Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:418/20.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
IMPUGNAÇÃO
NULIDADE
ANULABILIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo se o fundamento for a nulidade.
II - A caducidade do direito à liquidação implica que o ato de liquidação emitido e/ou notificado depois do seu decurso padeça de um vício que o inquina, gerador de anulabilidade.
III - A mesma não implica a nulidade do ato praticado, não se subsumindo em nenhum dos casos previstos no art.º 161.º do CPA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

J.... (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da decisão proferida a 28.04.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi indeferida liminarmente a impugnação por si apresentada, na qualidade de revertido, que teve por objeto a liquidação das contribuições e cotizações referentes ao período compreendido entre dezembro de 2011 e julho de 2013, no valor de 302.177,43 Eur. (contribuições) e de 79.006,74 Eur. (cotizações), relativas à sociedade C...., Lda.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A) O presente Recurso vem interposto da sentença proferida em 28.04.2021, que indeferiu liminarmente a impugnação judicialmente apresentada.

B) No entender do Recorrente a sentença recorrida padece de erro de direito, na medida em que:

a) Quanto à interpretação e aplicação da Lei conjugada com os princípios fundamentais da CRP e do Código de Procedimento Tributário, deveria ter sido considerado nulo o ato praticado pela AT, na medida em que o ato praticado não encontra apoio na Lei, pelo que, o Recorrente, não pode ser censurado por ter adotado uma interpretação divergente.

b) A AT, ao notificar passados 4 anos o ora Recorrente, bem sabe que o seu direito de liquidar já tinha caducado, porque sabe que o direito de liquidar a obrigação tributária só é válido se validamente noticiar o cidadão dentro desses 4 anos – Artigo 45.º da LGT.

c) O vício de caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso para o Tribunal, sendo-o para a Administração Tributária.

d) “Estando a Administração Tributária adstrita aos princípios da verdade material e do inquisitório, mesmo que esses elementos obriguem a concluir em sentido diverso dos interesses financeiros do Estado, aquela está obrigada a conhecer oficiosamente da caducidade do direito à liquidação, quer em processo de impugnação judicial, quer em processo de execução fiscal”- Cfr. opinião de Ricardo Pedro e António Mendes de Oliveira, na 2.ª Edição Refundida, Aumentada e Atualizada - Anotação à lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e às medidas legislativas em matéria de covid-19 - donde não podem ser permitidos atos praticados pela Administração Pública premeditadamente ilegais.

e) O Tribunal ad quo deveria ter sancionado a atuação da Administração Pública, por esta ter notificado o contribuinte de uma liquidação de tributo que sabe que está caduca, porque a notificação ao Recorrente chegaria, como chegou, volvidos 4 anos sobre o direito de ser liquidado o Tributo.

f) A sanção que o Tribunal deveria aplicar a este ato, fazendo uma interpretação não só literal, mas também racional e teleológica conjugando-a com a Lei e os princípios já acima enunciados e quem têm coroação na CRP e na Lei, seria a de considerar o ato ilegal com a sanção de nulidade.

g) Esses princípios, que são o pilar e a base de um Estado de Direito Democrático, transparente, justo e equilibrado, não foram observados pelo legislador, devendo, por isso, os órgãos jurisdicionais repor a Justiça, designadamente quando há reação do cidadão - o que foi o caso.

h) Ou seja, este vício do ato tributário deveria ser enquadrado na previsão do normativo das alíneas k) ou l), n.º 2, do artigo 161.º Código de Procedimento Administrativo e não o foi, por ser interpretada a norma sem ser conjugado com os princípios já acima elencados

i) Andou mal o digno Tribunal a quo ao preferir o regime de anulabilidade ao de nulidade, aplicando erradamente o n.º 1, do artigo 102.º do CPPT, quando, na verdade, deveria ter aplicado o número 3 do referido artigo 102.º do CPPT e, nessa medida, ser este vício fundamento da nulidade e invocável a todo o tempo.

j) O Recorrente, ao ter impugnado a liquidação, deveria ter visto o Tribunal a considerar válida e contemporânea tal impugnação, por estarmos perante um ato nulo invocável a todo o tempo, e não a ser-lhe aplicada a caducidade do direito de ação, como o foi, nos termos dos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3, 331.º, n.º 1 e 579.º, todos do CPC, e a sentença de indeferimento da petição inicial, com a consequente improcedência do pedido, o que não teria acontecido se fossem aplicados ao caso concreto os artigos 161.º, n.º2, al. k e/ou l do C.P.A. e o n.º 3, do artigo 102.º do CPPT– pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida, devendo ser proferido Acórdão que julgue totalmente procedente a Impugnação, determinando-se o prosseguimento da ação e fazendo-se, assim, a Costumada e Sã Justiça”.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (doravante Recorrido ou IGFSS) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. O Recorrente apresentou uma ação de Impugnação Judicial, datada de 2017/11/08, tendo alegado a invalidade do ato de liquidação.

2. Por sentença datada de 2021/04/28, o douto Tribunal julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação, tendo rejeitado liminarmente a impugnação judicial.

3. No que concerne à invocada caducidade do direito à liquidação, igualmente bem andou o Tribunal a quo, ao declarar improcedente tal argumento, uma vez que, (conforme a douta sentença recorrida fundamenta, e bem) a liquidação das contribuições e cotizações da segurança social, é feita através da autoliquidação, cujo ónus recai sobre o contribuinte, uma vez que é a si que lhe compete proceder à entrega das declarações periódicas de remunerações dos seus trabalhadores , e efetuar o pagamento das contribuições.

4. Desta forma, a lei não assegura um meio de impugnação, pelo que se equipara o ato de extração da certidão de dívida a um ato de liquidação, devendo assim em sede de oposição ser a mesma impugnada.

5. Não sendo aplicável o regime da caducidade a este tipo de tributos, não se aplica o disposto no art.º 45.º da LGT, sendo de concluir que tal regime não é aplicável às dívidas à Segurança Social.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., doutamente suprirão, negando provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente, J...., e confirmando a douta decisão recorrida, em função dos dispositivos normativos aplicáveis ao caso sub judice, V. Exas. farão a tão costumada Justiça”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto a impugnação é tempestiva, nos termos do art.º 102.º, n.º 3, do CPPT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em datas não concretamente apuradas, foram instaurados, pela Secção de Processo Executivo de Setúbal do IGFSS, I.P., contra a sociedade “C...., Lda.”, os PEF´s n.º 1501201200177881 e apensos para cobrança coerciva de dívidas de cotizações e contribuições, referentes ao período de dezembro de 2011 a julho de 2014, acrescidas de juros de mora e custas (cf. «Citação» e «Certidões de Dívida» de fls. 27 a 64 e 71 a 78 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);

B) Em 22.6.2017, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Setúbal do IGFSS, I.P. proferiu «DESPACHO DE REVERSÃO», determinando a reversão contra o ora Impugnante das dívidas de cotizações e contribuições acima referidas, no montante global de € 786.842,92, discriminadas no documento denominado «NOTIFICAÇÃO DE VALORES EM DÍVIDA» com o seguinte teor:


«Imagem no original»

(cf. «Despacho de Reversão» e «Notificação de Valores em Dívida» de fls. 132 a 134 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);

C) Em 22.6.2017, a Secção de Processo Executivo de Setúbal do IGFSS, I.P. remeteu ao Impugnante, por correio postal registado sob o n.º RN935660330PT, com aviso de receção, o ofício denominado «CITAÇÃO» para pagamento da dívida exequenda no valor global de € 786.842,92 (cf. «Citação» a fls. 130 e 131 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);

D) Em 5.7.2017 foi assinado o aviso de receção do ofício referido na alínea anterior (cf. aviso de receção a fls. 135 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

E) A petição inicial dos autos foi remetida à Secção de Processo Executivo de Setúbal do IGFSS, I.P. por correio postal registado de 8.11.2017, tendo dado entrada em 9.11.2017 (cf. fls. 16 dos autos e carimbo aposto a fls. 4 dos autos)”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, estando em causa vício que comporta a nulidade do ato, a impugnação é passível de ser apresentada a todo o tempo.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 102.º do CPPT:

“1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado.)

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias”.

Por seu turno, atento o disposto no art.º 20.º, n.º 1, do CPPT, “[o]s prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º, do Código Civil”.

Nos termos do art.º 279.º do Código Civil, aplicável ex vi art.º 20.º, n.º 1, do CPPT:

“À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

(…)

b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

(…)

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”.

O prazo em causa é um prazo substantivo, e não um prazo processual, sendo, pois, um prazo contínuo.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.01.2014 (Processo: 01534/13 e ampla jurisprudência no mesmo citada), onde se sumaria que “[o] prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade, de natureza substantiva e, conforme se estabelece no n.º 1 do art. 20.º do CPPT, conta-se de acordo com o disposto no art. 279.º do CC…”.

Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22.05.2013 (Processo: 0405/13), no qual se sumariou que “[o] prazo da impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial contando-se nos termos do art. 279º do CC, como expressamente se refere no nº 1 do art. 20º do CPPT, correndo continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão”.

In casu, refira-se previamente que foi considerado pelo Tribunal a quo, e isso não vem efetivamente posto em causa, estarmos perante liquidações emitidas administrativamente, pelos serviços da Segurança Social (nunca, ao contrário do que é referido pela Recorrida, se tend0 considerado – e provado – estar-se perante autoliquidações nem tal resultar dos autos).

Por outro lado, foi também decidido pelo Tribunal a quo que a impugnação era o meio próprio para o conhecimento do pedido de anulação da liquidação (citando, consta o seguinte da sentença: “No caso em apreço, verifica-se, desde logo, uma cumulação de pedidos formalmente incompatíveis, porquanto o meio processual em causa - impugnação judicial - apenas se adequa a um deles - ao pedido de anulação da liquidação que deu origem à dívida exequenda e não ao pedido de anulação do despacho de reversão”), o que também não foi posto em causa.

Considerando este ponto de partida e estando nós perante a reação, em sede impugnatória, na sequência da citação de revertido, o prazo é contado nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT.

No caso dos autos, o Tribunal a quo considerou que o prazo em causa não foi respeitado, motivo pelo qual indeferiu liminarmente a impugnação.

O Recorrente, não pondo em causa que o prazo regra de 3 meses não foi respeitado, insurge-se contra o julgado, por entender que, in casu, estamos perante uma situação subsumível no n.º 3 do art.º 102.º do CPPT.

Para aferir a pretensão do Recorrente, cumpre, então, analisar a petição inicial apresentada, por forma a aferir se os vícios imputados ao ato são de molde a ter como consequência a sua nulidade (ou a declaração da sua inexistência).

Vejamos então.

Um determinado ato tributário, enquanto ato administrativo que é, pode padecer de vícios que refletem a respetiva ilegalidade. Os vícios que um ato reveste podem ser orgânicos, formais ou materiais (cfr. a este respeito Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 382 a 403).

Atentando nos vícios de forma, os mesmos relacionam-se com a preterição de formalidades ou carência de forma legal. São exemplos de vícios de forma a preterição do direito de audição ou a falta de fundamentação (na sua vertente de externalização).

Já quanto aos vícios materiais, concretamente quanto ao vício de violação de lei, nos mesmos é relevante a substância do próprio ato e a desconformidade desta perante a lei.

Freitas do Amaral (ob. cit., pp. 392 e 393) densifica as seguintes modalidades de vício de violação de lei:

a) A falta de base legal;

b) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato ou do objeto do ato;

c) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato;

d) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato;

e) Qualquer outra ilegalidade não reconduzível a outro vício.

Em termos de formas de invalidade dos atos tributários, as mesmas podem revestir a nulidade e a anulabilidade.

Começando pela nulidade, considerando o disposto no art.º 162.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi art.º 2.º, al. c), da LGT:

“1 - O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

2 - Salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação” (sublinhado nosso).

Portanto, retém-se deste regime que a nulidade é a forma mais grave da invalidade, motivo pelo qual pode ser invocável ou declarada a todo o tempo.

A nulidade tem, no entanto, caráter excecional. Daí que sejam circunscritas as situações de um vício ser cominado com esta forma de invalidade.

Assim, nos termos do art.º 161.º do CPA:

“1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido”.

Já quanto à anulabilidade, a mesma é a invalidade de caráter geral, como se extrai do art.º 163.º do CPA, nos termos de cujo n.º 1 “[s]ão anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”.

Ao contrário da nulidade, a anulabilidade é sanável pelo decurso do tempo, pelo que a sua não invocação tempestiva, nos termos das leis procedimentais e processuais, determina que o vício de que padeça o ato deixe de poder ser invocado, convertendo-se o ato em ato válido.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Analisando a petição inicial apresentada, na mesma é invocado, em termos de vício, caducidade do direito à liquidação, sustentado na alegada circunstância de o ato tributário não ter sido validamente notificado ao Recorrente no prazo de 4 anos. No mais, limita-se a indicar os vícios que alegou em sede de oposição à execução fiscal que também apresentou.

Ora, ao contrário do defendido pelo Recorrente, a caducidade do direito à liquidação não tem como cominação a nulidade do ato que dela padeça.

Concretizemos.

O direito de a administração tributária (AT) liquidar tributos (AT em sentido amplo, onde se inclui qualquer entidade competente para tal liquidação) não pode ser exercido a todo o tempo, estando limitado pelo respetivo prazo de caducidade.

Como referido por Saldanha Sanches (1), “[o] principal limite temporal para a exigibilidade das obrigações fiscais e para a atribuição de responsabilidade ao contribuinte coincide com o fim do poder de aplicação da lei a um certo facto tributário: a caducidade do poder de liquidar”.

A caducidade do direito à liquidação, prevista no atual art.º 45.º da LGT e aplicável no caso de liquidações emitidas pela Segurança Social [v., por todos, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.02.2014 (Processo nº 01481/13)], implica, pois, que só se possa proceder à liquidação dos tributos num determinado prazo.

A caducidade do direito à liquidação implica que o ato de liquidação emitido e/ou notificado depois do seu decurso padeça de um vício que o inquina, gerador de anulabilidade. Assim, a mesma também não implica a nulidade do ato praticado, mas sim a sua anulabilidade, não sendo, aliás, por isso, de conhecimento oficioso [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de de 19.02.2020 (Processo: 0227/18.9BEFUN), de 23.06.2021 (Processo: 01866/05.3BEPRT 01448/13), de 07.04.2022 (Processo: 0449/19.5BEMDL)].

Assim sendo, a mesma não pode ser invocada a todo o tempo.

A este propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2009 (Processo: 0761/09), onde se refere:

“[A] caducidade aqui em causa não é a adjectiva, do direito à propositura de acção, mas a substantiva, do direito à liquidação, e que consiste no decurso do prazo que o Estado tem para exercer o direito à liquidação de tributos. O decurso desse prazo impede o Estado de proceder à liquidação, pelo que é cometida uma ilegalidade quando o acto de liquidação é efectuado depois de consumada a caducidade, isto é, quando é liquidado um tributo após o decurso do prazo que o Estado detinha para exercitar esse direito.

Deste modo, a liquidação feita depois de esgotado o prazo de caducidade é ilegal, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei. Como se reconheceu no acórdão de 7 de Julho de 2004 do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal «a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade, é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado art. 99.° do CPPT, e que não merece pois tratamento diverso».

(…) Nesta conformidade, e em consonância, aliás, com o entendimento há muito dominante nesta Secção de Contencioso Tributário do STA Cfr. os seguintes acórdãos do Pleno da Secção: de 18 de Junho de 2003, no recurso n.º 503/03; de 7 de Julho de 2004, no recurso n.º 546/02; de 18 de Maio de 2005, no recurso n.º 1178/04. E os seguintes acórdãos da Secção: de 2 de Novembro de 2005, no recurso n.º 361/05; de 18 de Janeiro de 2006, no recurso n.º 680/05; de 29 de Outubro de 2008, no recurso n.º 458/08; de 13 de Maio de 2009, no recurso n.º 264/09., a caducidade do direito à liquidação, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, não existindo razão justificativa para que se submeta o seu conhecimento a um regime diferente do geral, pois que se trata de vício que não importa mais à ordem pública do que os outros de que pode enfermar a liquidação.

(…) [E]ra necessário que o Impugnante tivesse invocado, logo na petição, a violação pela Administração Tributária do disposto no art.º 45.º da LGT, isto é, os factos integradores do vício da caducidade do direito à liquidação. O que, nitidamente não fez.

Pelo que a ulterior invocação do vício, na resposta à contestação da Fazenda Pública, só poderia ser aceite caso se encontrasse preenchido o condicionalismos previsto no art.º 273.º do CPC (ampliação da causa de pedir) ou no art.º 506.º do Código de Processo Civil (articulados supervenientes), face à aplicação subsidiária deste diploma legal (alínea e) do art. 2.º do CPPT)”.

Como tal, ao contrário do que defende o Recorrente, a caducidade do direito à liquidação não é cominada com a nulidade.

A circunstância de a mesma poder ocorrer não implica subsunção na al. k) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA, nem na al. l) da mesma da mesma disposição legal, ao contrário do que sustenta o Recorrente.

Com efeito, a mencionada alínea k) visa salvaguardar, designadamente do ponto de vista tributário, que os atos de liquidação tenham base legal.

Como referido por Fausto de Quadros et al. (Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2016, p. 324) “[a] alínea k) (…) [dá] assim expressão e merecido relevo a uma regra constitucional nos termos da qual os actos de imposição pela Administração de uma obrigação pecuniária aos particulares, designadamente a liquidação de um tributo (imposto, taxa ou outra contribuição), têm como pressuposto necessário a respectiva base legal impositiva”.

Ora, não é disso que se trata in casu, não havendo dúvidas de que as contribuições e cotizações à Segurança Social têm base legal impositiva, situação que visa ser salvaguardada pelo legislador.

Se essas liquidações, com base legal prevista, padecem de vício, designadamente por força do decurso de prazo de caducidade, trata-se de aspeto distinto, que não tem a ver com a ausência de base legal, mas sim com a ocorrência de um vício do ato conducente, como vimos, à sua anulabilidade, nos termos gerais prescritos no n.º 1 do art.º 163.º do CPA.

Já a alínea l) visa abarcar os casos de ausência total de forma, quer do ato, quer do respetivo procedimento, que não se confunde com eventuais ilegalidades que afetem o ato tributário, designadamente com a sua eventual caducidade.

Assim, a circunstância, em abstrato, de uma liquidação ser emitida depois de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação não equivale a falta absoluta de forma legal, mas sim, reiteramos, à ocorrência de um vício do ato conducente, nos termos já referidos, à sua anulabilidade, nos termos gerais prescritos no n.º 1 do art.º 163.º do CPA.

Como tal, não assiste razão ao Recorrente.

Vencido o Recorrente é o mesmo responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a complexidade das questões, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pelo Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 15 de setembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 259.