais e outros rendimentos, referente ao mês de Novembro de 2001, pago a 20.12.2001, e dos factos tidos por provados em sede do procedimento de reclamação graciosa – cf. decisão da reclamação graciosa a fls. 14 da decisão, a fls. 126 dos autos].

K. A 20.02.2003 foi pela impugnante entregue a declaração modelo n.º 42, onde foi incluindo o montante de €7.095,52, referente ao montante de retenções na fonte em falta relativamente à sociedade E....., identificados em G), H) e I) supra [facto não controvertido resultante da articulação da alegação da impugnante – artigo 44.º da p.i. e extrato de conta 24232 a fls. 278 dos autos e guia modelo 42, n.º ....., foi pela impugnante paga a quantia de €98.561,82, a título de retenções na fonte de IRC de rendimentos de capitais e outros rendimentos, referente ao mês de Fevereiro, pago a 20.02.2002, e dos factos tidos por provados em sede do procedimento de reclamação graciosa – cf. decisão da reclamação graciosa a fls. 14 da decisão, a fls. 126 e 127 dos autos].

L. A coberto da ordem de serviço n.º ....., de 17.03.2005, com despacho de 22.03.2005, foi despoletado um procedimento de inspecção de natureza externa e âmbito parcial, para análise da retenção na fonte nos pagamentos a não residentes efectuada pela impugnante realizada no exercício de 2001 [cf. cópia de ordem de serviço a fls. 131 dos autos].

M. A 05.04.2005 foi pelo técnico oficial de contas da impugnante assinada a ordem de serviço referente ao procedimento de inspecção identificado no ponto anterior [cf. cópia de ordem de serviço a fls. 131 dos autos].

N. Através do ofício n.º ....., de 23.05.2005, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a impugnante notificada do teor do projecto de relatório de inspecção, através do qual a AT propunha correcções no montante total de €285.330,22, respeitantes a alegadas retenções na fonte em falta relativas a pagamentos a não residentes no exercício de 2001 [cf. cópia do ofício a fls. 132 dos autos e do projecto de relatório a fls. 133 a 147 dos autos].

O. Por requerimento apresentado em 03.06.2005 foi pela impugnante exercido o direito de audição prévia [cf. cópia do requerimento a fls. 148 a 169 dos autos].

P. Com data de 09.06.2005 foi elaborado o relatório de inspecção tributária em sede do procedimento de inspecção identificado em L) supra, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

3.1 Pagamentos a não residentes - Modelo 130

3.1.1 Royaltles

3.1.1.1 Falta de Certificado de Residência

A T..... pagou a diversas empresas não residentes em Portugal, rendimentos derivados de royaltles, conforme anexo n° 1, tendo feito-os constar na declaração Modelo 130 e tendo retido imposto com base na taxa prevista na CDT respectiva.

A dependência do direito de acesso aos benefícios dos Acordos de Dupla Tributação (ADT) dependem da qualidade de residente num Estado contratante distinto do Estado da fonte dos rendimentos e da natureza dos rendimentos pagos, requisitos esses que resultam dos próprios ADT's.

A aplicação do benefício de redução de taxa previsto nas Convenções está dependente de reconhecimento, pois a sua efectivação necessita de um ou mais actos de reconhecimento, n° 1 do artigo 4o do EBF, devendo, os interessados no benefício da redução de taxa, apresentar um requerimento para esse efeito A prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento, tal como resulta do artigo 65° do CPPT, Os rendimentos pagos por -uma empresa Portuguesa a um residente de um Estado com o qual a República Portuguesa tenha celebrado Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital (CDT) podem ser tributadas à taxa prevista na respectiva CDT se o beneficiário dos mesmos solicitar em tempo oportuno a limitação do imposto – por redução na fonte de imposto - em formulário próprio, devidamente preenchido e certificado pelas autoridades tributárias competentes do Estado da Residência (formulário e/ou certificado de residência), conforme circular n° 18/99, de 7/10/99,

Aquando da entrega da declaração modelo n.° 130, a que se refere o n° 6 do artigo 114° do CIRS o contribuinte sempre que tenha realizado limitação na fonte, ao abrigo das Convenções para Evitar a Dupla Tributação, deverá juntar a esta declaração os respectivos formulários, certificados ou declarações, consoante o caso.

Este requisito não foi respeitado pelo contribuinte porque não apresentou em tempo oportuno comprovativo da situação de residência dos beneficiários dos rendimentos, devidamente certificado pelas autoridades competentes do Estado da residência, ou seja não apresentou certificados de residência fiscal válidos para os seguintes fornecedores: A....., do Reino Unido, C....., dos EUA, E....., do Reino Unido, M....., dos EUA, T....., do Reino Unido, C....., de França e P....., do Reino Unido.

As normas da convenção prevalecem sobre as do direito interno, os rendimentos em causa apenas poderiam ser objecto de tributação no país da fonte (neste caso Portugal) na medida em que a convenção o permitisse.

Face à impossibilidade de a Administração Fiscal comprovar a residência fiscal dos beneficiários dos rendimentos, a competência de tributação dos rendimentos face às CDT celebradas entre Portugal e os diversos países a quem a empresa T..... pagou rendimentos é de Portugal.

Assim, os rendimentos provenientes de Portugal pagos às empresas referidas anteriormente, entidades não residentes constantes no anexo n° 1 e 2, consideram-se obtidos em território português e estão sujeitos a tributação em Portugal, conforme o ponto n.º, 1 da alínea c) do n° 3 do artigo 4.º do CIRC, por não aplicação da respectiva convenção sobre a dupla tributação.

A T..... era obrigada, no acto do apuramento dos rendimentos derivados de royalties, a fazer a retenção na fonte de imposto, conforme a alínea a) do n° 1 do artigo 88° do CIRC, conjugado com a alínea m) do n.º 2 e n° l do artigo 5.º e com o ponto 3) da alínea a) do n° 3 do artigo 7°, ambos do CIRS, e a proceder à sua entrega ao Estado até dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas, conforme o n° 6 do artigo 88° do CIRC e o n° 3 do artigo 98° do CIRS.

Tendo a T..... utilizado as taxas de retenção reduzidas constantes das CDT celebradas entre a República Portuguesa e os diferentes Estados, há lugar à correcção do diferencial entre a taxa aplicada e a taxa interna de 15%, sobre o rendimento ilíquido, resultando imposto em falta no montante de 112.512,91 euros, anexo n° 1, por aplicação da alínea a) do n° 2 do artigo 80° do CIRC.

3.1.1.2 Taxa de Retenção Incorrecta

A T..... pagou a diversas empresas não residentes em Portugal, rendimentos derivados de royalties, conforme anexo n° 1 e 2, tendo apresentado comprovativo da situação de residência dos beneficiários dos rendimentos, devidamente certificado pelas autoridades competentes do Estado da residência, tendo feito constar na declaração Modelo 130.

No entanto a limitação do imposto feito por redução na fonte aquando da liquidação efectuada pela entidade pagadora dos rendimentos, não teve em linha de conta a taxa prevista na CDT do Estado contratante beneficiário dos rendimentos, tendo praticado uma taxa diferente à prevista na respectiva Convenção.

As CDT que a República Portuguesa celebrou com a Alemanha, Luxemburgo e Holanda, prevêem no seu artigo 12° que as royalties podem ser igualmente tributadas no Estado contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as royalties for o seu beneficiário efectivo, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties.

A T..... sujeitou, os rendimentos provenientes de Portugal pagos aos beneficiários dos rendimentos, designadamente à B....., da Alemanha, M....., do Luxemburgo, P....., da Holanda, e W..... BV, da Holanda, entidades não residentes constantes no anexo n° 1 e 2, à retenção na fonte de imposto à taxa de 5%.

Tendo a T..... utilizado taxas de retenção reduzidas diferentes das estabelecidas nas CDT celebradas entre a República Portuguesa e os diferentes Estados, há lugar à correcção do diferencial entre a taxa aplicada e a taxa constante nas CDT de 10%, sobre o rendimento ilíquido, resultando imposto cm falta no montante de 71.694,51 euros, anexo n° 1, por aplicação do artigo 12° da respectiva convenção sobre a dupla tributação.

3.1.1.3 Informação Espontânea

Nos termos do artigo 25.° da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido foi comunicado pelas autoridades fiscais do Reino Unido às autoridades fiscais portuguesas, que a sociedade D..... Limited, com a morada, ....., no Reino Unido, registou pagamentos feitos pela T..... S.A, relativos a um contrato de distribuição de licenças de direitos de TV assinado a 26 de Fevereiro de 1999.

De acordo com a mesma informação, a 25 de Fevereiro de 1999 a D..... Limited celebrou um outro contrato com a T..... Limited, no qual é nomeada como seu agente de vendas exclusivo para negociar licenças com terceiros.

A T..... S.A, accionou a Convenção para evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino Unido, possuindo certificado comprovativo da residência da D..... Limited válido e tendo tributado as royalties pagas à D..... Limited à taxa de 5%, de acordo com a Convenção.

No entanto as autoridades fiscais do Reino Unido defendem que "como a D..... Limited não tem direito a estes pagamentos, mas recebe através da T..... Limited, também não tem direito à redução de taxa, em conformidade com a Convenção, e por isso deveria ser aplicado uma taxa de 15%..,”.

A Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais defende a mesma opinião suportada pelos “comentários ao art° 12 - Royalties, ponto 4 e 4.1, do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, da OCDE, ...é apresentada uma noção de beneficiário efectivo a fim do clarificar a aplicação do artigo em relação aos pagamentos feitos a intermediários.

Desta forma, quando o rendimento é obtido por um residente de um Estado Contratante, que actua como agente ou mandatário, seria contrário ao objectivo e ao propósito da Convenção, que o Estado da Fonte concedesse uma redução ou isenção do imposto pelo facto de o beneficiário imediato do rendimento ser residente do outro Estado Contratante. “

Concluindo que, não existe o risco de dupla tributação, pois a D..... Limited não é o proprietário do rendimento, mas sim a T..... Limited, não podendo ser considerada o seu beneficiário efectivo, embora sendo o proprietário formal, visto dispor de poderes limitados.

Desta forma há lugar à aplicação da taxa de retenção de 15% aos pagamentos efectuados pela T......A à empresa D..... Limited, do Reino Unido, na importância de 101.122,80 euros, conforme anexo n° 1, estando estas royalties sujeitas a tributação em Portugal, nos termos do artigo 4.º, n° 3 alínea c) subalínea 1) do CIRC, A T..... era obrigada a reter na fonte imposto à taxa de 15%, de acordo com o artigo 88°, n° 1 alínea a), n° 3 alínea b) e n° 5 conjugado com o artigo 80°, n° 2 alínea c), ambos do CIRC.

Pagamento do Imposto

Acresce ainda que, por força do disposto no artigo 139° do CIRS e no artigo 123° do CIRC ‘‘Não se podem realizar transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRC obtidos em território português por entidades não residentes sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido”.

A T..... é responsável pelo pagamento do imposto não retido e não entregue nos cofres do Estado, nos termos do artigo 20° da LGT (Substituição Tributária).

Juros Compensatórios

Verifica-se igualmente que há lugar à liquidação de juros compensatórios, de acordo com o n° 2 do artigo 106° do CIRC conjugado com o artigo 35° da LGT, calculados sobre o valor das importâncias não retidas aquando do apuramento do respectivo quantitativo dos rendimentos derivados de royalties, contados desde o dia imediato àquele em que deveriam ter sido entregues até à data da liquidação.

(…)

Anexo 2

(…) [cf. cópia do relatório a fls. 171 a 190 dos autos].

Q. Através do ofício n.º ....., de 25.07.2005, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a impugnante notificada do relatório de inspecção tributária, recebido a 27.07.2005 [cf. cópia do ofício a fls. 170 dos autos, sendo a data de recepção a indicada pela impugnante, sem que a mesma tenha sido impugnada pela AT].

R. A 07.09.2005 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de retenções na fonte em sede de IRC, referente aos meses de Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro a Dezembro, no montante de €285.330,22, remetida por carta registada com o n.º .....T, expedida a 14.09.2005 [cf. cópia do detalhe de demonstração de liquidação a fls. 425 do processo de reclamação graciosa em apenso, e dados de emissão com o n.º de registo dos CTT identificado a fls. 262 do PAT em apenso].

S. A 07.09.2005 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de juros compensatórios associada à liquidação identificada no ponto anterior, no montante de €56.873,22, remetida por carta registada com o n.º ....., expedida a 14.09.2005 [cf. cópia do detalhe de demonstração de liquidação a fls. 427, 428, 431, 435, 443, 449, 450, 456, 461 do processo de reclamação graciosa em apenso, e dados de emissão com o n.º de registo dos CTT identificado a fls. 262 do PAT em apenso].

T. A 07.09.2005 foi emitida a demonstração de compensação n.º ....., onde consta nomeadamente o seguinte:

que originou um saldo a pagar de €311.431,53, com data limite de pagamento a 17.10.2005, remetida por carta registada com o n.º ....., expedida a 14.09.2005 [cf. cópia da demonstração de compensação a fls. 191 dos autos e dados de emissão com o n.º de registo dos CTT identificado a fls. 262 do PAT em apenso].

U. A 03.10.2005 foi pela impugnante apresentado requerimento junto do Serviço de Finanças de Oeiras 2, através do qual solicita “a) que lhe seja notificada a fundamentação para o item com o valor de € 30.771,91 (trinta mil, setecentos e setenta e um euros c noventa e um cêntimos), constante da nota de demonstração de compensação e/ou aviso/notificação de cobrança com o n.º de documento ....., por forma a quo possa conhecer os motivos que estiveram na base do seu apuramento; b) que lhe seja notificada a fundamentação para o estorno e o acerto dos dois itens, ambos com o valor de € 145.707,81 (cento e quarenta e cinco mil e setecentos e sete euros e oitenta e um cêntimos), constantes da nota de demonstração de acerto de contas com n.º de documento .....; e c) que lhe sejam notificados os meios de defesa e prazos para reagir contra a nota de demonstração de compensação e/ou aviso/notificação de cobrança com o n.º de documento .....e contra a demonstração de acerto de contas com n.º de documento ....., de que foi recentemente notificada” [cf. cópia do requerimento apresentado a fls. 192 a 195 dos autos].

V. A 17.10.2005 foi pela Impugnante efectuado o pagamento por conta no montante de €94.427,62, correspondente a €78.536,43 de imposto e €15.891,19 de juros compensatórios, referente à compensação n.º.....identificada em T) supra [cf. cópia da guia de pagamento n.º ..... a fls. 274 dos autos].

W. Por ofício de 21.12.2005 do Serviço de Finanças de Oeiras 2 foi a impugnante citada em sede do processo de execução fiscal n.º ....., para pagamento da quantia exequenda de €217.003,91, e acrescido, referente à cobrança coerciva do valor identificado em T), deduzido do valor já pago e identificado em V) supra [cf. cópia do ofício de citação a fls. 292 a 294 dos autos].

X. Através de ofício n.º ....., de 13.01.2006, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária foi a impugnante notificada do teor da informação n.º ....., daquela entidade, com a resposta ao requerimento de fundamentação identificado em U) supra [cf. cópia do ofício a fls. 232 a 236 dos autos].

Y. A 13.01.2006 foi pela impugnante apresentada reclamação graciosa contra a demonstração de compensação identificada em T) supra, através do qual contestou quer a legalidade do acto de liquidação de retenções na fonte e juros compensatórios, quer a legalidade da compensação efectuada [cf. cópia do articulado inicial onde foi aposto carimbo de recepção pelo órgão administrativo e data de entrada, a fls. 196 a 230 dos autos].

Z. Através do ofício n.º ....., de 16.01.2006 do Serviço de Finanças de Oeiras 2 foi a impugnante notificada para proceder à prestação de garantia no montante de €283.600,00 com vista à suspensão do processo de execução fiscal identificado em W) supra [cf. cópia do ofício a fls. 295 dos autos].

AA. Com data de 30.01.2006 foi pela impugnante apresentada garantia bancária no montante de €283.600,00, com vista a garantir e suspender o processo de execução fiscal identificado em W) supra [cf. cópia da garantia n.º 125-02-0937909 do Millennium, BCP a fls. 297 e 298 dos autos].

BB. Através do ofício n.º ....., de 23.10.2009, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a impugnante notificada no teor do projecto de decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa identificada no ponto anterior no sentido do deferimento parcial do pedido [cf. cópia do oficio a fls. 237 dos autos e projecto de decisão a fls. 238 a 250 dos autos].

CC. Através de requerimento apresentado em 10.11.2009 foi pela impugnante exercido o direito de audição prévia em sede do procedimento de reclamação graciosa identificado no ponto anterior [cf. cópia do requerimento a fls. 251 a 273 dos autos].

DD. Por despacho de 30.11.2009 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a reclamação identificada no ponto anterior parcialmente deferida, tendo sido determinada a anulação do montante total de €124.774,66, correspondendo a €104.298,84 de imposto e €20.475,84 de juros compensatórios, mantendo-se as demais correcções, constando da mesma nomeadamente o seguinte:

“(…)

Pagamentos aos fornecedores C..... e P.....

(…)

Deste modo, a correcção efectuada no montante de €94.615,49, deverá ser anulada tendo em conta o diposto no n.º 4 do art.º 48.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, conjugado com o n.º 2 (com a redacção à data) do art.º 90.º do CIRC, bem como os respectivos juros compensatórios de €19.078,00

(…)

Pagamento ao fornecedor A..... - Confrontando o extracto de conta corrente #23232 (fls. 420) com o detalhe do imposto pago (fls. 112), parece-nos que se mostra comprovado nos autos o pagamento da importância reclamada de €1.128,92.

Dado que o seu pagamento foi efectuado para além do prazo estabelecido legalmente, haverá lugar à liquidação de juros compensatórios, contados desde da data em que o imposto era devido (21.05.2001) até à data da sua entrega efectiva (20.12.2001) ou seja:


€1.128,92 x 7% x 214 dias = €46,33

365 dias


(taxa em vigor à data dos factos – art. 2.º do DL n.º 398/98)

Pagamento ao fornecedor E..... – Da correcção inicialmente efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária de €8.467,68, em face das alegações da Reclamante na p.i., bem como dos documentos a esta anexos, e confrontando com os documentos agora juntos no exercício do direito de audição, podemos concluir que na guia mod. 42 n.º 42204745588 foi incluído o montante de €7.095,52 (vd. Fls. 121 e fls. 422), respeitante à retenção na fonte efectuada e relativa às royalties pagos àquele fornecedor.

E deste modo, parece-nos que do valor corrigido de €8.467,68, deverá ser anulado o montante de €7.095,52, mantendo-se, porém, o valor de €1.372,16.

São devidos juros compensatórios, calculados como a seguir se demonstra:

- s/4.127,68 desde a data legalmente estabelecida para a entrega do imposto (21.09.2001) até à data efectiva (20.03.2003) ou seja:

€4.127,68 x 7% x 432 dias = €432,22

365 dias

- s/2.967,84 desde a data legalmente estabelecida para a entrega do imposto (21.11.2001) até à data efectiva (20.03.2003) ou seja:

€2.967,84 x 7% x 485 dias = €276,00

365 dias

Relativamente ao montante do imposto a manter de €1.372,16, por não se mostrar comprovada nos autos a sua entrega nos cofres do Estado, são igualmente devidos juros compensatórios de €254,36.

Aplicação de taxas de retenção incorrectas – fornecedor B..... - Confrontando o extracto de conta corrente #23232 (fls. 420) com o detalhe do imposto pago na guia mod. 42 .....  (fls. 112), parece-nos que a correcção efectuada no montante de €1.458,91 já havia sido regularizada em Novembro de 2001.

E nesta conformidade será de anular aquele montante de €1.458,91, bem como os respectivos juros compensatórios de €262,04.

(…)

9.3 – Nestes termos, é nosso entendimento que o pedido deverá ser deferido parcialmente, procedendo-se de acordo com o quadro em anexo, e que faz parte integrante da presente informação, anulando-se o montante total de €124.774,68 (imposto - €104.298,84; juros compensatórios - €20.475,84), mantendo-se as correcções no montante total de €125.005,99 (imposto - €102.494,96; juros compensatórios - €20.511,03).

(…)”

[cf. cópia do despacho e informação elaborada na REC 946/06, a fls. 112 a 129 dos autos].

EE. Através do ofício n.º ....., de 30.11.2009, da Direcção de Finanças de Lisboa, recebido a 03.12.2009, foi a impugnante notificada da decisão identificada no ponto anterior [cf. cópia do oficio a fls. 111 dos autos, e data de recepção por confrontação com a data referida no carimbo aposto no envelope recepcionado constante de fls. 130 dos autos].

FF. A presente impugnação judicial foi remetida via sitaf em 21.12.2009 [cf. fls. 3 dos autos]”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

GG. A garantia bancária mencionada em AA. comportou custos para a Impugnante, de montante total não concretamente apurado (cfr. documentos n.ºs 23 a 38 e 44 a 49, juntos pela Impugnante).

HH. A garantia bancária mencionada em AA. foi mantida até data não concretamente apurada, mas ulterior a 24.02.2010 (cfr. fls. 254 do processo administrativo).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende a Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal a quo padece de erro, concretamente:
a) No tocante aos factos R), S) e Q), os mesmos sustentaram-se no documento constante de fls. 262 do processo administrativo, que é interno do sistema da administração tributária (AT) e que não prova a expedição das liquidações, devendo ser dado como não provado que as liquidações de imposto e juros compensatórios tivessem sido notificadas à Recorrente por cartas registadas expedidas dia 14.09.2005;
b) Deve ser considerado como não provado que a D..... atua como intermediária na relação com a Recorrente;
c) Deve ser considerado como não provado que a D..... não tivesse direito aos pagamentos na qualidade de titular dos direitos e estivesse legal ou contratualmente obrigada a transferir ou reencaminhar tais pagamentos à T..... ou qualquer outra entidade, por ser, afinal, um mero intermediário;
d) Deve ser considerado como não provado que a Recorrente tivesse qualquer relação (comercial ou outra) com a T....., nem que tivesse efetuado quaisquer pagamentos à T....., e que a Recorrente soubesse da existência do contrato constante dos autos celebrado entre a D..... e a T.....;
e) Deve dar-se por provado, com base nos elementos de prova indicados, que, ao abrigo do contrato celebrado entre a Recorrente e a D....., bem como de outros semelhantes celebrados com as entidades não residentes, a Recorrente fez vários pagamentos, o que não é controvertido e resulta do anexo 2 ao Relatório Final junto aos autos.

Antes de mais, cumpre referir que nada há a apreciar, no tocante aos documentos juntos pela Recorrente com as suas alegações, porquanto todos eles já constavam do processo administrativo.

Prossigamos então.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ]cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram minimamente cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:
¾ Factos provados a suprimir e factos não provados a aditar, supra identificados sob a alínea a):

Como já referido, considera a Recorrente que os factos R), S) e Q), sustentando-se no documento constante de fls. 262 do processo administrativo, devem ser considerados não provados, no tocante à parte atinente à expedição, porquanto tal documento é interno do sistema da AT.

Desde já se adiante que assiste em parte razão à Recorrente.

Com efeito, quanto ao facto Q), relativo à notificação do relatório de inspeção tributária (RIT), não lhe assiste razão, dado que o Tribunal a quo sustentou-se na própria posição da Recorrente (cfr. o art.º 5.º da petição inicial) e não em qualquer documento interno.

O mesmo não se refira quanto aos factos R) e S), relativos, respetivamente, à liquidação de imposto e à liquidação dos juros compensatórios.

No tocante aos elementos das liquidações, nada é posto em causa pela Recorrente, pelo que nessa parte nada há a alterar.

No entanto, no que toca à remessa de tais liquidações, a única sustentação documental consubstancia-se no documento constante de fls. 262 do processo administrativo, documento esse que, como refere a Recorrente, é um mero print do sistema interno da AT.

Ora, tal elemento de prova é insuficiente, porquanto seria exigível in casu a apresentação de documento externo, designadamente emitida pela distribuidora de correio postal, o que não ocorreu (aliás, a FP na contestação refere não dispor de tal elemento) – cfr. neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos deste TCAS de 07.05.2020 (Processo: 1737/13.0BELRS), de 08.05.2019 (Processo: 154/12.3BESNT), de 13.10.2017 (Processo: 1245/09.3BEALM) e de 17.05.2011 (Processo: 04631/11). Acrescente-se que os elementos juntos pela FP já na presente instância, na sequência de despacho proferido para o efeito, não alteram a conclusão extraída, porquanto ou se trata de elementos internos ou se trata de uma guia de expedição que não permite fazer qualquer interligação com as notificações em causa.

Como tal, não poderia ter sido considerada provada a expedição em causa.

Assim sendo, os factos R. e S. passarão a ter a seguinte redação:

R. A 07.09.2005 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de retenções na fonte em sede de IRC, referente aos meses de abril, maio, julho, agosto, setembro a dezembro, no montante de €285.330,22 [cf. cópia do detalhe de demonstração de liquidação a fls. 425 do processo de reclamação graciosa em apenso].

S. A 07.09.2005 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de juros compensatórios associada à liquidação identificada no ponto anterior, no montante de €56.873,22 [cf. cópia do detalhe de demonstração de liquidação a fls. 427, 428, 431, 435, 443, 449, 450, 456, 461 do processo de reclamação graciosa em apenso].

Por outro lado, é de aditar o seguinte facto não provado:

1. As liquidações mencionadas em R. e S. foram remetidas à Impugnante, através de carta registada.


¾ Factos não provados a aditar, supra identificados sob as alíneas b) a d):

Entende, por outro lado, a Recorrente que deve ser considerado não provado que a D..... atue como intermediário na relação com a Recorrente e que a D..... não tivesse direito aos pagamentos na qualidade de titular dos direitos e estivesse legal ou contratualmente obrigada a transferir ou reencaminhar tais pagamentos à T..... ou qualquer outra entidade, por ser, afinal, um mero intermediário. Considera, ainda, que deve ser dado como não provado que a Recorrente tivesse qualquer relação (comercial ou outra) com a T....., nem que tivesse efetuado quaisquer pagamentos à T....., e que a Recorrente soubesse da existência do contrato constante dos autos celebrado entre a D..... e a T......

Apreciando.

O entendimento do Tribunal a quo, no sentido de a D..... ser uma mera intermediária e não ter direito aos pagamentos efetuados pela Recorrente, é uma conclusão extraída do teor dos contratos, a que se referem os factos A. e B., como, aliás, a própria Recorrente refere.

Ora, a este propósito, não cumpre alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo que um eventual erro na conclusão extraída pelo Tribunal a quo tem apenas a ver com a interpretação dos contratos.

Por outro lado, e quanto à relação da Recorrente com a T....., aos pagamentos efetuados e ao conhecimento do contrato mencionado em A), veja-se que a argumentação da Recorrente vai no sentido da insuficiência dos elementos carreados pela AT em sede de procedimento inspetivo, ou seja, centra-se na falta cumprimento por parte da AT do seu ónus probatório, para cuja apreciação é suficiente a análise do teor do RIT.

Como tal, indefere-se o requerido nesta parte.


¾ Facto provado a aditar, supra identificado sob a alínea e):

Considera, finalmente, a Recorrente que devem ser dados como provados os pagamentos e respetivos meses, o que não é controvertido e consta do RIT.

Ora, como refere a Recorrente, tal facto não é controvertido e extrai-se do teor do RIT, a que respeita o facto O., onde expressamente consta a tabela a que a Recorrente faz menção.

Como tal, indefere-se o requerido, porque já resulta do mencionado facto O.

Em suma, defere-se parcialmente o requerido, quanto à alteração da redação dos factos provados R) e S) e quanto ao aditamento do facto não provado 1), nos termos explanados supra.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto à caducidade do direito à liquidação

Considera, desde logo, a Recorrente que, não tendo sido as liquidações notificadas, ocorreu caducidade do direito à liquidação.

Vejamos.

Nos termos do art.º 45.º, n.º 1, da LGT, o direito à liquidação caduca se aquela não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, prazo aplicável in casu.

Assim, sendo certo que, regra geral, ao nível do direito administrativo, a notificação afeta não a validade do ato notificado, mas apenas a respetiva eficácia, atendendo ao teor deste art.º 45.º, n.º 1, da LGT, subsiste uma exceção neste domínio, ao regime regra dos atos administrativos, dado que, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, esta disposição legal “… atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante” (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489).

Ou seja, só se considera que o direito à liquidação não caducou se a notificação do ato em causa ocorrer antes de decorrido o prazo legalmente previsto.

A forma das notificações encontra-se disciplinada nos art.ºs 35.º e seguintes do CPPT.

Assim, é de chamar à colação o disposto nos art.ºs 38.º e 39.º do CPPT, na redação então em vigor.

Nos termos do referido art.º 38.º:

“1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter de forma clara a identificação do remetente.

3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada”.

Assim, para que não ocorra caducidade do direito à liquidação, é necessário que a mesma seja validamente notificada dentro do prazo em causa, ainda que possa considerar-se suficiente a notificação ainda que com algumas irregularidades (por exemplo, recebimento de notificação através de carta registada quanto deveria ter sido por carta registada com aviso de receção), conquanto as mesmas não consubstanciem nulidade da própria notificação.

Chama-se a este propósito à colação o referido por Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 358 e 359):

“… [A] notificação irregular não deixa de produzir efeitos para que é idónea, que é dar conhecimento ao destinatário da existência de uma decisão da administração tributária, apenas não produzindo, se o interessado usar da referida faculdade, aqueles para que é inidónea, que são os de iniciar os prazos de impugnação administrativa ou contenciosa (…)

Relativamente aos actos de liquidação, outro efeito atribuído à notificação, no art. 45.º, n.º 1, da LGT, é o de obstar à caducidade do respectivo direito. Embora nesta disposição se refira que ‘o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte’, o alcance daquela referência à validade da notificação, parece ter em vista apenas a certeza de que o acto chegou ao conhecimento do destinatário e é essa a interpretação que está em sintonia com a razão de ser da exigência de notificação.

Por um lado, é velha e pacífica aquisição do contencioso administrativo e tributário que as formalidades previstas na lei deixam de ser relevantes quando, apesar de elas não terem sido observadas, foi atingido o fim que legislativamente se tinha em vista ao estabelecê-las. Por isso, desde logo, parece ser de afastar uma interpretação que conduza a que qualquer irregularidade da notificação, quanto à forma ou quanto ao conteúdo, torne sempre irrelevante a notificação para efeito de obstar à caducidade, pois, se for atingido o fim que se visava com a imposição da formalidade, a irregularidade será irrelevante.

Por outro lado, a exigência de a notificação ser efectuada dentro do prazo de caducidade tem como justificação razões de certeza e segurança jurídica e de garantia dos direitos dos contribuintes, visando proporcionar a estes a possibilidade efectiva de controlarem se a liquidação foi efectuada antes do prazo legal se esgotar. (…)

Mas, sendo essa a razão de ser da exigência de que a notificação seja efectuada dentro do prazo de caducidade, ela deve ser restringida aos limites que emergem desta razão de ser, considerando que há notificação da liquidação, para efeito de obstar à caducidade do direito, sempre que através dela tenha sido dado conhecimento ao destinatário da prática de um acto de liquidação com determinado conteúdo, independentemente da observância da globalidade dos requisitos legais previstos para a notificação, desde que não se trate de qualquer dos requisitos para cuja falta o art. 39.º, n.º 9, comina a sanção de nulidade…” [sublinhados nossos; veja-se a este respeito, v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.10.2014 (Processo: 0726/11)].

No entanto, com ou sem irregularidades, é fundamental que tenha havido uma notificação dos atos de liquidação.

Retornado ao caso dos autos, considerando que a Recorrente foi ouvida em sede de audiência prévia, no âmbito do procedimento inspetivo, era suficiente a notificação das liquidações por carta registada.

Sucede, porém, que, como refere a Recorrente e foi apreciado supra (cfr. II.E), a efetivação dessa notificação não ficou provada [cfr. facto não provado 1)], sendo que cabe à AT o respetivo ónus.

Portanto, estamos perante uma situação em que a emissão da liquidação pela AT está provada, mas a sua notificação não ficou demonstrada.

Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, a falta de notificação neste caso em concreto não tem apenas consequências em termos de eficácia do ato. Com efeito, sendo essa a regra consagrada no nosso ordenamento, para a generalidade dos atos tributários, no caso da caducidade, como já referimos, à notificação é atribuída eficácia invalidante. Ou seja, a liquidação não só tem de ser emitida dentro do prazo de caducidade como tem de ser notificada dentro desse mesmo prazo, para que não haja caducidade do direito à liquidação.

Como tal assiste razão à Recorrente, resultando prejudicada a apreciação do demais alegado quanto à correção relativa à D......

Esta decisão implica que haja direito a pagamento de indemnização por prestação de garantia (no âmbito da qual, como resulta da petição inicial, se inclui a parte relativa à correção atinente à D..... – cfr. art.º 243.º da petição), atento o disposto no art.º 53.º, n.º 1, da LGT, dado que a mesma foi mantida por período superior a três anos, indemnização essa cujo concreto quantum deverá ser aferido em execução de julgado.

Já no tocante ao pedido formulado no que respeita aos juros indemnizatórios a conclusão é distinta. Com efeito, como decorre da petição inicial, considera a Recorrente que a caducidade do direito à liquidação importa o direito a juros indemnizatórios quer quanto aos valores compensados quer quanto aos valores pagos, por entender estarmos perante uma situação de erro imputável aos serviços.

Sobre esta questão já se pronunciou por diversas vezes o Supremo Tribunal Administrativo, chamando-se à colação o seu Acórdão de 12.02.2015 (Processo: 01610/13), do qual resulta:

“[A] declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT Vejamos:

No caso (…) a situação (…) é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.

No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.

Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos. Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade do direito à liquidação.

Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533..)

Conclui-se, assim, que nos casos em que a anulação da liquidação impugnada tenha por fundamento a caducidade do direito de liquidar por falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43.º da LGT.» (fim de citação)”.

Como tal, atenta a esta jurisprudência, a que se adere, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e, consequentemente:
a.1. Anular os atos impugnados objeto de recurso por caducidade do direito à liquidação;
a.2. Condenar a Fazenda Pública no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
b) Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 2% pela T....., S.A. e 98% pela Fazenda Pública.
c) Registe e notifique.


Lisboa, 15 de abril de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.