Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12740/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/14/2016
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE; ÓNUS DA PROVA
Votação:COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


O MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor recurso jurisdicional da sentença de 14/04/2015 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa que instaurou contra LOURENÇO ………………….

As alegações de recurso culminam com as seguintes conclusões:
“1 - O recorrido requereu e invocou o direito à nacionalidade, por estar casado com cidadã portuguesa. No entanto, está indiciado como autor material da prática de um crime de ofensa à integridade física, desconhecendo-se se corresponde ou não ao p. e p. pelo art.º 143 do C. Penal, por falta de apresentação do Certificado do Registo Criminal da Inglaterra, país onde reside, o que constitui fundamento de oposição de aquisição da nacionalidade, previsto na al. b), do art. 9º da Lei n.º 37/81, de 03.10
2 - Compete-lhe, por isso, fazer prova da ligação efectiva com base em factos pessoais, nos termos do preceituado nos artigos 341.º e 342.º, n.º 1, do Código Civil. A acção destinada à declaração de inexistência de ligação à comunidade nacional configura-se como uma acção de simples apreciação negativa, competindo ao demandado a prova dos factos constitutivos e impeditivos do direito que se arroga.
3 - O recorrido pretende integrar-se na comunidade portuguesa, mas não comprovou o seu passado criminal, na Inglaterra. Também não comprovou que tem ligação efectiva necessária para adquirir a nacionalidade portuguesa.
4 - Com efeito, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que o recorrido trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição de nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações prestadas na Conservatória dos Registos Centrais.
5 - O sistema judicial e policial inglês só permite a prestação de informação ou emissão de certidões das decisões a pedido do próprio. Daí que, a Conservatória solicitou, então, ao Requerido a junção do certificado do Registo Criminal.
6 - Por isso, na indicação da prova, o Ministério Público resolveu "Requer a notificação do réu para juntar aos autos documento, emitido pela competente autoridade do Reino Unido, que comprove a existência ou não a inexistência de condenação efectiva pela prática dos factos que determinaram a sua detenção a 29.04.2012 (art. 37º, da Lei 37/81, de 3.Out.)".
7 - Requerimento que, em sede de sentença mereceu a seguinte observação e decisão "(...) o M.P. não fez prova documental do imputado crime pelo ora R., prova que lhe competia, e importa o decaimento de fundamento de oposição a aquisição da nacionalidade portuguesa fundamentada na prática e condenação por crime punido com pena igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa ".
8 - Em sede de julgamento, não foi observado o disposto no art. 602º, n.º 2, al. d), do CPC.
9 - Em sede de sentença, também não foi observado o dever de fundamentação da decisão previsto no n.º 1, do art. 145º, nem foi observado o disposto no art. 607º, n.º 4, 1ª parte, do CPC. O juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar, nulidade que se arguiu, nos termos da al. d), do n.º 1, do art. 615º, do novo CPC.
10 - Dos factos provados nada vem referido quanto ao documento a que se refere a Conservatória e a p.i., factos relacionados com os documentos de fls. 31 a 38 da certidão, dos quais se alcança que há indícios da prática de crime, tendo o recorrido sido detido, em 29.04.2012, por agressão ocasionando danos corporais, o que deu origem ao fundamento da al. b), do art. 9º e ao que o Requerido refere na contestação. No entanto, tal não comprova o passado criminal do recorrido.
11 - Desconhece-se se se trata ou não de indivíduo violento, desprovido de regras e de desrespeito pelos demais, ou melhor indesejável.
12 - Por outro lado, a matéria dada como provada não resulta da análise crítica dos documentos constantes dos autos. Ou melhor, não foi feita nenhuma análise crítica dos documentos juntos aos autos, nem da prova testemunhal, nos termos do art. 607º, n.º 4, do novo CPC.
13 - Assim, não foi apreciado o fundamento de indesejabilidade, previsto na al. b), do art. 9º da Lei n.º 31/87.
14 - O princípio do inquisitório impõe ao juiz a realização de todas as diligências e a determinação da prática de todos os actos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, determinando oficiosamente a junção do documento aos autos, nos termos dos arts. 411º e 436º, n.º 1 e 2, do actual CPC.
15 - A filosofia do actual Código Processo Civil é no sentido de haver uma maior intervenção do juiz, o qual até pode substituir-se à parte na realização de determinados actos, de acordo com o princípio da oficialidade consagrado no n.º 1, do art. 265º do actual CPC, não se tratando de prática de acto inútil, impertinente ou dilatório, mas necessário para o esclarecimento da verdade. Neste caso, para considerar-se verificado ou não o fundamento de oposição invocado.
16 - O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ao julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do recorrido e ao ordenar o prosseguimento do processo conducente ao registo respectivo, não decidiu em conformidade.
17 - Face aos factos dados como provados dever-se-ia concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
18 - Por outro lado, a prova do fundamento da oposição compete ao recorrido, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa, tal como se infere do disposto nos arts. 57º, n.º 1 do DL 237/A, 2006, de 14/12 e 343º, n.º 1, do CC. Caso contrário, estar-se-ia a exigir a demonstração de factos que só aquele que se arroga o direito conhece e pode provar.
20 - Impunha-se, pois, que o recorrido, apresentasse elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa. Ainda segundo a jurisprudência, "(...) VIII - Sendo a acção de oposição à aquisição de nacionalidade, de simples apreciação negativa, competiria ao Recorrido fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa (...) IX - A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais. Logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos." (Neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo. 10952/14, Secção: CA- 2º Juízo, de 02-04-2014, Relatora Sofia David).
21 - Não assiste, assim, razão ao Mmo. Juiz ao concluir pela improcedência da oposição, visto os autos não conterem elementos que evidenciem a existência de firmes e persistentes elos que possam corporizar um sentimento de pertença à comunidade nacional.
22 -Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.º, alíneas a) e b), da Lei n.º 37/81, na redacção dada pela Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril e 43/2013, artigo 56.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 837- A/2006, de 14 de Dezembro, o art. 343.º, n.º 1, do Código Civil, n.º 1, do art. 265º, 411º, 424º e segs., 436º, n.º 1 e 2, 602º, n.º 2, al. d), art. 607º, n.º 4, do actual CPC.
23 - Termos em que, deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a que se reportam os autos, com as demais consequências legais, por se considerar haver erro de julgamento e necessidade de haver ampliação da matéria de facto, na medida em que não foi atendida a pretensão do Ministério Público, não foi apreciada toda a prova documental, nem a prova testemunhal, nem foram narrados os factos relevantes constantes da contestação. Dessa forma, assim, será feita a acostumada Justiça.”

O recorrido não apresentou contra-alegações.
*

As questões que cumpre apreciar e decidir - delimitadas pelas conclusões do recurso - são as de saber se a sentença recorrida (i) é nula nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC [cfr. conclusões 9) e 12) das alegações de recurso] e se (ii) padece de erro de julgamento ao considerar como não verificados os fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previstos no artigo 9.º, als. a) e b) da Lei da Nacionalidade [cfr. conclusões 1) a 8), 10), 11), 13) a 21) das alegações de recurso].
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

1.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1 - O R. ………………….., de nacionalidade guineense, nasceu a 12.01.1971, em Bissau, República da Guiné-Bissau, filho de pais de nacionalidade guineense (cfr. doc. nos autos).
2 - O R. contraiu casamento civil, em 10.01.2009, na CRC de Oeiras, com a cidadã portuguesa Nzinga …………………. (cfr. doc. nos autos).
3 - No dia 19.04.2013, o R. apresentou requerimento na Conservatória dos Registos Centrais, no qual prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº. 3º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, na sequência do que foi instaurado o processo nº. ……………, na Conservatória dos Registos Centrais (cfr. docs. nos autos).
4 - O R. reside em Inglaterra desde 2011, onde reside com a sua esposa e filhos, e onde trabalha.
5 - O R., bem como a sua esposa, foi para Inglaterra por não ter conseguido emprego em Portugal, e de que antes de emigrar para Inglaterra viveu em Portugal, onde já vivia antes do casamento.
6 - Os filhos do R. têm a nacionalidade portuguesa (cfr. docs. nos autos, e admissão por acordo).

1.2. Considerou o Tribunal a quo que “nada mais logrou-se provar com interesse ou relevância para a decisão da presente causa, designadamente não logrou o M.P. provar que o R. tenha sido condenado pela prática de crime punido com pena igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa, prova que competia ao M.P.”.

2. Do Direito

2.1. Importa, em primeiro lugar, apreciar se assiste razão ao recorrente quando alega que a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, em virtude de não ter sido observado o dever de fundamentação da matéria de facto [cfr. conclusões 9) e 12) das alegações de recurso].
Prescreve o artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC que “ É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como refere Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, pág. 139 e segts.), "uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base". A falta de fundamentação da decisão compromete a sua validade dada a omissão de um elemento essencial, na medida em que cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é "emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior", carecendo este "também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso".
A Jurisprudência tem vindo a considerar que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º do CPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 669).
A sentença recorrida aduziu a seguinte fundamentação com referência aos factos que julgou provados: “A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, e na admissão por acordo das partes e ainda no teor do depoimento das testemunhas ouvidas, quanto aos factos provados sob os n.ºs 4 e 5”.
Pese embora de forma deficiente e incompleta, a verdade é que a decisão da matéria de facto mostra-se fundamentada, referindo a Senhora Juíza a quo quais os meios de prova que sustentaram a sua convicção. É certo que, no que concerne à prova testemunhal, não é feito um exame crítico do depoimento da testemunha. A verdade, porém, é que foi apenas ouvida uma testemunha, pelo que foi com base no seu depoimento, o qual não foi contraditado por depoimentos de outras testemunhas, que o Tribunal a quo formou a sua convicção.
Concluímos, em face do exposto, pela improcedência destas conclusões do recurso.
2.2. Vejamos agora se a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que o recorrente lhe imputa.
2.2.1. Está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, situação que vem regulada no artigo 3º da Lei da Nacionalidade - Lei n.º 37/81, de 3/10 -, o qual tem a seguinte redacção (introduzida pelas Leis n.ºs 25/94, de 19/08 e n.º 2/2006, de 17/04):
1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
(…)
3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”
A aquisição da nacionalidade portuguesa depende, assim, da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento ou de uma união de facto com cidadão nacional português há mais de três anos.
Isso mesmo resulta também do n.º 1 do artigo 14º do Regulamento da Nacionalidade (Decreto-Lei n.º 237-A/2006 de 14 de Dezembro, na versão do Decreto-Lei nº 43/2013, de 1 de Abril), nos termos do qual, “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo”.
Para adquirir a nacionalidade portuguesa não basta, contudo, a verificação de tais pressupostos, uma vez que a mesma pode ser negada verificados que sejam determinados factos.
Assim é que, o Ministério Público pode opor-se à pretensão do interessado, deduzindo oposição à aquisição da nacionalidade, designadamente em caso de “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” e/ou de “condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa” (cfr. artigo 9º, als. a) e b) da Lei da Nacionalidade e artigo 56º, n.º 2, als. a) e b) do Regulamento da Nacionalidade).
A primeira questão que se coloca é a de saber a quem incumbe a prova da “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, se ao Ministério Público, se ao interessado, requerente da nacionalidade, como sustenta o recorrente.
Esta questão não tem obtido resposta unânime por parte deste TCAS. Assim, enquanto uns defendem que a acção de oposição à aquisição da nacionalidade configura uma acção de simples apreciação negativa, competindo ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, nos termos do disposto no artigo 343º, n.º 1 do Código Civil (cfr. acórdãos de 2/04/2014, proc. n.º 10952/14, 6/11/2014, proc. n-º 11025/14, 26/02/2015, proc. n.º 11791/15, 12/03/2015, proc. n.º 11816/15, 30/04/2015, proc. n.º 10528/13 e de 11/06/2015, proc. n.º 12086/15), outros entendem que a prova daquele requisito compete ao Ministério Público (cfr. acórdãos de 10/07/2014, proc. n.º 11308/14, 11/09/2014, proc. n.º 11251/14 e de 16/04/2015, proc. n.º 11964/15).
A solução a dar à questão exige do intérprete uma análise das sucessivas alterações que foram introduzidas à Lei da Nacionalidade e ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e das razões que a elas presidiram, tanto mais que o legislador não tomou posição expressa sobre a quem incumbe ónus da prova da inexistência de uma ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, pois que nada é referido a esse propósito no artigo 9º da Lei da Nacionalidade na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04.
Vejamos então.
O artigo 3º, n.º 1 da Lei da Nacionalidade na sua versão original prescreve que “o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento”.
E o artigo 9º, al. a) do mesmo diploma determina que “constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional”.
Como refere Rui Moura Ramos, “a cláusula indeterminada inicialmente prevista visava, pela sua latitude, permitir frustrar a inserção na comunidade portuguesa de indivíduos que, mau grado a manifestação de vontade nesse sentido e o vínculo familiar com um cidadão português, não tinham na realidade um vínculo efectivo à comunidade nacional. Simplesmente, entendeu então a nossa jurisprudência, de acordo aliás com os princípios gerais em matéria de ónus da prova, que, tratando-se de factos impeditivos, cabia ao Estado através do Ministério Público fazer a prova da "manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional" (3). Neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 17.3.1988, proc. nº 76.033 e de 4.10.1988, proc. nº 76.487), tendo assim julgado improcedente a oposição em situações em que o casamento se não podia dizer de conveniência, pois durava há seis anos e dele resultara um filho, registado na secção consular portuguesa do país residência, como noutras, onde porventura a ligação à comunidade portuguesa seria menor mas em que o Ministério Público não fizera nem sequer esboçara tal prova” (A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136, Março-Abril de 2007).
A Lei n.º 25/94, de 19/08, introduziu importantes alterações à Lei da Nacionalidade e, no que aqui importa, aos artigos 3º e 9º.
Assim, o n.º 1 do artigo 3º passou a ter a seguinte redacção: “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio”.
Por outro lado, nos termos da al. a) do artigo 9º, passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”.
Em consonância com estas alterações, foi também alterado o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa através do Decreto-lei n.º 253/94, de 20/10.
O artigo 11º Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, passou a dispor que “1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo. 2 - A declaração será instruída com certidão do assento de casamento e com prova da nacionalidade do cônjuge português, salvo se os actos respectivos estiverem arquivados na Conservatória dos Registos Centrais, caso em que serão identificados no auto da declaração”.
E o artigo 22º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção: “todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve: a) comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional”.
Resulta destes preceitos que o cidadão estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português que declarasse pretender adquirir a nacionalidade portuguesa tinha a seu cargo o ónus de, além do mais, provar a sua “ligação efectiva à comunidade nacional”.
Continuando a citar Rui Moura Ramos diremos que “em 1994 o legislador tomaria duas medidas: por um lado, tornaria necessário um casamento com a duração de três anos para que a declaração visando a aquisição da nacionalidade portuguesa pudesse ter lugar, com o que se punha algum travão aos casamentos de conveniência; por outro lado, e agora como reacção à tendência jurisprudencial que se desenhara, procederia à inversão do ónus da prova, ao passar a enunciar como fundamentos da oposição "a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional".
Nestes termos, para além da tentativa de neutralizar os efeitos dos casamentos de conveniência, o legislador impunha ao interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa a alegação e comprovação de uma ligação efectiva à comunidade nacional.
Este passo levaria a uma profunda modificação da prática jurisprudencial. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça viria a considerar "esta comprovação como fundamento de aquisição da nacionalidade portuguesa é compreensivelmente necessária porque o Estado tem de ser cuidadoso e exigente na integração de pessoas no círculo dos seus nacionais, constituindo mesmo uma faculdade de sua reserva, devendo basilar-se a ligação procurada de alguém à comunidade nacional como uma ligação séria, aberta, efectivamente desejada e permanente, não meramente conjuntural portanto, ou desenhada com intenções reservadas".
E adiantaria, mais, que "a ligação efectiva à comunidade nacional constitui um autêntico pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, tendo o requerente - candidato à aquisição - o ónus da correspondente alegação e prova.
Não o fazendo, há fundamento bastante para a procedência da acção de oposição", precisando ainda que "a mencionada ligação efectiva à comunidade nacional é verificada através da prova de algumas circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, do domínio ou conhecimento da língua, dos laços familiares, das relações de amizade ou de convívio, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, do interesse pela história ou pela realidade presente do país", e que "o denominador comum deve servir como pauta de referência e cimento aglutinador para aferir da ligação que a lei exige, não poderá deixar de ser a comunidade nacional e não uma concreta comunidade de nacionais no estrangeiro. (…) A interpretação jurisprudencial deste diploma consagraria na verdade a tese de que o interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa tinha de comprovar, em termos que não poderiam deixar de se considerar como particularmente exigentes, a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, o que permitiria restringir significativamente a aquisição da nacionalidade portuguesa”.
O regime da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade voltou a sofrer profundas alterações com a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 - que introduziu alterações à Lei da Nacionalidade - e com o Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12 - que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e revogou o anterior Regulamento aprovado pelo Decreto-lei n.º 322/82, de 12/08.
No que à Lei da Nacionalidade respeita, a alteração que importa aqui atentar é a de que passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (cfr. al. a) do artigo 9º).
O novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12, introduziu importantes alterações nesta matéria, designadamente quanto às imposições que impendem sobre o requerente da nacionalidade portuguesa.
O artigo 14º, n.º 3 exige que o mesmo instrua a declaração de que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa “com certidão do assento de casamento e com certidão do assento de nascimento do cônjuge português” (cfr. artigo 14º, n.º 3).
Por seu lado, o artigo 57º, n.º 1 estipula que “quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior”; e o n.º 3 do mesmo preceito determina que “para efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve: a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência; b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso”.
Ao invés do que sucedia anteriormente, para a aquisição da nacionalidade portuguesa apenas se exige que o interessado reúna as condições previstas no artigo 3º da Lei da Nacionalidade - isto é, esteja casado há mais de três anos com cidadão português - e que manifeste a sua vontade nesse sentido, pronunciando-se, por mera declaração, “sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”. Não se exige agora que o mesmo comprove essa ligação.
E tanto assim é, que foi revogada a exigência anteriormente prevista no artigo 22º, n.º 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade de o requerente comprovar por meio documental, testemunhal ou outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional.
Como resulta do disposto no artigo 57º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o requerente deve pronunciar-se sobre (i) a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e (iii) o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro, mas apenas tem de comprovar estes dois últimos factos.
O disposto no artigo 3º da Lei da Nacionalidade a propósito da aquisição da nacionalidade em caso de casamento ou união de facto revela que o legislador teve em vista a protecção da unidade familiar, para o que estabeleceu mecanismos que facilitam essa aquisição.
Cabe ao Ministério Público, caso entenda existirem factos dos quais resulte a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa. Estando em causa um facto impeditivo do direito, o ónus da prova impende sobre ele, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil, incumbindo-lhe alegar e provar os factos que demonstrem que o requerido não tem ligação efectiva à comunidade nacional, assim obstando a que o mesmo adquira a nacionalidade portuguesa.
Neste mesmo sentido e a propósito da alteração à Lei da Nacionalidade operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04, refere Rui Moura Ramos (in ob. cit.) que a mesma “ao repor o entendimento tradicional quanto ao ónus da prova, vem legitimar uma posição menos restritiva quanto à aquisição da nacionalidade, ao limitar de algum modo o mecanismo de oposição, ainda que deixe de ser tão exigente na caracterização da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, uma vez que esta, para efeitos do desencadear da oposição, deixa de ter de ser manifesta”. E acrescenta: “Por outro lado, um outro aspecto importa ainda referir em sede de reforço do vínculo de nacionalidade e de redução do poder determinante que era conhecido do Estado na sua modelação. Falamos do instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, o outro elemento que permitia ao Governo intervir no delineamento concreto do vínculo de nacionalidade. A este propósito há que recordar que ele funcionava como válvula de segurança que permitia paralisar determinadas aquisições de nacionalidade decorrentes da vontade ou da adopção quando existisse o risco de introdução na comunidade portuguesa de “elementos em relação a quem houvesse fundadas razões para que o Estado não lhes quisesse reconhecer a condição nacional portuguesa” (…). (…) a inversão do ónus da prova a que volta a proceder a nova lei, retornando assim à solução original da Lei n.º 37/81, (…) ao restringirem o alcance do mecanismo da oposição à aquisição, vêm limitar claramente as faculdades preclusivas (da aquisição da nacionalidade portuguesa) que ele comportava. Pode assim dizer-se que o poder modelador do Estado nas situações de aquisição derivada, que já fora limitado, no domínio da naturalização, às hipóteses, algo residuais, hoje previstas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 6º, se vê também igualmente ainda mais circunscrito por uma concepção que implica um uso mais morigerado do instituto da oposição à aquisição – o que equivale afinal a reforçar a densidade do direito à nacionalidade tal como ele emerge dos diversos preceitos da nossa lei” (sublinhado nossos).
Diferente seria a conclusão se assistisse razão ao recorrente quando alega que estamos perante uma acção de simples apreciação negativa, pois que neste caso o artigo 343º, n.º 1 do Código Civil faz inverter as regras do ónus da prova.
Não é essa, porém, a situação.
Como se refere no Acórdão do STA de 18/06/2015, proc. n.º 1053/14, “(…) a acção de oposição à aquisição da nacionalidade não configura uma acção desse tipo [de simples apreciação negativa]. Efectivamente, não estamos perante um “tipo de acções[,] destinadas a definir uma situação tornada incerta, [em que] o autor visa apenas obter a simples declaração (munida da força especial que compete às decisões judiciais) da existência ou inexistência dum direito (próprio ou de outrem, respectivamente) ou dum facto jurídico”. Antes estamos perante uma acção constitutiva, “em que o requerente pretende obter a produção dum novo efeito jurídico material, que tanto pode consistir na constituição duma nova relação jurídica, como na modificação ou na extinção duma relação preexistente. É o tipo de acções especialmente ajustado aos chamados direitos potestativos (…), quando para a produção do efeito jurídico visado importa recorrer a uma decisão judicial” (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp. 6-7). In casu, o Estado Português, através do Ministério Público, tem o direito potestativo de se opor à aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, que se operou através da declaração mencionada no artigo 3.º da LN”.
A mais recente Jurisprudência do STA vai neste sentido (cfr. Acórdãos de 19/06/2014, proc. n.º 0103/14, de 28/05/2015, proc. n.º 01548/14, de 18/06/2015, proc. n.º 01053/14, e de 1/10/2015, procs. n.ºs 01409/14 e 0203/15).
Resumindo:
1. O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio, devendo para o efeito:
(a) Pronunciar-se sobre: (i) a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e (iii) o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro;
(b) Comprovar os factos referidos em (ii) e (iii).
2. O Ministério Público pode opor-se à aquisição da nacionalidade caso se verifique que o requerente (i) não tem ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) foi condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, (iii) exerceu funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou prestou serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro, (iv) representa perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em actividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respectiva lei.
3. Cabe ao Ministério Público o ónus da prova da inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional.
2.2.2. Isto posto, regressemos ao caso dos autos.
O TAC de Lisboa julgou improcedente a oposição que o Ministério Público deduziu contra o ora recorrido, considerando, em síntese, que:
- Mostra-se provado que o recorrido tem ligação efectiva à comunidade nacional;
- O Ministério Público não provou, como lhe competia, que o recorrido foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime punido com pena igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa.
Ou seja, entendeu o TAC de Lisboa que não se mostram verificados os fundamentos da oposição à aquisição da nacionalidade previstos nas als. a) e b) do artigo 9º da LN.
Será acertada esta decisão?
2.2.2.1. Começando pela análise que o Tribunal a quo fez a propósito do fundamento de oposição constante da al. a) do artigo 9º da LN, entendemos que, ao contrário do que o mesmo considerou, os factos vertidos no probatório não demonstram que o recorrido tenha ligação efectiva à comunidade nacional, considerando que a mesma “se revela por um sentimento de pertença à cultura portuguesa, manifestada no conhecimento e domínio da sua língua, na aceitação e prática dos seus costumes, na partilha dos bens culturais, no interesse pela sua história, pela realidade do país ou pela forma como ele é governado e pelos laços familiares, relações de amizade ou de convívio com os cidadãos nacionais” (cfr. acórdão do STA de 19/06/2014, proc. n.º 0103/14).
Na verdade, no que a essa matéria concerne, ficou apenas provado que o recorrido contraiu casamento, em 10/01/2009, com uma cidadã portuguesa, que reside em Inglaterra desde 2011, com a sua esposa e filhos, onde trabalha, que foi para Inglaterra por não ter conseguido emprego em Portugal, sendo que antes de emigrar para Inglaterra viveu em Portugal, onde já vivia antes do casamento e que os filhos têm nacionalidade portuguesa.
Estes factos não demonstram, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que o recorrido revele um “sentimento de pertença à cultura portuguesa” nos termos atrás referidos.
O certo, porém, é que dos mesmos não resulta que o recorrido não tenha ligação efectiva à comunidade nacional; e é isso que releva.
Competindo ao autor, Ministério Público, articular e provar os factos com base nos quais o juiz pudesse concluir que o recorrido não tem qualquer ligação efectiva à comunidade nacional, forçoso é concluir pela não verificação do fundamento de oposição previsto na al. a) do artigo 9º da LN.
Deste modo, e ainda que com fundamentos diversos, concluímos pelo acerto da sentença recorrida.
2.2.2.2. No que concerne ao fundamento de oposição constante da al. b) do artigo 9º da LN, entendemos que o TAC de Lisboa errou na apreciação que fez.
Isto porque não competia ao Ministério Público, mas sim ao recorrido, enquanto requerente da nacionalidade, provar que não foi condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.
É o que resulta, como vimos atrás, do disposto no artigo 57º, n.ºs 1 e 3, al. a) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o qual impõe a quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade o dever de se pronunciar sobre este fundamento de oposição, para o que deve “Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência”.
Sucede que, o recorrido não juntou o certificado do registo criminal inglês - país onde reside desde 2011 - nem aquando do requerimento que apresentou em 19/04/2013 junto da Conservatória dos Registos Centrais, nem no âmbito do presente processo.
A falta de prova deste facto funciona, assim, em desfavor do recorrido. Assim sendo, concluímos pela verificação do fundamento de oposição vertido na al. b) do artigo 9º da LN e, consequentemente pela procedência do erro de julgamento que o recorrente imputa à sentença recorrida, o que determina a sua revogação.

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SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

I - A aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, nos termos do artigo 3º da Lei da Nacionalidade, depende da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento ou de uma união de facto com cidadão nacional português há mais de três anos.
II - A aquisição da nacionalidade portuguesa é negada verificados que sejam determinados pressupostos, designadamente no caso de ser julgada procedente a acção especial de oposição deduzida pelo Ministério Público tendo por fundamento a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional ou a condenação do mesmo, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa
III - Cabe ao Ministério Público alegar e provar factos que demonstrem que o requerente da nacionalidade não tem qualquer ligação à comunidade portuguesa.
IV - Cabe ao requerente da nacionalidade pronunciar-se sobre se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e provar esse facto através da junção dos certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Custas na 1ª e 2ª instância a cargo do recorrido.


Lisboa, 14 de Janeiro de 2016


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(Conceição Silvestre)





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(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia) DECLARAÇÃO DE VOTO (Proc. Nº 12740/15)
Julgaria procedente a ação, mas com fundamentação bem diferente, porque discordo do entendimento sobre a al. a) do art. 9º/a) da Lei da Nacionalidade, como passo a explicar:

No caso presente, a factualidade provada é manifestamente insuficiente para tutelar o único direito litigado, o direito invocado pelo réu.

Vejamos o tipo de ação que aqui temos e o chamado ónus da prova dos factos que interessam à causa.

Em obediência ao art. 10º/3/a) do Código de Processo Civil, segundo o qual estamos perante uma ação de simples apreciação se a ação tiver por fim único obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de uma factualidade, temos de afirmar que apresente ação é de simples apreciação negativa, pois que o autor (MP) visa, com o seu pedido, a declaração judicial de inexistência de um direito (em sentido lato, onde se inclui o “interesse legalmente protegido”)(1) invocado pelo réu (cidadão estrangeiro, residente no estrangeiro) junto da Administração Pública.

Numa ação de apreciação negativa, como a presente, o direito em causa é do réu; e o fundamento da ação pode ser, naturalmente, a inexistência de factos constitutivos (factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado). Daí o nº 1 do artigo343º do Código de Processo Civil: nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

Cfr. exatamente assim:

‐ A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, 1981, vol. I, pp. 113ss, e vol. III, 1982, pp. 209 ss, 213 ss e principalmente pp. 345 ss;

‐ A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., pp. 20 ss e 305 ss;

‐ RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 2015, nos comentários aos artigos 5º e 10º;

‐ J. CASTRO MENDES, D.P.C., AAFDL, 1980, I, p. 278;

‐ Ac. do STJ de 24‐10‐2006, P. nº 06A1980.

Nesta sede, a obra processual de A. DOS REIS deve ser lida criticamente e com muitas cautelas, porque o Código de Processo Civil era então muito diferente, tal como o era o Código Civil de Seabra; prova disto é o que consta de outra obra, o Código de Processo Civil Anotado, II, a pp. 288 ss, precisamente porque não existiam os artigos 342º e 343º do atual Código Civil (2) e ainda porque A. DOS REIS seguia a doutrina meramente processualista do italiano MICHELI, substituída nos restantes países latinos nos anos de 1950 e seguintes pelas doutrinas normativistas e substantivistas de ROSENBERG.(3)

E daí que, por vezes, se encontrem citações de frases de A. DOS REIS de 1945 (inspiradas em MICHELI) em textos que pretendem explicar os artigos 342º ss do Código Civil de 1966, o que, logicamente, induz equívocos. Ou, ainda, confusões entre o artigo 414ºdo atual Código de Processo Civil (referente ao julgamento dos factos) e o instituto regulado nos artigos 341º ss do Código Civil (referente ao juízo da causa), maxime nos artigos 342º,343º e 346º; este último, aliás poucas vezes mencionado, dispõe que «…, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná‐los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova».

A teoria das normas iniciada por ROSENBERG, sobretudo a partir da 2ª edição da sua obra Die Beweislast, veio mais tarde, já com a 3ª edição de 1953 (Die Beweislast auf derGrundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung), a influenciar MANUEL DE ANDRADE (em1956 (4)), VAZ SERRA (logo depois no B.M.J.(5)) e ANTUNES VARELA (como legislador material nos anos 1960 e posteriormente como autor do seu manual) e ainda, sobretudo, os textos mais claros ou assumidos de ANSELMO DE CASTRO (nos anos 1970 e1980 (6)), de TEIXEIRA DE SOUSA (em 1996 (7)) e de REMÉDIO MARQUES (nos anos 2000 (8)). As teorias normativistas e substantivistas inspiraram e explicam melhor os artigos 342º e 343ºcits., como se vê sobretudo na obra Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pp.351 ss, de A. ANSELMO DE CASTRO, e na obra Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590 ss, de J. P. REMÉDIO MARQUES. Note‐se que MANUEL DE ANDRADE discordou do teor do então novo artigo 343º/1 do Código Civil, como nos dá conta ANSELMO DE CASTRO, in D.P.C.D., III, p. 354, nota 1.

Diz a atual versão de 2006 ‐ a 3ª ‐ do artigo 9º/a) da vigente Lei da Nacionalidade(L.N.):

«Constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional».

Note‐se bem que são as seguintes as anteriores versões de tal artigo 9º/a) (desde1981):

‐ «… a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional» (1ªversão, de 1981);

‐ «… não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional» (2ªversão, de 1994).

E dispõe‐se, no artigo 10º (desde 1981), o seguinte:

‐ A oposição é deduzida pelo Ministério Público no prazo de um ano a contar da data do facto de que dependa a aquisição da nacionalidade, em processo a instaurar nos termos do artigo 26.º;

‐ É obrigatória para todas as autoridades a participação ao Ministério Público dos factos a que se refere o artigo anterior. Portanto, na presente causa, o autor MP não está a invocar nenhum direito, seu ou alheio. Está apenas a “contestar” um alegado direito do réu, um direito que o réu invocou num procedimento administrativo.

O que, desde logo, quer dizer que o artigo 342º/1 do Código Civil não tem aplicação neste processo, se tal nº 1 for entendido como se referindo apenas ao autor.

Vejamos agora o ónus de alegação dos factos essenciais que sustentem o direito em discussão, aqui invocado pelo réu, e que é o interesse ou o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa.

Tal ónus de alegação dos factos cabe às partes conforme o previsto nas normas imperativas constantes dos importantes arts. 5º/1, 584º/2, 552º/1/d), 572º/b) e 584º do Código de Processo Civil.

Ali sublinhamos o previsto no muito esclarecedor art. 584º/2 do Código de Processo Civil, inexistente antes de 1961/67:

«Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu». Perfeitamente compatível com os artigos 342º e 343º do novo Código Civil.

Com efeito, no caso das ações de simples apreciação negativa, como a presente, a factualidade alegada e que interessa a quem invoca um seu direito ou interesse protegido é, e só pode ser, a factualidade concreta constitutiva do (único) direito ou interesse reivindicado (pelo réu).

Passemos agora ao chamado ónus da prova da factualidade constitutiva ou fundamentadora do direito em causa neste processo. Ou ónus de iniciativa da prova (9).

Para se entender uma das bases teóricas dos artigos 342º ss do Código Civil de 1966, devemo‐nos recordar que, para o LEO ROSENBERG dos anos 1950 e segs., a distribuição do ónus da prova está já implícita na regulação legal das próprias relações jurídicas, sendo por isso que tal distribuição deriva especificamente da forma como está estruturada a previsão das normas substantivas que regem o caso controvertido no processo.

Em primeiro lugar, importa fazer uma importante distinção: o ónus da prova não está regulado no artigo 414º do Código de Processo Civil («A dúvida sobre a realidade de um facto… resolve‐se contra a parte a quem o facto aproveita»), mas sim nos artigos 342º ss do Código Civil. O artigo 414º do Código de Processo Civil tem a ver com o non liquet fáctico; o chamado ónus da prova tem a ver com o menos frequente non liquet de mérito.

Outra distinção: o ónus da prova não é o ónus de alegar os factos essenciais para a ação, embora normalmente um acompanhe o outro; e, como escreveu ANSELMO DE CASTRO, «o ónus da alegação é determinado pelo ónus da prova, e não este pelo primeiro» (in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, p. 355).

Lembremo‐nos ainda que, hoje, é totalmente irrelevante para o tribunal que a prova relativamente a certa questão de facto tenha provindo da atividade de uma ou da outra parte (cfr. artigo 413º do Código de Processo Civil). Por força do princípio da aquisição processual e dos poderes instrutórios do juiz, o ónus da prova é, assim, um ónus incompleto e imperfeito.

A pergunta a que respondem os artigos 342º ss do Código Civil de 1966 é a seguinte:

‐como se reparte entre os litigantes o encargo de fornecer a prova, para efeitos de assunção do risco respetivo de falta ou insuficiência da factualidade que interessa ao julgamento do mérito da causa?

O critério para responder a tal pergunta foi naturalmente baseado nos valores da justiça, da razoabilidade e da normalidade. Devemos ter isto bem presente. Afinal, trata-se de uma regra de julgamento da causa.

Ora, o ónus da prova é uma regra legal de repartição do risco, quanto ao mérito da pretensão deduzida, de determinada factualidade essencial não ficar demonstrada ou não ter sido sequer alegada nos articulados. Regem os consabidos arts. 342º ss do Código Civil de 1966 (direito probatório material). Portanto, tal ónus de iniciativa da prova refere-se, hoje, à situação de mérito da parte contra quem o tribunal decidirá quando, em face dos elementos carreados para os autos por qualquer dos sujeitos processuais (p. da aquisição processual), o juiz se não convença da realidade da factualidade que daria vantagem a essa parte. É uma regra de julgamento da causa.

Assim, a regra básica e geral, também justa e equilibrada, decorrente dos artigos 342ºe 343º/1 do Código Civil de 1966 é a de que quem (autor ou réu) invoca um direito, como sendo seu, tem o dever ou o encargo da prova dos factos constitutivos desse seu alegado direito (isto é, dos factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado). Cfr. precisamente assim:

‐ J. P. REMÉDIO MARQUES, Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590‐596;

‐ A. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, pp. 351 ss;

‐ J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, 3ª ed., 2013, pp. 121 e 207;

‐ P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, nota 5 ao art. 342º e notas ao art. 343º;

‐ Consº FERNANDO P. RODRIGUES, A Prova em Direito Civil, 2011, pp. 21‐25;

‐ J. LEBRE DE FREITAS, A Confissão..., pp. 209‐210, n. 33.

E factos constitutivos (ou fundamentadores) de um direito, sempre fundamentais nos articulados de uma causa, são os factos que, segundo a lei substantiva (!), se mostram capazes de fundar o direito de que alguém se arroga. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou do STJ não vai contra o que se acaba de referir.

Assim, nas ações de simples apreciação negativa não se aplica, imediatamente, o disposto no artigo 342º do atual Código Civil, pela simples razão de que nas ações de simples apreciação negativa o autor, visado em tal norma, não está a invocar qualquer direito; por isso, aplica‐se, imediatamente e diremos também que naturalmente, o artigo 343º/1:«compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga» ‐ cfr. ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, pp. 352 e 358.

«Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa incumbe ao réu o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga e que o autor pretende que seja declarado que não existe» (Ac. do T.R.L. de 9‐5‐1996, P. nº 013222).

Na verdade, o artigo 343º/1 do Código Civil de 1966 diz, de outra maneira, o que o artigo 342º/1/2 do Código Civil disse antes.

Por isso, no fim das contas, a regra geral e normal constante do Código Civil de 1966é sempre esta: quem invoca um direito como seu, seja autor, seja réu, tem, logicamente ou dentro de um critério de normalidade (assim P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, p. 306), o ónus, risco ou encargo da prova da factualidade constitutiva ou fundamentadora desse seu alegado direito (assim J. P. REMÉDIO MARQUES, op. e loc. cits.).

É que nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos elementos da sua facti species. Na incerteza, o juiz decide, portanto, contra a parte que a norma beneficiaria. Importa, então, distinguir cuidadosamente as normas que aproveitam a cada uma das partes. Essa distinção faz‐se, como fixaram ROSENBERG ou SCHWAB (cfr. ROSENBERG /SCHWAB /GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, 15.ª ed., Beck, Munique, 1993; ROSENBERG, Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und derZivilprozeßordnung ‐ O Ónus da Prova com base no Código Civil e no Código de Processo Civil‐ 5ª ed., Beck, Munique, 1965 (10); há tradução sul‐americana desta obra: La Carga dela Prueba,2ª ed., Editorial B DE F, Montevideo, 2002; v., ainda, ROSENBERG, Tratado de Derecho Procesal Civil, trad., Ara Edit., Perú, 2007, 2 tomos), cujas teses foram timidamente recebidas por MANUEL DE ANDRADE em 1956 e adotadas pelo Código Civil de 1966 por influência de VAZ SERRA e ANTUNES VARELA nos anos 1960, sendo depois plenamente recebidas por, i.a., ANSELMO DE CASTRO nos anos de 1970 e 1980, TEIXEIRA DE SOUSA nos anos 1980 e1990 e REMÉDIO MARQUES nos anos 2000.

As teorias de ROSENBERG e de SCHWAB, inspiradoras dos artigos 342º e 343º do nosso Código Civil, têm sobretudo em conta a redação legal de direito substantivo, que autonomiza os vários preceitos (que preveem factos; não preveem provas). Encontraremos, assim, “normas de base” e “contranormas”; aquelas são constitutivas, estas impeditivas (ou normas especiais do ónus da prova), excludentes ou extintivas das anteriores. As teorias de ROSENBERG e de SCHWAB pressupõem a existência de uma relação, não explicitada, de maior proximidade entre a parte onerada com a prova e o facto probando, por referencia à norma de que tal parte se prevalece.

A identificação da norma constitutiva, donde se retira o facto constitutivo, requer uma análise teleológica do material jurídico existente nos textos legais substantivos (como, por exemplo, os artigos 3º/1 e 9º/a) da L.N.), para se poder estabelecer quais são os elementos que representam o fundamento ou a justificação substancial do efeito jurídico pretendido por quem tem um direito material (em sentido lato) a afirmar ou exercitar.

Enfim, o nosso sistema instituído nos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 para a distribuição do ónus da prova (uma pura necessidade de ordem prática, segundo LEO ROSENBERG) exprime uma equilibrada “teoria normativa e estática da distribuição do ónus da prova” (esta teoria estática, curiosamente, já não existe no Brasil (11) ‐ cfr. artigos 357º/III (12) e 373º(13) do novo Código de Processo Civil brasileiro ou em Espanha ‐ cfr. artigo 217º do novo Código de Processo Civil espanhol(14) ‐ cujos novos sistemas se integram na “teoria dinâmica da distribuição do ónus da prova”, para acautelar com mais segurança as situações de prova impossível ou diabólica, de desigualdade no acesso das partes à possibilidade real de demonstração dos factos e de violação da máxima constitucional da proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores dos direitos litigados).

Relembre‐se que o artigo 9º/a) da L.N. não é uma norma especial de ónus da prova, nem é matéria de facto (sujeita ao ónus da alegação dos factos e ainda ao ónus da prova), mas sim a previsão de uma norma jurídica, cujo conteúdo será apurado a partir de factos concretos a alegar nos articulados.

Ora, por isso também, o autor MP não tem, em nosso modesto entender, o ónus da prova da referida inexistência da ligação efetiva, porque se trata de matéria de direito e não a uma factualidade constitutiva de um direito do MP ou de outrem (assim ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., III, p. 351); o autor também não tem o ónus de alegar na p.i. factos impeditivos (que são sempre de caráter ambivalente), os quais serão eventualmente alegados apenas como manda o cit. artigo 584º/2 do Código de Processo Civil em resposta aos contrapostos factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado aqui. Aliás, o autor MP também não tem, não pode ter, os ónus ou sequer as simples possibilidades de alegar e de provar “factos negativos indeterminados” e de natureza privada relativos ao direito que o réu afirma ter no seu património jurídico.

Mais. Quando o MP age em juízo em nome próprio e não como “advogado”, não pode aceitar-se sequer uma expressão como «o MP tem o ónus da prova», pois, além do seu dever de contribuir para a realização da justiça e, na medida em que esta o imponha, para a descoberta da verdade, ele não tem em processo nenhum a posição pessoal que autorize descrevê-lo como sendo beneficiado ou onerado pelo ónus da prova.

Já o cidadão estrangeiro ora réu, que alardeia e invoca um seu direito ou interesse (assente, naturalmente, em factos pressupostos pela lei substantiva):

‐tem o ónus de alegar, na sua contestação, os factos pessoais constitutivos, positivos ou negativos, do seu alegado direito ou interesse legítimo (os factos que fundamentam o direito que o autor contesta) e,

‐por isso, tem o ónus e o peso da prova dos factos concretos idóneos a fazer nascer a ligação efetiva exigida pela lei,

‐factos pessoais concretos que ele, atentas as regras da experiencia e o bom senso, deve alegar e provar, para seu benefício.

Só não seria assim se o Código Civil e o Código de Processo Civil tivessem sido alterados nesta matéria pela L.N. ou se a L.N. contivesse um regime próprio de ónus da prova para as ações ali previstas. E, ainda assim, sem prejuízo de haver nesse putativo regime específico de ónus da prova uma violação da máxima constitucional da proporcionalidade, ao onerar excessivamente e sem justificação o autor.

Portanto, (1º) após o autor MP porventura afirmar na p.i. e com base no procedimento administrativo ocorrido que o réu não tem o direito que invocou, porque não existem ali factos que sustentem a exigida ligação efetiva (!) à comunidade nacional portuguesa, (2º) o réu tem, naturalmente, a necessidade de provar ou de ver provados os factos pessoais subjacentes ao (seu) direito ou interesse, que invocou antes do processo jurisdicional, isto é, os factos subjacentes à (sua) ligação efetiva à sociedade e cultura portuguesas.

Posteriormente, (3º) com ou sem a réplica referida no artigo 584º/2 do Código de Processo Civil, (4º) sobre tais factos concretos recairão as regras de julgamento da matéria de facto e as relativas aos diferentes meios (lícitos) de prova que constam do Código de Processo Civil ‐ direito probatório formal, onde se incluem os importantes artigos 413º e414º ‐ bem como as regras que constam dos artigos 349º a 396º do Código Civil, que já são direito probatório material.

(5º) Depois, já em sede de julgamento do mérito da causa, o juiz aplicará as regras de direito substantivo, incluindo, no caso de “faltarem factos essenciais provados”, as do chamado ónus da prova constantes dos arts. 342º ss do Código Civil de 1966, como direito probatório material que são.

Como já demos a entender, a cit. ligação efetiva do réu à comunidade nacional há de ser aferida, logicamente, por factos absolutamente alheios ao autor MP, i.e., por factos

‐pessoais do interessado réu,

‐relativos aos seus domicílios,

‐relativos às línguas que fala ou não fala,

‐relativos aos seus hábitos pessoais,

‐relativos às amizades portuguesas que não tem ou tem,

‐relativos aos livros portugueses que não lê ou lê,

‐relativos à comida portuguesa que desconhece ou que não come,

‐e relativos a muitos outros e indeterminados aspetos concretos de ordem privada, familiar, cultural, social e profissional, que, a final, consubstanciem o requisito jurídico positivo da “ligação efetiva à comunidade ou sociedade portuguesas”.

Trata‐se de demonstrar, de poder “normalmente” demonstrar, a factualidade constitutiva relativa a «uma inserção, ou adesão, livre, material e espiritual, do requerido (na oposição) à vida da comunidade tal como é vivida pela generalidade dos cidadãos» (Ac. do T.R.L. de 4‐7‐1996, P. nº 0982).

E, assim, se a L.N. expressamente nos diz que a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional é fundamento (não fáctico) da oposição do MP à aquisição da nacionalidade portuguesa, isso significa necessariamente que o processo jurisdicional perscrutará factos concretos, que não conclusões, a integrar na previsão jurídico‐normativa do artigo 9º/a) cit.

A ligação (efetiva, note‐se bem) à comunidade nacional é, pois, um requisito jurídico da satisfação administrativa e jurisdicional do direito «alardeado» (15) pelo cidadão estrangeiro como sendo seu.

Ora, a lei e o sistema jurídico pretendem aqui a intervenção do MP, e, no caso de litígio, do Tribunal, para que este tipo de litígio, quando surja, não seja resolvido apenas por via do procedimento administrativo, do ato administrativo de recusa. O Direito nacional quer uma intervenção jurisdicional. Mas isso não muda a natureza das coisas, i.e., não muda aquilo que está imposto nos

‐vigentes arts. 5º/1, 10º/3/a), 571º/1‐2ª parte, 584º/2 e 588º/1 do Código de Processo Civil e no

‐vigente art. 343º/1 do Código Civil.

Quer dizer, aquilo que o interessado estrangeiro «alardeia» fora do processo judicial (cfr., precisamente assim, A. VARELA et al., Manual…, p. 461) terá de ser primeiro alegado e depois provado, com factos constitutivos, nesta ação, sob pena de não se demonstrar o fundamento (fáctico) do requisito (jurídico) do direito ou interesse material que invocou fora do processo.

Os factos constitutivos são, note‐se bem, os factos fundamentadores – positivos ou negativos - exigidos pela norma criadora do direito invocado ou litigado.

Aqui, neste processo, o direito invocado é um direito do ora réu, cidadão estrangeiro.

Ora, a cit. L.N. prevê ou exige dois grupos de factos constitutivos do único direito aqui litigado:

1º) o facto previsto no artigo 3º/1 e

2º) factualidade (não definida na lei, indeterminada) idónea a ser qualificada, pela A.P. ou pelos tribunais, como “existência de uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa”.

Atento este segundo grupo de factos, cabe sublinhar que, como é evidente, seria injusto, diabólico e desproporcionado que uma ordem jurídica onerasse uma parte processual com o peso da prova de uma factualidade negativa indeterminada ou indefinida.

Estaria encontrado um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte em favor da outra.

Quando se impõe a alguém que faça prova de um facto, parte‐se do princípio que o facto, em si, é suscetível de ser provado. E quando se impõe a um concreto sujeito a prova de um determinado facto, quando este é invocado num dado contexto, parte‐se do princípio que a prova de certo trecho da realidade é mais facilmente realizável por esse sujeito do que pelos demais a quem tal facto possa interessar. Depende, em primeira linha, das características do facto ou das circunstâncias da sua ocorrência. Nesta aceção, poderá talvez dizer-se que a dificuldade de prova é eminentemente objetiva, ela é inerente ao facto em si.

Igualmente deve atender‐se à dificuldade aferida pelas reais possibilidades de um determinado sujeito; esta é tratada pela distribuição do ónus probatório.

Por outro lado, os factos impeditivos são factos suscetíveis de obstar a que um direito invocado se tenha validamente constituído (v.g., incapacidade, simulação, erro, dolo, etc.) e ainda os que, operando ab initio, apenas retardem o surgir desse direito ou a sua exequibilidade.

Aqui, a L.N. não prevê determinados factos impeditivos daquele direito invocado pelo ora autor.

Os artigos 9º/a) e 10º apenas preveem uma condição processual para o MP ir a juízo, decorrente do facto de a lei saber, logicamente, que o Código Civil e o Código de Processo Civil, conjugados devidamente, exigem que os factos fundamentadores do direito litigado sejam alegados em juízo pelo titular do direito, titular esse que, por isso mesmo, fica onerado com “o risco e a carga da prova”.

Outra coisa são os factos negativos, de sentido negativo ou negatórios.

Como escreveu VAZ SERRA (in B.M.J., nº 110, p. 120) e como bem explicou ANSELMO DE CASTRO (in Direito Processual Civil Declaratório, III, 1982, pp. 354‐355), não releva como obstáculo a uma boa (re)distribuição do ónus da prova o sentido negativo do facto essencial sob prova, porque o que interessa nesse caso é que esse facto negativo (não indeterminado) seja requisito do direito invocado. Tal como não releva se se onera com o peso da prova o autor ou o réu.

Ora, os factos negativos em geral dizem “não” a algo (determinado ou indeterminado).

Podem ser (i) “factos negativos indeterminados” (exemplo: “não‐nada”) e (ii) “factos negativos determinados” com referência às normas de direito substantivo que o processo visa tutelar (exemplo: “não‐x”, sendo “x” o facto contraposto que permite negar a negação, isto é, “x” é facto de sentido positivo; “o réu não sabe onde fica Portugal” seria “não‐x”, e “o réu sabe que Portugal fica em ...” seria “x”).

É fácil de constatar, com critérios de normalidade e razoabilidade, a dificuldade extrema ou mesmo a impossibilidade de alguém (alegar e) fazer prova de um facto negativo não determinado ou indefinido.

Portanto, como já dissemos:

i) ‐ A regra básica de julgamento que os artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966impõem, na esteira de, por exemplo, ROSENBERG e SCHWAB, ANSELMO DE CASTRO (in Direito Processual Civil Declaratório, III), ANTUNES VARELA e REMÉDIO MARQUES (in Ação Declarativa…, 3ª ed.), é a seguinte: quem invoca a seu favor uma qualquer situação jurídica substantiva (com efeito extintivo de outra; com efeito impeditivo de outra; com efeito modificativo de outra; ou de tipo constitutivo dela própria) perderá a causa onde se discute essa situação jurídica, se não se provar no processo a factualidade que fundamenta substantivamente a invocada situação jurídica;

ii) – Não é proibido, nem irrazoável, onerar alguém com o ónus da prova de uma factualidade relativamente negativa, isto é, com o peso da prova de um “facto negativo relacional, determinado, definido”;

iii) – Mas, como é impossível provar um “não‐nada determinado”, seria injusta, desproporcionada (e, portanto, inconstitucional), desnecessária e “diabólica” uma normado Código Civil (ou uma jurisprudência) que onerasse alguém com o “peso da prova” de uma “factualidade negativa indeterminada”; seria o que ocorreria se considerássemos que o artigo 9º/a) da L.N. onera o MP com a (alegação e) o peso da prova de factos contrários a factos indeterminados (e pessoais alheios) com referência a “ligação efetiva a Portugal”; e daí que não o façam os artigos 342º e 343º do atual Código Civil e 10º/3 do atual Código de Processo Civil.

Não se desconhecem os acórdãos recentes de algumas subsecções do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria:

‐o autor MP teria (primeiro) o ónus de alegar e (depois) o ónus da prova dos factos de natureza negativa subjacentes à conclusão jurídica (de natureza negativa) de que o cidadão estrangeiro não tem ligação efetiva a Portugal, em vez de ser o interessado réu a alegar e afazer a prova dos “seus” factos concretos que integrem o requisito jurídico positivo da “existência de ligação efetiva a Portugal”;

‐a L.N. visaria promover o valor da unidade familiar, apesar de a L.N. não o referir e de não exigir que o cônjuge com nacionalidade portuguesa (natural ou adquirida) resida em Portugal; e, ainda que fosse esse o fim da L.N., daí não resultaria necessariamente nada quanto à inexigibilidade de outros requisitos legais (a não ser que a lei o dissesse); a ser assim, deixaria de ter sentido o disposto no artigo 9º, alínea a), da Lei da Nacionalidade, segundo o qual a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa tem, entre outros fundamentos, a não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional (cfr. assim o Ac. do STJ de 3‐3‐1998, P. nº 97 B 700).

‐o artigo 9º/a) da L.N. remeteria para factos impeditivos (situação que obsta a que o direito tenha nascido eficazmente – VAZ SERRA, Provas, cit., nº 17), que não se descortinam em nenhuma previsão da L.N. (ao contrário do que se passa com as alíneas b) e c) daquele artigo), sem nomear quais os factos constitutivos contrapostos e sem considerar o significado do artigo 584º/2 do Código de Processo Civil;

‐teria ficado claro, com base no elemento histórico da interpretação das leis, que assim é, apesar de os restantes elementos da interpretação (cfr. artigo 9º/1 do Código Civil), nomeadamente o sistemático, apontarem em sentido contrário, uma vez que os imperativos artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966 e 10º/3/a) do Código de Processo Civil não foram alterados, nem revogados, nem excecionados, pela L.N. Em bom rigor, nada de substantivo se alterou na nossa L.N. desde 1981 quanto a este ponto nuclear, sobretudo se atendermos ao disposto nos artigos 10º/3 do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil. (16)

Ora, o referido entendimento daqueles acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo significaria, de acordo com a “teoria das normas” modificada, refletida nos artigos 342º e343º do Código Civil de 1966, que o artigo 9º/a) da L.N. é uma norma especial de ónus da prova, com relação ao imperativo artigo 343º/1 do Código Civil, exigindo do MP (a alegação e) o peso da prova de factos negativos e indeterminados da vida pessoal do interessado réu.

Ou seja, o autor MP teria de alegar e de fazer a prova, sem a colaboração do réu interessado, dos seguintes factos absolutamente negativos ou “factos negativos indeterminados” e “pertencentes exclusivamente ao mundo do réu”, relevantes para sustentar o direito que, não o autor, mas o réu alardeia como sendo seu:

‐o interessado não gosta da cultura portuguesa; ‐o interessado nunca veio a Portugal;

‐o interessado não frequenta nenhuma atividade ligada a Portugal;

‐o interessado não acompanha a sua família nas viagens a Portugal;

‐o interessado não quer ficar a viver e conviver em Portugal;

‐o interessado não fala português;

‐o interessado não conhece os hábitos e costumes da população da localidade para onde diz que quer ir viver, ou do povo português;

‐o interessado nada sabe sobre a geografia de Portugal;

‐o interessado não conhece o fado, o bacalhau à portuguesa ou o Benfica;

‐o interessado nada sabe sobre a História de Portugal;

‐etc…

Ali, o “etc.” explica o que se quer dizer com “facto negativo e indeterminado”.

Mas, pelo menos desde o Código Civil de 1966 que, salvo o devido respeito, não pode ser assim, porque:

i) ‐ Há que ter sempre em conta quais são os factos constitutivos do (único) direito litigado, como resulta dos artigos 342º e 343º do CC; o tribunal não pode nunca ignorar tal tipo de factos, que constam do direito substantivo; é que, para tutelar um direito material, se o juiz não comprovar de todo os factos constitutivos, irrelevarão, logicamente, os factos impeditivos e os “correspetivos” factos negatórios ou negativos;

ii) ‐ Não tem sentido ou é inútil, do ponto de vista do mérito a que se reportam os artigos 342º e 343º cits., falar em factos impeditivos de um direito litigado sem antes identificar e dar relevo jurisdicional aos correspetivos factos constitutivos desse direito(assim ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, p. 353); isto confirma-se ainda pelo teor (não revogado) do nº 2 do artigo 584º do Código de Processo Civil, segundo o qual os eventuais factos impeditivos (diferentes de factos negativos) do direito invocado pelo réu são alegados na réplica;

iii) – Os factos negativos (determinados) são factos carecidos de prova, para efeitos de oneração com o ónus da prova, desde que sejam requisitos da pretensão substantiva litigada (assim VAZ SERRA, Provas, in B.M.J., nº 110, p. 120), ou seja, desde que sejam factos constitutivos negativos;

iv) ‐ No caso presente, acresce que a L.N. não prevê qualquer facto impeditivo do único direito litigado nesta concreta ação, com este concreto fundamento; por isso, basta ao autor MP, que não alega qualquer direito “seu” (!), invocar na p.i. aquilo que a al. a) do artigo 9ºda L.N. refere (e que é matéria de direito); depois, haverá lugar à normal aplicação do racionalmente previsto nos, aqui decisivos, artigos 572º/b) («Na contestação deve o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor») e 584º/2 do Código de Processo Civil (17) e no, também aqui decisivo, artigo 343º/1 do Código Civil de1966, tudo em conformidade com o imposto no artigo 10º/3/a) do Código de Processo Civil.

Cfr. assim:

‐ A. ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, III, pp. 345‐365, ‐ P. LIMA/A. VARELA, in C.C. Anotado, I, notas aos artigos 342º e 343º,

‐ MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade civil médica, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, pp. 131‐144,

‐ J. P. REMÉDIO MARQUES, A Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590‐596 e

‐ J. LEBRE DE FREITAS, A Confissão..., pp. 209‐210, n. 33,

‐ RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, I e II, 2015, comentários aos artigos 5º,10º e 584º, tudo em resultado da “teoria das normas” consagrada nos artigos 342º e 343º do Código Civil de 1966;

iv) – Por outro lado, o elemento histórico da interpretação da L.N. não se pode sobrepor ao elemento lógico‐sistemático da ordem jurídica portuguesa (assim M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, pp. 371‐372), aqui no contexto dos imperativos artigos 342º ss do Código Civil de 1966 e dos também imperativos artigos 10º/3 e 584º/2 do Código de Processo Civil;

v) ‐ O Direito e a justiça não autorizam que se pretenda que o ora autor tenha de alegar “factos negativos indeterminados ou factos absolutamente negativos”, isto é, factos negativos sem relação possível com concretos factos positivos decorrentes da norma de direito substantivo que sustenta o direito litigado, sob pena de se criar um ónus da prova diabólica, isto é, uma regra de julgamento injusta e desequilibrada. Não é por acaso que a jurisprudência portuguesa já sentiu a necessidade de afirmar que a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes do que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationisleviores probationes admittuntur (cfr. Ac. do STA de 17/12/2008, proc. n.º 0327/08; Ac. do TCA Norte de 14/03/2013, proc. n.º 00997/12.8BEPRT; Ac. do TCA Sul de 04/12/2012,proc. n.º 06134/12).

Portanto, com o devido respeito, o citado entendimento do Supremo Tribunal Administrativo seria porventura correto antes dos atuais Código Civil e Código de Processo Civil, mas hoje desrespeita o regime imperativo resultante da conjugação dos artigos 10º/3do Código de Processo Civil e 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966, bem como o próprio princípio constitucional da proporcionalidade.

Assim, o que a lei impõe claramente aos tribunais, i.e., o que o artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil estabelece é que, nas ações de apreciação ou declaração negativa (cfr. artigo10º/3 do Código de Processo Civil), como é a presente ação, recai sobre o réu o risco de não se fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito de que ele se arroga. Nada mais natural e lógico, tendo em conta que o ónus da prova, ou ónus de iniciativa de prova, regulado no Código Civil de 1966:

‐é uma regra (substantiva) de risco referente, sobretudo e em primeira linha, aos factos concretos constitutivos que interessam a quem, seja autor ou seja réu, invoca um direito como seu (e não a conclusões jurídicas);

‐não se reporta ao ónus (processual) de alegação de factos, regulado no Código de Processo Civil;

‐não é uma regra normal de enquadramento jurídico dos factos provados, mas sim uma regra especial de julgamento da causa para funcionar contra uma das partes oneradas com ele no caso de não ter ficado provado, a final, certo facto concreto essencial para sustentar a posição jurídica resultante de tal facto.

Supõe‐se que se pode dizer que, na jurisprudência, é maioritária a orientação segundo a qual o artigo 343º/1 do Código Civil implica uma inversão do ónus da prova: nas ações de simples apreciação negativa, não cabe ao autor alegar e provar, pela negativa, que o direito ou facto alheio não existe, mas compete ao réu, que vinha arrogando extrajudicialmente a existência desse seu direito ou facto, alegar e provar pela positiva tal existência.

Por isso também, os nossos supremos tribunais consideram que a atribuição ao réu, nos temos do art. 343.º, n.º 1, do Código Civil, do ónus da prova dos factos constitutivos torna inútil a dedução de um pedido reconvencional por esse demandado, dado que o que essa parte vai obter através da prova daqueles factos é o mesmo que poderia conseguir através da procedência desse pedido reconvencional.

Neste tipo de ações, portanto, a alegação e o peso da prova dos factos constitutivos da posição jurídica benéfica (situação de vida com relevância jurídica, relacional ou não, em que se encontra colocado alguém (18)) substantiva em jogo incumbe, natural e logicamente, à parte que invoca como sua tal posição jurídica, parte que fica por isso onerada com o risco da não demonstração desses “seus” factos.

Este critério do onus probandi assenta, desde o Código Civil de 1966, na ideia pacífica e correta de que é mais fácil ao réu arcar com o peso da prova da existência de um seu direito ou de um seu facto contestado pelo autor, visto que impor a este a prova da inexistência do direito ou do facto em questão seria forçá‐lo a uma prova impossível ou muito difícil (assim VAZ SERRA, Provas, in B.M.J., n.º 110, pág. 164). «Em caso de a prova de um facto se revelar difícil para uma das partes e ser fácil para outra por ser do seu conhecimento pessoal e/ou poder ter acesso fácil ao seu conhecimento e prova e não poder deixar de conhecer, o encargo de provar cabe à parte que se encontra em melhor posição para a produzir e auxiliar a descoberta da verdade; quem tem um facto a seu favor é quem melhor se acautela com os meios de o provar» (Ac. do T.R.L. de 22‐10‐1996, P. nº 02911).

Por vezes não será situação simples, mas a prática jurisdicional mostra que aquele entendimento é o mais abrangente. Isto sem prejuízo dos cuidados (que não discordância, obviamente) de CHIOVENDA no longínquo ano de 1937 (N. Digesto It., II, 1937, pp. 131 ss):

«Também no que respeita ao ónus da prova, a ação de simples apreciação não difere [...] de qualquer outra ação; o autor é aquele que pede a atuação da lei; e o ónus da prova pertence-lhe, de acordo com as regras gerais. Isto é mais claro na ação de apreciação positiva. Mas é igualmente verdade na negativa: nesta última, ele deverá provar a inexistência de uma vontade da lei, sem que se possa distinguir, como alguém faz, entre o caso em que se negue que um direito jamais tenha nascido, no qual a prova dos factos constitutivos incumbirá ao réu, e o caso no qual se negue que exista atualmente, no qual o autor da declaração deverá provar os factos extintivos. Neste ponto deve acentuar‐se a diferença fundamental entre a ação de apreciação e os juízos de jactância. E reincide‐se em todos os inconvenientes da coação a agir (nemo invitus agere cogatur), quando se dá ao autor da ação de apreciação negativa o tratamento de que gozaria se fosse réu. É suficiente benefício, para o autor, poder obter do processo, por sua própria iniciativa, a certeza jurídica, sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo‐o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado».

É precisamente esta parte final da douta preocupação cit. (“…sem que seja preciso agravar a posição do réu, constrangendo‐o a uma prova para a qual forçosamente não está preparado”) que não se aplica de todo aos demandados em casos normais e simples como o presente; antes o contrário, como diria VAZ SERRA. O ora réu está, como é evidente, muito melhor preparado para a prova dos factos constitutivos do seu alegado direito do que o “oponente” MP quanto à prova de factos concretos negatórios dos factos pessoais do réu em que, naturalmente, assenta o direito alardeado por ele antes deste processo.

Basta atentar, materialmente, nos aqui decisivos artigos 584º/2 e 10º/3 do Código de Processo Civil e 343º/1 do Código Civil.

Por outro lado, há quem se impressione com o preâmbulo da atual L.N. e com as modificações operadas na letra do artigo 9º/a).

Ora, quanto aos preâmbulos das leis ou decretos‐lei, a verdade do Direito é que as intenções e as explicações dadas pelo legislador formal, como até as teses de alguns académicos, auxiliarão seguramente o intérprete na melhor compreensão do regime legal (i.e., no apuramento do pensamento legislativo, coisa diferente do pensamento do legislador: art. 9º do Código Civil); mas, não fazendo parte integrante dele, as intenções e as explicações dadas pelo legislador formal não relevam elas próprias do domínio do Direito instituído, carecendo por isso, em si mesmas, de eficácia prescritiva (assim o Ac. nº 377/2015 do Tribunal Constitucional, no ponto nº 12), ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a máxima interpretativa da unidade do sistema jurídico, imposta no nº 1 do art. 9º do CC, aqui tendo em conta o significado jurídico‐processual dos arts. 342º e 343º do Código Civil e 10º/3 e 584º/2 do Código de Processo Civil, artigos que não foram ainda revogados.

Se assim é em geral, por maioria de razão o seria e será quando a matéria em causa (aqui, ónus da alegação dos factos constitutivos e ónus da prova em ações de simples apreciação negativa) se traduzisse eventualmente na previsão de novas regras, opostas às regras gerais e comuns, como é o caso das cits. regras jurídicas existentes no Código Civil de 1966 (artigos 342º e 343º/1) e no Código de Processo Civil (artigos 10º/3 e 584º/2), há várias décadas, nos domínios da alegação dos factos e da prova dos factos.

É, enfim, inegável que a L.N. não alterou, nem revogou, os imperativos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 (diferentes do anterior Código Civil), tal como não alterou, nem revogou, os imperativos artigos 10º/3 e 584º/2 do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis.

No caso deste tipo de processo em concreto, a verdade é que a lei impõe ao MP que, logicamente com base no processo instrutor, invoque apenas, com ou sem factos concretos, que o interessado réu não preenche os requisitos claramente exigidos na lei substantiva.

Depois haverá lugar à contestação e ao mais previsto no Código de Processo Civil, nomeadamente no seu artigo 584º.

Seguir‐se‐á a normal produção das provas de acordo com o Código de Processo Civil e o julgamento da matéria de facto de acordo com o Código Civil de 1966 e o Código de Processo Civil; e, no julgamento do mérito, havendo falta de factos provados que sejam constitutivos das posições substantivas das partes, ficando o tribunal sem o preenchimento da previsão da norma substantiva que sustenta a posição substantiva de cada parte, haverá então lugar à aplicação das regras lógicas e justas de repartição do risco previstas nos artigos 342º e 343º/1 do Código Civil.

Cfr. assim:

‐ J. P. REMÉDIO MARQUES, A Ação Declarativa…, 3ª ed., 2010, pp. 590‐596;

‐ A. VARELA et al., Manual…, 2ª ed., pp. 445‐451 e 460‐461;

‐ P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, nota 5 ao art. 342º e notas ao art. 343º;

‐ JOSÉ LEBRE DE FREITAS/I. ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª ed., 2014, no comentário aos artigos 5º e 10º;

‐ RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 2015, no comentário aos artigos 10º e 414º, e volume II, 2015, no comentário ao artigo 584º.

No caso presente, de ação de simples apreciação negativa, tudo isto significa que:

i) ‐ o ora réu tem, num critério de normalidade (assim P. LIMA/A. VARELA, C.C. Anotado, I, p. 306), o ónus, o risco, o peso ou o encargo da prova da factualidade constitutiva do seu alegado direito de obter a nacionalidade portuguesa;

ii) ‐ se os factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado não ficarem provados em juízo, o ora réu perderá a causa;

iii) – não é exigível a qualquer parte, designadamente ao aqui autor, a imposição legal de invocar e de provar “factos negativos indeterminados” (exemplo: “não‐nada de concreto”); isto é, só tem sentido e razoabilidade haver um eventual ónus da prova quanto a factos “relativamente negativos”, a factos negativos determinados (exemplo: “não‐x concreto”), contraponíveis a factos positivos, como nos dizem regras da experiência, da lógica e da justiça, sob pena de se criar um encargo da prova definitivamente diabólico, impossível de satisfazer; diferentemente, os “factos negativos determinados” podem ser provados através da demonstração do facto positivo contrário.

Já vimos que a distribuição justa e racional do ónus da prova dos factos tem a ver com um específico “non liquet” fundado na falta ou insuficiência de factos provados, mas para efeitos de vencimento e decaimento quanto ao pedido.

No mais, remete‐se as partes para a seguinte jurisprudência:

‐Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 13‐9‐2012, P. nº 0721/12 (rel. P. BORGES):

I ‐ Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excecionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. II ‐ Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excecional de um acórdão do TCA que confirmou a procedência de uma ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, intentada ao abrigo dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de outubro, com a redação introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, e em que a controvérsia se reconduz à questão do ónus da prova do requisito da ligação efetiva à comunidade nacional, e a saber se os factos provados são ou não impeditivos de uma ligação efetiva à comunidade nacional por parte da recorrente, matéria cuja reapreciação está vedada ao tribunal de revista, nos termos do nº 4 do art. 150º do CPTA. ‐ Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 26‐9‐2012, P. nº 0722/12 (rel. S. BOTELHO):

I ‐ Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excecionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. II ‐ Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista excecional de um acórdão do TCA que confirmou a procedência de uma ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, intentada ao abrigo dos arts. 9º e segs. da Lei nº 37/81, de 3 de outubro, com a redação introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, e em que a controvérsia se reconduz à questão do ónus da prova do requisito da ligação efetiva à comunidade nacional, e a saber se os factos provados são ou não impeditivos de uma ligação efetiva à comunidade nacional por parte da recorrente, matéria cuja reapreciação está vedada ao tribunal de revista, nos termos do nº 4 do art. 150º do CPTA.

‐Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 22‐3‐2012, P. nº 08174/11 (rel. TERESA DE SOUSA):

I ‐ A ação de oposição à aquisição da nacionalidade como ação de simples apreciação negativa, destina‐se à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências que daí resultam, face ao disposto no art. 343º, nº 1 do CC, segundo o qual compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. II ‐ Por se estar perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão; III ‐ Nada se provando que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial, sendo certo que a Recorrente não vive, e nunca viveu em Portugal, tal como o seu cônjuge e os seus filhos, o facto de ser casada com um cidadão português não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos arts. 22º e 56º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efetiva à comunidade nacional.

‐Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 3‐5‐2012, P. nº 06222/10 (rel. TERESA DE SOUSA):

I – Apenas se provando que o Recorrente é casado com uma cidadã portuguesa desde 1993, sendo pai de dois filhos também portugueses, nada se provou que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial, sendo certo que o Recorrido não vive, e nunca viveu em Portugal, tal como o seu cônjuge e os seus filhos: II ‐ O facto de ser casado com uma cidadã portuguesa não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos arts. 22º e 56º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efetiva à comunidade nacional; III – A ligação efetiva à comunidade nacional há de ser aferida pelo domicílio, pela língua, por aspetos de ordem familiar, cultural, social, de amizade e económico‐profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que inclui uma integração na sociedade portuguesa.

‐Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 20‐11‐2014, P. nº 10824/14 (rel. P. P. GOUVEIA):

I ‐ As declarações para fins de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade portuguesa, prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do Regulamento da Nacionalidade devem conter obrigatoriamente a declaração sobre os factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa (artigo 35º/1/b) do R.N.) II ‐ Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar‐se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional (artigo 57º/1 do R.N.) III ‐ O ónus da prova em sede do previsto no artigo 9º/a) da atual Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege‐se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342º e 343º do C.C IV ‐ Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga. V ‐ Neste tipo de ações, o autor, M.P., não está a invocar nenhum direito (seu, substantivo), na terminologia do artigo 342º/1 do C.C. VI ‐ A aplicação do artigo 343º/1 do C.C. ao caso presente é confirmada pelo facto óbvio de que a tese contrária exigiria normalmente do M.P. uma prova verdadeiramente impossível, sobretudo por causa da impossibilidade jurídica e constitucional de o MP invadir a vida privada e social do interessado. VII ‐ A prova da ligação efetiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do interessado no pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Exigir neste contexto a aplicação do artigo 342º/1 do C.C., além de ilegal, seria irracional ou ilógico.

‐Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 29‐1‐2015, P. nº 10708/13 (rel. P. M. MARQUES):

i) Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar‐se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional. ii) O ónus da prova para efeitos do disposto no artigo 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege‐se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342.º e 343.º do C. Civil. iii) A prova da ligação efetiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, intimamente conexionada com a vida privada do interessado, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do requerente do pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. O que é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade. iv) Não demonstra a existência de uma ligação efetiva à comunidade portuguesa a interessada que assenta o pedido de aquisição da nacionalidade na circunstância de ser filha de pai que, no ano de 2006, adquiriu a nacionalidade portuguesa.

‐Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 11‐6‐2015, P. nº 12086/15 (rel. P. P. GOUVEIA):

I – A ação de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa é uma ação de simples apreciação negativa conforme descrita no CPC, natureza essa imposta pela disciplina conjunta contida na Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade. II – Como tal, está sujeita ao imposto no artigo 343º, nº 1, do C. Civil, sob pena de se ter de concluir que o legislador ordinário foi irracional ao impor ao MP uma prova impossível ou manifestamente irrazoável. III – O nosso regime jurídico de aquisição da nacionalidade portuguesa por estrangeiros não contém qualquer presunção legal de existência da ligação efetiva à comunidade nacional; a existir, seria um paradoxo no contexto das regras previstas na Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade.

Portanto:

a) O Código Civil de 1966, inspirado quanto ao chamado ónus da prova pela “teoria das normas”, é tributário de um regime de distribuição do ónus da prova diferente do Código Civil de Seabra e do Código de Processo Civil de 1939;

b) O ónus ou encargo da prova, regulado nos artigos 342º ss do Código Civil, deve ser definido como a regra de julgamento da causa, segundo a qual quem (autor ou réu) invoca uma situação jurídica a seu favor, tem o dever ou o encargo da prova dos factos constitutivos (negativos ou positivos) dessa situação jurídica benéfica (isto é, tem o dever ou o encargo da prova dos factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado);

c) A ação prevista nos artigos 9º/a) e 10º da Lei da Nacionalidade é uma ação de simples apreciação negativa, como manda o artigo 10º/3 do Código de Processo Civil;

d) Em tal tipo de ações, o Código Civil impõe ao juiz, no seu artigo 343º/1, que onere o réu com o peso da prova dos factos fundamentadores da previsão normativa do seu alegado direito;

e) A Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade de 2006 não revogaram, nem alteraram, nem excecionaram os artigos 10º/3 e 343º/1 do Código Civil;

f) Seria injusto, “diabólico” e violador do princípio constitucional da proporcionalidade que a lei ou o juiz onerassem os autores, em qualquer tipo de processo, com a alegação e o peso da prova de factos negativos indeterminados ou indefinidos;

g) Com efeito, o legislador do ónus da prova e os tribunais devem acautelar as situações de (i) ónus da prova diabólica ou impossível (nomeadamente de factos negativos indeterminados ou indefinidos), (ii) de desigualdade no acesso das partes à possibilidade real de demonstração dos factos e (iii) de violação da máxima constitucional da proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores dos direitos litigados;

h) Sob a égide da Constituição e do regime da distribuição do ónus da prova no Código Civil de 1966 (que é uma regra de julgamento da causa), é só caso a caso, com aplicação das regras (i) da experiência, (ii) da normalidade, (iii) da justiça e (iv) da proporcionalidade e razoabilidade, naturalmente sem prejuízo de regras legais especiais sobre a força probatória de certos meios de prova, que é possível e justo fazerem‐se os juízos conducentes ao preenchimento da previsão normativa do direito ou interesse em causa nos artigos 3º/1, 9º/a) e 10º da L.N. e nos artigos 32º, 35º, 56º/2 e 57º/1/7 do Regulamento da Nacionalidade de 2006, isto é, os juízos sobre a factualidade que in concreto possa ser “fundamentadora” ou constitutiva do direito ou interesse litigado.

14‐1‐2016

(Paulo Pereira Gouveia)

(1) Cfr. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, I, 2014, pp. 235‐244; D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., pp. 75 ss. No Direito privado, cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, T.G.D.C., 6ª ed., 2010, cap. I do título IV, maxime p. 284.

(2) O artigo 2405º do Código Civil de Seabra dizia apenas que a obrigação de provar incumbe àquele que alega o facto.

(3) 1879‐1963. Este autor, inspirador dos atuais artigos 342º e 343º do Código Civil, começou a ser recebido parcialmente entre nós só em 1956, muito depois das obras de Alberto dos Reis, por MANUEL DE ANDRADE, in Algumas Questões em Matérias de Injurias Graves como Fundamento de Divórcio, Coimbra Ed., 1956. Mais tarde intervieram decisivamente Vaz Serra e Antunes Varela, do qual temos o seu Manual de Processo Civil, ed. em 1985, mais esclarecedor nesta matéria.

(4) Algumas Questões em Matérias de Injurias Graves como Fundamento de Divórcio, 1956.
(5) Provas (direito probatório material), in B.M.J., nº 110, nº 111 e nº 112, 1961, pp. 61‐256, 5‐194, 33‐299, respetivamente.

(6)A. ANSELMO DE CASTRO, D.P.C.D., volume III, 1982, pp. 209 ss e 345 ss.
(7)Sobre o ónus da prova nas ações de responsabilidade civil médica, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, pp. 121 ss; e Acções de simples apreciação (objecto; conceito; ónus da prova; legitimidade), in R.D.E.S., XXV, 1980, pp. 123‐148.

(8) Cfr. Ação Declarativa …, 3ª ed., 2010, pp. 590 ss.
(9) J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum…, 3ª ed., p. 211.
(10) A edição que teve influência em Portugal e nas Américas foi a 3ª edição, Beck, Munique, de 1953. A última edição data de 1965 e foi a 5ª, já certamente conhecida de Antunes Varela e de Anselmo de Castro. Cfr., hoje, BAUMGARTEL/LAUMEN/PRUTTING, Handbuch der Beweislast: Grundlagen, 3ª ed., Carl Heymanns Verlag, 2015.

(11) Cfr. FREDIE DIDlER JR./PAULA SARNO BRAGA/RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA, Curso de Direito Processual Civil, 2º, 9º ed., Editora Juspodivm, Salvador, 2014, pp. 101 ss.

(12) Artigo 357º do novo Código de Processo Civil brasileiro (…)

«III ‐ Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373».

(13) Artigo 373º do novo Código de Processo Civil brasileiro

«O ônus da prova incumbe:

I ‐ ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II ‐ ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I ‐ recair sobre direito indisponível da parte;

II ‐ tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o Processo».

Sobre este artigo, dizem alguns comentadores brasileiros o seguinte: «O parágrafo 1o introduziu o sistema da carga dinâmica da prova. Essencialmente, esta teoria implica que a carga probatória recai sobre quem está em melhores condições de esclarecer os fatos. Tal teoria tem sua manifestação mais antiga em 1823 e foi exposta pelo filósofo inglês Jeremias Bentham (Tratado de las pruebas judiciales. Valeta Ediciones: Buenos Aires, 2002.p.289). Tal teoria chegou na Europa continental, principalmente na Alemanha, pela obra de Wilhein Kisch e Leo Rosenberg. Na Argentina, ganhou espaço, pelas investigações de Arazi que identificou naquele País um antecedente nacional no projeto de reforma do Código Civil, datado de 1933. Mais recentemente, Jorge W. Peyrano – 1978 – aplica tal teoria em um caso de erro médico (Las cargas probatórias dinâmicas. Inaplicalidad. Rosario: Juris, 2005. p. 46‐48). Foi este autor argentino – Jorge Peyra no – quem mais dedicou‐se ao tema, produzindo farta doutrina sobre o mesmo. No Brasil, reputa‐se o protagonismo do estudo de Antônio Janyr Dall’Agnol Junior (Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos Tribunais, São Paulo, 788: p. 92‐107, jun. 2001). Segundo o autor, pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios: a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distinção já tradicional entre fatos constitutivos, extintivos etc. Releva, isto sim: a) o caso em sua concretude e b) a “natureza” do fato a provar ‐ imputando‐se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê‐lo. Segundo Dall`Agnol, essa teoria permite: que se imponha ao demandado o ônus de antecipar as despesas necessárias para a produção de perícia destinada à prova de fato constitutivo alegado pelo autor; que se imponha ao hospital a prova da regularidade de seu comportamento, pois ele é que deve sempre cuidar de ser preciso nos relatórios, fichas de observação, controle, tratamento, remédios ministrados e tudo o mais que possa ilustrar cada caso; que recaia sobre o cirurgião o ônus de esclarecer o juízo sobre os fatos da causa, pois nenhum outro tem como ele os meios para comprovar o que aconteceu na privacidade da sala cirúrgica e sobre os médicos em geral, o ônus de comprovar a regularidade de sua atuação; que caiba às instituições bancárias o ônus da produção da prova documental relativa à relação contratual, bem como o ônus de provar a legalidade de suas cláusulas e de sua execução. Conclui o autor: o que parece inegável, a estas alturas da história do processo civil, é que não mais se pode estabelecer aprioristicamente a própria distribuição do encargo de provar. Sobre o tema José Maria Rosa Tesheiner arremata que por esta teoria, distribui‐se o ônus da prova caso a caso, segundo o prudente arbítrio do juiz. Renuncia‐se à fixação de regras gerais, necessariamente apriorísticas. Em lugar da lei, a consciência do juiz. (Sobre o Ônus da Prova. In Estudos de direito processual civil. Luiz Guilherme Marinoni, coordenador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 3650)» (in Novo Código de Processo Civil Anotado, O.Adv.Bras., Porto Alegre, 2015, pp. 309‐310).

(14) Artigo 217º do novo Código de Processo Civil espanhol

«1. Cuando, al tiempo de dictar sentencia o resolución semejante, el tribunal considerase dudosos unos hechos relevantes para la decisión, desestimará las pretensiones del actor o del reconviniente, o las del demandado o reconvenido, según corresponda a unos u otros la carga de probar los hechos que permanezcan inciertos y fundamenten las pretensiones.

2. Corresponde al actor y al demandado reconviniente la carga de probar la certeza de los hechos de los que ordinariamente se desprenda, según las normas jurídicas a ellos aplicables, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de la demanda y de la reconvención.

3. Incumbe al demandado y al actor reconvenido la carga de probar los hechos que, conforme a las normas que les sean aplicables, impidan, extingan o enerven la eficacia jurídica de los hechos a que se refiere el apartado anterior.

4. En los procesos sobre competencia desleal y sobre publicidad ilícita corresponderá al demandado la carga de la prueba de la exactitud y veracidad de las indicaciones y manifestaciones realizadas y de los datos materiales que la publicidad exprese, respectivamente.

5. De acuerdo con las leyes procesales, en aquellos procedimientos en los que las alegaciones de la parte actora se fundamenten en actuaciones discriminatorias por razón del sexo, corresponderá al demandado probar la ausencia de discriminación en las medidas adoptadas y de su proporcionalidad. A los efectos de lo dispuesto en el párrafo anterior, el órgano judicial, a instancia de parte, podrá recabar, si lo estimase útil y pertinente, informe o dictamen de los organismos públicos competentes.

6. Las normas contenidas en los apartados precedentes se aplicarán siempre que una disposición legal expresa no distribuya con criterios especiales la carga de probar los hechos relevantes.

7. Para la aplicación de lo dispuesto en los apartados anteriores de este artículo el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes del litigio».

(15) Expressão esclarecedora de ANTUNES VARELA et al., in op. et loc. cits.
(16) Cfr. Ac. do T.R.L. de 19‐5‐1998, P. nº 071911.
(17) «Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu».

(18) PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, T.G.D.C., 6ª ed., 2010, p. 242.