Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10/10.0BEFUN
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/27/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
ARTº.662, Nº.1, DO C.P.CIVIL, NA REDACÇÃO DA LEI 41/2013, DE 26/6.
DEVER DE ALTERAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA DECISÃO JUDICIAL. REQUISITOS LEGAIS.
CITAÇÃO. NOÇÃO.
NULIDADE DA CITAÇÃO NÃO CONSTITUI FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO. ARTº.665, DO C.P.CIVIL.
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA.
ARTº.60, DA L.G.T.
O INSTITUTO DA REVERSÃO É EXCLUSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL.
REGIME NORMATIVO APLICÁVEL À DECISÃO DE REVERSÃO.
CITAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS SUBSIDIÁRIOS DEVE SER PESSOAL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L.G.T.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. O Tribunal "ad quem", ao abrigo do disposto no artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tem o dever de alterar a decisão da matéria de facto sempre que a reapreciação dos meios de prova, nomeadamente prova documental, determine um resultado diverso do declarado na 1ª. Instância.
6. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
7. Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil.
8. Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.
9. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.219, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário).
10. A nulidade da citação não constitui fundamento possível de processo de oposição a execução fiscal (ressalvado o seu conhecimento a título incidental), antes sendo causa de pedir a examinar no âmbito de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, espécie processual prevista no artº.276 e seg. do C.P.P.Tributário, tudo conforme doutrina e jurisprudência devidamente sedimentadas.
11. De acordo com o artº.665, do C. P. Civil, aplica-se no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
12. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
13. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita.
14. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor).
15. O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título.
16. De acordo com a jurisprudência do S.T.A. e a doutrina que subscreve-mos, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, mais devendo enquadrar-se este fundamento da oposição no artº.204, nº.1, al.i), do C. P. P. Tributário.
17. Para o efeito da definição de qual o regime normativo aplicável à decisão de reversão do processo de execução fiscal, no que respeita aos requisitos adjectivos para a respectiva efectivação, importa o momento em que a citada reversão é decretada.
18. O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários estrutura-se através da sua citação pessoal, mais não tendo a mesma reversão que ser efectuada na pessoa de eventuais mandatários contituídos no processo, tudo por força das características pessoais da mesma citação (cfr.artºs.190, nº.5, e 191, nº.3, ambos do C.P.P.T.).
19. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
20. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
21. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
22. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
23. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
24. A culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:10/10.0BEFUN
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.2208 a 2226 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, J……., visando a execução fiscal nº…….. e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de S…., contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.R.C., relativas aos anoa de 2003, 2004, 2005 e 2006 e no montante global de € 2.568.151,65.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.2237 a 2253 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A Representante da Fazenda Pública não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal a quo, vem dela interpor o presente recurso;
2-A Meritíssima juíza quo, por despacho datado de 16.03.2012, determinou a procedência da oposição à execução fiscal, com fundamento na falta de citação do executado;
3-A Fazenda Pública não se conforma com a procedência da oposição porquanto considera que a decisão incorre em vício de nulidade, por falta de fundamentação de facto e de direito da decisão de procedência, e sem prescindir e por mera cautela, em erro de julgamento;
Nulidade da sentença:
4-A decisão incorre em vício de nulidade, pois não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão de procedência;
5-A meritíssima juíza a quo considera que a situação dos autos se enquadra na alínea c) do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, que trata da falta de citação, contudo não fundamenta a sua decisão de subsunção da situação aquele normativo legal, há falta de fundamentação de direito;
6-Acresce que também considera que a falta de citação é um dos fundamentos de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT;
7-Aquela disposição só é aplicável às situações em que a fundamentação da oposição é baseada em documento;
8-A sentença enquadra a falta de citação na alínea i) do artigo 204.º sem fundamentar qual o documento que serve para a invocação dessa alínea e sem fazer qualquer raciocínio de subsunção da situação factual ao normativo referido;
9-Há também falta de fundamentação de facto quando nos factos provados se dá como provado que o documento de fls. 95 a 98 é uma notificação de penhora, quando o documento tem por título “notificação de penhora/citação pessoal” sem fundamentar esta consideração;
Sem prescindir e por mera cautela;
Erro de julgamento:
10-A decisão de procedência da oposição tem por fundamento a falta de citação, ora a falta de citação não é fundamento da oposição à execução fiscal, neste sentido vide a jurisprudência emanada do STA, nomeadamente os acórdãos proferidos nos processos n.º 01178/09, de 10.02.2010, 0934/05, de 24.08.2005 e 0220/08, de 25.05.2008;
11-Há erro de julgamento quando se determina a procedência de uma oposição à execução fiscal com fundamento em falta de citação;
12-A falta de citação é apenas sindicável perante o órgão de execução fiscal e só é judicialmente controlável, perante o indeferimento da arguição da nulidade, em sede de reclamação das decisões do órgão de execução fiscal, artigo 276.º do CPPT;
13-A decisão de procedência da ação teve por base a consideração por parte do Tribunal de que não teria havido citação do executado, considera a sentença que o documento de fls. 95 a 98, é uma notificação de penhora e não uma citação, e conforme já acima referido, esta consideração por parte da juíza a quo não é fundamentada nem de facto nem de direito;
14-Contudo, considera a Fazenda Pública, que há erro de julgamento, uma vez que há erro na determinação da norma aplicável;
15-Na situação vertente a norma a aplicar seria o n.º 3 do artigo 194.º do CPPT, e não o disposto no artigo 195.º n.º 1 al. c) do CPC;
16-O executado, conforme decorre dos autos, e da prova produzida, através dos documentos a fls. 50 a 53 do pef e 95 a 98 do pef, foi citado pessoalmente após a penhora;
17-Tendo a citação, a fls. 50 a 53 dos autos, sido devolvida com indicação de objeto não reclamado, e tendo-se frustrado a citação por contacto pessoal efetuada ao abrigo do disposto no artigo 239.º do CPC, face à constante alteração de domicilio fiscal do executado (e das suas sociedades), procedeu-se em conformidade com o disposto no artigo no artigo 194.º 3 do CPPT;
18-Perscrutado o sistema informático relativo à existência de bens penhoráveis (SIPA), verificou-se que existiam na propriedade do executado bens penhoráveis, pelo que procedeu-se à penhora dos mesmos;
19-E, em conformidade com o disposto no artigo 193.º n.º 2 procedeu-se à citação pessoal do executado após penhora, conforme documento de fls. 95 a 98 dos autos;
20-Erradamente a sentença ora recorrida enquadrou os factos no artigo 195.º n.º 1 al. c) do CPC (sem fundamentar nem de facto nem de direito);
21-Face ao ora invocado deverá a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por nova decisão que julgue a oposição à execução fiscal improcedente.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.2265 dos autos), no qual conclui pelo provimento do recurso.
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.2267 e 2267-verso do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.2220 a 2223 dos autos):
A) A sociedade comercial por quotas – S….. – C…, LDA., foi constituída em 05 de Março do ano de 1999 e iniciou de actividade em 15.03.1999, sob o CAE … - construção de edifícios (doc nº 1, junto com a contestação);
B) A sociedade encontrava-se, entre 15.03.1999 e 31.12.2004, enquadrada no regime geral de IRC e no regime normal trimestral, em sede de IVA, tendo passado, a partir de 01.01.2005, a estar enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal, de acordo com o artigo 41° do CIVA (doc nº 2, junto com a contestação);
C) Em 20-03-2007, contra a sociedade foi emitido o despacho n.°…./00277, para consulta, recolha e cruzamento de dados, para os anos de 2003 a 2006 (doc nº 3, junto com a contestação);
D) Dos indícios recolhidos pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária resultou a instauração dos processos de inquérito n°…./06.0I… e …/07.0I… (doc nº 4, junto com a contestação);
E) O referido despacho deu origem à emissão das Ordens de Serviço nºs 200…., de 08.01.2008, para o ano de 2002 no âmbito do IRC e IVA e 200…. de 08.01.2008, assinada em 01.02.2008, pelo responsável da sociedade, para os anos de 2003 a 2006, também no âmbito de IRC e IVA (doc nº 6 e 7 junto com a contestação);
F) Em 22.09.2008, para a R….., sítio da T…., freguesia do S…., concelho de Santa Cruz.
G) A Ordem de Serviço n.° ….. deu origem às liquidações adicionais de IRC (docs nºs 8 a 11, junto com a contestação):

Nº liquidação Valor Data limite pagamento Notificação sociedade
83100…….. €385.677,44 12-01-2009 10-12-2008
83100…….. €1.025.175,04 26.12.2008 24.11.2008
83100…….. €660.789,36 26.12.2008 24.11.2008
83100…….. €311,664,02 29.12.2008 26.11.2008

H) Em 05.02.2009, o processo de execução fiscal n,° 28872……., pelo valor de €385.677,44, tendo a devedor originária sido citada em 16.02.2009 (doc nº 8, junto com a contestação);
I) Em 20-01.2009, o processo de execução fiscal n.° 28872…., pelo valor de €1.025.175,04, tendo a executada sido citada em 30.01.2009 (doc nº 9, junto com a contestação);
J) Em 20.01.2009, o processo de execução fiscal n.° 28872…. pelo valor de €660.789,36, tendo a executada sido citada em 30.01.2009 (doc nº 10, junto com a contestação);
K) Em 20.01.2009, o processo de execução fiscal n.° 28872…. pelo valor de €311,664,02, tendo a escutada sido citada em 30.01.2009 (doc nº 11, junto com a contestação);
Em 30.01.2009 a sociedade devedora originária foi citada nos processos de execução fiscal (docºs nºs 5 e 6, do PEF);
L) Em 27.02.2009 foram efectuados pedidos de penhora de veículos e outros valores e rendimentos (doc nº 12, junto com a contestação);
M) A maior parte dos bens da devedora originárias foram alienados (fls nºs 13 e 14, do PEF);
N) Em 27-04-2009 foi proferido despacho para audição (reversão) no processo de execução fiscal n.° 28872… e apensos contra J….. (fls 17, do PEF);
O) Em 27-04-2009 foi emitida a notificação para audição prévia de J….., com responsável subsidiários, no prazo de 10 dias, com fundamento na insuficiência de bens do devedor originário e ser gerente à data do pagamento das dividas ou entrega das prestações tributárias (fls 21, do PEF);
P) A notificação a que se refere o ponto anterior foi enviada, sob registo, em 28.04.2009, para a morada C…., bloco 1, Edifício C…, freguesia do C…, Concelho de Santa Cruz (fls 22, do PEF);
Q) Em 19.05.2009 deu entrada, fora do prazo, o exercício do direito á audição prévia do Sr. J…., assinado pela Drª R….. (fls 40 a 44, do PEF);
R) Em 02-06-2009 foi emitido parecer sobre os requerimentos de audição prévia de M…. e J…. (fls 45 e 46, do PEF);
S) Em 22.06.2008 foi proferido despacho de reversão contra J…., ora oponente, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (fls 47 a 49, do PEF);
T) Em 23-06-2009 foi enviada citação (reversão) endereçada ao ora oponente para a morada C….., bloco 1, Edifício C…, freguesia do C…, Concelho de Santa Cruz (fls 50 a 52, do PEF);
U) A morada do oponente constante do sistema informático é a sede da sociedade ―E.C. – C…. Unipessoal Lda e não a residência do revertido, o revertido declarou que residia, em 11.06.2008, ao C…., bloco 1, Edifício C…, freguesia do C…, Concelho de Santa Cruz, fracção inscrita na matriz sob o artigo 5..., pertencente a M…. ;
V) A citação referida no ponto anterior foi devolvida com a indicação ―objecto não reclamado (fls 53, do PEF);
X) Em 23-10-2009 foi lavrado o Auto de Penhora de fls 59, do PEF, dos veículos automóveis aí descritos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
Y) Em 06.11.2009 foi penhorada a quota no valor de € 130.000,00 na sociedade ―M…. Lda, pessoa colectiva n.° 51… com sede á B…., freguesia do C…, concelho de Machico (fls 78 a 79, 92, do PEF);
AA) Em 16.11.2009 o oponente foi notificado da penhora, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (fls 95 a 98, do PFE);
BB) Foi elaborado edital para venda da quota, referida no ponto anterior (fls 99, do PEF);
CC) Em 17-12-2009, o oponente deduziu, perante o Serviço de Finanças de Santa Cruz, a presente oposição á execução fiscal (facto aceite).

X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados e na inquirição da testemunha arrolada.
Da inquirição da testemunha resultou o seguinte:
O C…., que trabalhou para a devedora originária e agora trabalha para a E.C., referiu, em suma, que havia contratos de construção civil. O Sr. J…. era o gerente e a partir de 2005 passou a deixar as obras. Até Maio de 2011 tinha muito dinheiro a receber. Fazia sub contratos com algumas pessoas. A S…. e outros começaram a faltar com os apagamentos…”.
X
Em sede de matéria de facto o apelante discorda do decidido, defendendo, em síntese, que o executado/opoente, conforme decorre dos autos e da prova produzida, através dos documentos juntos a fls.50 a 53 e 95 a 98 do processo de execução apenso, foi citado pessoalmente após a penhora. Que tendo a citação documentada a fls.50 a 53 do processo de execução apenso, sido devolvida com indicação de objeto não reclamado, se procedeu à citação pessoal do executado após penhora, conforme documentos juntos a fls.95 a 98 do mesmo processo de execução apenso. Que considera a sentença recorrida que o documento junto a fls.95 a 98 do processo de execução apenso, consusbstancia uma mera notificação de penhora e não uma citação, sem fundamentar devidamente tal decisão (cfr.conclusões 13 e 16 a 19 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erros de julgamento de facto da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Apesar do acabado de aludir, sempre se dirá que tem razão o recorrente, porquanto, do exame dos documentos juntos a fls.95 a 98 do processo de execução apenso, se deve concluir que o opoente, além de notificado da penhora de quota social, igualmente foi citado para a execução nos termos do artº.193, nº.2, do C.P.P.T., assim devendo reformular-se a supra identificada al.AA), do probatório, a qual será substituída pelo infra estruturado nº.22 da matéria de facto para onde se remete.
Para além disso, deve concluir-se que a matéria de facto estrutada pelo Tribunal “a quo” padece de outras lacunas, como sejam, o conter alíneas redundantes (cfr.als.I), J) e K) do probatório), dado se referirem ao mesmo processo de execução fiscal, o nº.2887-2009/100….; o conter factualidade cuja prova nenhum relevo reveste para a decisão da causa (cfr.al.BB), do probatório), tal como integrar matéria de carácter conclusivo()que não pode ser dada como provada (cfr.al.M) da matéria de facto).
X
Atento tudo o acabado de constatar, este Tribunal, levando, desde logo, em consideração que o apelante impugnou a matéria de facto constante da decisão recorrida, julga provada a seguinte matéria de facto, ao abrigo do disposto no artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, tal como das regras do direito probatório material, tudo em virtude do exame da prova, essencialmente documental, constante do presente processo, mais se levando em consideração os princípios da aquisição processual e da livre apreciação das provas, reestrutura o probatório organizado em 1ª. Instância, nos termos que infra seguem (cfr.artºs.413 e 607, nº.5, ambos do C.P.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7782/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/12/2014, proc.5627/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2016, proc.9875/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/01/2018, proc.312/17.4BEBJA; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.270 e seg.):
1-A sociedade comercial por quotas “S…. & C.. – C…., LDA.”, foi constituída em 05 de Março do ano de 1999 e iniciou a actividade em 15.03.1999, sob o CAE 04…. - construção de edifícios (cfr.documentos juntos a fls.213 a 222 dos presentes autos - I volume);
2-A sociedade identificada no nº.1 encontrava-se, entre 15.03.1999 e 31.12.2004, enquadrada no regime geral de IRC e no regime normal trimestral, em sede de IVA, tendo passado, a partir de 01.01.2005, a estar enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal mensal, de acordo com o artigo 41° do CIVA (cfr.documentos juntos a fls.224 a 226 dos presentes autos - I volume);
3-Em 20-03-2007, contra a mesma sociedade foi emitido o despacho n.°DI2007…, para consulta, recolha e cruzamento de dados, relativo aos anos de 2003 a 2006 (cfr. documento junto a fls.228 dos presentes autos - I volume);
4-Dos indícios recolhidos pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária resultou a instauração dos processos de inquérito n°200/06…. e 224/07…., tudo em virtude da utilização de facturas falsas (cfr.documentos juntos a fls.230 e 232 dos presentes autos - I volume);
5-A consulta, recolha e cruzamento de dados identificada no nº.3 deu origem à emissão das Ordens de Serviço nºs OI200…., de 08.01.2008, para o ano de 2002 e no âmbito do IRC e IVA, e OI200……. de 08.01.2008, assinada em 01.02.2008, pelo responsável da sociedade o opoente J……, para os anos de 2003 a 2006, também no âmbito de IRC e IVA (cfr.documentos juntos a fls.234 e 236 dos presentes autos - I volume);
6-Em 22-09-2008, a sociedade identificada no nº.1 mudou a sua sede para a Rua ……, sítio da T…., freguesia do S… da S…., concelho de Santa Cruz (cfr.documento junto a fls.7 do processo de execução fiscal apenso);
7-Em virtude da actividade desenvolvida pela A. Fiscal viriam a ser emitidas, além do mais, as seguintes liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, das mesmas surgindo como sujeito passivo a sociedade identificada no nº.1 (cfr. documentos juntos a fls.238 a 240, 243 a 245, 248 a 250 e 253 a 255 dos presentes autos - I volume):

    Nº liquidação
    Valor
Data limite pagamento
    Notificação sociedade
83100…….. € 385.677,44 12-01-2009 10-12-2008
83100…….. € 1.025.175,04 26-12-2008 24-11-2008
83100…….. € 660.789,36 26-12-2008 24-11-2008
83100…….. € 311,664,02 29-12-2008 26-11-2008

8-Em 05-02-2009, foi instaurado o processo de execução fiscal nº.2887-2009/100…., sendo a dívida exequenda no valor de € 385.677,44 e acrescidos, mais tendo a sociedade executada originária, “S…. & C… - C….., LDA.”, sido citada em 16.02.2009 (cfr.documento junto a fls.241 dos presentes autos - I volume);
9-Em 20-01-2009, foi instaurado o processo de execução fiscal nº.2887-2009/100……, sendo a dívida exequenda no valor de € 2.127.650,38 e acrescidos, mais tendo a sociedade executada originária sido citada em 30-01-2009 (cfr.documentos juntos a fls.246, 151 e 256 dos presentes autos - I volume; documentos juntos a fls.1 a 6 do processo de execução fiscal apenso);
10-Em 27-02-2009 foram efectuados pedidos de penhora de veículos e outros valores e rendimentos no âmbito do processo de execução fiscal nº.2887-2009/100….. (cfr. documentos juntos a fls. 259 a 270 dos presentes autos - I volume);
11-A maior parte dos bens da devedora originária foram alienados em momento anterior à instauração das execuções fiscais (cfr.informação constante de fls.13 e 14 do processo de execução fiscal apenso);
12-Em 27-04-2009 foi proferido despacho para audição (reversão) no processo de execução fiscal nº.2887-2009/100….. e apensos contra J…… (cfr. documentos juntos a fls.15 e 16 do processo de execução fiscal apenso);
13-Em 27-04-2009 foi emitida a notificação, através de carta registada, para audição prévia de J……, como responsável subsidiário, no prazo de 10 dias, com fundamento na insuficiência de bens do devedor originário e em ser gerente à data do pagamento das dívidas ou entrega das prestações tributárias, sendo o total da quantia exequenda revertida de € 2.568.151,65 (cfr.documentos juntos a fls.21 e 22 do processo de execução fiscal apenso);
14-A notificação a que se refere o ponto anterior foi enviada em 28-04-2009, para a morada C….., bloco 1, Edifício C….. C, freguesia do C….., Concelho de Santa Cruz (cfr.documentos juntos a fls.21 e 22 do processo de execução fiscal apenso);
15-Em 19-05-2009 deu entrada, no Serviço de Finanças de Santa Cruz, o requerimento de exercício do direito de audição prévia do opoente J……, no qual termina arrolando duas testemunhas (cfr. documentos juntos a fls.40 a 44 do processo de execução fiscal apenso);
16-Em 02-06-2009 foi emitida informação sobre os requerimentos de audição prévia de J…… e M….. (cfr.documento junto a fls.45 e 46 do processo de execução fiscal apenso);
17-Em 22-06-2009 foi proferido despacho de reversão contra o opoente J……, além do mais, nos termos do artº.24, da L.G.T., tudo conforme documento junto a fls.47 a 49 do processo de execução fiscal apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
18-Em 23-06-2009 foi emitida citação (reversão) registada, contra o opoente J……, além do mais, baseando-se no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., sendo endereçada para a morada C….., Edifício C…… 2-C, freguesia do C….., Concelho de Santa Cruz (cfr.documentos juntos a fls.50 e 51 do processo de execução fiscal apenso);
19-A citação referida no ponto anterior foi devolvida ao remetente com a indicação “objecto não reclamado” (cfr.documentos juntos a fls.52 a 54 do processo de execução fiscal apenso);
20-Em 23-10-2009 foi lavrado o auto de penhora de veículos automóveis pertencentes à sociedade executada originária, cujo teor se dá aqui por reproduzido (cfr.documento junto a fls.59 do processo de execução fiscal apenso);
21-Em 05-11-2009 foi penhorada a quota, no valor de € 130.000,00, da sociedade “M…., Lda”, n.i.p.c. ……, da qual era titular o opoente J…….., no âmbito do processo de execução fiscal nº.2887-2009/100….. e apensos (cfr.documento junto a fls.31 dos presentes autos; documentos juntos a fls.78 a 83 e 88 a 92 do processo de execução fiscal apenso);
22-Em 16-11-2009, o oponente foi notificado da penhora identificada no nº.21, igualmente tendo sido citado para a execução, nos termos do artº.193, nº.2, do C.P.P.T., através de carta registada com a.r., mais se lhe tendo fixado o prazo de trinta dias para deduzir oposição (cfr.documentos juntos a fls.95 a 98 do processo de execução fiscal apenso);
23-Em 17-12-2009, o oponente apresentou junto do Serviço de Finanças de Santa Cruz o articulado inicial da presente oposição à execução fiscal (cfr.documentos juntos a fls.2 a 17 dos presentes autos; informação exarada a fls.35 a 37 dos presentes autos);
24-O opoente/recorrido, J….., era sócio e único gerente da sociedade executada originária, “S…. & C…. – C…., LDA.”, sendo que a empresa se obrigava pela assinatura de um gerente, mais sendo o opoente que sempre exerceu as funções de administração e representação da sociedade (cfr.contrato social cuja cópia se encontra junta a fls.216 a 222 dos presentes autos; depoimento produzido pela testemunha C…..; factualidade admitida pelo opoente/recorrido, nomeadamente, nos artºs.22 e 29 do articulado inicial).
X
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do articulado inicial e da constestação, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra identificada.
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à decisão da matéria de facto reestruturada e supra exarada, no teor dos documentos e informações referidos em cada um dos números da factualidade provada, no depoimento da testemunha arrolada pelo opoente, tal como nas regras do direito probatório material.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de citação do opoente, mais anulando todos os actos praticados no processo de execução após a prolação do despacho de reversão identificado no nº.17 do probatório.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante, aduz, em primeiro lugar, que a decisão recorrida incorre em vício de nulidade, pois não especifica os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a procedência da oposição. Que o enquadramento da situação dos autos no artº.195, nº.1, al.c), do C.P.C., padece de falta de fundamentação. Que o mesmo se diga do enquadramento da falta de citação como fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.T. Que também existe falta de fundamentação quando no probatório se dá como provado que o documento de fls.95 a 98 do processo de execução apenso consubstancia uma notificação de penhora, quando o documento tem por título “notificação de penhora/citação pessoal” (cfr.conclusões 4 a 9 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13).
Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).
Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).
Voltando ao caso concreto, no que diz respeito à vertente factual da decisão recorrida, atenta a reestruturação do probatório por este Tribunal de recurso e ao abrigo do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, nenhum vício pode relevar no que diz respeito à factualidade provada no presente processo. Já no que se refere à fundamentação de direito da decisão recorrida, conforme mencionado acima, o vício que consubstancia esta nulidade consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão (concretamente, no aspecto do enquadramento jurídico) se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, a decisão do Tribunal “a quo” não padece da nulidade acabada de examinar, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.
Mais alega o recorrente, em síntese, que a falta de citação não é fundamento de oposição à execução fiscal. Que existe erro de julgamento quando se determina a procedência de uma oposição à execução fiscal com fundamento em falta de citação. Que a falta de citação é apenas sindicável perante o órgão de execução fiscal e só é judicialmente controlável em sede de reclamação das decisões do órgão de execução fiscal, nos termos do artº.276 e seg., do C.P.P.T. Que existe erro de julgamento, em virtude da errada determinação da norma aplicável ao caso concreto (cfr.conclusões 10 a 12, 14, 15 e 20 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Contemplemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr. artº.219, nº.1, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário).
É no artº.165, do C.P.P.Tributário, que estão previstas as nulidades em processo de execução fiscal. Distintas das situações de falta de citação, que são susceptíveis de constituir casos de nulidade insanável, para efeitos deste artigo, são as situações de nulidade da citação, que ocorrem quando não tenham sido observadas as formalidades previstas na lei (cfr.artº.191, nº.1, do C.P.C.). Estas nulidades da citação só podem ser conhecidas na sequência de arguição dos interessados, que, em sintonia com o preceituado no artº.191, nº.2, do C.P.Civil, deve ser feita no prazo que tiver sido indicado para deduzir oposição, equivalente à contestação em processo declarativo, ou, nos casos de citação edital ou quando não tiver sido indicado prazo para deduzir oposição, na primeira intervenção do citado no processo. A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado (cfr.artº.191, nº.4, do C.P.C.), solução esta que sempre resultaria, por maioria de razão, do preceituado no artº.165, nº.1, al.a), do C.P.P. Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.137 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.193 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/2/2007, proc.1065/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.5763/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/3/2013, proc. 6488/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/3/2017, proc.2788/16.8BELRS).
Ora, conforme defende o apelante, a falta/nulidade da citação deve ser causa de pedir a examinar no âmbito de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, espécie processual prevista no artº.276 e seg. do C.P.P.Tributário, apenas se ressalvando o seu conhecimento a título incidental no âmbito de processo de oposição a execução fiscal e quando tal seja necessário (v.g.caducidade do direito de acção), conforme doutrina e jurisprudência devidamente sedimentadas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/07/2018, rec. 604/18; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2008, proc.2273/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5991/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/3/2013, proc.6349/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.369 e seg.).
Em sede de exercício do contraditório plasmado no artº.665, nº.3, do C.P.Civil (cfr. requerimento junto a fls.2336 e 2337 dos autos), o opoente/recorrido alega a inconstitucionalidade da posição doutrinal e jurisprudencial acabada de expor (falta/nulidade da citação deve ser causa de pedir a examinar no âmbito de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal), embora sem concretizar em que consista tal vício. Este Tribunal igualmente não vislumbra como pode tal posição doutrinal e jurisprudencial ofender os princípios/normas constitucionais.
Sem necessidade de mais amplas considerações, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida a qual viola o regime constante, além do mais, do artº.165, do C.P.P.T., ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artº.665, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer e que considerou prejudicadas, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Pensamos que sim, já se tendo estruturado despacho a dar cumprimento ao contraditório plasmado no artº.665, nº.3, do C.P.Civil (cfr.despacho exarado a fls.2325 dos presentes autos - VI volume).
Avancemos, portanto, para o conhecimento das outras causas de pedir enquadráveis como fundamento do processo de oposição a execução fiscal e estruturadas pelo opoente/recorrido no articulado inicial junto a fls.3 a 17 do processo (alegada nulidade da reversão efectuada, em virtude da falta de notificação ao mandatário do opoente do despacho de reversão, tal como da falta de realização de diligências de prova requeridas pelo opoente no requerimento de audição prévia apresentado - cfr.artºs.10 a 28 da p.i.; falta de responsabilidade subsidiária ou legitimidade substantiva no âmbito do processo de execução fiscal de que a presente oposição constitui apenso - cfr.artºs.29 a 44 da p.i.).
Comecemos pela alegada nulidade da reversão efectuada.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc. 1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).
No caso “sub judice”, o direito de audição prévia do responsável subsidiário está consagrado no artº.23, nº.4, da L.G.T.
Ora, conforme resulta claramente do probatório (cfr.nºs.12 a 15 do probatório), o O.E.F. cumpriu as regras da notificação a que estava obrigado, em função do que tem de concluir-se que o opoente/recorrido se considera validamente notificado com vista ao exercício do direito de audição prévia à reversão (cfr.artº.39, nº.5, do C.P.P.T.), matéria que nem sequer é posta em causa por este.
Apesar disso, defende o opoente/recorrido que se deve relevar uma nulidade do processo de reversão em virtude da falta de realização de diligências de prova requeridas pelo opoente no requerimento de audição prévia apresentado, concretamente, o ter arrolado duas testemunhas para serem ouvidas, visando a alegada prova da sua falta de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade executada originária (cfr.nº.15 do probatório).
Não se verifica, manifestamente, qualquer nulidade do processo de reversão em virtude da não audição das ditas testemunhas, o que se conclui com base nos seguintes vectores:
1-Não cabe na fundamentação do despacho de reversão a demonstração da culpa do revertido na insuficiência ou inexistência de património da devedora originária, mais não sendo o ónus da prova de tais factos da responsabilidade da A. Fiscal no caso da reversão se basear no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., como acontece no presente processo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/05/2017, proc.4/16.1BEBJA);
2-No exame do requerimento de exercício do direito de audição prévia do opoente/recorrido, o O.E.F. faz menção da prova testemunhal cuja realização é requerida por aquele, embora conclua que estão reunidos os pressupostos para a reversão, desde logo, porque o revertido assume, a título individual, a gerência de facto da sociedade executada originária, no período de pagamento das dívidas revertidas (cfr.nºs.16 e 17 do probatório).
Passemos, agora, ao exame da alegada nulidade da reversão derivada da falta de notificação ao mandatário do opoente do despacho de reversão.
O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título. O legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais), e à certeza e liquidez destas dívidas, atributos que não adornam, necessariamente, as dívidas não tributárias (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/2/2002, rec.25037; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/6/2011, proc.4505/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.179 e 180).
De acordo com a jurisprudência do S.T.A. e a doutrina que subscreve-mos, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, assim devendo enquadrar-se este fundamento da oposição no artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/2006, rec.1249/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/4/2007, rec.172/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/6/2011, proc. 4505/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.67; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.134).
Para o efeito da definição de qual o regime normativo aplicável à decisão de reversão do processo de execução fiscal, no que respeita aos requisitos adjectivos para a respectiva efectivação, importa o momento em que a citada reversão é decretada (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/04/2005, rec.100/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/04/2005, rec. 101/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5370/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.7634/14).
No caso “sub judice”, a reversão da execução fiscal nº.2887-2009/100293.7 e apensos, contra o responsável subsidiário e ora recorrido foi ordenada em 22/06/2009 (cfr.nº.17 da matéria de facto provada), pelo que, o regime normativo aplicável é o constante dos artºs.23, da L.G.Tributária, e 153, do C.P.P.Tributário.
Ora, o chamamento à execução, através do dito instituto da reversão, dos responsáveis subsidiários, estrutura-se através da sua citação pessoal, mais não tendo a mesma reversão que ser efectuada na pessoa de eventuais mandatários contituídos no processo, tudo por força das características pessoais da mesma citação (cfr.artºs.190, nº.5, e 191, nº.3, ambos do C.P.P.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.378).
Por último, da procuração passada pelo opoente/recorrido, datada de 30/01/2009 e cuja cópia se encontra junta a fls.32 dos presentes autos (I volume), não constam poderes especiais para receber actos de citação, pelo que a Fazenda Pública não se encontrava legitimada para proceder à citação do mesmo opoente na pessoa do seu mandatário (cfr.artº.190, nº.5, do C.P.P.T.; artº.233, nº.5, do anterior C.P.Civil, actual artº.225, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este esteio do recurso.
Passemos ao exame do último fundamento da oposição, o qual se radica na falta de responsabilidade subsidiária ou legitimidade substantiva do opoente/recorrido no âmbito do processo de execução fiscal de que a presente oposição constitui apenso.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Em primeiro lugar, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2003 a 2006) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.7, 12 e 13 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Revertendo ao caso dos autos, examinando a matéria de facto provada, é óbvia a conclusão de que a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo, factualidade, além do mais, por si reconhecida (cfr. nº.24 do probatório).
Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE).
Concretizando, a culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
“In casu”, do exame da factualidade provada não se pode, manifestamente, retirar que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária, “S… & C… - C…, LDA.”, se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um "bonus pater familias". E recorde-se que faria parte de uma gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade, a eventual ponderação de um pedido de insolvência atempado como forma de prevenção do aparecimento de dívidas da empresa, nomeadamente, dívidas tributárias.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente J……, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., e face à empresa executada originária, “S… & C…. C…, LDA.”, no âmbito do processo de execução fiscal nº.2887-2009/100… e apensos, assim se devendo julgar improcedente também este fundamento da presente oposição, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida;
2-CONHECENDO EM SUBSTITUIÇÃO, julgar improcedente a oposição e parte legítima o opoente, J….., no âmbito da execução fiscal nº.2887-2009/100…. e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Santa Cruz.
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Condena-se o recorrido em custas, sem prejuízo da dispensa de pagamento da taxa de justiça devida nesta instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Setembro de 2018


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Vital Lopes - 2º. Adjunto)




(1) quanto à destrinça entre matéria de facto e juízos conclusivos de facto vide José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2008, pág.605 e seg.; Antunes Varela, R.L.J., ano 122, nº.3778, em anotação a acórdão do S.T.J. de 8/11/1984, ponto 8 da anotação, pág.219 a 222).