Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05104/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/14/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. ANTI-ABUSO. ANULABILIDADE. CADUCIDADE. PRESSUPOSTOS.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1.O vício formal da sentença recorrida de oposição entre os seus fundamentos e o resultado alcançado, conducente à declaração da sua nulidade, afere-se pelos concretos fundamentos invocados em que a mesma se esteia, que conduziriam a um resultado oposto ou pelo menos diverso do ali alcançado, que não quando esse resultado se possa fundar em diversa factualidade da considerada provada e que esta tenha postergado;
2. O prazo de caducidade do direito da AT proceder à inspecção no caso específico antiabuso contido no art.º 63.º, n.º1 do CPPT, apenas é de contar do termo dos actos desenvolvidos que os manifestem, os quais funcionam como um todo, já que só nesse momento se encontram preenchidos todos os concretos actos que fundam o direito à liquidação ao seu abrigo por banda da AT;
3. Preenche todos os pressupostos da cláusula antiabuso, a contribuinte que fez interpôr entre si e o cliente final, uma sociedade por si detida na sua maior parte, sem actividade comercial típica e normal e nem património ou qualquer estrutura física, em que os actos praticados não tiveram em vista gerar qualquer lucro para si, enquanto ente autónomo, tendo apenas praticado actos formais de intermediação, que permitiram beneficiar a contribuinte, face ao regime legal de isenção aplicável na zona franca da Madeira em que a mesma se encontrava sediada, tendo por estas operações obtido exactamente o mesmo resultado económico como se tais operações fossem directamente, por si realizadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– A...SGPS, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1ª O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela A...contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2004, mediante a aplicação do nº 2 do artigo 38º da LGT (CGAA).
2ª Entende a Recorrente que a Sentença em referência está ferida de anulabilidade.
3ª Esta resulta, em primeiro lugar, de uma apreciação errada da matéria de facto provada. Com efeito, o Tribunal a quo decidiu no sentido da improcedência da impugnação judicial baseando-se, para tal, numa fundamentação de facto que se encontra em clara oposição com este resultado: para decidir como decidiu, o Tribunal a quo admitiu como provado um conjunto de factos que depois ignorou na construção da sua decisão ou que com ela se revelou incompatível.
4ª Assim, por exemplo, se o Tribunal admitiu como factos provados que a constituição da C...teve como objectivo inicial um interesse organizatório do Grupo, não dominado por razões fiscais, o que explica, aliás, que ela tenha ocorrido alguns anos antes de existir qualquer negócio com a H...; que, em face da instabilidade económica que se fazia sentir em alguns mercados externos, e tendo em conta a debilidade do sistema bancário nacional, o grupo B...decidiu financiar o seu programa de internacionalização através da criação de sociedades localizadas na Zona Franca da Madeira, que ficariam responsáveis por canalizar para cada mercado alvo e para cada negócio os meios financeiros necessários à sua consolidação; que esta estrutura foi escolhida para reduzir o risco de contaminação dos investimentos no exterior à sociedade holding em Portugal; que todas as operações de carácter administrativo e financeiro, no seio do Grupo B..., eram proporcionados por sociedades destinadas a esse fim, pelo que não havia razão para duplicar meios e estruturas nas respectivas sub-holdings; e, finalmente, que a prestação destes serviços externos eram os que se mostravam adequados a uma sociedade como a C..., em função dos activos que detinha e das operações que realizava; como pode depois concluir que “não se vislumbra que a operação em causa tivesse objectivamente qualquer substância económica, limitando-se a mesma a evitar ou reduzir a tributação a que de outro modo estaria sujeita” ou que “a operação em causa poderia, sem outra consequência que não fosse fiscal, ter sido praticada por qualquer outra sociedade do grupo B...” ou ainda que “o único motivo pelo qual os empréstimos foram concedidos pela C...foi para que a operação em causa não fosse tributada como seria caso tivesse sido lC...da a cabo por outra subsidiária da impugnante”?
5ª Estas conclusões apenas se compreendem num contexto em que outros “factos” terão determinado o juízo final da causa: para suportar a decisão que proferiu o Tribunal a quo deve ter-se apoiado em quaisquer outros fundamentos de facto que não especificou – e que, de resto, de modo algum se retiram dos autos –.
6ª Em muitos casos, até, em vez de factos, a Sentença prC...leceu-se de puras especulações e observações tendenciosas, insusceptíveis de operar como base de apoio da tese jurídica com que subjaz à decisão final da causa.
7ª A apreciação errada da matéria de facto tem ainda que ver com a circunstância de o Tribunal a quo praticamente se limitar à reprodução acrítica de partes substanciais do acórdão do TCA – Sul, de 15/02/2011, proferido no âmbito do processo de recurso nº 04255/10, as quais, sobre o tema da CGAA, se limitam à simples descrição geral e abstracta da doutrina mais corrente. Além disso, este acórdão versa sobre uma matéria fáctica distinta da dos presentes autos, e, em rigor, nem sequer discorre a respeito da mesma matéria jurídica, debruçando-se antes e essencialmente sobre uma matéria de natureza puramente procedimental, para cujo tratamento acaba por se bastar com a mera existência de indícios ou cenários de aparência.
8ª Sendo assim, temos, em conclusão, que o Tribunal a quo tomou uma decisão contrária aos factos que reconheceu como provados; para tanto, usou, provavelmente, factos que não especificou, para além de especulações ou apriorismos; e, finalmente, lançou mão de factos e argumentos que correspondiam a um processo distinto daquele a que a situação dos autos dizia respeito, onde se discutiam problemas jurídicos diferentes e uma situação fáctica, embora semelhante, diversa.
9ª O vício que determina, na opinião da Recorrente, a anulabilidade da Sentença recorrida resulta ainda, para além do erro no julgamento da matéria de facto assinalado, de uma interpretação e aplicação inidóneas do Direito aplicável.
10ª Neste domínio, considera a Recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não refuta com argumentos consistentes a alegação, apresentada pela impugnante, segundo a qual teria caducado o direito de utilizar o procedimento especial previsto no nº 1 do artigo 63º do CPPT, sem o que não é possível à Administração aplicar a CGAA. Assim sendo, tendo o processo de inspecção subjacente à liquidação impugnada iniciado em 24/04/2007, e a “interposição” da C...e a celebração de contratos entre esta última e a H...ocorrido em momentos que antecedem em mais de três anos a mencionada data, caducou o direito da Administração fiscal àquele procedimento.
11ª Esta conclusão resulta do facto de, no nº 3 do artigo 63º do CPPT, a referência ao acto ou à celebração do negócio jurídico como marcos a partir dos quais se inicia a contagem deste prazo especial só poder querer abranger, pela forma como se encontra redigido, os actos ou negócios jurídicos realizados através da “utilização de meios artificiosos ou fraudulentos ou realizados com abuso de formas” – os chamados também “actos fraudatórios” – e já não os actos fraudatórios ou abusivos e a obtenção de uma vantagem fiscal, conforme o que ocorra mais tarde.
12ª A leitura do Tribunal Tributário de Lisboa não é esta, contudo. Ela pressupõe que o prazo de caducidade em análise pode contar-se justamente a partir da obtenção de uma vantagem fiscal – que, de resto, pode distar vários anos dos actos alegadamente abusivos –, muito embora seja a “interposição” da C...que verdadeiramente, na perspectiva da Administração fiscal e agora também na sua, constitui um abuso de formas.
13ª Ora, lC...da ao limite, esta tese – que já de si pressupõe uma violação crassa do elemento literal da norma do nº 3 do artigo 63º do CPPT – redunda numa frontal contradição com aquela que parece ser a sua ratio e, assim, numa extensão desmesurada do intervalo temporal de actuação da Administração.
14ª Além disso, se a “interposição” da C...é, como cremos e parece indiciar a própria actuação da Administração fiscal e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o marco decisivo para iniciar a contagem do referido prazo, coloca-se ainda um segundo problema: é que, ao tempo do licenciamento e constituição desta sociedade – i.e., em 3/08/1995 e 16/08/1995, respectivamente –, não se encontrava em vigor o nº 2 do artigo 38º da LGT. Nestes termos, pretender aplicar a estes factos a referida disposição legal da LGT significa obviamente incorrer numa aplicação retroactiva da lei, em violação manifesta do nº 3 do artigo 103º da CRP, ilegalidade que a Recorrente expressamente invocou na impugnação judicial e a respeito da qual o Tribunal a quo não chegou a pronunciar-se directamente, senão num sentido conclusivo e absolutamente não fundamentado.
15ª Ainda quanto ao julgamento da matéria de Direito, considera a Recorrente, em segundo lugar, que o Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de interpretação da norma do nº 2 do artigo 38º da LGT – da sua função e do seu conteúdo –, designadamente por entender que na CGAA se enquadram situações que, de todo, não fazem parte do seu campo de aplicação.
16ª Neste contexto, a decisão recorrida limita-se a sublinhar que dos negócios jurídicos em causa nos presentes autos resultou uma vantagem fiscal que não se verificaria caso eles não fossem realizados (pelo menos com a configuração, conteúdo ou sequência em que o foram), ou se o fossem através de outras subsidiárias da Recorrente, sem, contudo, cuidar de demonstrar por que razão as formas utilizadas se afiguram como artificiosas ou fraudulentas e realizadas em abuso de formas, ao arrepio de um qualquer programa normativo contido, de forma explícita ou implícita, numa determinada norma ou conjunto de normas.
17ª Ora, sendo da natureza das coisas que todos os ganhos realizados pela C..., dentro dos limites legais, seriam isentos de imposto e, mais tarde, naturalmente distribuídos ao respectivo accionista – o qual é uma SGPS –, impor-se-ia ao Tribunal que demonstrasse, no fundo, que a A...não poderia deter a C..., que esta não preenchia as condições para poder beneficiar do regime fiscal que sempre lhe adviria pelo facto de se encontrar licenciada para operar na Zona Franca da Madeira e que esta, enquanto participada daquela, não poderia exercer qualquer actividade lucrativa (a menos que não distribuísse lucros!).
18ª O entendimento da Recorrente é, pois, o de que essa demonstração não foi tentada porque, pura e simplesmente, ela não é possível. É que, em boa verdade, no caso em apreço foram realmente realizados negócios perfeitamente usuais, foram escolhidas formas que cumpriram a sua vocação habitual e desencadearam os seus efeitos típicos, tal como estes foram representados e queridos pelo legislador.
19ª Por um lado, a C...foi constituída na Zona Franca da Madeira com o objectivo de promover a prestação de serviços e de financiamento a entidades não residentes em território nacional, porque a essas actividades, em tal localização, o legislador oferecia condições preferenciais, nomeadamente em termos de tributação. O Grupo B...até poderia ter escolhido outra subsidiária, que não dispusesse desse regime fiscal favorável, mas essa opção não seria minimamente racional: ela representaria a via mais onerosa e implicaria a rejeição – não se sabe em nome de que ideia ou princípio – do incentivo ou convite implicado na própria natureza do regime especial da Zona Franca da Madeira.
20ª Por outro lado, a A...assumiu a forma societária SGPS em resposta a uma proposta do nosso legislador de encorajamento dos empresários portugueses a deterem as participações nas suas sociedades operacionais através de sociedades deste tipo, pelas razões que figuram no preâmbulo do diploma que instituiu este tipo societário (Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro) e tendo em conta o regime fiscal que às mesmas veio a ser oferecido (regime que hoje consta do artigo 32º do EBF) e que contemplava e contempla condições especiais para excluir da base tributável das SGPS os lucros que lhes fossem distribuídos pelas suas subsidiárias, bem como regras favoráveis para a tributação de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais.
21ª Em face do que vai dito, afigura-se que o contribuinte, no caso dos autos, se limitou a responder positivamente às solicitações da política pública de incentivos fiscais. Primeiro, concentrou as suas participações, por sector de actividade, em SGPS, confiado na neutralidade fiscal que a lei assegurava a esta particular forma. Depois, carecendo de constituir uma sociedade operacional destinada ao financiamento e prestação de serviços a entidades sediadas no exterior, escolheu o local a que, em Portugal, corresponde um melhor regime tributário para tal objecto: a Zona Franca da Madeira.
22ª Ao agir como agiu, a A...e a sua participada nortearam-se por propósitos económicos substantivos e racionais, dando cumprimento a um programa normativo de incentivos que o legislador abertamente criou: na situação em apreço não existiu qualquer subversão do sistema jurídico. Este não foi vergado abusivamente à vontade fiscal ilícita do contribuinte, mas utilizado em estrito respeito pela sua intenção mais comum: o caso dos autos não traduz, pois, uma situação artificiosa, fraudulenta ou abusiva, mas tão-só o aproveitamento de uma ausência de tributação que o legislador assim mesmo quis que funcionasse (aquilo que a Doutrina chama de “lacuna consciente de tributação”).
23ª Por último, a decisão recorrida não demonstra que o resultado tributário a que se chega com o acto impugnado é o que se afigura mais próprio da utilização de meios jurídicos adequados ou normais, como é exigido pelas normas legais aplicáveis, sustentando, assim, uma solução fiscal que antes corresponde a uma situação de facto impossível ou ilegal.
24ª É por tudo isto que a Recorrente entende que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo incorre num flagrante vício de fundamentação e erra no julgamento e interpretação do Direito aplicável – nomeadamente, do nº 2 do artigo 38º da LGT e do artigo 63º do CPPT –, chegando mesmo a pôr em causa, de um modo flagrante, princípios de dignidade constitucional, como sejam o princípio da legalidade fiscal e o princípio da liberdade económica.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Não houve contra-alegações.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, encontrando-se a sentença recorrida bem fundamentada, não existir oposição entre os fundamentos e a decisão alcançada, já que o que está em causa é o momento em que a empresa criada C...distribui os dividendos e não o momento da sua criação, não ter ocorrido a apontada caducidade do direito à liquidação, tratando-se da “step transaction doctrine” em que a disposição anti-abuso deve ser aplicada no momento decisivo e final, no caso no momento da recepção dos acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita C...siva, o que aconteceu em 2004, nunca se tendo preenchido tal prazo e desta forma também não havendo aplicação retroactiva de tal norma anti-abuso.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício conducente à sua anulabilidade enquanto funda a decisão alcançada, não na matéria de facto provada, que ignora, mas em outra, e por se ter apropriado, acriticamente, da doutrina de um acórdão deste TCAS; Se quando foi iniciada a inspecção no procedimento anti-abuso já o respectivo direito havia caducado; Se a norma do art.º 38.º, n.º2 da LGT, foi aplicada de forma retroactiva; E se não se verificam todos os pressupostos legais para a recorrente ser tributada ao abrigo da mesma norma anti-abuso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A B..., SGPS, S.A. (adiante B...) é uma empresa holding do grupo B...e encontra-se cotada na bolsa de Lisboa desde 1989, altura em que decidiu promover a expansão das suas actividades na área da distribuição a retalho em Portugal (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 53 dos autos e 251 do PAT e depoimento das testemunhas D... e E...).
2. A B...optou, inicialmente, por uma estratégia de parcerias como forma de partilhar know-how em cada um dos negócios em que actua e, simultaneamente, crescer de forma acelerada, quer organicamente quer através de aquisições (depoimento das testemunhas D... e E...).
3. Esta diversidade de parcerias e negócios determinou a estrutura accionista do grupo, em que a empresa mãe detém várias sub-holdings, na sua maioria SGPS, que, por sua vez, participam, em outras sociedades operacionais ligadas a diferentes negócios (depoimento das testemunhas D... e E...).
4. A A...corresponde à sub-holding criada para a área da distribuição a retalho, ascendendo o respectivo capital social em 2003 a EUR 330.000.000,00, partilhado entre a B...em 51% e a F...NV em 49% (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 54 dos autos e 252 do PAT e depoimento das testemunhas D... e E...).
5. A A...é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), que tem como objecto legal a gestão de participações noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividade económica (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 54 dos autos e 252 do PAT).
6. Em meados da década de 90 o grupo B..., que já anteriormente tinha começado a investir no estrangeiro, decidiu dar início a um processo de internacionalização de forma mais célere e sustentada, nomeadamente através de investimentos na República Polaca, na República Federativa do Brasil e no Reino Unido (depoimento da testemunha D...).
7. Num primeiro momento, a intenção do grupo B...era a de financiar os investimentos estrangeiros através do recurso ao mercado financeiro local, por se ter entendido que seria uma forma natural de prevenir o risco de câmbio (depoimento da testemunha D...).
8. No grupo B...entendeu-se que existia instabilidade económica dos países de investimento, nuns casos, e falta de liquidez dos bancos locais e entraves à obtenção de financiamento por parte de empresas em início de actividade, noutros casos, que determinavam a inversão dos planos iniciais e a criação de alternativas de obtenção de fundos (depoimento da testemunha D...).
9. O grupo B...decidiu financiar o negócio da distribuição a retalho no estrangeiro através da intermediação de sociedades por ter entendido que tal estratégia permitia num primeiro momento absorver o impacto negativo nos resultados do grupo B...que pudesse advir de uma eventual frustração do investimento internacional realizado, sem contaminar a sociedade holding em Portugal (depoimento da testemunha D...).
10. O grupo B...optou por estruturar o financiamento da actividade nos diversos países de investimento através da criação de sociedades localizadas na zona franca da Madeira, cada uma das quais destinada a servir um diferente mercado de investimento, por ter entendido que tal circunscreveria o risco que considerava existir (depoimento da testemunha D...).
11. O grupo B...pretendia assim encontrar uma estrutura de financiamento dos investimentos internacionais operacionalmente eficaz, que minimizasse o risco de contaminação em caso de frustração do investimento internacional das sociedades nacionais e que assegurasse um bom nível de competitividade do grupo no mercado internacional (depoimento da testemunha D...).
12. O grupo B...pretendia que estas sociedades localizadas no âmbito da zona franca da Madeira tivessem o objectivo de prestarem serviços a outras subsidiárias, nomeadamente serviços de financiamento do investimento externo, com o natural aproveitamento das vantagens fiscais que lhes eram oferecidas pelo sistema tributário nacional (depoimento da testemunha D...).
13. Em 16 de Agosto de 1995 foi criada a “C...– Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários Limitada” (adiante designada C...), tendo por objecto a prestação de serviços nas áreas contabilística e económica, elaboração de estudos económicos e de análise, assim como consultoria nas referidas áreas, gestão da sua carteira de títulos próprios e compra de imóveis para revenda na ZFM (cf. certidão da CRC da zona franca da Madeira em anexo 2 ao relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 100-108 dos autos e 298-305 do PAT).
14. No momento da sua constituição o capital da C...era detido pela “Estabelecimentos B...& Filho SGPS, SA” e pela “A...– Gestão de Empresas de Retalho, SGPS, SA”, que eram seus únicos sócios (cf. certidão da CRC da zona franca da Madeira em anexo 2 ao relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 100-108 dos autos e 298-305 do PAT).
15. A autorização para exercer a sua actividade na ZFM foi concedida por Despacho do Secretário Regional da Economia e Cooperação Externa, em 01.08.1995, tendo a respectiva licença sido emitida ao abrigo do disposto no artigo 4.º do Regulamento aprovado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 21/87/M, de 5 de Setembro, por Delegação, pela concessionária “SDM - Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A.”, em 03.08.1995, sob o n.º 01900, por prazo indeterminado (cf. licença em anexo 3 ao relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 109 dos autos e 306-307 do PAT).
16. A C...acabou por orientar a sua actividade no sentido do investimento em obrigações de uma sociedade estrangeira, a H...INVESTMENTS, exterior ao grupo JM (depoimento das testemunhas D... e G...).
17. Em 19 de Setembro de 1997, foi celebrado um contrato de empréstimo obrigacionista entre a C...a H...INVESTMENTS (adiante designada H...), residente nas ilhas Channel, mediante o qual a C...acordou emprestar à H...o montante de EUR 399.038.317,65 (PTE 80.000.000.000), sendo a taxa de juro e a data de maturidade do empréstimo acordada de 6,586% ao ano e 19 de Setembro de 2007, respectivamente, ocorrendo o pagamento dos correspondentes juros em 19 de Março e 19 de Setembro de cada ano (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 68 e respectivo anexo 8 a fls. 117 dos autos e 266 do PAT e art. 54.º da PI a fls. 15 dos autos).
18. Em 21 de Setembro de 1998, foi celebrado um contrato de empréstimo obrigacionista entre a C...a H...mediante o qual a C...acordou emprestar à H...o montante de EUR 74.819.684,56 (PTE 15.000.000.000), remunerado à taxa de juro anual de 4,976% e reembolsável em 19 de Setembro de 2007, ocorrendo o pagamento dos correspondentes juros em 19 de Março e 19 de Setembro de cada ano (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 68 e respectivo anexo 8 a fls. 117 dos autos e 266 do PAT e art. 54.º da PI a fls. 15 dos autos).
19. Em 20 de Setembro de 1999, 19 de Setembro de 2000 e 19 de Setembro de 2001, são formalizados três novos contratos de empréstimo entre a C...e a H..., cada um pelo montante de EUR 74.819.684,56, vencendo juros à taxa anual de 5,836%, 6,226% e 5,141%, respectivamente sendo todos reembolsáveis em 19 de Setembro de 2007 ocorrendo o pagamento dos correspondentes juros em 19 de Março e 19 de Setembro de cada ano (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 69 e respectivo anexo 8 a fls. 117 dos autos e 267 do PAT e art. 54.º da PI a fls. 15 dos autos).
20. A C...não dispunha de qualquer estrutura física e humana sendo todos os serviços administrativos e financeiras desta sociedade assegurados pelos departamentos da holding ou sub-holding - B...ou A...- e pela I... Investment Serviços, S.A. (cf. art. 59.º, da PI; depoimento das testemunhas J..., G... e K...).
21. A B...e a A...possuem uma estrutura central que presta apoio financeiro, jurídico, e fiscal aos vários negócios e empresas do grupo B...em Portugal e no estrangeiro (depoimento das testemunhas J..., G... e K...).
22. Até 20 de Setembro de 2004, data a partir da qual ocorreu uma mudança na política de distribuição integral dos lucros aos sócios, sempre que a C...dispunha de lucros o seu accionista providenciava a sua distribuição (depoimento das testemunhas D..., J... e K...).
23. Por despacho do Director-Geral do IRC do Ministério das Finanças de 29 de Maio de 2003 foi, em resposta a pedido de informação vinculativa relativamente a “eliminação de dupla tributação económica”, foi “sancionado o seguinte entendimento” (cf. fls. 230 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
(…)
- Estando em presença de uma isenção objectiva, parcial, e temporária, desde que se mostrem observados todos os requisitos igualmente previstos, nada obsta a que se aplique a dedução prevista no n.º 1 do artigo 46.º do Código do IRC.
Este entendimento, que encontra acolhimento da letra e no espírito da própria norma, foi divulgado pela Direcção Geral dos Impostas através da Circular n.º 4/91 de 30 de Janeiro.
- Estando em causa uma sociedade gestora de participações sociais não seria necessário o preenchimento dos requisitos atinentes à percentagem da participação (o requisito relativo ao período de detenção que antes era dispensado, passou a ser exigível após a publicação da Lei do QE para 2003, que alterou n.º 1 do artigo 31.º da EBF) - que apesar de tudo se verificam - tal e como determina o artigo 31.º do Estatuto dos Beneficias Fiscais.
- Em face do quadro legal em vigor e da posição reiterada da administração fiscal sobre o assunto, resta-nos confirmar o entendimento constante do pedido de informação, no sentido de que, verificados que estejam todos os requisitas legalmente exigidos, nada obsta a que a dedução a que se refere o artigo 46.º do Código do IRC aproveite à entidade requerente relativamente aos dividendos que vier a receber da sua participada L...— Sociedade de Investimentos e Imobiliários LDA.
24. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200600544 de 2 de Janeiro de 2007, foi realizada uma acção de inspecção externa à ora impugnante respeitante ao exercício de 2004 (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 52 dos autos e 250 do PAT).
25. O procedimento de inspecção teve início em 24 de Abril de 2007 (cf. relatório n.º 04/COM1/2007, a fls. 52 dos autos e 250 do PAT).
26. A ora impugnante exerceu o seu direito de audiência prévia em 7 de Agosto de 2007, depois de ter tido conhecimento do projecto de relatório de inspecção (cf. cópia do projecto de relatório e cópia do documento mediante o qual a impugnante exerceu o direito de audição prévia, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, respectivamente a fls. 148-186 e 187-229 dos autos).
27. Em 28 de Agosto de 2007 foi emitido pelos serviços da divisão de inspecção a empresas não financeiras I da direcção de serviços de inspecção tributária da direcção-geral de impostos o relatório n.º 04/COM1/2007 “para os efeitos do disposto no n.º 7 do art. 63.º do CPPT”, tendo por assunto “Transformação de proveitos relativos a juros obtidos em proveitos inerentes a lucros distribuídos por empresa participada instalada na Zona Franca da Madeira. Aplicação das normas anti-abuso previstas no art. 38.º da LGT através da aplicação do procedimento previsto no art. 63.º do CPPT” cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 50-143 dos autos e 248 e segs. do PAT).
28. No relatório melhor identificado no ponto anterior, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, lê-se, além do mais, o seguinte (cf. fls. 50-143 dos autos e 248 e segs. do PAT):
(…)
2.2. Empréstimos concedidos pela C...à H...INVESTMENTS (ver anexo 6 fls. 16)
1. Em 19-09-1997, foi celebrado um contrato de empréstimo obrigacionista entre a sociedade C...(cujo capital é detido em 89% pela A..., 561% pela B...e 5,39% pela M..., NV) e a empresa H...INVESTMENTS, residente nas Ilhas Channel (anexo 8, fls. 19 e 20), mediante o qual a primeira acordou emprestar à segunda o montante de € 399.038317,65 (80.000.000.000$00). A taxa de juro e a data de maturidade do empréstimo acordados, foram de 6,586% ao ano e 19-09-2007, respectivamente. O pagamento dos correspondentes juros ocorre em 19 de Março e 19 de Setembro de cada ano.
2. Por forma a dar cumprimento ao referido contrato, a A..., a título de realização de prestações suplementares de capital, efectuou na mesma data (19-09-1997), através do N..., uma transferência de igual montante para a conta da C...no N...- N...- Unie NV (doravante designado por N...) (anexo 9, fls. 21 a 24), a qual teve como origem de fundos, o valor recebido da O..., em resultado da alienação das participações financeiras detidas no P...e no Q...(anexo 10. fls. 25 e 27).
3. Na mesma data de 19 de Setembro de 1997, a C..., transfere, através do N..., a importância em causa (€ 399.038.317,65) para a conta da empresa H...INVESTMENTS naquele banco (anexo 11, fls. 28 a 31 e anexo 12, fls. 32).
4. Em 21-09-1998, foi formalizado novo contrato de empréstimo entre a C...e a H...INVESTMENTS, pelo montante de 74.819.684,56 (15.000.000.000$00, remunerado à taxa de juro anual de 4,976% e reembolsável em 19-09-2007. O pagamento dos correspondentes juros ocorrerá em 19 de Março e19 de Setembro de cada ano (anexo 8, fls. 19 e 20).
5. À semelhança do verificado em relação ao primeiro empréstimo, a A..., a título de realização de prestações suplementares, transfere em 21-09-1998, através do N..., a verba de € 74.819.684,56 para a conta bancária da C...no N...(anexo 9, fls. 21 a 24). Igualmente em 21-09-1998 e pela mesma importância (74.819.684,56 €) é efectuada, através do N..., uma transferência bancária por parte da C...para a conta da H...NVESTMENTS naquele banco (anexo 11, fls. 28 a 31).
6. Nas datas de 20-09-1999, 19-09-2000 e 19-09-2001, são formalizados três novos acordos de empréstimo entre a C...e a H...INVESTMENTS, cada um pelo montante de € 74.819.684,56, vencendo juros a taxa anual de 5,836%, 6,226% e 5,141%, respectivamente (anexo 8, fls. 19 e 20), sendo todos reembolsáveis em 19-09-2007. O pagamento dos correspondentes juros ocorre em 19 de Março de Setembro de cada ano.
7. A cobertura financeira destes três últimos empréstimos de financiamento à H...INVESTMENTS, foi igualmente assegurada pela A..., através da realização de prestações suplementares de capital à sociedade C..., mediante o envio das importâncias em questão em cada uma das referidas datas por transferência da sua conta no N... para a conta da C...no N...(anexo 9, fls. 21 a 24 e anexo 10, fls. 25 a 27).
Nas mesmas datas em que ocorreram as transferências bancárias a favor da C..., por parte da A...(20-09-1999, 19-09-2000 e 19-09-2001), foram efectuadas a transferências bancárias da conta da C...para a conta da H...INVESTMENTS - (anexo 11, fls. 28 a 31).
8. Importa destacar que as prestações suplementares de capital efectuadas em 21-09-1998, 20-09-1999, 19-09-2000 e 19-09-2001 pela A...à C..., no valor de 74.819.684,56 € cada, tiveram como origem de fundos, as quantias de igual montante transferidas naquelas datas pela O... para a conta da A..., a título de reembolso de prestações suplementares (anexo 7 fls. 17 e 18 e anexo 10, fls. 25 a 27).
9. Os factos descritas nos parágrafos anteriores, permitem constatar que os cinco empréstimos concedidos em cada um dos exercícios de 1997 a 2001 pela C...à entidade no residente H...INVESTMENTS, no total de € 698.317.055,93 (140.000.000.000$00), corresponderam a igual número de transferências de capital efectuadas pela A...à C..., com as mesmas data-valor, a título de realização de prestações suplementares de capital (anexo 13, fls. 33, anexo 14, fls. 34 e anexo 15, fls. 35 a 38).
10. Os empréstimos concedidos à H...INVESTMENTS, renderam juros à C...reflectidos contabilisticamente como proveito nos exercícios de 1997 a 2004, os quais ficaram isentos de IRC face ao regime de tributação da empresa, cujo valor ascendeu a € 43.053.688,53 € em 2002, € 43.053 688,61 em 2003 e € 43.171.643,82 em 2004 (anexo 16, fls. 39 e 40).
(…)
3. APLICAÇÃO DAS NORMAS ANTIABUSO:
3.1. A Lei Geral Tributaria (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei 398/98 de 17 de Dezembro, entrada em vigor em 01-01-99, contemplava no seu art. 38.º uma cláusula antiabuso com a seguinte redacção:
“A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta a tributação, no momento em que esta dC...legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.”
Com a Lei n.º 100/99 de 26 de Julho, o referido art. 38 da LGT, passou a ter a seguinte redacção:
“1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta a tributação, no momento em que esta dC...legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.
2- São ineficazes os actos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dos, impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que, a tributação recai sobre estes últimos.
Posteriormente, com a Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro, foi novamente modificada a redacção do n.º 2do art. 38.º em questão, que passou a referir:
“São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem a utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Por outro lado, a disposição que o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPT) consagra à aplicação das normas antiabuso, nomeadamente através do artigo 63.º e no seu n.º 2 que as disposições anti abuso consistem em: “quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”
Esta legislação tem aplicabilidade sempre que as empresas praticam uma série de actos anómalos, desadequados face ao fim económico pretendido, mas que em si mesmo são legais e produzem o mesmo resultado económico (mas não fiscal) dos actos usuais e adequados que estão definidos nas normas de incidência de IRC.
3.2. Os actos que a Administração Tributária classifica como inseridos no n.º 2 do art. 38.º da Lei Geral Tributaria, não têm como propósito a poupança fiscal, mas sim uma actuação contra os fins essenciais do ordenamento jurídico-tributário. O que se pretende neste caso é combater a elisão fiscal, concretizada em actos jurídicos formalmente lícitos. De factos os lucros distribuídos ela C...à A..., constituem a prática de um acto com a intenção de obter rendimentos isentos de tributação, através de um acto jurídico formalmente lícito, que de outra forma, mais concretamente sob a forma de juros obtidos, estariam sujeitos a efectiva tributação.
De acordo com a legislação descrita, os lucro distribuídos pela C...à A..., constituem actos dirigidos, por meios artificiosos, através da utilização desnecessária da empresa C..., e com abuso das formas jurídicas, à eliminação de imposto que seria devido se os juros provenientes dessa aplicação de capital fossem devidamente contabilizados na esfera da A..., e que sem a utilização de uma empresa, sua participada, que beneficia de um regime fiscal temporário e favorável, seriam correctamente tributadas em sede de IRC na esfera da A..., na medida em que concorreriam para a formação do seu resultado fiscal.
Efectivamente, a JM ao transformar os juros do capital que aplica, em lucros distribuído por uma empresa sua participada isenta de IRC, produz um efeito de fuga ao imposto, pois este seria exigido se a empresa tivesse optado por uma aplicação directa, com resultados económicos equivalentes. No caso em concreto, a A...obtém rendimentos sob a forma jurídica de lucros que lhe foram distribuídos, quando na realidade os mesmos consistem pura e simplesmente em juros resultantes dos cinco empréstimos efectuados à empresa H...lNVESTMENTS.
A utilização da C...nestas operações financeiras não constitui qualquer mais-valia incorporando este conceito qualquer vantagem negocial que a sua intervenção pode acarretar para qualquer das partes intervenientes, numa clara alusão de que a sua utilização teve como única e principal finalidade um aproveitamento abusivo das forma legais com o intuito de obter rendimentos, que sem o uso de tais formas, ficariam sujeitos tributação.
3.3. A utilização da C...na celebração dos referidos contratos de empréstimos, teve um único, claro e inequívoco objectivo: a eliminação da carga fiscal sobre os respectivos juros, traduzida, na esfera da A..., numa redução significativa da base tributável a tributar nos exercícios de 1998 a 2004.
Com efeito, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 46.º do CIRC, a A..., deduziu para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2004, os lucros distribuídos pela C..., contabilizados em proveitos, no total de € 38.373.240,00 (incluídos no montante de € 39.105.576,74, inscrito no campo 232 - dedução do quadro 07 da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC), operando assim uma redução de igual montante no valor a tributar naquele exercício. De notar que o lucro tributável declarado em termos individuais no exercício de 2004 pela A..., foi de € 2.975.521,66.
3.4. A C..., conforme descrito no segundo parágrafo do ponto 1.4.3 deste relatório está habilitada a desenvolver diversas actividades de índole económico-financeiras. Contudo a única actividade que a sua contabilidade regista consiste na aplicação que a mesma faz das prestações suplementares de capital entregues pela sócia maioritária A...(89%). Conforme já referido na alínea 8 do ponto 1.6, as aplicações de tesouraria efectuadas pela C...nos exercícios de 1998, 1999 e 2001 e que lhe renderam juros nos valores de € 50.392,53, € 31.559,21 e € 28.062,63, encontram-se também directamente relacionados com a dita aplicação das prestações suplementares de capital realizadas pela A..., uma vez que são resultantes da aplicação dos juros recebidos da H...INVESTMENTS, enquanto estes não são distribuídos aos sócios sob a forma de lucros.
Nos pontos seguintes ficará demonstrado o quanto era dispensável o envolvimento da C...nas operações financeiras de que tomou parte, a saber:
3.4.1. A C...tem como única actividade a concessão de empréstimos financeiros à entidade não residente H...INVESTMENTS. O capital emprestado tem como única exclusiva origem de fundos, o valor das prestações suplementares de capital realizadas pela sócia maioritária, A.... Essa actividade gera rendimentos sob a forma de juros que no próprio exercício (lucros antecipados), e no exercício seguinte, após deliberação tomada em Assembleia Geral, são distribuídos aos respectivos sócios sob a forma jurídica de participação nos lucros, proporcionalmente à quota-parte detida no capital social, ou seja, 89% para a A..., 5,61% para a B...e 5,39% para M....
3.4.2. Em termos concretos a C...obtém um rendimento mínimo com os empréstimos concedidos que celebra, senão vejamos:
a) a A...transfere da sua conta no N...-AMRO Bank, NV-Sucursal em Portugal, um determinado montante com uma determinada data valor, para uma conta do N...-Hollandsche Bank Unie, cujo titular é a C.... Dessa conta a C..., efectua para outra conta do N..., cujo titular é a H...INVESTMENTS, uma transferência pelo mesmo montante e com a mesma data valor. Nestas operações de transferência de capital de umas contas para as outras, uma vez que a data valor e os montantes envolvidos são iguais, a C...não obtém qualquer juro pela permanência do capital na sua conta. Conforme já referido na alínea d) do ponto 2.4., a H...INVESTMENTS, não efectuou até à data de 31-12-2004, nenhum reembolso dos empréstimos concedidos pela C....
b) o rendimento que esse capital aplicado gera à C..., também ele não tem reflexos visíveis na contabilidade desta empresa. De acordo com o anexo 18, fls. 44, é possível constatar que os resultados líquidos apurados nos exercícios de 2003 e 2004 pela C..., correspondem em média a 100,00% dos juros obtidos com os empréstimos concedidos à H...INVESTMENTS e que os resultados líquidos apurados até ao exercício de 2003, inclusive, foram distribuídos praticamente na sua totalidade aos seus sócio (A..., B...e M...).
Conforme já referido no ponto 7 do ponto 2.3 do presente documento, a partir de 20-09-2004 (data em que ocorreu a distribuição antecipada de lucros do próprio exercício de 2004 aos sócios), a sociedade C...deixou de adoptar uma política de distribuição integral dos lucros obtidos aos sócios, passando a aplicar em reservas livres, o resultado disponível do exercício de 2004 (€ 28.779.085,33, após dedução da respectiva distribuição antecipada, no valor de € 14.388.000,00, bem como o resultado total do exercício de 2005 (23.148.624,63 €).
c) para além das razões supra invocadas e dado que a C...não apresenta necessidades de tesouraria, facilmente se constata que as prestações suplementares de capitai apenas se revelam necessárias, na medida da concessão de empréstimos que a C...faz à H...INVESTMENTS e que poderiam ser concedidos directamente pela A....
d) da análise da estrutura do Balanço e da Demonstração de Resultados, da sociedade C..., no período de 1997 a 2004, conjugado com a informação prestada por escrito em resposta à notificação pessoal efectuada em 15-02-2007, verifica-se que a mesma não possui quaisquer meios físicos na sede social (inexistência de valores registados nas contas 42 “Imobilizações Corpóreas” e 44 “Imobilizações em Curso”), consubstanciada na ausência de instalações próprias ou arrendadas para efectuar “prestações de serviços nas áreas contabilística e económica, elaboração de estudos económicos e de análise, assim como consultadoria, nas referidas áreas, gestão da sua carteira de títulos próprios e compra de imóveis para revenda”, conforme descrição do objecto da sociedade constante da certidão emitida em 05-07-2006 pela Conservatória do Registo Comercial da Zona Franca da Madeira.
e) relativamente a meios humanos também facilmente se constata que a C...não procedeu à contratação de ou subcontratação de funcionários ou empresas especializadas na área de Recursos Humanos. De facto, na Demonstração de Resultados, relativa aos exercícios de 1997 a 2004, não consta qualquer custo com pessoal afecto à Empresa (a conta 64 “Custos com Pessoal” não evidencia o registo de valores), a que acresce o facto de os gerentes nomeados quer pela A...quer pela B..., terem sido no decurso dos seus mandatos, renumerados em sede de IRS - categoria A - trabalho dependente, pela B...ou pela B...Serviços, detida a 100% por aquela, não auferindo, de acordo com as actas das Assembleias Gerais qualquer remuneração pelo exercício das funções inerentes ao cargo de gerente da C....
No que respeita aos Técnicos de Contas responsáveis pela contabilidade da sociedade C..., no período de 1997 a 2004, constata-se que os mesmos foram igualmente durante o exercício das suas funções remunerados em sede de IRS - categoria A - trabalho dependente, pela B...ou pelas sociedades A...e B...Serviços, participadas por aquela, em 51% e 100%, respectivamente.
Estes factos mostram inequivocamente que os serviços de gestão e contabilidade são efectuados pelas empresas do Grupo B..., mais concretamente nas suas instalações e pelos seus funcionários. Esta situação é corroborada pela análise efectuada às facturas emitidas pela NMIS (empresa onde se encontra instalada a sede da C...), onde apenas são debitados à C..., os custos associados a: despesas com faxes, selos, entrega de modelo 22, fotocopias, prestação de serviços de secretariado inerente a estes custos e o valor relativo à sede social.
3.4.3 Adicionalmente, acresce o facto de, em Assembleia Geral e nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 4.º do Contrato de Sociedade, a C..., através dos sócios A..., B...e M..., deliberar a obrigatoriedade de ela própria e apenas ela (A...), efectuar prestações suplementares. Esta situação conjugada com a coincidência de datas entre realização das referidas prestações suplementares pela A...e a concessão de empréstimos efectuados pela C...a H...INVESTMENTS, evidencia que a A...é a entidade decisora e gestora destas operações de financiamento.
3.4.4. O envolvimento de pessoas do, Grupo B...ligadas a estas operações financeiras é tão elC...do, que não existe outra razão que não a fiscal para a utilização da C...como parte interveniente nestes negócios.
Esse envolvimento estendeu-se diversas fases das que fazem parte destas operações. de investimento, nomeadamente:
a) na celebração dos dois primeiros contratos de empréstimo entre a C...e a H...INVESTMENTS (19-09-1997 e 21-09-1998, assinam por parte da C..., os senhores E... e R..., que fazendo parte do corpo de gerentes da C..., foram remunerados em sede de Categoria A de IRS - Trabalho Dependente ou pela B...ou pela B...Serviços, S.A. participada directamente em 100% por aquela.
Para além de serem gerentes da C..., os referidos senhores, pertenciam igualmente a quadro de administradores da Recheio S..., SA e da B...Serviços, SA, respectivamente, empresas estas participadas maioritariamente pela B...conforme já referido anteriormente.
b) no contrato celebrado em 20-09-1999 entre a C...e a H...INVESTMENTS, assinaram por parte da C..., o Senhor E... e o Sr. D..., com a particularidade deste último nunca ter feito parte do corpo de gerentes da C..., mas sim do quadro de administradores da A...no período de 1993 a 2001, tendo ainda integrado o corpo de gerentes da sociedade T...- Sociedade de investimentos Mobiliários e Imobiliários, LDA, nos anos de 1993 a 2001 (25 de Setembro) e da sociedade U...- Sociedade de Investimentos Mobiliários e Imobiliários, LDA, no período de 16-05-2001 a 20-09-2001, ambas igualmente sedeadas na Zona Franca da Madeira e detidas directamente a 100% pela B.... O Senhor D..., auferiu vencimentos no âmbito da categoria A de IRS - Trabalho Dependente, nos anos de 1998 a 2001, pela B...Serviços, participada em 100% pela B..., tendo ainda sido remunerado pela B..., em sede da categoria B de IRS - —Trabalho Independente, nos anos de 1996, 1999, 2000 e 2001.
c) quanto aos dois últimos contratos de empréstimos efectuados em 19-09-2000 e 19-09-2001, para além de terem envolvido, a assinatura do Senhor D..., anteriormente referido, foram ainda assinados pelos gerentes da C..., os Senhores V...e J..., respectivamente em 19-09-2000 e 19-09-2001, os quais auferiram vencimento da categoria A do IRS na B...ou na B...Serviços, SA. O Senhor V..., pertencia igualmente ao quadro de Administradores da O...-Gestão e Consultaria Para a Distribuição a Retalho, SA - NIPC: 502 814 381, cujo capital social é totalmente detido pela A....
De referir ainda, que em alguns casos, se verifica que a informação que é enviada pela A...para o N..., nos exercícios de 1997, 1998 e 1999, no sentido de esta instituição proceder à transferência de capital da sua conta para a conta da C..., tem a assinatura de gerentes da própria C..., e que a informação que é enviada para o N..., no exercícios de 2000 e 2001, no sentido desta instituição proceder à transferência de capital entre a conta da C...e a conta da H...INVESTEMENTS, contém igualmente assinatura de um administrador da A....
3.4.5. A C...ao não dispor de quadros (especializados ou não), e ao não subcontratar qualquer entidade externa ficaria necessariamente inibida de realizar as operações atrás descritas. Mas na realidade estas operações foram de facto realizadas, tal como anteriormente ficou demonstrado. Contudo, e tal como se provou inequivocamente, esta operações foram pensadas e implementadas pelos sócios da sociedade, na medida em que esta nunca possuiu ou possui capacidade, know-now e meios humanos para lC...r a cabo a concessão/celebração e posterior gestão destes financiamentos que em seu nome efectuou.
À situação descrita no parágrafo anterior, acresce o facto de a C...não ter, nem nunca ter tido, qualquer capacidade física ou funcional, para desenvolver uma actividade. Nesse sentido, é inequívoco que as aplicações de capital efectuadas pela C..., são na realidade aplicações de capitais eminentemente da A....
3.5. Nesta fase, importa realçar e clarificar que não é a constituição da C..., enquanto empresa, que a Administração Tributária coloca em causa, mas tão somente os juros que ela regista na sua contabilidade como sendo seus quando na realidade pertencem na totalidade à A...que os incorpora nos seus proveitos sob a forma de lucros distribuídos pela C.... Importa ainda salientar que a A..., poderia por si só efectuar os empréstimos à H...INVESTMENTS, uma vez que, quer os meios financeiros, quer os meios humanos, quer ainda os meios estruturais são sua pertença ou das entidades que a controlam (B...).
Nesse sentido, o acto jurídico(1) colocado em questão pela Administração Tributária, encontra-se relacionado com o recebimento de lucros por parte da A..., que deveriam contudo, face ao elementos provados no presente relatório, consubstanciar-se como recebimentos de juros.
Face a esta situação, a A...procedeu indevidamente à dedução do referido proveito (lucro distribuído pela C...) por força de um normativo legal que não terá aqui aplicabilidade (art. 46.º do CIRC), não concorrendo as importâncias recebidas para a formação do resultado fiscal, quando de facto deveriam as mesmas influenciar positivamente aquele resultado.
4. CONCLUSÕES
4.1. Perante os factos descritos exaustivamente nos parágrafos anteriores e atendendo, nomeadamente a que:
a) A C...não possui qualquer tipo de estrutura física, própria ou arrendada;
b) A C...não contratou ou subcontratou pessoal para realizar tarefas próprias e subjacentes a qualquer dos negócios constantes do objecto social da empresa;
c) Os seus gerentes foram e/ou são funcionários das empresas que constituem o grupo B...;
d) Eram os gerentes que detinham o Know-How para a celebração dos contratos de empréstimo entre a C...e a H...INVESTMENTS, pois quando os mesmos foram celebrados, os gerentes da C...desempenhavam nas referidas datas, funções como quadros superiores do grupo B...;
e) Foram emitidas pela A..., ordens de transferência ao N..., assinadas por gerentes da C..., respeitantes a transferências efectuadas a título de prestações suplementares capital para a conta da C...no N.... Por outro lado, foram emitidas pela C..., ordens de transferência ao N..., que incluem também a assinatura de gerentes da A..., respeitantes a transferências efectuadas para a conta da H...INVESTMENTS naquele banco, resultantes da concessão de empréstimos.
f) Os proveitos gerados na esfera da C...desde o início da sua actividade, até ao exercício de 2003, inclusive, não tiveram como finalidade incrementar a estrutura económica financeira da empresa, dado os mesmos terem sido transferidos na sua totalidade para o seus sócios, A...(89%), B...(5,61%) e M..., NV - Antilhas Holandesas (5,39%).
Idêntica conclusão se poderá retirar relativamente à parte dos juros pagos em 2004 pela H...INVESTMENTS, reflectidos contabilisticamente como proveito do exercício de 2004 pela sociedade C...e que serviram de base à distribuição antecipada de lucros do exercício de 2004, em 20 de Setembro do referido ano, pelo montante de € 14.388.000,00.
Conclui-se que os contratos que a C...celebrou, relativos a concessão de empréstimos à sociedade H...INVESTMENTS, poderiam ter sido perfeitamente celebrados pela A..., não acarretando esse cenário qualquer desvantagem para a A...que não fosse a tributação em sede de IRC dos juros provenientes desses contratos que necessariamente iria receber. Neste contexto, não pode a A...invocar qualquer outra razão, seja ela de natureza financeira, comercial ou outra, que não seja a fiscal, para a utilização da C...como intermediária nestas operações de aplicação de capital.
Claramente fica comprovado que a intervenção da C..., na aplicação de capital por parte da A...em empresa não residente, é completamente desnecessária e que a A..., utilizou para o efeito, uma empresa sua participada instalada na Zona Franca da Madeira, para desse facto isentar de imposto, proveitos que contabilizados devidamente e tratados sob a forma jurídica normal, na esfera da A..., seriam tributados em sede de IRC.
4.2. De referir, novamente, que a Administração Tributaria não coloca em causa a utilidade o necessidade de os contratos terem sido celebrados, ou tão pouco os meios postos em prática para a sua realização. O que a Administração Tributária não aceita é a manipulação da forma jurídica de que foram alvo os rendimentos provenientes da aplicação de capitais por parte A..., quando esta os classifica na sua esfera como lucros distribuídos pela C...e não como juros.
Os rendimentos que contribuíram para a formação dos lucros distribuídos pela C...à A...é 2004, respeitam a juros obtidos com a concessão de empréstimos, pelo que os mesmos deveriam constituir proveitos financeiros da A..., em observância ao estipulado na alínea c) do n.º 1 do art. 20.º do CIRC influenciando dessa forma positivamente e por igual montante, o respectivo lucro tributável (sem possibilidade de dedução no Quadro 07 da declaração rendimentos, mod 22 de IRC).
Os factos acima expostos, consubstanciam que os montantes atribuídos a título de lucros distribuídos pela C...à A..., correspondem à remuneração da aplicação de capital por parte da A..., com a obrigatoriedade de o proveito subsequente ser efectivamente tributado em sede de IRC, na sua esfera, nomeadamente nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 20, do CIRC.
4.3. No âmbito do procedimento adoptado pelo sujeito passivo, descrito nos pontos anteriores, foi indevidamente deduzido para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2004 (Campo 232 do quadro 07 da declaração de rendimentos, mod. 22 de IRC), o valor relativo aos “lucros distribuídos” pela C..., no montante de € 38.373.240,00
4.4. Conforme já mencionado no sub ponto 7 do ponto 2.3 e na alínea b) do ponto 3.4.2 deste relatório, no exercício de 2005, a sociedade C...não procedeu a distribuição de lucros aos seus sócios, pelo que apesar de os empréstimos em questão continuarem em vigor à data de 31-12-2004 e continuarem a produzir rendimentos inerentes a juros, a empresa A...não concretizou em 2005, nenhuma dedução relativa a juros distribuídos pela C..., nos termos do art. 46.º do CIRC.
Neste contexto, importa ainda realçar de que em 30-06-2005, foi efectuada uma transferência de fundos a favor da C..., através do Banco Comercial Português, no valor de € 710.348.497,74 correspondente ao valor total dos empréstimos efectuados à H...INVESTMENTS (€ 698.317.055,89), acrescidos dos juros corridos no período de 21-03-2004 a 30-06-2005 (€ 12.031.441,85).
De acordo com os documentos “Notes Transfer Form”, os cinco empréstimos concedidos pela C...à H...INVESTMENTS, no total de € 698.317.055,93 (€ 698.317.055,89 + € 0,04 de arredondamentos) foram transferidos do nome daquela sociedade para o nome da B...Finance Company (2) Limited, localizada em Dublin – Irlanda.
4.5. Os relatos anteriormente apresentados permitem enquadrar os actos no estatuído no n.º 2 do art. 38.º da Lei Geral Tributária, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos de aplicação da cláusula geral anti abuso, consubstanciados em diversos elementos, que no entender de X...(2), são quatro:
- a forma utilizada - elemento meio;
- a vantagem fiscal e a equivalência económica obtidas - elemento resultado;
- a motivação do contribuinte - elemento intelectual;
- a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida - elemento normativo.
Senão vejamos,
1. O elemento meio encontra-se previsto nos factos descritos, uma vez que a opção escolhida pelo contribuinte, recebimento de lucros em vez de juros, teve como objecto a obtenção de uma vantagem fiscal. De facto, ao distorcer a operação, tal como se demonstrou durante o presente relatório, através da utilização artificiosa de uma empresa (C...) na referida operação e através do consequente tratamento, indevido dos proveitos inerentes à operação como lucros distribuídos, a A..., consegue anular a carga fiscal, a que a operação em causa, em condições normais estaria sujeita. Estes factos encontram exaustivamente apresentados ao longo do presente relatório.
2. O elemento resultado encontra-se presente quando “se comprove a caracteriza especial da equivalência de resultados não fiscais, a que não corresponde uma equivalente oneração tributária”(3), verificando-se tal equivalência quando os actos praticados possam ser substituídos nos efeitos pelos actos normais tributados. Ora tal sucede no caso presente, conforme foi demonstrado nos pontos 3.4.2, 3.4.3., 3.4.4. e 3.4.5., a A...poderia realizar a operação sem a C..., obtendo os mesmos rendimentos económicos.
3. O elemento intelectual, ou seja a necessidade de que “… as escolhas e formas adoptadas pelo contribuinte sejam fiscalmente dirigidas e que aquele (resultado fiscal) prevaleça sobra este (resultado não fiscal)”(4), encontra-se demonstrado ao longo do relatório em que ficou evidenciado que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um predominante fim fiscal - ver pontos 3.2 e 3.3 - em que se provou que os recebidos na esfera da A...se consubstanciam de facto como remuneração do capital aplicado por esta empresa, e consequentemente como juros, conforme se constata pelos anexos 6 e 18.
4. O elemento normativo, ou seja a existência de “uma reprovação de um certo resultado obtido ou pretendido, quando confrontado com a intenção ou espírito da lei, do Código do Imposto em causa…”. Tal reprovação existe, pois com estas operações, o sujeito passivo procura evitar que sejam tributadas situações que a lei fiscal visa tributar, como é o caso dos juros. Acresce que o sujeito passivo procura beneficiar de uma vantagem fiscal de dedução dos rendimentos obtidos resultantes de lucros distribuídos, não estando seguramente no espírito do legislador a utilização deste mecanismo em situações criadas com o intuito de utilizar abusivamente este normativo, facto conseguido, tal como se demonstra no presente relatório, através da transformação de juros em lucros distribuídos.
O contorno da lei permitiu ao contribuinte atingir os efeitos económicos equivalentes sem ser tributado prejudicando apenas uma terceira pessoa - o Estado.
Na verdade o que aqui se verifica foi unicamente uma poupança fiscal tendo a Administração Tributária provado que não existiu qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção da empresa C...em toda esta operação, que não a referida poupança fiscal, com a totalidade dos benefícios económicos que decorrem para o Sujeito Passivo.
Os caminhos escolhidos pelo Sujeito Passivo para obter os resultados pretendidos não têm qualquer razão económica válida mas apenas a busca de vantagens fiscais, pelo que se efectivou aqui a reposição da verdadeira situação e a tributação de acordo com as normas que devem ser aplicáveis.
Verificados que estão os requisitos para a aplicação do n.º 2 do art. 38.º da LGT, resulta da aplicação do mesmo, a ineficácia para efeitos tributários do recebimento de lucros e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros. Tal consubstancia-se na desconsideração da dedução prevista no art. 46.º do CIRC e na tributação dos juros com base no art. 20.º, n.º 1, alínea c) do mesmo Código, no montante de 38.373.240,00 €, relativamente ao exercício de 2004 (anexo 19, fls. 45).
Nesse sentido e em consequência, encontram-se verificados os pressupostos constantes do n.º 2 do art. 63.º do CPPT, pelo que nos termos dos números subsequentes da mesma norma, elaborou-se o presente relatório, contendo os elementos referidos no n.º 9 do referido dispositivo legal, que se remetem ao sujeito passivo no sentido de ser dado cumprimento ao direito de audição prévia previsto nos n.ºs 4 e 5 do referido normativo.
(…)
29. Em 12 de Setembro de 2007 foi exarado despacho sobre relatório de conclusões da acção de inspecção tributária com o n.º 04/COM1/2007 autorizando a aplicação da norma antiabuso com os fundamentos constante do relatório (cf. despacho a fls. 50 dos autos e 248 do PAT).
30. Em 8 de Outubro de 2007, foi dado conhecimento à impugnante pela Administração tributária do teor do relatório de conclusões da acção de inspecção tributária com o n.º 04/COM1/2007 e do despacho datado de 12 de Setembro de 2007 que sobre ele recaiu, através do ofício 33107 datado de 2 de Outubro de 2007 dos serviços da DSIT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. ofício a fls. 49 dos autos; acordo quanto à data da notificação).
31. Em 7 de Novembro de 2007 foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2007 8310017616, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referente ao período de tributação de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2004 e a rendimentos do exercício de 2004, com data de compensação em 13 de Novembro de 2007, da qual resultou a correcção da matéria colectável da ora impugnante para aquele exercício no montante de EUR 38.403.061,97 (cf. demonstração de liquidação a fls. 145 dos autos e print da demonstração de liquidação a fls. 241 do PAT).
32. Em 13 de Novembro de 2007 foi emitida a liquidação n.º 2007 1999942, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referente a juros compensatórios pelo IRC do exercício de 2004 relativamente ao período entre 2005-06-01 e 2007-10-29, no montante total de EUR 882.405,60 (cf. demonstração de liquidação de juros a fls. 146 dos autos e print a fls. 242 do PAT).
33. Em 13 de Novembro de 2007 foi emitida a liquidação n.º 2007 1999943, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referente a juros compensatórios pelo “recebimento indevido” do IRC do exercício de 2004 relativamente ao período entre 2005-10-18 e 2007-10-29, no montante total de EUR 94.918,94 (cf. demonstração de liquidação de juros a fls. 146 dos autos e print a fls. 243 do PAT).
34. Em 13 de Novembro de 2007 foram emitidas a nota de cobrança n.º 2007 00001317851 e a demonstração da compensação n.º 2007 00007096947 das quais resulta o montante de EUR 11.284.181,56 a pagar, com data limite de pagamento em 19 de Dezembro de 2007, sendo que daquele valor o montante de EUR 10.306.857,02 se refere a IRC do exercício de 2004 originado pela liquidação n.º 2007 8310017616 melhor identificada no ponto 31 e EUR 977.324,54 se refere aos correspondentes juros compensatórios originados pelas liquidações de juros n.ºs 2007 1999942 e 2007 1999943 (cf. demonstração de acerto de contas a fls. 144 dos autos e print a fls. 240 do PAT).
35. Em 13 de Janeiro de 2008 foi instaurado pelo serviço de finanças 2 o processo de execução fiscal n.º 3247200801015915 referente ao IRC do exercício de 2004 resultante das liquidações melhor identificadas nos pontos 31 a 33 (cf. prints da certidão de dívida e da tramitação do processo, a fls. 4-5 do PAT).
36. A ora impugnante apresentou garantia, na sequência do que a execução fiscal melhor identificada no ponto anterior foi suspensa (cf. prints da certidão de dívida e da tramitação do processo, a fls. 4-5 e informação dos serviços a fls. 6, do PAT).
37. A PI da presente impugnação de entrada em Tribunal no dia 26 de Dezembro de 2007 (cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos).

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, assim como no depoimento prestado pelas testemunhas que prestaram o mesmo de forma clara e coerente e revelando conhecimento dos factos.

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.



4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a Mmª Juíza do Tribunal “a quo”, em síntese, que não foi efectuada um aplicação retroactiva do regime previsto no art.º 38.º, n.º2 da LGT e que também o procedimento de inspecção não foi intempestivo, por o prazo para o mesmo ter lugar apenas se dever contar do momento decisivo e final em que se detecta o “desenho elisivo”, aportando para tal fundamentação o acórdão deste TCAS de 15-2-2011, proferido no recurso n.º 4255/10, cujo trecho respectivo transcreve e que também se encontram preenchidos todos os pressupostos para haver lugar à aplicação da cláusula antiabuso prevista no art.º 32.º, n.º2 da LGT (aqui, trata-se de lapso manifesto, já que tal norma é a do art.º 38.º, com as suas sucessivas alterações legislativas), aportando a fundamentação do mesmo acórdão, na parte respectiva e que tal situação analisou, em julgado da mesma ora recorrente e relativa a operações semelhantes praticadas por empresas do mesmo grupo económico.

Para a impugnante e ora recorrente é contra esta fundamentação que vem esgrimir argumentos tendentes à reapreciação da sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou anulação, desde logo assacando à mesma o vício que pareceria ser o vício formal de oposição entre os seus fundamentos e a decisão alcançada de improcedência da impugnação – conclusões 1.ª a 9.ª -, que ocorreu a caducidade do direito conferido à AT para poder utilizar esse procedimento de inspecção, por referência ao tempo em que tais contratos tiveram lugar e a data em que esta ocorreu – conclusões 10.ª a 14.ª - e, que ocorre um erro de direito (grosseiro, no seu entender, como depois, seguidamente, explana – cfr. matéria da sua conclusão 14.ª), ao subsumir a factualidade apurada em que a conduta da ora recorrente se manifestou, nos diversos negócios celebrados, na norma do citado art.º 38.º, n.º2 da LGT, na citada cláusula anti-abuso (CGAA) – restante matéria das suas conclusões recursivas.

Vejamos então.
Ainda que a matéria daquelas 9 primeiras conclusões do recurso parecessem que a ora recorrente pugnava que tal sentença recorrida padecia do vício formal de contradição entre os seus fundamentos e a decisão, isto é, os concretos fundamentos erigidos para suportar a decisão aí alcançada, antes apontariam para oposta solução, com subsunção nos art.ºs 125.º, n.º1 do CPPT e 668.º, n.º1, alínea c)(5) do CPC, o que a referência nessa conclusão 2.ª e bem assim no pedido a final formulado, da sua anulação ou anulabilidade também inculcavam, ainda que tal vício não conduzisse só a uma anulação daquela mas sim à declaração da sua nulidade, como expressamente dos mesmos normativos se pode colher, o certo é que na matéria da sua conclusão 3.ª, em explicitação do seu entendimento onde tal vício se encontra assente, lC...-nos a subsumir tal imputado vício da sentença, não em tal vício formal de oposição entre os fundamentos erigidos nessa sentença com a decisão final que nela foi alcançada, mas sim em errado julgado de direito, isto é, como a mesma aí substancia: a decisão alcançada não se fundou ou esteou na factualidade que fez fixar no probatório da mesma sentença mas sim em outros, alguns deles incompatíveis com tal decisão, e ignorando aqueles que antes considerara provados, o que depois substancia mais em pormenor, quais são esses factos na matéria das suas conclusões seguintes, bem como na matéria da sua conclusão 8.ª, volta a repisar nesta mesma ideia, para além de também reputar como errada apreciação da matéria de facto de tal sentença, por ter reproduzido acriticamente e ter fundado a decisão na doutrina do citado acórdão deste TCAS de 15-2-2011, no recurso n.º 4255/10.

Quanto à reprodução acrítica da doutrina do citado acórdão deste TCAS, tal crítica não resiste à mais ligeira observação e análise de tal sentença, já que tal aporte se fez com o cuidado exigido de a M. Juiz do tribunal “a quo”, ter identificado em concreto qual a questão que importava decidir e de seguida proceder à transcrição da parte do acórdão que dessa mesma questão tratava, sem antes ter expressamente feito mencionar que a situação era similar à nele tratada e que subscrevia na totalidade e sem reservas o entendimento nele propugnado, como de fls 528 dos autos se pode colher, quanto à questão da não caducidade do direito à inspecção, e a fls 532/533, quanto ao preenchimento de todos os requisitos de aplicação da cláusula anti-abuso, pelo que tal crítica à sentença recorrida se afigura imerecida, por não verdadeira.

Já quanto à factualidade feita consignar no probatório da sentença recorrida, enquanto matéria de facto relC...nte para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. art.ºs 511.º do CPC e 123.º do CPPT – que ao probatório da mesma deve ser lC...da, aquando da apreciação do julgamento do direito aplicável aos factos provados se conhecerá se a mesma constitui ou não o esteio suficiente e adequado para a improcedência da impugnação (matéria que a ora recorrente, aliás, não coloca validamente em causa, cfr. art.º 690.º-A do CPC, redacção de então), ou se antes tal factualidade não permite subsumir a actuação da ora recorrente em tal norma antiabuso, do citado art.º 38.º, n.º 2 da LGT, na redacção então vigente, introduzida pelo art.º 13.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.


4.1. Passamos agora a conhecer da questão elencada na matéria das conclusões 10.ª a 14.ª das suas alegações recursivas, qual seja a de ter ocorrido o prazo de caducidade do direito de utilização por banda da AT do procedimento especial previsto no art.º 63.º, n.º1 do CPPT, por terem mediado mais de 3 anos entre a data da celebração dos contratos ocorridos entre a C...e a H...e a data em que tal procedimento se iniciou – 24-4-2007 – e de a previsão normativa contida no art.º 38.º, n.º2, da LGT, ter sido aplicada de forma retroactiva.

Esta mesma questão voltou a ser tratada por este TCAS no recente acórdão n.º de 31-1-2012, no recurso n.º 5.105/11, cujas conclusões são decalcadas das apresentadas no recurso apreciando, com igual número de conclusões (24) e exactamente a mesma argumentação, diferindo apenas, naturalmente, quanto ao exercício a que se reporta a liquidação de IRC (2003 naquele e 2004, no apreciando), desta forma secundando o entendimento daquele outro acórdão deste TCAS em que a sentença recorrida estribou grande parte da fundamentação para estear a decisão nela alcançada, fundamentação que, aportamos para o presente, quer porque com a mesma se concorda inteiramente, quer porque deu resposta cabal à generalidade dos argumentos em que a recorrente se estribava para pugnar pela procedência da impugnação.

Aí se fundamentou, além do mais:
(...)
- No que concerne à caducidade do direito à utilização do procedimento pre­visto no art.º 63.º, do CPPT, nos termos do seu n.º 3, sustenta a recorrente que o mesmo se verificou na medida em que, em seu entender, os factos que balizam o respectivo "dies a quo", apenas podem ser «[...] a "interposição" da C...e a celebração de contratos entre esta última e a H...[...]», factos estes que tiveram lugar mais de três anos antes do início do processo de inspecção.
- Ora, tal como o refere a decisão recorrida, no caso que aqui nos ocupa, o abu­so de formas com vista à obtenção de vantagem fiscal indevida, não se consubstancia num único acto mas antes numa cadeia de actos, que, no mínimo, se iniciam com a utilização da «C...», usufruindo da circunstância de estar sediada na Zona Franca da Madeira, e que culminam na obtenção, por via abusiva, dos rendimentos decorrentes dos emprésti­mos efectuados à «H...» «[...] devendo por isso a operação ser tratada como um todo, aplican­do-se a disposição anti-abuso ao momento decisivo e final que é representado pela recepção de acrés­cimos patrimoniais como dividendos dedutíveis [...]».
- Assim, sendo «a noção de acto jurídico [...], na linguagem da norma, propositada­mente ampla, visando toda e qualquer acção ou conduta humana à qual sejam atribuídos efeitos jurídicos [...] a delimitação do objecto sobre o qual vai funcionar a CGAA, retira-se [...1, quer do apuramento de facto dos actos ou negócios praticados pelo contribuinte, quer pela relação de inter­dependência que entre eles se estabeleça, comprovando os laços que os ligam de um ponto de vista lógico e finalístico.
- Ora, estribando a recorrente a caducidade naquela linha argumentativa de que os factos adequados ao balizar do despoletar do prazo de caducidade estatuído no n.° 3, do art.º 63.º, do CPPT, eram apenas, a interposição da C...e celebração dos emprésti­mos entre esta e a «H...», e não se nos afigurando de sufragar tal doutrina, na medida em que a percepção plena do abuso de formas e da vantagem fiscal indevida e pretendida apenas é possível no final do circuito, quando a mesma é concretizada, forçoso se impõe concluir no sentido em que concluiu a decisão recorrida, ou seja, pela falência da alegada caducidade, nos termos em foi feita.

A que, mais um argumento e não de menor importância, pode e aqui deve ser acrescido, no sentido de que o termo inicial ou dies a quo de tal prazo da caducidade não possa ser contado da data celebração dos contratos referidos de empréstimo em causa, mas apenas do momento em que tais dividendos são atribuídos à ora recorrente correspondentes aos juros atribuídos à referida C..., sabido que o conceito de lucro tributável acolhido pelo nosso CIRC abrange uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a teoria do incremento patrimonial, como do ponto, 5. do seu preâmbulo se pode colher, bem como dos art.ºs 17.º e 18.º do mesmo que lhe dão consagração normativa, pelo que se o incremento patrimonial só mais tarde teve lugar, ou seja, no final de tal esquema firmado entre os diversos intervenientes, no património societário da ora recorrente, porque razão é que antes desse resultado final se iria poder considerar já o mesmo ter ocorrido, para dele fazer radicar o termo inicial desse prazo, quando o direito à liquidação no caso, ao seu abrigo, ainda se não preenchera, tendo em conta o disposto no art.º 329.º do Código Civil, como a recorrente continua a pugnar na matéria da sua conclusão 10.ª?

- E, com o ser assim, naufraga, também, a invocada aplicação retroactiva da lei, nos termos em que se encontra balizada pela conclusão 14.ª, já que, ali, a recorrente a faz depender da dita interposição da «C...» consubstanciar o facto adequado ao despoletar do prazo de caducidade, ou, como melhor se refere na dita conclusão, «[...1 Além disso, se a "interposição" da C...é, como cremos e parece indiciar a própria actuação da Administração fiscal e a decisão proferida pelo Tribunal a quo, o marco decisivo para iniciar a contagem do referido pra­zo, coloca-se ainda um segundo problema: é que, ao tempo do licenciamento e constituição desta sociedade - i.e., em 3/08/1995 e 16/08/1995, respectivamente -, não se encontrava em vigor o 2 do artigo 38.º da LGT. Nestes termos, pretender aplicar a estes factos a referida disposição legal da LGT significa obviamente incorrer numa aplicação retroactiva da lei [...]», o que, como acima se refe­riu, se entende sem aderência à realidade.
(...)

Nestes termos, improcede a matéria das conclusões das alegações do recurso relativas a estas questões.


4.2. Passamos agora a conhecer da terceira e última questão, vertida na matéria das restantes conclusões recursivas, qual seja a de saber se a factualidade vertida no probatório da sentença recorrida, não permite tributar a ora recorrente ao abrigo da norma do citado n.º2 do art.º 38.º da LGT (lei então vigente em 2004 introduzida pelo art.º 13.º, n.º1 da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), ou seja, se se não encontram preenchidos todos os pressupostos legais que a lei para tal elege, desta forma deixando de fazer relC...r fiscalmente, as operações intermédias situadas entre a dita C...e a H....

Também esta questão teve resposta no citado acórdão deste TCAS de 31-1-2012, em termos que na sua generalidade subscrevemos, cuja fundamentação igualmente para aqui se aporta, na parte respectiva, enquanto discurso fundamentador do presente.

Aí se fundamentou a este respeito:
(...)
- Nas conclusões 16.ª a 22.ª, se bem se alcança o desiderato visado, a recorrente pretende que, no caso vertente, não estão verificados os pressupostos de aplicação da CGAA, porque a decisão recorrida não demonstra porque razão as formas utilizadas se afiguram artificiosas ou fraudulentas e realizadas em abuso de formas já que se imporia «[...] ao Tribunal que demonstrasse, no fundo, que a A...não poderia deter a C..., que esta não preenchia as condições para poder beneficiar do regime fiscal que sempre lhe adviria pelo facto de se encontrar licenciada para operar na Zona Franca da Madeira e que esta, enquanto participada daquela, não poderia exercer qualquer actividade lucrativa (a menos que não distribuísse lucros!)», - cfr. concls. 16.ª e 17.ª -, prova essa que, em seu entender, não era possível, uma vez que e em síntese a actuação da recorrente não é passível de qualquer juízo de censura - restantes conclusões 18.ª e 22.ª -.

- O abuso de direito, enquanto abuso de formas e diverso do abuso de direito subjectivo, de origem, francesa e consagrado na lei, civil, tem raiz alemã e, como doutrina GLCourinha «[...] visa combater o abuso das estipulações legalmente admissíveis por parte do contribuinte, pelo que certas formas ou configurações montadas em termos arrevesados ou inusuais e dirigidas à obtenção de uma vantagem fiscal”, ao menos de forma predominante, «não devem ser admitidas», sendo que «a inusualidade demonstra-se pela anormalidade ou disfuncionalidade dos meios ou configurações adoptadas.».

- Nas mesmas águas navega, v .g., António Carlos dos Santos que, a propósito da figura em causa refere que ela «[...] repudia "a preponderância, na estruturação do negócio e na actuação do contribuinte, do elemento fiscal sobre o elemento económico ou fim prático”, isto é, "a utilização abusiva das estruturas de Direito Privado e que, a exemplo do instituto de fraude á lei, influenciou a actual versão da nossa cláusula geral anti-abuso.».

- Ora sem colocar em causa a licitude e, mais do que isso, a legitimidade da forma como se encontra estruturado o grupo económico em causa e, designadamente, o relacionamento entre a C...e a A..., ou a localização daquela na ZFMadeira, tem-se por certo que, face a essa mesma localização e relação de relacionamento, conjugados com a forma de gestão e administração da «C...», nos períodos que aqui relC...m, a sua concre­ta actividade desenvolvida, o "modus operandi" e o respectivo "timing", na rea1ização das prestações suplementares e da concessão dos empréstimos pela «C...» à «H...», bem como no destino dado às receitas decorrentes desses mesmos empréstimos, consubs­tanciam, a nosso ver de forma manifesta, o referido abuso de formas na concretização des­se mesmo empréstimo, que podendo ser concedido directamente pela «A...» à «H...», como o inerente pagamento dos respectivos juros, o foi, no entanto, feito, como refere a recorrente, pela «interposição» da «C...», que, por força da sua loca1ização na ZFMadeira, permitiu que a «A...» recebesse os rendimentos equivalentes a esses mesmos juros mas disponibilizados na forma de distribuição de dividendos com um regime fiscal privi­legiado relativamente àquele que teria de suportar se tivesse utilizado aquela via directa.

- Salvaguardadas as diferenças e o distanciamento temporal, entre a CGAA e o mecanismo preventivo da elisão fiscal de funcionamento apriorístico, entretanto publica­do, o certo é que, como doutrina A. Carlos dos Santos «a inserção desta nova figura jurídica no ordenamento jurídico português só poderá, quanto a nós, compreender-se, no quadro de uma estreita ligação à cláusula geral anti-abuso [...]» de modo que «[...] o .espaço destas cláusulas, deve, no fundamental, ser o mesmo do regime do planeamento fiscal abusivo», enquanto «[...] esquema ou actuação que determine, ou se espera que determine, de modo exclusivo ou predomi­nante, a obtenção de uma vantagem fiscal» traduzida na «[...] redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto ou a obtenção de benefício fiscal, que não se alcançaria, no todo ou em parte [...]» sem a sua utilização e por banda de um sujeito passivo de imposto.

- Ora, para além de se poder colocar a questão de saber se a recorrente não confessa, ela própria, que o circunstancialismo factual aqui em causa e com base no qual o fisco fez operar a cláusula anti-abuso, correspondeu a uma opção sua, voluntária e livre no sentido de, primordialmente, alcançar uma vantagem fiscal, nos termos do teor dos art.ºs 167.º e 178.º/179.º, ainda que tendo, simultaneamente, visado atingir objectivos extra-fiscais, a verdade é que não deixa de impressionar que, face à identidade de espaço ocupado pelo dito mecanismo legal preventivo da elisão fiscal, nos termos antes referidos, e a CGAA, aquele eleja como elementos indiciadores de condutas/actos/negócios poten­cialmente abusivos os que impliquem, designadamente, a participação de entidade total ou parcialmente isenta e em que, como refere aquele ilustre autor, segundo as orienta­ções interpretativas «[...] estão englobadas nesta categoria a situação de constituição ou aquisição de sociedade que beneficie de isenção de rendimentos obtidos no estrangeiro, para a qual sejam cana­lizadas prestações suplementares a utilizar para financiamento da mesma empresa no estrangeiro, requalificando assim proveitos (sic) de juros sujeitos a imposto em dividendos dedutíveis na deter­minação do lucro tributável» , o que, ainda que sem uma identidade factual absoluta, não deixa, a nosso ver de constituir um contributo válido à dilucidação do caso que aqui se controverte, nos termos adoptados pela decisão recorrida.

- Consequentemente, assertivo se torna que a decisão recorrida não afronta qualquer dever de fundamentação, seja ele na vertente formal, seja na substancial, nem, tão pouco, os princípios da legalidade tributária ou da liberdade económica.

- De facto, pelas razões acima aduzidas, não se vislumbra em que é que a deci­são recorrida, ao decidir como decidiu, tenha violado o princípio da legalidade fiscal, nem tão pouco o direito de liberdade económica, na medida em que se este último traz pressuposto a liberdade dos indivíduos de planearem, investirem e gerirem os seus negócios, designadamente em termos de poupança fiscal, e se encontra consagrado na CRP, nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, a verdade é que tal princípio não pode deixar de ser balanceado com outros, que face aos interesses por eles prosseguidos se lhes terão de sobrepor, como sejam «[...] o dever fundamental de pagar impostos que, num Estado social de direito, é um corolário do princípio da solidariedade que pode justificar a existência de certas restrições àqueles direitos económicos fundamentais», ou o princípio da igualdade reve­lado pela capacidade contributiva de cada um.
(...)

Também sempre se dirá que, embora o regime da constituição das SGPS contido no citado Dec-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, tivesse por fito incentivar a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português, e de criar empresas participadas com gestão centralizada e especializada, como do seu preâmbulo se pode colher, tendo como único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de actividades económicas – cfr. seu art.º 1.º - o certo é que a ora recorrente, com a actividade que enquanto sociedade dominante fez imprimir à sua participada C..., deixa desde logo de se poder configurar como actividade típica e própria de uma sociedade comercial, nos termos em que a lei a define – cfr. art.ºs 980.º do Código Civil, 1.º e segs do Código Comercial – que é o de exercerem uma actividade económica, que não seja de mera fruição, e de gerar lucros, para si, como ente autónomo, para distribuírem pelos seus sócios, o que no caso se encontrava longe de acontecer, como do relatório da fiscalização tributária se pode colher, desde logo por falta de qualquer estrutura económica ou financeira que a suportasse, limitando-se a interpor-se nos referidos contratos de empréstimo com a H..., cujos juros entretanto recebidos também não revertiam a favor desta enquanto ente autónomo, por logo os transferir na sua totalidade, sob a forma de dividendos para as suas duas associadas (uma delas a ora recorrente), desta forma e em linguagem comum, o único papel relC...nte que a referida C...vinha desempenhando então, foi o de funcionar como receptáculo ao recebimento dos juros (aproveitando o regime fiscal favorável da Zona Franca da Madeira – o que lhe é lícito e não se encontra aqui em causa) e de seguida, os fazer distribuir, agora como dividendos, para a ora recorrente e esta os fazer deduzir na sua base tributável, ao abrigo do disposto no n.º1 do art.º 46.º do CIRC, afigurando-se por isso descabida, a matéria das conclusões 20.ª e segs, enquanto propugnam que esta sociedade C...exerceu uma actividade comercial típica, usual e autónoma, como se de uma verdadeira sociedade comercial se tratasse - cfr. nesta mesma matéria, o teor da parte do relatório da fiscalização, que sob esta matéria certeiramente se pronunciou e cuja factualidade a ora recorrente nem sequer colocou em causa:
(...)
Os proveitos gerados na esfera da C...desde o início da sua actividade, até ao exercício de 2003, inclusive, não tiveram como finalidade incrementar a estrutura económica financeira da empresa, dado os mesmos terem sido transferidos na sua totalidade para o seus sócios, A...(89%), B...(5,61%) e M..., NV - Antilhas Holandesas (5,39%).
(...)
O elemento resultado encontra-se presente quando “se comprove a caracteriza especial da equivalência de resultados não fiscais, a que não corresponde uma equivalente oneração tributária”(6), verificando-se tal equivalência quando os actos praticados possam ser substituídos nos efeitos pelos actos normais tributados. Ora tal sucede no caso presente, conforme foi demonstrado nos pontos 3.4.2, 3.4.3., 3.4.4. e 3.4.5., a A...poderia realizar a operação sem a C..., obtendo os mesmos rendimentos económicos.
(...)
Na verdade o que aqui se verifica foi unicamente uma poupança fiscal tendo a Administração Tributária provado que não existiu qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção da empresa C...em toda esta operação, que não a referida poupança fiscal, com a totalidade dos benefícios económicos que decorrem para o Sujeito Passivo.
(...)


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 14/02/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO




1- “A noção de acto jurídico é na linguagem da norma (n.º 2 do art. 38.º da LGT) propositadamente ampla, visando toda e qualquer acção ou conduta humana à qual seja atribuídos efeitos jurídicos… abrange como tal todo o vasto leque de comportamentos humanos, das operações às declarações que possam permitir atingir o desiderato do ganho fiscal” Gustavo Lopes Courinha, in “A Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário”.

2- “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão”

3- “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão”

4- “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão”

5- Redacção de então e a aplicável.

6- “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão”