Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
PROVA
Sumário:A recorrente não consegue indicar um só acto de gerência praticado pelo oponente. E no processo de execução fiscal não constam quaisquer elementos com base nos quais se pudesse aferir a gerência de facto do oponente. Donde se impõe concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação à oponente não se mostra comprovado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a oposição deduzida por O...., revertido, no processo de execução fiscal n.º 35….. e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3, na qual é devedora originária a sociedade “C....., Lda”., tendo em vista a cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas («IRC»), Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares («IRS»), coimas e custas administrativas fixadas em processos de contra-ordenação, no valor total de € 13.155,74.

Mais determinou aquela sentença, em consequência da procedência da oposição, quanto ao oponente, a extinção do processo de execução fiscal supra identificado.


A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da oposição, deduzida na execução fiscal n.º 35…… e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3, por reversão de dívidas fiscais instauradas originariamente contra a sociedade “C....., Ld.ª”, com o número contribuinte n.º 502…… e revertidas contra o ora Oponente, para cobrança coerciva de dívidas relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas (IRC), a retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (IRS) e a coimas e custas administrativas fixadas em processos de contraordenação (PCO), no montante global de € 13.155,74, e com a qual não podemos concordamos.

B. Especificando, a sentença em crise, em resposta à alegação da falta de pressupostos de que a lei faz depender a reversão das dívidas fiscais, sobre os responsáveis subsidiários e apesar das provas juntas aos autos, que documentam atos do exercício de gerência, considerou que a Fazenda Pública não cumpriu o ónus probatório que lhe competia, assim determinando a anulação da reversão contra o Oponente.

C. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, todos os elementos fácticos quer da Fazenda Pública, quer efetuados através da prova documental resulta que o ónus da prova que nos cabe está cumprido.

D. Conforme proferido na fundamentação dos factos provados, o Oponente foi designado gerente da C.....- cfr. documento 5 junto à petição inicial; (ponto 2.) em 30.09.1993.

E. Nos anos de 1999, 2003, 2004 e 2007 a 2011, a C..... procedeu à entrega das suas declarações anuais de rendimentos, nelas indicando, como seu representante legal, o NIF de O.....- cfr. fls. 52 a 56 do PEF;(ponto 3.)

F. Faltando, no entanto, cimentar também como factos provados que : A sociedade “C.....–, Lda.”, constituída por registo de 12.01.1989, tinha como objeto social o “Exercício da produção, comercialização, importação, exportação e representação de tecidos, vestuário, calçado, brinquedos, brindes e outros artigos relacionados com a moda”, obrigando-se a com a assinatura de um gerente ou de um procurador - cfr. certidão permanente. E

G. Em 22.02.2012, através da AP. 17/20…, foi registada a cessação de funções de gerência do ora Oponente, com data de 08.11.2011. (ponto 6)

H. Portanto, deveria ter sido concatenado, na douta decisão de primeira instancia, que o Oponente era a única pessoa singular, com os poderes de representação para actos vinculativos e gíria comercial, em relação à devedora originária articulando com os factos descriminados no ponto 3. (atos de representação) e nos pontos 5., 6., o período das dívidas exequendas, abarca o período desde a designação para o cargo de gerente, até à data do registo da renuncia.

I. Está por demais evidenciado que foram observados atos de gerência realizados pelo Oponente, cabendo aqui salientar uma vez nomeado e iniciado o exercício das suas funções passa a ter direitos e obrigações para com a sociedade e para com terceiros, no cumprimento de obrigações emergentes dos estatutos da sociedade e de origem interna e obrigações de variados preceitos legais. Tem o dever de administrar a empresa de modo a que ela subsista e cresça, para tal desenvolvendo os negócios adequados e, orientando a demais atividade daquela, devendo cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos e sempre de molde a evitar que o património da sociedade se torne insuficiente para o pagamento do seu passivo e tem ainda a obrigação, in extremis, de pedir em tribunal a convocação dos credores para que estes e o juiz decidam o destino da empresa.

J. Assim sendo, e tendo em consideração o acima referido é entendimento da Fazenda Pública que estabelecida gerência de direito, revela para todos os terceiros de boa fé, uma autêntica gerência de facto estando igualmente esta documentada nos autos.

K. Ademais, tratando-se, em parte de dividas respeitantes a imposto repercutido sobre terceiros de boa fé, no caso Imposto sobre o Valor Acrescentado e impostos sobre os rendimentos, nunca estaria na disponibilidade do Oponente/Recorrido o uso dos montantes relativos a impostos repercutidos sobre terceiros, para fins diversos daqueles que estão previstos na lei, ou seja a entrega nos cofres do Estado, precisamente pelo facto de que, reiteramos, esse dinheiro proveniente de impostos repercutidos sobre terceiros de boa fé, não lhe pertence nem a si enquanto gerente da executada, nem à executada, consubstanciando concretamente o uso indevido desses montantes gestão danosa e locupletamento à custa de meios do Estado;

L. De todos estes factos, deveria o Tribunal a quo ter devidamente considerado e valorado, efetuado uma apreciação crítica de todas as provas carreadas para os autos;

M. Enquadra-se a responsabilidade subsidiária do Oponente/Recorrido no regime previsto na alínea b) do nº. 1 do art. 24º. da LGT, sendo que dos autos resultam elementos de prova reveladores da gerência de facto do Oponente/Recorrido;

N. A douta sentença recorrida ao decidir com fundamento na falta de prova de gerência de facto efetuada pela Fazenda Pública fez errada apreciação da prova, e violou o disposto no artigo. 24º. nº. 1 al. b) da LGT, os artigos 413.º. do CPC, bem como os artigos 64.º, 78.º, 259.º e 260.º do CSC;

O. Nesta conformidade, tendo a douta sentença feito errada interpretação e valoração da prova e dos factos, deverá a mesma ser anulada e proferido acórdão que considere o Oponente/Recorrido parte legítima para a execução, e enquanto tal responsável pelas dívidas exequendas;

P. Neste sentido, e sempre com a devida vénia, a douta Sentença exarada padece de erro de julgamento da matéria de facto, revelando uma inadequada valoração da prova documental produzida nos autos de primeira instância, sendo que, no nosso entender e salvo melhor opinião, deveria ter sido dado como provado o cumprimento do ónus da prova que cabia à AT.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada

JUSTIÇA!»


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O Oponente, aqui Recorrido, apresentou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«I – O presente recurso vem interposto, pela Recorrente, da douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, o qual decidiu pela extinção da execução fiscal n.º 35….. e Apensos, com a decorrente extinção da responsabilidade do Recorrido, sentença esta que, no entender do Recorrido, salvo douto melhor entendimento por parte de V/Exas., não merece censura.

II – A Recorrente fundou e fundamentou, o seu Recurso, em suma que foram observados atos de gerência realizados pelo Recorrido, gerência esta igualmente documentada nos autos.

III – Ora, pelo entender da Recorrente, o Recorrido exerceu, efetivamente ou facto, as funções de administrador, diretor ou gerente da Originária Devedora.

IV – Sendo, neste particular, parte legítima e presumindo-se a sua culpa na falta de pagamento das dívidas revertidas.

V – Ora, a responsabilidade tributária subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

VI – Tal procedimento administrativo em matéria tributária traduz-se numa alteração ou ampliação subjetiva da instância executiva, do lado passivo, dependendo a reversão do processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários da verificação alternativa dos seguintes pressupostos gerais:

· Da inexistência de bens penhoráveis do devedor principal e dos seus garantes solidários ou,

· Da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos seus garantes solidários, conforme artigos 153.º, n.º 2, alínea a) e b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 23.º n.º 2 da Lei Geral Tributária.

VII – Verificado qualquer dos pressupostos gerais alternativos e no caso da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais de pessoas coletivas ou de entes fiscalmente, a reversão do processo de execução fiscal opera contra quem exerça, efetivamente ou de facto, as funções de administrador, diretor ou gerente, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

VIII – Ora as regras relativas ao ónus da prova dos factos que servem de suporte à responsabilidade inserem-se em normas de carácter substantivo, sendo reguladas pela lei vigente no momento em que corre o facto tributário.

IX – Regra geral, quem invoca um direito, tem que demonstrar ou provar a verificação dos factos constitutivos, salvo quando exista presunção legal a seu favor, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 342.º, n.º 1 do Código Civil.

X – Ora, podem ser usadas presunções, onde o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um que é desconhecido, nos termos do artigo 349.º do Código Civil, e adquiridas através das regras da experiência comum ou de máximas da vida, de que, normalmente, certos factos são consequência de outros ou têm determinado resultado.

XI – Assim, quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa, pois, de demonstrar ou provar o facto que a ela conduz, nos termos do artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil.

XII – Desta forma, é à Autoridade Tributária, enquanto Recorrente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos legais que lhe permitam reverter o processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário, salvo, pois, se, relativamente a algum deles, beneficiar de uma presunção legal.

XIII – As normas aplicáveis à responsabilidade subsidiária dos administradores, diretores ou gerentes e às condições da sua efetivação determinam-se segundo as regras vertidas nos artigos 12.º do Código Civil e 12.º da Lei Geral Tributária.

XIV – Em concreto, são as que vigorarem aquando da constituição da dívida, pelo que, no caso em apreço, considerando que, quando as dívidas se constituíram, já se encontrava em vigor a Lei Geral Tributária, é aplicável o artigo 24.º deste diploma legal.

XV – Requisito prévio da aplicação do artigo 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária é que a gerência tenha, efetivamente ou de facto, sido exercida pelo responsável subsidiário e não se tenha quedado por uma mera gerência nominal ou de direito.

XVI – Ora, de acordo com a prescrição normativa, a gerência terá que ser efetiva ou de facto e tal terá que ser demonstrado ou provado pela própria entidade exequente.

XVII – Assim, não pode, de forma automática, inferir da gerência nominal ou de direito a gerência de facto, pois esta terá que assentar em factos concretos e determináveis, de molde a que não subsistam dúvidas quanto ao efetivo exercício daquela função.

XVIII – Deste modo, a falta de prova dessa gerência de facto deve ser valorada contra a Autoridade Tributária.

XIX – As presunções naturais, judiciais ou de facto, previstas no artigo 351.º do Código Civil, são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência e que permitem que se afirmem factos desconhecidos a partir de factos conhecidos que, com aqueles, estão numa relação lógica necessária.

XX – Ou seja, nunca estará vedado ao julgador retirar da prova produzida uma presunção judicial, concluindo-se, por essa via e se for caso disso, pela gerência de facto.

XXI – Ora, para que se verifique a responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais de pessoas coletivas nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos, cujo ónus da prova cabe, na totalidade, à Autoridade Tributária:

· A inexistência ou fundada insuficiência do património societário para pagamento das dívidas em execução fiscal;

· Que o facto constitutivo das dívidas em execução fiscal tenha ocorrido no período do exercício, efetivo ou de facto e por parte do revertido, das funções de administrador, diretor ou gerente, ou cujo termo final do prazo legal de pagamento tenha ocorrido depois de tal período;

· Que a inexistência ou fundada insuficiência do património societário tenha resultado de atuação culposa do administrador, diretor ou gerente.

XXII – Mas, para que se verifique a responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais de pessoas coletivas nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, é necessário que se preencham, também cumulativamente, os seguintes pressupostos:

· Que o termo final do prazo legal de pagamento ou entrega tenha ocorrido do exercício, efetivo ou de facto e por parte do revertido, das funções de administrador, diretor ou gerente, cujo ónus da prova cabe à Autoridad Tributária;

· Que a falta de pagamento não tenha sido por culpa do administrador, diretor ou gerente, cujo ónus da prova cabe ao revertido, pois que se trata de um presunção legal de culpa a favor da Autoridade Tributária, incumbindo a presumível culpado demonstrar que não foi por culpa sua que o pagamento da dívida exequenda e acrescido não se efetuou.

XXIII – No caso em apreço, releva ainda o disposto no artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias, que sob a epígrafe Responsabilidade Civil pelas multas e coimas, estatui que “(…) Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis (…).”

XXIV – Pelo que, quanto à reversão dos processos de execução fiscais instaurados contra pessoas coletivas para cobrança coerciva de dívidas relativas a coimas, é igualmente necessária a verificação do pressuposto relativo ao exercício, efetivo ou de facto, e por parte do revertido, das funções de administrador ou gerente.

XXV – Igualmente cabendo à Autoridade Tributária o ónus de demonstrar ou provar a verificação dos respetivos factos constitutivos.

XXVI – Ora, a reversão do processo de execução fiscal n.º 35…… e Apensos contra o Recorrido, na qualidade de responsável subsidiário, operou ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da Lei Geral Tributária e, bem assim, do artigo 8.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

XXVII – De facto, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária “(…) Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas (…) são subsidiariamente responsáveis (…)”.

XXVIII – Sendo que, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias “(…) Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas (…) são subsidiariamente responsáveis (…)”.

XXIX – O Recorrido, contudo, sustenta que, pese embora, até 08.11.2011, como tal figurasse no pacto social da Originária Devedora, nunca exerceu, efetivamente ou de facto, as funções de gerente da mesma.

XXX – A Recorrente sustenta, porém, que, segundo a certidão permanente, o Recorrido era o sócio maioritário, e até 08.11.2011, o Recorrido, auferiu rendimentos e vinculou a sociedade perante a Autoridade Tributária, bem sabendo da respetiva situação contabilística e fiscal.

XXXI – Contudo, o facto de, no pacto social, figurar como gerente não é suscetível de revelar a prática, por parte do gerente nominal ou de direito, de quaisquer atos típicos do exercício dos poderes de gerência.

XXXII – Por outro lado, importa não ignorar que, ao abrigo dos normativos citados nos despachos que ordenaram a preparação do processo de execução fiscal para reversão contra o Recorrido e a subsequente reversão contra o mesmo a responsabilidade opera em relação às dívidas cujo termo final do prazo legal de pagamento ou entrega tenha ocorrido durante o exercício do cargo.

XXXIII – Ora, os termos finais dos prazos legais de pagamento ou entrega das dívidas revertidas ocorreram no período compreendido entre 31.01.2011 e 15.02.2012.

XXXIV – Pelo que a invocação, por parte da Recorrente, de que o Recorrido, no ano de 2005, auferiu rendimentos do trabalho dependente pagos ou colocados à disposição pela Originária devedora, em si mesma, nada significa.

XXXV – Pois, o ano a que tais rendimentos respeitam dista, em muito do momento em que devem verificar-se, em relação ao Recorrido, os pressupostos da responsabilidade subsidiária e tal não demonstra ou prova as concretas funções pelas quais terá sido remunerado.

XXXVI – Visto que os rendimentos da categoria A não são exclusivos de administradores, diretores ou gerentes, mas comuns a qualquer trabalhador por conta de outrem, independentemente das funções que desempenhe.

XXXVII – De todo o modo, não resultam dos autos quaisquer evidências de que, no ano 2005, o Recorrido tenha auferido tais rendimentos, pagos ou colocados à disposição pela Originária Devedora.

XXXVIII – Finalmente, a circunstância de as declarações anuais de rendimentos da Originária Devedora indicarem o NIF do Recorrido como sendo o seu representante legal também não consubstancia a prática, por parte do Recorrido, de quaisquer atos típicos de gerência.

XXXIX – Pois, consabido é que todas as empresas constituídas em sociedade são obrigadas a possuir contabilidade organizada e que quem preenche e entrega as respetivas declarações anuais de rendimentos são técnicos oficiais de contas.

XL – Que se limitam a carrear para essas declarações os elementos que lhe são fornecidos pelas sociedades ou outros que deles resultem.

XLI – Significa isto que da circunstância de o técnico oficial de contas, no campo destinado à identificação do representante legal, apor o NIF do Recorrido nas declarações anuais de rendimentos da Originária Devedora, não se pode inferir a gerência de facto por parte do Recorrido ou, sequer, o seu conhecimento da situação contabilística e fiscal da sociedade.

XLII – Assim, da descrita factualidade não é possível, ao Tribunal, retirar qualquer ilação ou construir qualquer presunção judicial de que o Recorrido exerceu, efetivamente ou de facto, as funções de gerente da Originária Devedora.

XLIII – À Recorrente, sobre quem pesava o ónus de demonstrar ou provar que o Recorrido exercia, efetivamente ou de facto, as funções de gerente da Originária Devedora, impunha-se um maior esforço probatório.

XLIV – Nomeadamente através de atos que revelassem, por parte do Recorrido, uma atuação no comércio jurídico em nome e em representação da sociedade, suscetível de a vincular ou obrigar perante terceiros, como por exemplo a assinatura de cheques ou movimentação de contas bancárias.

XLV – Ora, não tendo a Recorrente produzido qualquer outra prova ou lançado mão de quaisquer outros meios de prova, além daqueles sobre quais aqui se discorreu, resta concluir que não cumpriu satisfatoriamente aquele ónus probatório.

XLVI – Restando, pois, concluir, que, não foi feita prova de que o Recorrido alguma vez exerceu, efetivamente ou de facto, as funções de administrador, diretor ou gerente da Originária Devedora, pressuposto sine qua non da responsabilidade subsidiária dos gerentes de pessoas coletivas pelas dívidas tributárias e da sua responsabilidade civil pelas coimas.

XLVII – Os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária dos gerentes de pessoas coletivas pelas dívidas tributárias e da sua responsabilidade civil pelas coimas são de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de um deles prejudica o conhecimento dos demais.

XLVIII – Tendo como consequência a extinção, quanto ao revertido, da execução fiscal, por ilegitimidade da pessoa citada, decorrente de não ser o devedor que consta no título executivo e não ser o responsável pelo pagamento das dívidas ou das coimas, nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e Processo Tributário.

XLIX – Como, pela resolução desta questão, fica prejudicado o conhecimento da alegada falta de fundamentação do despacho de reversão.

L – Face ao supra exposto, deve-se concluir que o Recorrido não era gerente de direito e de facto, não sendo o mesmo responsável pelo não cumprimento do dever de pagar os impostos por parte da Devedora Originária, pois a Recorrente não fez prova, não respeitando a regra do ónus da prova e dos pressupostos que estruturam uma reversão fiscal.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V/Exas. mui doutamente suprirão, deverá as presentes contra-alegações serem julgadas procedentes por provadas e como consequência ser o recurso perpetrado pela Recorrente improcedente por não provado, confirmando-se na integra a decisão perpetrada pelo Tribunal a quo, fazendo-se assim a tão costumada justiça!


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Notificado, o Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art.º 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se existem ou não elementos factuais, nos presentes autos, que permitam aferir se o oponente praticou actos de gerência de facto durante o período em que figurou como gerente de direito na sociedade «C.....–, Lda.»


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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1. A C..... é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto é a produção, comercialização, importação, exportação e representação de tecidos, vestuário, calçado, brinquedos, brindes e outros artigos relacionados com a moda, tendo sido constituída com o capital social de € 299.278,73 dividido em duas quotas, nos seguintes termos: uma quota no valor de € 224.278,73, pertencente a O.....; uma quota no valor de € 74.819,68 , pertencente a P....., sendo necessária a assinatura de um gerente ou de um procurador para obrigar a sociedade - cfr. documento 5 junto à petição inicial;

2. A 30.09.1993, O..... foi designado gerente da C.....- cfr. documento 5 junto à petição inicial;

3. Nos anos de 1999, 2003, 2004 e 2007 a 2011, a C..... procedeu à entrega das suas declarações anuais de rendimentos, nelas indicando, como seu representante legal, o NIF de O.....- cfr. fls. 52 a 56 do PEF;

4. A 17.03.2011, no Serviço de Finanças de Oeiras-3 (Algés) e contra a C....., foi instaurado o PEF n.º 35….., tendo em vista a cobrança coerciva de uma dívida relativa a IVA do 4.º trimestre do ano 2010, no valor de € 5.236,95, cujo termo final do prazo legal de entrega ocorreu a 15.02.2011 - cfr. fls. 1 e 3 do PEF;

5. Ao PEF n.º 35….. viriam a ser apensados os seguintes PEF, também instaurados no Serviço de Finanças de Oeiras-3 (Algés) e contra a C.....:

5.1. PEF n.º 35….., instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRC e juros de mora do ano 2008, nos valores de € 1308,56 e € 248,63, respectivamente, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 31.01.2011;

5.2. PEF n.º 35……, instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a coima e custas administrativas fixadas no PCO n.º 35….., nos valores de € 1.226,12 e € 51,00, respectivamente, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 20.04.2011;

5.3. PEF n.º 35……, instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS (retenções na fonte) do ano 2011, no valor de € 160,91, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 20.04.2011;

5.4. PEF n.º 35….., instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a coima e custas administrativas fixadas no PCO n.º 35….., nos valores de € 1.086,67 e € 51,00, respectivamente, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 06.06.2011;

5.5. PEF n.º 35……, instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS (retenções na fonte) do ano 2011, no valor de € 54,72, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 20.08.2011;

5.6. PEF n.º 35……, instaurado para cobrança coerciva de dívida relativa a IRC do ano 2010, no valor de € 68,04, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 07.09.2011;

5.7. PEF n.º 35….., instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a coima e custas administrativas fixadas no PCO n.º 35….., nos valores de € 32,41 e € 51,00, respectivamente, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 03.10.2011;

5.8. PEF n.º 35….., instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a coima e custas administrativas fixadas no PCO n.º 35…., nos valores de € 503,50 e € 51,00, respectivamente, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 25.10.2011;

5.9. PEF n.º 35……, instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a IRS (retenções na fonte) do ano 2011, no valor de € 54,72, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 20.10.2011;

5.10. PEF n.º 35….., instaurado para cobrança coerciva de dívidas relativas a coima e custas administrativas fixadas no PCO n.º 35……, nos valores de € 1.234,99 e € 44,50, respectivamente, cujo termo final do prazo legal de pagamento ocorreu a 22.12.2011

5.11. PEF n.º 35….., instaurado tendo em vista a cobrança coerciva de uma dívida relativa a IVA do ano 2011, no valor de € 1.691,02, cujo termo final do prazo legal de entrega ocorreu a 15.02.2012 - cfr. fls. 44 a 46 do PEF;

6. A 08.11.2011, O..... renunciou à gerência da C.....- cfr. documento 5 junto à petição inicial;

7. A 12.07.2013, no âmbito do Processo n.º 648/13.3TYLSB, que corre ou correu os seus termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, foi proferida sentença de declaração de insolvência da C.....- cfr. fls. 62 do PEF;

8. Em data não concretamente apurada, no Serviço de Finanças de Oeiras-3 (Algés) e no âmbito do do PEF n.º 35….. e Apensos, foi lavrada informação, da qual se extraí, entre o mais, o seguinte:

(…)

1) Corre termos neste Serviço de Finanças, processos de execução fiscal activos, instaurados em nome de C..... LDA, pelas seguintes importâncias:

(…)

2) De acordo com a informação constante no sistema informático e nos processos, verifica-se que para a devedora principal, existem penhoras efectuadas.


“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”


- cfr. fls. 58 e 59 do PEF;

9. A 22.07.2013, no Serviço de Finanças de Oeiras-3 (Algés), foi proferido despacho, ordenando a preparação do PEF n.º 35….. e Apensos para reversão contra responsáveis subsidiários, despacho do qual se exara, entre o mais, o seguinte:

(…)

Face à informação e diligências que antecedem, e para efectos de acionar os mecanismos conducentes à efectivação da responsabilidade subsidiária, nos termos dos Art.º 23º da LGT e Art.º 8.º do RGIT, prepare-se o processo com vista à reversão contra o(s) responsável(eis) subsidiário(s) identificado(s) no ponto 9 da informação.

Nos termos do n.º 4 do art.º 23º e do art.º 60º da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para querendo exercer(em) por escrito, o direito de audição prévia, fixando-se para tal o prazo de 15 dias a contar da notificação.

(…)

- cfr. fls. 57 do PEF;

10. A 29.08.2013, no âmbito do PEF n.º 35…… e Apensos, foi lavrada informação, da qual se extrai, entre o mais, o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

- cfr. documento 2-A junto à petição inicial;

11. Na mesma data (29.08.2013), no Serviço de Finanças de Oeiras-3 (Algés), foi proferido despacho, ordenando a reversão do PEF n.º 35…… e Apensos contra O....., despacho do qual se exara o seguinte:

(…)

Considerando as diligências efectuadas e à informação, e tendo-se efectuado a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), bem como todos os elementos carreados para os autos, efectiva-se a alteração subjectiva da instância, convertendo-se em definitivo, nos termos do n.º 4 do Art.º 23.º e Art.º 24.º do CPPT e do Art.º 60.º da LGT e do Art.º 8.º do RGIT, a reversão das dívidas da executada, na pessoa do(s) seu(s) gerente(s) responsável(eis) O…., NIF: 1…... Reverta-se a execução contra este(s), procedendo-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.º 160º do CPPT, para pagar no prazo de 30 dias a quantia que contra si reverteu sem Juros de Mora nem Custas, nos termos do n.º 5 do Art.º 23º da LGT..

(…)

- cfr. documento 2 junto à petição inicial;

12. O.....foi citado para o PEF n.º 35…… e Apensos, de cuja carta de citação se exara, entre o mais, o seguinte:

(…)




(…)

- cfr. documento 1 junto à petição inicial.


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Factos não provados

Inexistem factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

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Motivação da matéria de facto

«Nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da análise crítica dos documentos juntos aos autos, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, que foram admitidos, não foram impugnados e se encontram especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório.»


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente oposição provida e procedente e, consequentemente, quanto ao oponente, extinguiu a execução fiscal.
Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«Restando, pois, concluir, que, nos presentes autos, não foi feita prova de que o Oponente alguma vez exerceu, efectivamente ou de facto, as funções de administrador, director ou gerente da Originária devedora, pressuposto sine qua non da responsabilidade subsidiária dos gerentes de pessoas colectivas pelas dívidas tributárias e da sua responsabilidade civil pelas coimas.

Os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária dos gerentes de pessoas colectivas pelas dívidas tributárias e da sua responsabilidade civil pelas coimas são de verificação cumulativa, pelo que a não verificação de um deles prejudica o conhecimento dos demais e tem como consequência a extinção, quanto ao revertido, da execução fiscal, por ilegitimidade da pessoa citada, decorrente de não ser o devedor que consta no título executivo e não ser o responsável pelo pagamento das dívidas ou das coimas (cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT).»


Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando uma errada interpretação e valoração da prova e dos factos [conclusão de recurso O.]

Entende a recorrente que a sentença em crise, considerou que a Fazenda Pública não cumpriu o ónus probatório que lhe competia, mas que de todos os elementos fácticos quer da Fazenda Pública, quer efetuados através da prova documental resulta que o ónus da prova que lhe cabe está cumprido. [conclusões de recurso B. e C.]

Vejamos então a factualidade com que a recorrente alega ter provado o exercício da gerência de facto do oponente:

«D. Conforme proferido na fundamentação dos factos provados, o Oponente foi designado gerente da C.....- cfr. documento 5 junto à petição inicial; (ponto 2.) em 30.09.1993.

E. Nos anos de 1999, 2003, 2004 e 2007 a 2011, a C..... procedeu à entrega das suas declarações anuais de rendimentos, nelas indicando, como seu representante legal, o NIF de O.....- cfr. fls. 52 a 56 do PEF;(ponto 3.)

F. Faltando, no entanto, cimentar também como factos provados que : A sociedade “C.....–, Lda.”, constituída por registo de 12.01.1989, tinha como objeto social o “Exercício da produção, comercialização, importação, exportação e representação de tecidos, vestuário, calçado, brinquedos, brindes e outros artigos relacionados com a moda”, obrigando-se a com a assinatura de um gerente ou de um procurador - cfr. certidão permanente. E

G. Em 22.02.2012, através da AP. 17/20…., foi registada a cessação de funções de gerência do ora Oponente, com data de 08.11.2011. (ponto 6)»


Vejamos.
O alegado nas conclusões de recurso D., F. e G., que são para a recorrente a matéria de facto relevante, com os quais alega ter cumprido o ónus da prova, são factos que constam das diversas inscrições da Certidão Permanente da Conservatória do Registo Comercial referente à sociedade devedora originária “C.....–, Lda.”, como sejam a designação do oponente como gerente de direito, o objecto social da sociedade e a forma da mesma se obrigar, bem como a data da cessação de funções da gerência de direito do oponente.
Ora, a sentença recorrida não descurou os referidos factos, contantes da referida Certidão, que são levados ao probatório, tanto que a própria recorrente indica os concretos pontos de facto onde os mesmos foram considerados como factos assentes.

O mesmo se diga, quanto ao invocado na conclusão de recurso E., que consta no facto nº 3 do probatório, e que considera provado que nos anos de 1999, 2003, 2004 e 2007 a 2011, a C..... procedeu à entrega das suas declarações anuais de rendimentos, nelas indicando, como seu representante legal, o NIF de O......

Com o que a recorrente não se conforma foi com a valoração que foi dada a essa mesma factualidade.
Ora, quanto à valoração da prova produzida, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação, cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil.
No caso concreto, não logrou a recorrente especificar e concretizar em que medida teria ocorrido a invocada errada valoração dos elementos constantes dos autos, pois limita-se a tirar ilações e, consequentes, conclusões dos factos levados ao probatório, considerando que os mesmos têm de ser considerados actos de gerência de facto do oponente, e que, como tal, resulta que o ónus da prova que lhe cabe está cumprido.

Aqui chegados, vejamos:

- Do alegado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, em particular, o requisito da gerência efectiva –

Em execução estão dívidas provenientes de IVA, IRC, IRS e Coimas Fiscais, dos anos de 2008 a 2011 cuja responsabilidade foi inicialmente imputada pela administração fiscal à executada devedora originária.

Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.
A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).

Analisemos agora o regime aqui aplicável.
“Artigo. 24º da LGT
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.

Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.

No presente caso, não é facto controvertido que o oponente era gerente de direito da sociedade devedora originária.
Importa, pois, aferir se a oponente era também gerente de facto.

No âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.


A este propósito de referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT , é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto.

Ora, embora a recorrente – nomeadamente, nas conclusões de recurso D., F. e G - queira presumir da gerência de direito a gerência de facto, conforme sobejamente decidido na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função.
Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)». Mais se refere que: «compete à AT invocar como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito. Contrariamente ao que temos visto sustentado inúmeras vezes, não pode a Fazenda Pública pretender, ao abrigo da referida presunção judicial – que não constitui mais do que a possibilidade do uso das regras da experiência concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto -, que ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador, que fica dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT»

Mais, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados». [Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10].


Vem, também, a recorrente alegar que nos anos de 1999, 2003, 2004 e 2007 a 2011, a C..... procedeu à entrega das suas declarações anuais de rendimentos, nelas indicando como seu representante legal, o NIF do oponente.


Ora, sobre esta matéria, veja-se o que bem se escreveu na sentença recorrida:

«Finalmente, a circunstância de as declarações anuais de rendimentos da Originária Devedora indicarem o NIF do Oponente como sendo o seu representante legal também não consubstancia a prática, por parte do Oponente, de quaisquer actos típicos de gerência, isto é, uma actuação no comércio jurídico em representação da Originária Devedora e obrigando-a perante terceiros, pois consabido é que todas as empresa constituída em sociedade são obrigadas a possuir contabilidade organizada e que quem preenche e entrega as respectivas declarações anuais de rendimentos são técnicos oficiais de contas, que se limitam a carrear para essas declarações os elementos que lhe são fornecidos pelas sociedades ou outros que deles resultem.

Significa isto que, de tal facto, isto é, da circunstância de o técnico oficial de contas, no campo destinado à identificação do representante legal, apor o NIF do Oponente nas declarações anuais de rendimentos da Originária Devedora, não se pode inferir a gerência de facto por parte do Oponente ou, sequer, o seu conhecimento da situação contabilística e fiscal da sociedade.»

Concorda-se inteiramente com o, assim, decidido.

Pretende a recorrente provar a gerência de facto do oponente pela aposição do NIF do mesmo – por um terceiro – nas declarações anuais de rendimentos.

Ora, tal não prova que o oponente representou a sociedade devedora originária em diferentes momentos na qualidade de gerente, nem que tenha contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas.


Em suma, nos presentes autos, a recorrente não consegue indicar um só acto de gerência praticado pelo oponente. E no processo de execução fiscal não constam quaisquer elementos com base nos quais se pudesse aferir a gerência de facto do oponente.


Donde se impõe concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação à oponente não se mostra comprovado.








Quanto à responsabilidade subsidiária da dívida de coimas fiscais, do mesmo modo, resulta do disposto no art. 8º do RGIT, que a Administração Tributária não tem a seu favor qualquer presunção legal de culpa do revertido, de que se possa prevalecer, pelo que quanto a estas dívidas provenientes de coimas fiscais, ocorre efectivamente a ilegitimidade do Oponente para a execução.


Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e consequentemente, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Abril de 2022

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]