Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03897/10
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
PRESSUPOSTOS PARA MÉTODOS INDIRECTOS.
ERRADA QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:1. A falta de exame crítico das provas ou a falta de análise da prova testemunhal ou documental oferecidas, mesmo a existirem, não constituem vícios formais da sentença recorrida, respectivamente, de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia;
2. Verificam-se os pressupostos para o imposto ser apurado pela AT com o recurso a métodos indirectos, quando através da contabilidade não é possível apurar os reais custos ou os reais proveitos, designadamente quanto aos montantes dos serviços prestados pelo sujeito passivo e não reflectidos na mesma;
3. Não se verifica a errada quantificação do apuramento do imposto por métodos indirectos, quando o critério utilizado pela AT se revela adequado e apto para esse fim e o contribuinte não logra provar, no caso, qualquer erro ou excesso nessa quantificação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por despacho do Relator de 27/1/2010, transitado em julgado, se declarou incompetente em razão da hierarquia para do mesmo conhecer, por a competência para o efeito se radicar neste Tribunal, para onde os autos vieram a ser remetidos, formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. A Sentença recorrida carece de fundamentação, advinda da circunstância do Tribunal "a quo" não ter procedido ao exame crítico das provas;
2. Tendo-se por consequência, omitido na sentença ora em crise, factos essenciais com vista à boa decisão da causa;
3. Designadamente, a Sentença sob recurso não analisou ­nem apreciou - o resultante da prova testemunhal produzida em A. J.;
4. Tão-pouco o conteúdo da abundante prova documental integrante dos autos, tendente e apta a demonstrar - caso por caso, tal como invocado pelos SIT no relatório - a ausência de pressupostos potenciadores do recurso à tributação indirecta;
5. A AT não demonstrou que o recurso a métodos indirectos fosse a única forma de determinar as bases tributáveis de IVA;
6. Bem como a errónea quantificação das bases tributáveis de IVA;
Acresce que,
7. Existe erro na quantificação das bases tributáveis de IVA e no subsequente cálculo dos montantes de imposto liquidados, erro esse emergente do "critério " seguido pelos SIT na tributação;
8. O qual, não o sendo, não passa dum mero palpite, absolutamente incerto, não objectivo nem fundamentado, determinado ao arrepio dos preceitos legais, doutrina e jurisprudência vigentes;
9. A formulação da hipótese utilizada pelos SIT (rendimento equivalente ao Director Geral da Função Pública) não consubstancia qualquer fundamento do acto tributário, tendo-se violado o disposto na alínea a) do art.º 12.º do Cód. do Proc. Tributário e no art.º 52.º do CIRC;
10. Verificando-se em consequência, errónea fundamentação do acto tributário;
11. E devendo face a todo o exposto, revogar-se por nulidade a Sentença recorrida (SIC);
12. Ordenar-se a anulação integral das liquidações de IVA e dos respectivos juros compensatórios impugnadas;
13. Deste modo, resultaram violadas as normas constantes do n.° do Art.º 38.° do CIRS, do Art.º 52.º do CIRC, do art.º 84.º n.º 1 da LGT, do art.º 81.º e do art.º 121.º do CPT, e as das alíneas b), c) e d) do art.º 668.º e do n.º 3 do art.º 659.º, ambos do CPC, aplicável ao processo fiscal "ex-vi" do n.º 1 do art.º 2.° alínea e) do CPPT.

Excelentíssimos Senhores Juizes Conselheiros: Decidindo como se conclui e vai pedido, concedendo provimento ao presente recurso, assim o julgamos, fareis uma vez mais JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, dizendo corroborar o parecer pré-sentencial proferido pelo Exmo Procurador da República, junto do Tribunal “a quo”, constante de fls 234/235.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece dos vícios formais de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia, conducentes à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se no caso se verificam os pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos; E se ocorre erro ou excesso de quantificação dessa matéria apurada por tais métodos.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A. O Impugnante, “Mário Lino Jesus Carvalho", com o NIF 1430276995, exercia, à data dos factos como actividade principal a profissão de advogado, encontrava-se enquadrado em IRS categoria “A” e “B" e “F” e em IVA, regime normal periodicidade trimestral- cfr. inf. constante do relatório da Inspecção Tributária fls. 138 e seguintes.
B. No âmbito de uma acção de fiscalização levada a efeito pelos serviços de Fiscalização Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Leiria relativamente aos exercícios de 1989 e 1990, na sequência da ordem de serviço n.º 4137 de 31/12/91 foi verificado que:
3.2.2.4 (...)
Pelo exposto ao longo da presente informação verifica-se que o contribuinte:
. Registou no livro de despesas documentos que não cumprem as disposições legais;
. Deduziu despesas por conte de empregados que oficialmente não possui,
. Não considerou os recibos emitidos por conta de despesas e provisões pare efeitos de apuramento do rendimento da categoria B, não possuindo documentos comprovativos das referidas despesas conforme é obrigado ( . . .),
. Diz não possuir contas correntes dos seus clientes, sendo provado o contrário pelo anexo n.º 7,
. Não emitiu recibos das importâncias recebidas dos seus clientes.
Pelo que há indícios fundamentados de que a contabilidade não reflecte o resultado efectivamente obtido, motivo que implica o recurso à aplicação de métodos indiciários ( . . . )
Registe-se ainda que:
. Entre finais do ano de 1990, princípio da 1991 o Dr. Mário da Carvalho investiu mais de 20 000 000$00 em bens de investimento (viatura, escritório e mobiliário) destacando-se a sua secretária adquirida por 740 000$00 e a cadeira por 300 000$00;
. O montante dos serviços prestados em 1991 ascende a 10.320.224$00 e em 1992 10.650.518$00 (mais do dobro do ano de 1990) sendo no entanto absorvidos pelos encargos dedutíveis (...).
Cálculo do resultado da categoria B em 1989 e 1990
Atendendo quer ao referido no ponto anterior, quer ao fato do Dr. Mário da Carvalho ser um advogado conceituado nas Caldas da Rainha, é pouco provável que mensalmente tenha ao seu dispor uma verba inferior àquela que é auferida por um Director Geral da Função Pública e cujo ordenado mensal foi de 391.500$00 nos anos de 1989 e 1990
(...)
3.3. IVA
3.3.1. IVA não liquidado à taxa da 8% nos recibos emitidos por conta de despesas e de provisões conforme fundamento descrito no ponto 3.2.2.1., repartição por trimestres:
1.º Trim. de 1989 1.019$00 1. Trim. de 1990 17796$00
2.º - - 11.677$00 2.º - - 14353$00
3.º - - 3.642$00 3.º - - 24051$00
4.º - - 1.600S00 4.º - - 13662$oo
17.938$00 69862$00
Recibo n.º 772222 com IVA liquidado no valor de 3200$00 registado por 320$00. A diferença no valor de 2 880SOO será liquidada no 4.º trimestre de 1989.
Recibo n.º 772400 não registado, logo não houve entrega de Imposto no valor da 3 200$00 no 4.º trimestre de 1990.
3.3.2. IVA em falta no valor da 39209$00 (490107$00 X 0,08) em 1989 e 36032$00 (450402$00 x 0,08) em 1990, derivados da correcção mencionada no ponto 3.2.2.2. desta informação.
O IVA será liquidado nos últimos trimestres dos respectivos anos visto ser mais favorável para o contribuinte.
3.3.3. IVA em falta no 4.º trimestre de 1990 no valor de 5 185$00 (64 815$00 X 0,08) deriva da correcção descrita no ponto 3.2.2.3.
3.3.4. Dado que as correcções de serviços calculadas por métodos indiciários estão sujeitas à taxa de 8%, procedeu-se à liquidação adicional de nos termos do n.º 3 e 4 do art. 82.º do CIVA, cujos montantes e exercícios a seguir se indicam:
Exercício de 1989 - 250914$00 (3.136.423$00X0,08)
Exercício de 1990 - 305362$00 (3.817022$00 X 0,08)
Mapa Resumo do IVA em falta:
Ponto 3.3.1 Ponto 3.3.2. Ponto 3.3.3. Ponto 3.3.4. TOTAL
1.º Trim/89 1019 - - 62 728 63747
2.º Trim/89 11677 - - 62728 74405
3.º Trim/89 3642 - - 62728 66371
4.º Trim/89 4480 39209 - 62728 106418
TOTAL/89 20818 39209 - 250914 310941
1.º Trim/90 17796 - - 76340 94136
2.º Trim/90 14353 - - 76340 90693
3.º Trim/90 24051 - - 76341 100392 4.º Trim/90 16862 36032 5185 76341 134420
TOTAL/90 73062 36032 5185 305362 419641
Tudo conforme consta do respectivo relatório de inspecção tributária fls. 151 e seguintes dos autos.
C. Em 11/11/93 foi fixado, pelo Chefe da Repartição de Finanças de Caldas da Rainha o Imposto a pagar no montante de 305.362$00, relativamente ao ano de 1990 e 250.914$00 referente ao ano de 1989, ambos apresentam como fundamento a informação dos serviços de fiscalização distritais - cfr. fls 249 e 253 dos autos.
D. O aqui Impugnante apresentou reclamação para o Presidente da Comissão de Revisão do Distrito de Leiria uma reclamação da fixação dos rendimentos em sede de IRS e IVA, com referência aos exercícios de 1989 e 1990, que foi decidida pelo Director de Finanças por não ter havido acordo entre os vogais das partes - cfr. consta de fls. 262 e seguintes dos autos.
E. Por decisão do Presidente da Comissão de Revisão foram mantidos os valores inicialmente fixados - cfr. consta de fls. 269 dos autos.

Factos não provados
Não se verificam outros factos que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal assentou fundamentalmente na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra.
Quanto à prova testemunhal, deve dizer-se que a mesma não acrescentou nada de relevante.


4. Na matéria das suas quatro primeiras conclusões das alegações do recurso, parece pretender o recorrente assacar à sentença recorrido o vício formal de falta de fundamentação e de omissão de pronúncia, que faz substanciar na falta do exame crítico das provas que a M. Juiz do Tribunal “a quo” não teria efectuado, bem como a falta de análise da prova documental e testemunhal produzidas, o que encontra eco na enumeração das disposições jurídicas violadas, onde invoca, além do mais, as relativas às alíneas b), c) e d) do art.º 668.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC), sendo que estas primeira e terceira alíneas, se reportam aos vícios formais da sentença como causa que, a proceder, conduz à declaração da sua nulidade, como resulta, desde logo, da epígrafe do respectivo normativo, desta forma se interpretando as citadas conclusões do recurso como uma censura à sentença recorrida neste âmbito formal [ainda que, quanto à também invocada alínea c) do mesmo normativo – fundamentos em oposição com a decisão alcançada – nenhuma factualidade tenha sido articulada no sentido de substanciar esta invocada nulidade, que assim desde logo, se encontra condenada ao seu fracasso.

Quanto à invocada falta de exame crítico das provas, em violação pois, do disposto no art.º 659.º do mesmo CPC, desde logo cumpre referir que, constitui vício de natureza diversa de um vício de natureza formal, já que, potencialmente, se iria projectar no respectivo julgamento da matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, ou seja, estaríamos perante um erro de substância, de julgamento, que poderia conduzir à sua revogação que não à declaração da sua nulidade, pelo que, mesmo a existir, não poderia conduzir à procedência do recurso por tal vício formal de falta de fundamentação, subsumível na citada alínea b), do n.º1, do art.º 668.º, sendo que, em todo o caso, a M. Juiz do Tribunal “a quo”, não deixou de remeter, a propósito de cada uma das alíneas do probatório fixado, para os documentos que as ancoram, bem como se pronunciou sobre a prova testemunhal produzida no final dessa fixação, pelo que não corresponde à realidade que esta tenha omitido por completo tal apreciação crítica das provas.

E como errado julgamento dessa mesma matéria de facto, por tal falta, também o ora recorrente não substanciou que factos foram dados como provados que o não deveriam ter sido e bem assim, quais os que não foram dados como provados e que deveriam ter sido dados como provados, em obediência ao disposto no art.º 690.º-A do CPC, na redacção então vigente e a aplicável, pelo que quanto a esta matéria não pode o recurso deixar de estar condenado ao fracasso, já que, também, se não descortina que tal matéria no probatório fixada deva ser alterada pelo Tribunal, oficiosamente, ao arrimo do disposto no art.º 712.º do CPC.

Também o ora recorrente invoca a nulidade da mesma sentença pelo vício formal de omissão de pronúncia que faz reconduzir à falta de análise da prova testemunhal e documental, que igualmente, mesmo a verificarem-se, o que apenas se aceita por necessidade de raciocínio, também não conduziriam à procedência do recurso por este vício formal, por tal omissão de pronúncia se reportar sobre questões articuladas pelas partes, nos respectivos articulados, sobre que o juiz não tenha omitido pronúncia e que também não estejam prejudicadas no seu conhecimento pela solução dada a outras conhecidas ali conhecidas, nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º2 do CPC.

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

O juiz, na sentença recorrida proferida, não tem de conhecer de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, sendo manifesto não poder ter ocorrido a apontada omissão de pronúncia, já que as questões(1) relativas à apreciação das provas apresentadas pelo recorrente não podem reconduzir a este vício formal de omissão de pronúncia, mas sim a eventual erro de julgamento, como constitui entendimento corrente, há muito fixado na doutrina e jurisprudência portuguesas(2), pelo que não podem ter ocorrido na sentença recorrida, os apontados vícios formais.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.º 668.º n.º1 d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(3), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º 738/05, tendo como relator o do presente, pelo que improcede o recurso quanto aos invocados vícios formais da sentença recorrida.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida e manter as liquidações impugnadas, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que no caso se verificavam os pressupostos para o imposto ser apurado através de presunções ou estimativas (hoje, métodos indirectos), que o contribuinte não lograra provar erro manifesto ou excesso na quantificação assim operada como base no relatório à escrita do mesmo e que a falta de notificação da liquidação ou a sua irregularidade não contendia com a validade dessa mesma liquidação, nunca podendo conduzir à sua anulação, sendo apenas um elemento da sua eficácia.

Para o recorrente, de acordo com a restante matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra aquelas duas primeiras questões que se vem insurgir, pugnando que não ocorrem tais pressupostos e que a quantificação alcançada se encontra errada, desta forma tendo “deixado cair” a outra questão igualmente conhecida na mesma sentença relativa aos efeitos da invocada irregular notificação do relatório dos SIT com o arrastamento consequencial dessa mesma nulidade – cfr. art.º 221 e segs da sua petição inicial de impugnação.

Vejamos então.
Comecemos por conhecer do invocado fundamento de falta de pressupostos para o apuramento do imposto por métodos indirectos, sabido que aquele método é subsidiário em relação à avaliação directa, dir-se-á o seguinte.

Nos termos do disposto nos art.ºs 51.º e 52.º do CIRC, ex vi dos artºs 31.º e segs do CIRS, a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, hoje denominados de indirectos, com o recurso a estimativas ou presunções para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita sempre que ocorra alguma das situações subsumíveis às várias alíneas da norma do citado art.º 51.º do CIRC e que determine a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, caso em que o director distrital de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, procederá a tal determinação e consequente liquidação do imposto devido, em que, para o efeito, se baseará, em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento.

O que pressupõe que o contribuinte tenha violado alguns dos seus deveres legais de organização contabilística, como seja os contidos nas normas dos art.ºs 17.º n.º3 e 98.º n.º3 do CIRC, que dispõe que a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, constituindo aquele o afloramento de um princípio geral e que dispõe que na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte:
Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;
As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos,
tendo em vista o registo das correspondentes reais operações, e cuja falta legitima a utilização dos métodos indirectos.

A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AT, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que sirvam de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.

Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.
Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários ou indirectos, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como dizem as normas dos art.ºs 82.º n.º4 e 84.º n.º1 do CIVA, 51.º n.º2 do CIRC e hoje também, dos art.ºs 85.º, 87.º e 88.º da LGT, regime que é aplicável a todos os contribuintes e não apenas aos pequenos retalhistas(4).

Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AT se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa.

Ou como bem se diz no recente acórdão deste Tribunal de 3.5.2006(5),(...) o lançar mão de qualquer um deles em detrimento do outro não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, na estrita medida do necessário ao evitar da evasão fiscal por parte dos contribuintes faltosos, com o duplo objectivo, no mínimo, de evitar, por um lado o “emagrecimento” ilegítimo dos recursos do Estado e, por outro, de repartir equitativamente, como constitucionalmente imposto, a carga fiscal sendo que, ao que aqui e agora nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia presuntiva.

E no caso, ocorreram ou não tais pressupostos de aplicação dos métodos indirectos?

Pela matéria constante nos vários pontos do probatório designadamente da sua alínea B) e melhor se colhe do relatório elaborado pela inspecção tributária, cuja cópia consta de fls. de 138 e segs dos autos, bem como da decisão do Director Distrital de Finanças de Leiria de 23/9/1994, constante de fls 262 a 269 dos autos, na falta de acordo dos vogais na comissão de revisão, deles se recolhem designadamente, como bem se fundamenta na sentença recorrida, que a contabilidade do sujeito passivo, apesar de regularmente organizada sob o ponto de vista formal, não reflectia a totalidade das operações efectuadas nestes dois exercícios a que se reporta a acção inspectiva e donde resultaram as liquidações impugnadas (1989 e 1990), não sendo por isso merecedora de confiança de através dela apurar as reais prestações de serviços efectuadas pelo mesmo, faltando em diversos casos enumerados no mesmo relatório, os documentos de suporte dos registos contabilísticos e bem assim verificavam-se omissões da passagem de recibos, matéria esta constante do relatório do exame à escrita do impugnante e não contrariada por qualquer outra prova, e que no presente recurso o ora recorrente também não coloca em causa de forma válida, não invocando sequer, qualquer concreto ponto da matéria de facto que não tenha sido correctamente julgado – cfr. art.º 690.º-A do Código de Processo Civil - desta forma não se logrando demonstrar qualquer não exactidão dos índices apontadas no mesmo relatório, designadamente dos supra referidos, com os quais se concluiu pela impossibilidade de apurar e controlar clara e inequivocamente o lucro tributável, e em sede de IVA, de permitir apurar claramente o imposto, os quais constituem suficiente fundamentação para a passagem a tais métodos, desde logo pela impossibilidade de controlar as operações registadas na sua contabilidade e bem assim apurar o efectivo montante das prestações de serviços destes dois exercícios, não sendo desta forma possível apurar, sobretudo, os reais montantes de receitas obtidas pelo seu trabalho nos períodos em causa, o que determinava que também, directamente, através dessa contabilidade não era possível apurar o imposto em falta, tendo de o ser com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou, como bem se pronuncia a M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida.

Face a tais anomalias, com as apontadas omissões e insuficiências encontradas na contabilidade do sujeito passivo, designadamente nestes exercícios de 1989 e de 2000, únicos aqui em causa, não restava outro caminho à AT senão lançar mão de tais presunções ou estimativas, para calcular e apurar o imposto em falta, aceitando alguns dos elementos da contabilidade do contribuinte, como alguns custos contabilizados, mas não aceitando outros como os montantes dos serviços prestados, tendo procedido à respectiva alteração, nos termos explanados supra, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras legais previstas nos códigos tributários e comerciais, de molde a apurar e controlar o lucro tributável da sua real actividade nesse exercício.


A fundamentação supra, tem perfeito cabimento, quer ao nível do IRC, quer do IRS e também ao nível do IVA, nos termos do disposto nos art.ºs 82.º e segs do CIVA, normas que igualmente permitem o recurso a presunções ou estimativas, para apurar o imposto devido, e com base nas operações que o sujeito passivo, presumivelmente efectuou, desde que fundadamente, tenha sido pago um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.


Nestes termos, improcede a matéria das alíneas relativa a tal falta de pressupostos para a passagem a métodos indirectos.


E passemos agora a conhecer do outro fundamento do recurso, relativo ao invocado excesso ou erro de quantificação do imposto apurado através de presunções ou estimativas.

Na matéria da sua conclusões 7. das suas alegações de recurso, vem o recorrente insurgir-se contra a sentença recorrida, pretendendo que o critério utilizado pela AT para apuramento do imposto não é apto para encontrar um resultado tão próximo quanto possível do que resultaria da avaliação directa, no que quedaria violada a norma do art.º 85.º n.º2 da LGT (diploma este, contudo, que à data da dedução da impugnação judicial – 2/2/1995 - ainda se não encontrava em vigor e muito menos à data da liquidação adicional, que lhe é anterior).

Nos termos do disposto no art.º 82.º do CIVA, a utilização de métodos indiciários ou indirectos para a determinação da matéria colectável, com a inerente liquidação do imposto, pode e deve ser feita com o recurso a presunções ou estimativas sempre que o Chefe da Repartição de Finanças constate a existência de inexactidões ou omissões nas declarações que conduzam a um imposto inferior ou a uma dedução superior aos que se mostrem devidos, sendo certo que a aludida constatação pode resultar de diversos factores enunciados naquele preceito legal, nomeadamente, de visita da Fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame aos seus elementos de escrita e/ou da verificação das existências físicas do estabelecimento e ao nível do IRC/IRS, tal actuação em ordem ao apuramento mais real do lucro tributável, assenta nas citadas normas dos art.ºs 51.º e 52.º do CIRC.

A utilização de tal método presuntivo ou indiciário, traduz-se no recurso por banda da AF, a elementos de facto conhecidos que, utilizados segundo as regras da experiência, pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, conduzem à extrapolação de outros desconhecidos que servem de suporte ao juízo valorativo extraído pela mesma.
Consequentemente e necessariamente tal conclusão não tem, na generalidade dos casos, de corresponder ao resultado de um raciocínio dedutivo, sustentado em elementos de facto concretos, mas tão só prováveis, justificando a utilização de parâmetros gerais comuns adequados àquele juízo valorativo que se impõe apurar.

Para que assim não suceda, imperioso se torna que aquele a quem possa ser oposto o método em causa, faculte os elementos necessários e indispensáveis à decisão a tomar, de forma a que os resultados a que permitam chegar se mostrem reais, efectivos, concretos e credíveis, assim excluindo, necessariamente, a possibilidade da utilização de tais métodos.
Por outro lado, no caso de utilização de métodos indiciários, para que as extrapolações a que o mesmo venha a conduzir, se mostrem casuìsticamente adequadas, bastará que se suportem na utilização de elementos obtidos segundo as regras da experiência, norteados pelos aludidos critérios de normalidade e de razoabilidade.

Caberá, então, àquele a quem o método em questão venha a ser oposto, e sendo caso disso, a demonstração que, no caso, a realidade é diversa do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras da experiência, nomeadamente porque os critérios que as nortearam, não se mostram razoáveis e/ou normais.

No caso em apreço, o presente recurso jurisdicional assenta não só na "errónea quantificação da matéria colectável por métodos indiciários", mas também quanto à falta de pressupostos para a passagem a tais métodos, questão esta que foi objecto de conhecimento no ponto anterior e onde se concluiu pela sua improcedência.

Cabe referir que no direito adjectivo fiscal, art.º 40.º n.º1 do CPT e hoje nos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT, e no direito adjectivo civil, art.º 265.º n.º3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.º 264.º n.ºs 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a...suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto...cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário. Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, anotação 8. ao art.º 121.º, págs. 267 e 268.
E à Administração Tributária, o ónus de provar os pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indiciários, cabendo-lhe a ela enunciar o critério utilizado na respectiva quantificação, expondo os elementos convincentes em que fez assentar o volume da matéria colectável presumida, em dados objectivos, racionais e fundamentados, extraídos de parâmetros gerais e comuns à situação, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições. Ou seja, encontra-se a AT vinculada, a utilizar critérios na determinação da quantificação da matéria tributável que sejam conhecidos e que segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos desconhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar(6).

Por outro lado, não podemos deixar de trazer à colação o princípio em que se fundamenta a organização de uma sã contabilidade (art.º 44.º do Código Comercial), segundo o qual todos os factos patrimoniais evidenciados na contabilidade têm de se mostrar descritos e comprovados por meio de escritos comerciais. Ou seja, todo o lançamento contabilístico tem de ter por base um documento de suporte, que não só constitui o respectivo fundamento como, na sua falta, não permite que o facto seja admitido a registo.
Precisamente porque a escrituração comercial constitui um meio de prova em caso de litígio (art.º 44.º do Código Comercial) os registos não devem apresentar-se desfalcados de suporte documental. E também, por outro lado, não devem apresentar irregularidades (art.º 39.º § único do Código Comercial).

A repartição do ónus da prova em sede de impugnação judicial, após a entrada em vigor do CPT, ao vir introduzir um novo preceito - o do art.º 121.º e hoje do art.º 100.º do CPPT - que se nos afigura como exprimindo um princípio estruturante do processo contencioso tributário, como do processo administrativo tributário, que a «fundada dúvida sobre a existência do facto tributário» deve implicar que a administração fiscal se abstenha, quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do imposto.
No dizer de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão(7), é a consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que, na prática, era acatado no regime anterior à Reforma Fiscal.
O preceito em anotação, todavia, carece de aprofundado esforço interpretativo, a fim de se aferir do seu correcto alcance.
A «dúvida fundada» a que alude o referido art.º 121.º do CPP e hoje o art.º 100.º do CPPT, que implica a anulação do acto impugnado, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante(8).
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de facto tributário.
Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los.
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível pelo fundamento daquela dúvida.

A produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respectiva. No caso, pretendia o impugnante anular os actos de liquidação adicional de IVA por entender que os critérios utilizados pela AT na presunção dos montantes de serviços prestados e em falta não tinham o montante alcançado e onde repousam as liquidações adicionais, mas o certo é que nem ousou articular sequer, ou trazer aos autos qualquer prova capaz de infirmar esses montantes tal como foram apurados nos concretos anexos ao mesmo relatório, em que foi apurada a diferença entre o montante dos recibos passados e o montante por si declarado bem como a falta da passagem de recibos de diversas importâncias por si recebidas, donde resultaram aqueles montantes de serviços prestados, desta forma se tendo apurado um resultado tão próximo da avaliação directa como era possível, e que hoje a norma do art.º 85.º, n.º2 da LGT, faz directo apelo.

Entende-se contudo, carecer de razão em absoluto, o recorrente quanto a estas críticas assacadas ao método utilizado pela AT e acolhido como apto para o efeito pela sentença recorrida, que nesta parte da liquidação do IVA nada tem que ver com a fundamentação ao que o mesmo se arrima e relativa ao IRS, quanto aos rendimentos auferidos da categoria B(9), constante na matéria das suas conclusões 7. a 9., como o mesmo parece não ter percebido.

Na verdade, como se deixou acima fundamentado, foram tais montantes de serviços prestados relacionados um por um no anexo n.º5 de fls 220 e os recibos por si passados a fls 221, donde resultou parte dessa diferença, bem como no anexo n.º 7 de fls 224 e segs, foram apuradas as prestações de serviços onde não foi emitido qualquer recibo e nem pago o respectivo imposto, sendo por isso patente que a contabilidade não constituía o meio apto para medir a totalidade dessas prestações de serviços, daí a aplicação de métodos indirectos e o acerto da quantificação operada ao fazê-la consequenciar dessas duas realidades directamente constatadas: a diferença do montante entre os recibos passados pelos clientes pelas prestações dos serviços e os recibos por si passados e o montante das prestações de serviços onde o mesmo sujeito passivo nem passou qualquer recibo, donde foi apurada a base tributável a que se aplicou a respectiva taxa.

Cabia, com efeito, ao mesmo, para obter a almejada anulação das liquidações, ter provado tal excesso ou erro nessa quantificação, como parte integrante do seu direito à referida anulação, o que constituía a causa de pedir, ou sejam "os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido", como se dizia na norma do art.º 127.º n.º1 do CPT e hoje na do art.º 108.º n.º1 do CPPT, tendo em vista obter a pretendida anulação(10).
Cabia ao impugnante alegar tal matéria em concreto, o que nem fez, mas também prová-la, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria, a do art.º 342.º do CC, que dispõe que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», princípio que hoje encontra expressa guarida na norma do art.º 74.º n.ºs 1 e 3 da LGT.

No que se conclui que o critério utilizado, à partida, se nos afigura razoável e equilibrado para o fim em vista, diremos mesmo, confortavelmente sólido, só podendo pecar por defeito, por a fiscalização poder não ter conseguido identificar todas as situações que em que os serviços tenham sido prestados ou em que o mesmo tenha deixado de emitir o competente recibo, como aliás, com propriedade, também refere o Exmo Distrital de Finanças na sua decisão a fls 268/269 dos autos, pelo que o mesmo não pode deixar de ser apto para a mensuração dos serviços prestados e que foram omitidos à sua contabilidade, recolhidos nos termos supra, o mesmo sendo de dizer, que pela AT foi seguido um critério que não se pode considerar desadequado, antes sendo apto para o fim em causa, a menos que a impugnante tivesse vindo a efectuar a prova da desadequação de tal critério e/ou que no caso a realidade era diversa, e como tal, a liquidação padecia de excesso na quantificação.

Mas tal prova a não fez o ora recorrente, já que apenas veio juntar aos autos com a sua petição inicial de impugnação judicial, os documentos de fls 53 a 135, que não colidem com a factualidade donde emergem as quantificações dos serviços prestados nesses dois exercícios, bem como a prova testemunhal produzida “nada acrescentou de relevante”, como decidiu a M. Juiz do Tribunal “a quo”, sem que o mesmo tenha colocado em causa, de forma válida, tal julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 690.º-A do CPC, como acima se disse, pelo que a mesma não pode deixar de se manter.

E não tendo feito tal prova e nem tendo mesmo chegado a colocar em dúvida séria, fundada, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para concluir pela existência daqueles montantes de prestação de serviços, a causa tem de ser decidida contra o impugnante, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Também, A. José de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 292, nota 7., se pronunciam em igual sentido: "O impugnante tem, por conseguinte, o ónus da alegação dos factos integradores da ilegalidade do acto tributário a anular"...E na nota 10., pág. 293: Sem embargo do ónus da prova de tais factos que recai sobre o impugnante (art.º 342.º do Código Civil)"...

Quando se coloca o problema de apurar se existiu, ou não, determinado facto tributário, como no caso acontece, há que analisar em pormenor se a administração fiscal fez assentar os pressupostos da sua pretensão segundo juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, resultando a legitimação do uso, pela administração fiscal, dessa mera probabilidade da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais.
Não sendo possível, a maior parte das vezes, ter a certeza sobre a existência do facto tributário, daí não resulta que o contribuinte não seja tributado, pois, para que tal tributação não se verifique, necessário será que aquele alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação(11).
Por outro lado, só releva para a anulação da liquidação do imposto a dúvida legítima ou fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, ou seja, quando aquela dúvida não seja imputável ao impugnante(12), e no caso, a existir, seria.

No caso, face aos elementos antes referidos, carreou a Administração Fiscal para os autos, dados certos e objectivos, que conduzem com um elevado grau de probabilidade, segundo juízos de causalidade usuais e normais no comércio, que as prestações de serviços naqueles dois exercícios foram nos montantes das importâncias aí apuradas, as quais foram extrapoladas também da documentação existente na contabilidade do ora recorrente, critério que, à partida se não vislumbra que esteja errado, afigurando-se-nos antes, como adequado, como acima se analisou, fundamentou e concluiu.

Por sua vez, cabia ao recorrente, ter alegado e provado factos certos e concludentes que pusessem em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou aquele juízo de probabilidade elevado feito pela Administração Fiscal para prova do erro ou excesso nessa quantificação por métodos indirectos. Ou que no caso, haviam ocorrido circunstâncias especiais que levaram a que em relação a tais exercícios dos anos de 1989 e de 2000, os montantes dos serviços prestados eram de valor inferior ao estimado pela AF, mercê de uma qualquer particularidade. Situação que colocava o impugnante nas melhores condições para o esclarecer e provar, o que não fez, sem que tenha sequer, na sua petição inicial de impugnação, articulado factos concretos, precisos, com a virtualidade de pôr em dúvida aqueles pressupostos em que assentou a liquidação, como acima se disse e também, não produziu prova testemunhal capaz a tal respeito, e a prova documental junta, acima analisada, encontra-se longe de colocar em dúvida séria, fundada, tais pressupostos, não sendo por isso também caso de aplicação do disposto nos art.ºs 74.º n.º3 e 100.º do CPPT, com a anulação dos actos de liquidação.


Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em dez UCs – cfr. art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro e art.º 10.º do RCPT, aprovado pelo art.º 1.º do citado Decreto-Lei.


Lisboa, 06/10/2010

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS


1- A omissão de pronúncia reconduz-se à falta do conhecimento de questões, e não sobre a falta de realização de diligências instrutórias ou falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas – cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª edição, revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 572, nota 10.
2- Cfr. entre muitos outros, o acórdão do STA de 6.11.2008, recurso n.º 441/08.
3- Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
4- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão de 12.5.1992, do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância.
5- Recurso 3.687/00, de que o ora Relator ali foi Adjunto.
6- Entendimento que traduz jurisprudência firmada, designadamente deste Tribunal, como se pode ver nos acórdãos n.ºs 6388/02 e 1042/03, de 18.6.2002 e 27.1.2004, respectivamente. 7- In Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 275, notas 7. e 8.
8- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 15.1.1997, recurso n.º 17 914.
9- O que o ponto 3.2.2.5. do relatório da fiscalização claramente discrimina.
10- Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 4.4.1995, recurso n.º 62 872.
11- Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 5.12.95, recurso n.º 63 479.
12- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal de 21.12.1999, recurso n.º 2 417/99, de que o aqui Relator ali foi Adjunto.