Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05464/09
Secção:CA - 2.º Juízo
Data do Acordão:10/08/2009
Relator:Coelho da Cunha
Descritores:PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS.
VÍCIOS GERADORES DE NULIDADE.
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO DE ACTOS ANULÁVEIS.
Sumário:I -A preterição da audiência dos interessados a que alude o artigo 100º nº 1 do CPA não tipifica uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental e é, tão somente, geradora de anulabilidade do acto impugnado.
II - O prazo de impugnação de actos anuláveis é de três meses (art. 58º nº 3 do CPTA), salvo nas situações previstas no artigo 58º nº 4 do CPTA, designadamente por a Administração ter induzido em erro o interessado.
III- Se houver transcorrido o prazo de três meses previsto no art. 58º nº 3 do CPTA sem que o interessado intente a acção principal, o direito de acção caduca (artigo 89º nº 1, al. h) do C.P.T.A.), devendo ser indeferida a providência cautelar dela dependente.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência no 2º Juízo do
TCA Sul

1. Relatório.
M..., Lda, pessoa colectiva nº ..., intentou, no TAC de Lisboa, providência cautelar contra o Município de Lisboa, pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Presidente da Câmara de Lisboa, de 1.10.2008, que determinou o encerramento imediato do estabelecimento comercial do requerente, denominado “C...”, sito na Rua ....
Por decisão de 9.07.2009, o Mmo. Juiz do TAC de Lisboa, indeferiu o pedido, por se mostrar verificada a caducidade do direito de acção.
Inconformada, a A. interpôs recurso jurisdicional para este TCASul, em cujas alegações enunciou as conclusões de fls. 759 e seguintes, que se dão por integralmente reproduzidas.
O Município de Lisboa contraalegou, pugnando pela manutenção do julgado.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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2. Matéria de Facto
A decisão recorrida considerou provada a seguinte factualidade, pertinente para a decisão da questão prévia suscitada:
a) Os presentes autos cautelares deram entrada no Tribunal em 16.10.2008;
b) Pelo Mandado de Notificação nº 107 475.8.8.5, foi comunicada à requerente a decisão de que deveria proceder ao encerramento imediato do estabelecimento “C...”, nos termos e pelos fundamentos constantes da Informação nº 527/DUC/DAPU/2008, conforme despacho de 1.10.2008 do Presidente da C.M.L., exarado na na Informação nº 234/GPCML/08, cuja cópia foi junta;
c) Do que foi a requerente notificada em 10.10.2008;
d) A ora requerente intentou nas Varas Cíveis de Lisboa acção especial para o suprimento do consentimento, processo que corre termos na 2ª secção do 6º Juízo Cível de Lisboa, sob o nº 3667/08.8TVLSB;
e) A ora requerente, após se deslocar por duas vezes aos serviços competentes da CML, para o efeito sem que estes estivessem disponíveis, apresentou em 1.07.2009, novo projecto de licenciamento referente ao seu estabelecimento comercial de restauração e bebidas;
f) Conforme informação retirada do SITAF, não deu entrada em Tribunal a acção principal de que este processo depende.
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3. Direito Aplicável
Considerando que a presente providencia cautelar tem como objecto a suspensão do acto administrativo notificado em 10.10.2008, e que se encontrava já esgotado o prazo de três meses previsto no artigo 58º nº 2, al b) do CPTA para a impugnação a efectuar na acção principal, a decisão recorrida julgou verificada a caducidade do direito de acção, obstativa ao prosseguimento do processo, por força do disposto no artigo 89º, nº 1, alínea h) do CPTA.
E, com este fundamento, indeferiu a presente providência cautelar.
A recorrente, inconformada com este entendimento, vem agora alegar que o exercício da impugnação através da respectiva acção principal não está, no caso “sub judice”, sujeito a prazo, em virtude de o acto cuja suspensão vem requerida ser nulo.
Com efeito, diz a recorrente, foram desde logo arguidos vícios que respeitam a falta de fundamentação, violação do princípio da legalidade e ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental que resulta da preterição das diligências probatórias essenciais em sede de audiência de interessados, antes de tomada a decisão final (conclusões 1ª e 2ª).
No caso concreto, alega ainda a recorrente, a audiência prévia era uma formalidade absolutamente essencial para a recorrente, pois a mesma viu afectados de forma grave os seus direitos, ao não ter sido ouvida, conforme requerido no procedimento administrativo, e ainda por não terem sido efectuadas as diligências probatórias necessárias, respeitantes à prova documental e testemunhal e à realização de outros actos igualmente requeridos nessa fase, antes da decisão final do encerramento do seu estabelecimento comercial (conclusão 3ª).
O acto cuja suspensão vem requerida, nem sequer adiantou qualquer razão para qualificar o acto como urgente, nem essa urgência dele resulta, estando comprovado nos autos não haver qualquer lesão da segurança e saúde dos particulares, e muito menos do interesse público (conclusões 8ª e 9ª).
Por conseguinte, sendo, como é, o acto em causa nulo, o mesmo não produz quaisquer efeitos jurídicos e a nulidade é invocável a todo o tempo, ao abrigo do disposto nos artigos 134º nos 1 e 2, al. d) do Cod. Proc. Administrativo e 58º nº 1 do C.P.T.A.
Porém, ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que, atenta a data da notificação do acto à destinatária (10.10.2008), e o regime legal de impugnação dos actos administrativos, em matéria de prazos, a acção principal a intentar mostra-se tempestiva, podendo ser instaurada pelo menos até 10.10.2009, atento o que resulta dos artigos 58º nº 4, als. a), b) e c) e 59º do CPTA (conclusão 12ª).
Finalmente, alega a recorrente, a conduta da Administração induziu a recorrente em erro, tendo-a levado a concluir, nos termos que resultam da Informação do despacho de encerramento, que, ao solicitar em instâncias próprias (nos Tribunais Civis) a supressão do consentimento do senhorio para a realização das obras, a entidade recorrida suspenderia o procedimento em causa, conforme anunciou no acto administrativo em crise (conclusão 13ª).
Assim, a recorrente tinha, como tem, o direito de exercer a impugnação do acto administrativo em causa, no prazo de um ano a contar da notificação do mesmo, por força do disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 58º do C.P.T.A. (conclusão 16ª).
É este o núcleo essencial da argumentação da recorrente, que cumpre analisar.
Como observou a decisão recorrida o artigo 58º, nº 2, alínea b), do CPTA, determina que a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, iniciando-se o prazo a partir do momento prescrito no artigo 59º nº 1, do CPTA, ou seja, da data da notificação.
Apenas a impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo, por força do disposto no artigo 58º nº 1 do CPTA.
Esta norma mantém a tradicional distinção entre actos nulos ou juridicamente inexistentes e actos meramente anuláveis para efeitos de sujeição a um prazo de impugnação, mantendo o critério legal que já provinha do artigo 28º da LPTA (cfr. M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2007, notas ao artigo 58º).
O regime regra da invalidade do acto administrativo é a anulabilidade (artigo 135º do CPA), ou seja, os vícios do acto administrativo conduzem, em regra, à mera anulabilidade.
No tocante à falta de audiência dos interessados a que alude o artigo 100 nº 1 do Cod. Proc. Administrativo, tem-se entendido que a mesma não constitui uma inobservância que tipifique ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo tão sómente geradora de anulabilidade (cfr. Pedro Machete, “A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo”, U.C.E. Editora, 1995, p. 512 e seguintes; Ac. STA de 21.06.94, Rec. 31.308; Ac. TCA Sul de 22.06.06, P. nº 7027/03). E isto porque a C.R.P. não atribui aos cidadãos um direito fundamental de participação em todo e qualquer procedimento administrativo, mas tão só naqueles em que a participação procedimental seja prediposta como meio necessário como meio necessário à protecção de determinados bens fundamentais.
E também a falta de fundamentação, como mero vício formal, não é susceptível de gerar a nulidade do acto. Aliás, e como justamente se observou na decisão recorrida, dificilmente se compreende a alegação de que, no caso concreto, o acto administrativo não contenha fundamentação, atendendo ao que ficou demonstrado na alínea b) do probatório, na qual se referem os fundamentos que constam da Informação determinante da decisão proferida pelo Presidente da CML.
E, como se escreve ainda na sentença recorrida, a jurisprudência tem, uniformemente, considerado que o vício de forma por falta de fundamentação apenas tem a ver com a legalidade externa do acto, e não com a sua legalidade interna, não sendo em caso algum gerador de nulidade (cfr. entre outros, o Ac. STA de 14.12.2005, Proc. nº 807/05).
Alega ainda a ora recorrente que é aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 58º nº 4 do CPTA, por ter sido induzida em erro pela Administração e cumprido o solicitado pela CML, apresentando um novo projecto de licenciamento.
Reafirma ainda a recorrente que apresentou junto da entidade recorrida um pedido de suspensão do procedimento até que o tribunal cível se pronunciasse.
Ora, neste contexto não se vê que a ora recorrente tenha sido induzida em erro. Na verdade, o facto de ter de apresentar um novo projecto de licenciamento não interrompe o prazo de caducidade da acção principal, nem torna desculpável a sua inobservância.
Aliás, e como alega o Município de Lisboa, o novo requerimento apenas deu entrada na CML em 18.10.08, quando o procedimento administrativo que conduziu à prática do acto administrativo em causa findou em 1.10.2008, com o despacho do Sr. Presidente da Câmara que determinou o encerramento do estabelecimento do interessado.
Não é, portanto, aplicável ao caso o artigo 58º nº 4, alínea a) do CPTA, por não se verificar qualquer situação ou conduta da Administração que tenha induzido em erro a recorrente, nela gerando a falsa expectativa da desnecessidade ou inconveniência da apresentação em tempo oportuno da petição da acção principal (cfr. Mário Esteves de Oliveira, notas ao artigo 58º do CPTA).
De resto, e como escreve o Digno Magistrado do Ministério Público, “sempre se dirá que a situação de caducidade foi gerada pela própria recorrente, tanto mais que, dispondo-se à propositura da acção até ao próximo dia 10/10, afinal confessa nada ter havido que a tal tivesse obstado para o ter feito em tempo devido, assim se inscrevendo toda a alegação nos limites da boa fé por “venire contra factum proprium”, até por se tratar de um confessado pedido de anulação e não de declaração de nulidade, como se extrai do artigo 85º da petição”.
Ora, como é pacífico, as providências cautelares caducam “se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção da providência se destinou” cfr. art. 123 nº 1, al. a) do CPTA.
E, como o acto impugnado não padecia de quaisquer nulidades, como se demonstrou, mas tão sómente de eventuais vícios geradores de anulabilidade, é de concluir que a acção administrativa especial a intentar teria de respeitar o prazo de três meses a contar da notificação do acto, por força do disposto no artigo 58º nº 2, al. b) do CPTA, sob pena de extemporaneidade, como bem como se decidiu em 1ª instância.
4. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias, fixando a taxa de justiça em 8 UC, com redução a metade (arts. 73ºD nº 3 e 73ºE do C.C. Jud).
Lisboa, 8.10.09
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
José Francisco Fonseca da Paz
Rui Fernando Belfo Pereira