Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:58/14.5 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IVA
DESCRITORES
Sumário:I - Em regra, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária, presumem-se e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.
II - Mas já não será assim, no caso em que a declaração é apresentada fora do prazo legal e sobretudo, quando depois de lhe ter sido solicitado que apresentasse a escrita, a Contribuinte nada exibiu
III - Sobre a Administração tributária, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C…, contra decisão do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), relativa ao ano de 2009, e de juros compensatórios, tudo no valor global de € 17 108,16, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou parcialmente procedente a Impugnação deduzida contra o despacho proferido em sede de Reclamação Graciosa da liquidação adicional de IVA n.º 11195338, referente ao período de 0912T, e de juros compensatórios, emitida na sequência de ação inspetiva que corrigiu a situação tributaria do sujeito passivo em sede de IVA e de IRS.

II. A presente ação foi apresentada tendo por objeto uma ação inspetiva levada a cabo pelos Serviços de Inspeção da DF Faro que, incidiu sobre IRS e IVA, do sujeito passivo C…, Impugnante, a qual, em 2009, se encontrava coletada na atividade de jornalistas e repórteres, CAE 1327, enquadrada para efeitos de IRS, em contabilidade organizada, e, relativamente ao IVA, no regime normal de periodicidade trimestral.

III. Verificou-se, por consulta à modelo 10 daquele ano que, o contribuinte auferiu rendimentos de categoria B, no valor de € 80.000,00 de que foram feitas retenções na fonte no valor de € 3.000,00 sem que tenha entregue a declaração de rendimentos.

IV. Notificado para esse efeito em 03-04-2011 o contribuinte veio a apresentar a Mod 3, em 16-06-2011 tendo aí declarado um RLP de € 64.820,43, apresentando despesas no valor de € 243,30 e deduzido € 30.000,00 referente a rendimentos provenientes de propriedade intelectual. E solicitada a contabilidade, a Impugnante nada trouxe.

V. Notificada em 01-07-2011, na sequência da apresentação da Modelo 3, para apresentar elementos comprovativos dos elementos declarados, a Impugnante, mais uma vez, nada fez.

VI. Afirmam os SITA que o art. 58º do EBF limita os rendimentos derivados da titularidade de direitos de autor uma vez que são as criações de domínio literário, artístico e científico o objeto do direito de autor, pelo que só beneficia daquele regime o rendimento que for pago ao titular a título de direitos de autor por obra literária.

VII. São excluídos de tributação nos termos daquela disposição legal os rendimentos provenientes de direitos de autor de obras não literárias. No caso em apreço segundo alega a Impugnante estamos perante honorários relativos à conceção de uma exposição denominada “G…” e a textos compilados no respetivo catálogo que se afigurou ser aos SIT uma obra não literária não integrando o conceito de propriedade intelectual para este efeito, e, como tal não sujeita ao benefício de 50% nele previsto. Em relação ao evento entende que nem no âmbito do CDADC se mostra incluído. E não há forma sequer de determinar o que foi para uma coisa ou para outra porque a Impugnante não apresentou a escrita.

VIII. Em sede de direito de audição, é a própria Impugnante quem alega que o responsável pela exposição com o mesmo nome do catálogo foi a empresa “B…, Lda.”, enviando ainda um email onde se auto identifica como a responsável pela autoria, pesquisa, concetualização e realização da exposição bem como do catálogo “G…” - Exposição arte e histórias de mulheres contadas também por homens.

IX. Analisado o catálogo, os SIT não encontraram evidência de que C… tivesse sido a autora do referido catálogo. Inexiste qualquer texto por si assinado ou da sua autoria; os textos estão assinados pelos seus autores como B…; M… e E…. (FACTO PROVADO G).

X. Na ficha técnica não há qualquer referência à Impugnante, constando apenas como colaboradores (ou seja, nem sequer como autores porque se desconhece a natureza da colaboração): C…, L…, D…, etc… e como colaboradores especiais B…; M… ou A.. e dos autores dos poemas citados no catálogo. Não havendo qualquer menção ao responsável pela autoria, pesquisa ou concetualização do catálogo. (FACTO PROVADO G).

XI. A primeira conclusão que o RIT retira, à luz do que tinha sido a fundamentação exposta até aquele momento, é que se está na presença de uma obra não literária fora do âmbito de análise do conceito de direito de autor. Mas a fundamentação não fica por aqui.

XII. Suportado nos arts. 19º, nº 1 e 2 e 27º do CDADC, conclui, que, sem prejuízo dos rendimentos poderem resultar de propriedade intelectual tutelada nesse regime, não é possível o sujeito passivo ser considerado autor da obra dado nunca ter sido identificado como tal, nem no próprio catálogo nem perante o público em geral, nem há possibilidade de ser considerado na obra coletiva autor de qualquer parte da obra dado nunca ter sido indicado como tal em parte alguma.

XIII. Sublinhe-se que a AT, em sede inspetiva, suportou-se em dois fundamentos. Um primeiro, que assenta na visão da isenção, in casu, do IVA, como um benefício fiscal. Na superior exigência imposta pelo Direito Tributário para a atribuição desta desoneração fiscal. Um segundo, subsidiário, no sentido de afirmar que, ainda que assim não fosse – perante os factos apurados e dados por provados sempre caberia à Impugnante fazer prova da autoria do catálogo, o que não fez.

XIV. Efetuadas as correspondências necessárias entre conceitos relevantes da área fiscal e da legislação específica do direito autoral, entende-se reforçadamente de que podem existir (e seguramente existem) criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico que, sendo protegidas legalmente, também o são fiscalmente, e criações intelectuais daqueles domínios que sendo protegidas legalmente, não o são fiscalmente.

XV. E isto porque, o(a) beneficio/proteção legal garantido(a) pelo CDADC, ainda que especifico pela própria natureza das realidades abrangidas, é amplo e genérico face a essas mesmas realidades, não valorando nem graduando criações, géneros, formas, méritos, modos de comunicação e/ou objetivos.

XVI. Pelo contrário, o(a) benefício/proteção fiscal constante do EBF é seletivo e de algum modo restritivo, ao afastar o benefício relativamente aos rendimentos provenientes de certas obras a que – implícita ou explicitamente – não reconhecendo que aquela obra tenha como objetivo tendencial a produção de algo com carater literário.

XVII. É verdade que a norma do art. 9º, nº 16, do CIVA faz uma remissão para o CDADC, mas, por um lado, estamos sempre perante uma remissão genérica para o regime, por outro lado, em termos fiscais (art. 2º EBF), temos sempre de nos questionarmos sobre os motivos pelos quais a isenção deve ser atribuída e se faz sentido, para efeitos de IVA, alterar ou divergir do entendimento sufragado nesta matéria no que ao IRS diz respeito.

XVIII. A AT, nesse particular, em sede inspetiva, fez uma opção – entendeu na sua fundamentação que não obstante a remissão genérica que é feita para o CDADC, o qual define quem é, e, em que condições alguém pode ser o autor da obra, ainda assim, a isenção deveria ter por objeto não todos os artigos tutelados pelos Direitos de Autor, mas a obra, definida como literária – ou seja, sem descurar as preocupações sentidas pelo legislador em diferenciar as obras não literárias mas protegidas pelo direito da propriedade intelectual da obra literária protegida pelo Direito Fiscal. Relativamente à exposição não só não há prova da sua conceção por parte do sujeito passivo como inclusivamente entendeu que é uma realidade que está fora do próprio CDADC.

XIX. Pelo que, nem tudo o que é obra, enquanto criação intelectual, protegida pelo CDACD se mostra concomitantemente protegida pelo Direito Fiscal, afastando o legislador aquelas que, de um modo expresso ou implícito, não reconhece necessidade, prioridade ou outra razão que justifique a atribuição do benefício fiscal, como contrapartida do contributo elevado, meritório e de tal forma excecional que supere o interesse visado pela tributação, conforme se retira art. 2º, do EBF.

XX. O art. 9º, nº 16, do CIVA não deixa de ser um benefício fiscal ainda que sistematizado no próprio Código do IVA sujeito à natureza ontológica do art. 2º do EBF.

XXI. Ora, à semelhança da crónica, também o catálogo terá sido criado e apreciado para outros fins - como sejam v.g. a divulgação da exposição, tendo por objeto uma finalidade utilitarista, visando dar publicidade e acompanhamento ao evento (exposição) - sem qualquer desígnio ou aspiração literária.

XXII. Não basta, portanto, considerar a obra criativa ou original (que não é), pois que esses são os pressupostos próprios dos direitos de autor, protegida pelo CDACD, no seu art. 1º, nº1, entendendo-se que estando em causa uma isenção, não há motivos substanciais para, em termos fiscais, divergirmos do entendimento aceite e seguido pelo Colendo STA relativamente ao imposto sobre o rendimento.

XXIII. Sendo certo que na interpretação restrita a que os benefícios fiscais estão sujeitos, é de sublinhar que o Tribunal a quo reconhece que in casu não há propriamente um direito de autor imputável por exemplo, ao catálogo. Quando muito algo análogo ou conexo, o qual dentro da hermenêutica declarativa de que nos socorremos afasta aplicação da norma prevista no art. 9º, nº 16, do CIVA que tem por objeto apenas a transmissão do direito de autor realizado pelo autor (pois que herdeiros ou legatórios não são aqui discutidos).

XXIV. Entendemos, pois, que, não basta conceder a isenção sem se apurar se a obra é literária – por via de um critério que apesar de assente no EBF deve ser respeitado, em termos legais, por ser essa a vontade do legislador no domínio do Direito Tributário, com a chancela não só do STA, mas, do já citado Tribunal Constitucional.

XXV. E que há erro de apreciação jurídica, reiterando, nesta parte, a legalidade da correção em termos de direito. E que para além dos pressupostos previstos na norma de isenção (que, conforme já adiantámos, não estão) se impõe um juízo, ainda que adaptado, de conformidade com o art. 2º e 58º, nº 1 e 2, ambos do EBF, o que se invoca.

XXVI. A AT sempre afirmou que, ainda que se admitisse que o regime jurídico aplicável era o que decorria da remissão feita pela norma de isenção do art. 9º, nº 16 do CIVA para o CDADC, não foram trazidos aos autos elementos probatórios que indicassem que a Impugnante era a autora do catálogo em questão.

XXVII. Se a Impugnante se intitulava ou assumia a autora/organizadora da exposição e do catálogo no seio dos quais alega terem sido produzidos os rendimentos que auferiu, impunha-se que fizesse a prova, pois que como já afirmámos esse foi um dos fundamentos da correção, o que não logrou fazer.

XXVIII. Ora, o que está em causa são prestações de serviços realizadas pela Impugnante, decorrentes alegadamente da organização e conceção da exposição e do catálogo do referido evento. Todavia, para que a isenção do IVA prevista no art. 9º, nº 16 do CIVA possa operar é indispensável que o autor da obra, seja ele o criador intelectual ou quem de alguma forma concebeu a ou as obras tuteladas pela propriedade intelectual, esteja identificado mediante prova cabal.

XXIX. Do probatório não se extrai nem se presume que tenha sido a Impugnante a criadora intelectual das iniciativas aqui objeto de apreciação.

XXX. A Impugnante alega ser a mentora do certame e de um escrito os quais invoca tratarem-se de propriedade intelectual (sublinhe-se) mas opta por não se intitular como tal ou publicitar como sua autora. Não há fotos da exposição ou do catálogo nem foram arroladas testemunhas que corroborassem sequer a sua participação e a natureza da colaboração que prestou.

XXXI. Por outro lado, desconhece-se qual a natureza ou em que termos essa colaboração foi feita… se é que foi feita. A colaboração pode ser no sentido de auxiliar logisticamente na execução do evento ou do catálogo sem que daí se possa extrair quem eram os coautores de qualquer obra coletiva até porque se o fossem e como bem afirma o RIT, nos termos do art. 19º do CDADC desde logo impunha-se que fosse possível descriminar a produção pessoal de algum ou alguns colaboradores. O que também não foi possível.

XXXII. Em termos probatórios, o tribunal a quo não tem elementos que permitam convencer-se que a escolha dos conteúdos tenha sido realizada pela Impugnante.

XXXIII. O tribunal fundamenta a sua convicção quase diríamos… na presunção. Mas na verdade nem presunção o foi… porque não há sequer um único elemento (instrumental) que lhe permitisse inferir esse facto. Aparentemente, deseja que assim fosse, mas não tem manifestamente um único elemento que suporte a sua convicção. E não só como estando em causa uma isenção fiscal o que se impõe é que haja prova cabal do que se alega.

XXXIV. Sublinhe-se que não está em causa a realidade dos serviços prestados. A AT aceita isso. E aceitou em sede inspetiva. A circularização de clientes evidenciou isso. O que não aceita, por não lhe terem sido apresentados elementos, é que, para efeitos da isenção do art. 16º, nº 9, do CIVA, estejamos perante obras literárias sendo que a exposição até se mostra fora do âmbito do CDADC. Mas mesmo aceitando esse enquadramento e que estivéssemos perante iniciativas nele reguladas, não há prova que a Impugnante tenha sido a autora/criadora das mesmas.

XXXV. Não há prova que a natureza da colaboração eventualmente prestada (que não pode ficar pela mera alegação) se reconduza à autoria/criação daquelas iniciativas que a própria reputa de propriedade intelectual. Poderia estar apenas a colaborar no sentido de fazer entrevistas aos convidados, simplesmente a dar cobertura ao evento cuja duração se desconhece, etc… (até é jornalista) sem que daí se possa retirar a conclusão que foi a sua criadora intelectual ou autora.

XXXVI. Seguramente não cabe à AT fazer a prova neste particular, especialmente se tivermos em conta (e está provado) que estamos perante um contribuinte que não cumpriu as suas obrigações acessórias senão quando instado a fazê-lo, e quando o fez, e, foi objeto de inspeção - se recusou a apresentar a escrita!!! E quando, sublinhe-se, um dos fundamentos da correção reside precisamente na ausência de elementos relativamente à autoria da propriedade intelectual aqui em apreço que a própria alega.

XXXVII. Para além do erro de apreciação da prova, cumpre, assim, corrigir o probatório, e, na MOTIVAÇÃO DE FACTO retirar aos FACTOS NÃO PROVADOS a expressão: “Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa”. Porque há, de facto, a alegação da autoria que não está provada, aditando-se, por seu lado, que: “Não se mostra provado que a Impugnante tenha sido a criadora intelectual/autora da exposição G…” - Arte e histórias de ….”, e, do catálogo produzido para o efeito.”

XXXVIII. Pelo exposto, estão em causa os seguintes erros de julgamento: - Erro de subsunção jurídica decorrente de insuficiente enquadramento jurídico da norma de isenção à luz do EBF, em face, inclusive, da orientação jurisprudencial vertida nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional nesta matéria

XXXIX. Erro de apreciação crítica da prova produzida que por si só não abala um dos fundamentos da correção que se centrava na ausência da prova da autoria dos direitos de autor sujeitos a transmissão (art. 9º, nº 16, do CIVA) - Erro na fixação do probatório, uma vez que, perante os elementos juntos autos outra decisão não podia ter sido tomada senão dar por não provada que os alegados direitos de autor isentos de IVA provenientes dos serviços que prestou tenham sido da autoria da Impugnante.

XL. Mostra-se violado o disposto no art 9º, nº 16 do CIVA; art. 2º e 58º, nº 1 e 2, ambos do EBF; 78º, nº 2, da CRP; 74º e 58º da LGT; 352º CC.

A Ré requer, pois, seja julgado procedente o presente recurso anulando-se a sentença recorrida nos termos sobreditos, ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância para apreciação dos vícios formais invocados.

V/Exas, porém, decidindo, não deixarão de fazer habitual justiça»



Não foram apresentadas contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.


Posteriormente as partes foram notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre as questões que não foram conhecidas na sentença por terem sido consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio, mas nada disseram.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, se as verbas recebidas pela Impugnante, ora Recorrida, no ano de 2009, estão ou não isentas do imposto, ou seja, se correspondem ou não a direitos de autor e são relativas a utilização da obra intelectual.

Em caso de procedência do recurso, haverá que aferir se estão reunidas as condições para passar a conhecer em substituição das restantes questões suscitadas pela ora Recorrida e que foram consideradas prejudicadas em vista da solução dada ao litígio no tribunal recorrido e que dizem respeito:
(i) à preterição do direito de audição prévia,
(ii) violação do princípio da imparcialidade;
(iii) usurpação de funções legislativas


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) A 22/12/2011, foi emitida liquidação de IVA, relativa ao período 0912T, no valor a pagar de 16.000,00 euros, com o n.º11195336 (cfr. documento de fls. 62 dos autos);

b) Na mesma data, foi emitida a liquidação de juros compensatórios, relativos ao mesmo período, no valor de 1.108,16 euros (cfr. documento de fls. 63 dos autos);

c) A 07/06/2010, a impugnante remeteu declaração modelo C, relativo ao período de 2009/12T, onde declarou 80.000,00 euros, relativa a operações isentas, que não conferem direito à dedução (cfr. documento de fls. 71 dos autos);

d) Na galeria Arade, ocorreu uma exposição “G…”, divulgada como “A…(cfr. documento de fls. 76 dos autos);

e) Na ficha técnica da exposição a que se refere a alínea anterior, lê-se além do mais, o seguinte (cfr. documento de fls. 78 dos autos):

“Colaboraram: C…, L…, D…, A…, (…) Colaborações especiais: A…, B…, L…, V…, A…, M…e M…. Poemas: Sophia de Mello Breyner Andersen, Eugénio de Andrade, Natália Correia, Fernando Pessoa e David Mourão Ferreira”.

f) Foi publicado livro relativo à exposição a que se referem as alíneas anteriores, com 32 páginas, que se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento de fls. 78 a fls. 107 dos autos);

g) A impugnante foi alvo de acção de inspecção, relativa a 2009, onde se lê, além do mais o seguinte (cfr. documento de fls, 145 e ss. dos autos):


(imagem no original)

(imagem no original)

(imagem no original)

(imagem no original)

(imagem no original)


a) A 27/06/2012, foi deduzida Reclamação Graciosa, contra o acto aqui impugnado (cfr. documento de fls. 3 do RG);

b) A 31/10/2012, foi indeferida a RG contra o acto aqui impugnado (cfr. documento de fls. 264 dos autos);

c) A 06/12/2012, foi apresentado RH contra o acto (cfr. documento de fls. 2 do RH);

d) A 30/09/2013, foi indeferido o RH (cfr. documento de fls. 34 dos autos);

e) A 08/10/2013, foi emitido ofício dirigido à impugnante, tendente à sua notificação relativa ao indeferimento do RH (cfr. documento de fls. 33 dos autos);

f) A 13/01/2014, deu entrada a PI relativa a estes autos (cfr. documento de fls. 3 dos autos);



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.»


*



Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório os seguintes factos:

g) Em 2009.10.02, a Impugnante e ora Recorrida emitiu recibo de IRS modelo 6, nº 0962591 da caderneta AIQ, a favor de B…, Produções, Lda., pela atividade de autora, no montante global de € 30 000,00, dos quais € 27 000,00 de importância recebida e € 3 000,00 de retenções na fonte [cf. fls. 221 do processo administrativo (PA), que aqui se dá como integralmente reproduzido];

h) Em 2009.12.28, a Impugnante e ora Recorrida emitiu recibo de IRS modelo 6, nº 0962592 da caderneta AIQ, a favor de J…, Produções And. Unipessoal, Lda., pela atividade de autora, no montante global de € 50 000,00, [cf. fls. 222 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido];

i) Por ofício datado de 2011.09.09, junto com a pi como doc. nº 15, constante de fls. 38 de doc. nº 004158346 registado em 13-01-2014 às14:55:56, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante ora Recorrente foi notificada para entregar declaração de substituição de IVA do ano de 2009, do qual se transcreve:
O) Em 2010.06.07, a Impugnante, ora Recorrida entregou declaração periódica de substituição modelo C, relativa ao período de 2009/12t, na qual declarou rendimentos no montante global de € 80 000,00, constante de fls. 26 de doc. nº 004158346 registado em 13-01-2014 às 14:55:56, da qual se transcreve:

a) Em 2011.11.09, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa – Departamento A, elaboraram o relatório constante de fls. 223 a 229 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve:
q) Em 2011.11.09, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa – Departamento A, elaboraram o relatório constante de fls. 223 a 229 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve:


r) O relatório identificado na alínea que antecede foi sancionado por despacho de 2009.11.25 do Chefe de Divisão, por subdelegação do DFA, constante de fls. 223 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido e do qual se transcreve:

Concordo.
Em face do relatório e do parecer do chefe de equipa nada a opor.
Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais para proceder às correções técnicas propostas para IVA no exercício de 2009, nos termos dos artigos 81º a 84º da LGT.
O sujeito passivo foi notificado nos termos do artigo 60º da LGT e 60º do RCPIT, para exercer o direito de audição.
(…)
Notifique-se nos termos do artigo 77º da LGT e 62º RCPIT.
(…)
s) A liquidação impugnada e identificada na alínea a) que antecede tem o seguinte teor:

II.2 Do Direito

Vem a Autoridade Tributária e Aduaneira, recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações adicional de IVA do período de 0912T e de juros compensatórios.

Antes, porém, de entrarmos em sentido próprio na apreciação do presente recurso, importa esclarecer que apesar de nas alegações de recurso se referir, logo na conclusão I, à procedência parcial da impugnação, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação e anulou a liquidação adicional de IVA impugnada.

Com efeito, pese embora as constantes referências quer no texto da sentença recorrida quer nas alegações de recurso à liquidação adicional de IRS do mesmo ano, nos autos sob recurso foi impugnada apenas a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2009 e respetivos juros compensatórios.

Nas alegações apresentadas a Recorrente discorda do julgamento da matéria de facto adotado na decisão recorrida, ao dizer na conclusão XXXVII das alegações de recurso que o probatório deve ser corrigido, dele passando a constar nos factos não provados: não se mostra provado que a Impugnante tenha sido a criadora intelectual/autora da exposição G…” – A…”, e, do catálogo produzido para o efeito, e eliminando-se o segmento: não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.

Ora, na impugnação da matéria de facto, impõe a lei, nos termos do disposto no artigo 640º CPC, um ónus rigoroso cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso.

Todavia, a Recorrente pretende é que se esclareça de entre os factos alegados pela Impugnante, ora Recorrida, quais os factos não provados e nas alegações e respetivas conclusões indica a ausência dos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, complementar ou substituir, apresentando as razões de discordância com o decidido na sentença, defendendo que não foram carreados para os autos os documentos que o comprovam, discordando, assim, do decidido e levado ao probatório.

Contudo, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Ora, a intervenção solicitada a este Tribunal de recurso, no que se refere à alteração da matéria de facto é, no essencial, respeitante às regras do ónus da prova e sobre os factos sobre os quais se conseguiu, ou não, fazer a prova.

Com efeito, a modificação pretendida prende-se com a questão diretamente submetida pela Impugnante, ora Recorrida, à apreciação do tribunal, suscitando, pois, a Recorrente, o erro de apreciação crítica da prova produzida e o erro na fixação dos factos levados ao probatório (cf. conclusão XXXIX das alegações de recurso).

A liquidação adicional impugnada resulta de correções técnicas e tem precisamente por base a qualificação técnico jurídica dos rendimentos obtidos pela contribuinte, precisamente se são ou não subsumíveis ao benefício concedido aos direitos de autor, por criação de obra não literária ou artística.

Em sede de IVA não foram presumidos quaisquer rendimentos, discute-se sim a qualificação dos rendimentos obtidos e dos quais foi emitido pela Impugnante ora Recorrida o correspondente recibo, para responder à questão relativa à tributação: réditos isentos ou sujeitos a tributação em sede de IVA?

Nesta perspetiva, a alteração pretendida pela Recorrente à matéria de facto prende-se diretamente com a qualificação jurídica dos factos, e logo com conceitos de direito ou juízos jurídico-conclusivos, assente que está que a Impugnante, ora Recorrida, participou nas exposições.

Nessa medida, não se pode acolher a requerida alteração à matéria de facto: porquanto, saber se o rendimento recebido está, ou não isento de tributação, i. é, se corresponde ou não a direitos de autor e são relativos a utilização da obra intelectual é a questão submetida à apreciação do tribunal.

Assim, por o aditamento pretendido aos factos não provados se prender diretamente com a qualificação da matéria tributável tem que ser respondida em conjugação com a apreciação das regras do ónus da prova, matéria que passaremos a analisar de seguida.

Prosseguindo na análise do presente recurso, recapitulemos alguns dos factos provados:
- No ano de 2009 a Impugnante e ora Recorrida emitiu dois recibos, vulgarmente conhecidos como “recibos verdes”, nos montantes de € 30 000,00 e € 50 000,00, respetivamente, e na atividade mencionou serem relativos a “autora”.
- Por ofício datado de 2011.09.09, foi solicitado à Impugnante e ora Recorrida que entregasse declaração periódica de substituição;
- Em 2010.06.07, a Impugnante e ora Recorrida preencheu e entregou declaração periódica de substituição, em que declara ter recebido no período em causa remunerações isentas de tributação relativas a direitos de autor;
- Em 2011.12.22, foi emitida liquidação de IVA impugnada, liquidação efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária [cf. alíneas (a) e (s) dos factos provados];

A Impugnante e ora Recorrida apresentou reclamação contra a liquidação de IVA do ano de 2009, e notificada do indeferimento da reclamação interpôs recurso hierárquico, também indeferido.

A Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação, defendendo, em suma, que a contribuinte não efetuou a prova que os rendimentos eram respeitantes a direitos de autor ou análogos, e nessa medida não poderiam ter sido considerados como rendimentos isentos, mas sim relativos a prestação de serviços.

Vejamos:

Em regra, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária, presumem-se e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.

Mas já não será assim, no caso em que a declaração é apresentada fora do prazo legal e sobretudo, quando depois de lhe ter sido solicitado que apresentasse a escrita, a Impugnante e ora Recorrida nada exibiu.

No caso em análise na determinação da matéria tributável não está em causa a sua quantificação, mas apenas a vertente da sua qualificação: são os rendimentos provenientes da cedência de direitos de autor ou outros direitos análogos, criação de obra intelectual, ou são relativos a prestações de serviços?

Apesar de terem sido juntos os catálogos das exposições, certo é que nos mesmos não consta qualquer menção à autoria, mas apenas que a Impugnante, ora Recorrida, foi uma das colaboradoras.

Nos termos do artigo 11º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC): O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.

Sobre a a paternidade da obra dispõe o artigo 27º CDADC:

Artigo 27.º
Paternidade da obra
1 - Salvo disposição em contrário, autor é o criador intelectual da obra.
2 - Presume-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público.
3 - Salvo disposição em contrário, a referência ao autor abrange o sucessor e o transmissário dos respetivos direitos.

E o artigo 97 do mesmo Código:
Artigo 97.º
Identificação do autor
O editor deve mencionar em cada exemplar o nome ou pseudónimo do autor ou qualquer outra designação que o identifique.

Os artigos 16º e 20º dão-nos uma definição do que se deve entender por obra feita em colaboração e obra coletiva e obra compósita.

No entanto, a mera menção constante do catálogo de ter colaborado, colaboração essa em conjunto com outros nela mencionados, é insuficiente para comprovar a alegação da Impugnante, ora Recorrida, que foi ela quem concebeu a exposição, e de ter sido a criadora da obra não literária e que cedeu os direitos, permitindo apenas concluir que participou na exposição.

Não nos diz a que título participou na exposição nem qual o contributo.

Todavia, nos termos do citado Código e relativamente às obras radiodifundidas e cinematográficas a colaboração não confere aos colaboradores técnicos quaisquer poderes incluídos no direito de autor (artigo 26º CDADC).

Urgia, pois, que a Impugnante e ora Recorrida, tivesse esclarecido o tipo de colaboração prestado, porquanto colaborar numa exposição tem múltiplos significados, variando este também consoante o contexto em que é utilizado, podendo ir desde ter proporcionado os contactos entre as diversas entidades envolvidas na cedência dos espaços, em contactar os artistas e os poetas que disponibilizaram o uso das obras e dos excertos, trabalho de secretariado, logística e outras colaborações que são necessárias à realização dos eventos e à feitura dos catálogos, mas que não cabem no âmbito de proteção da norma de isenção, não preenchendo os pressupostos que a ela subjazem.

Além da junção dos catálogos, podia e devia ter mobilizado outros meios de prova, nomeadamente troca de correspondência ou apresentando testemunhas do trabalho por si realizado ou do papel que desempenhou.

Anote-se ainda que nos termos do artigo 41º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), a autorização concedida a terceiros para divulgar, publicar, utilizar ou explorar a obra por qualquer processo deve ser concedida por escrito.

E, nenhum contrato foi exibido, o que enfraquece a posição da ora Recorrida.

Pese embora tratar-se de uma formalidade que não esvazia o conteúdo, ainda assim, deveria ter sido complementada por outros meios de prova.

Como é de jurisprudência pacífica, sobre a Administração tributária, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.

Cabia, pois, ao contribuinte o ónus da prova do direito que se arroga quanto à comprovação da errónea qualificação da matéria tributável e que a afinal, foi ela a autora/criadora, quem concebeu a exposição e o catálogo, quem selecionou as obras de arte e os textos, quem os alinhou, ou escreveu os textos de ligação entre eles.

Tal como defende a Recorrente nas alegações de recurso, não foi estabelecida a ligação entre a Impugnante e ora Recorrida como autora e a obra ou criação.

Com efeito, tal como alega a Recorrente, só após ter sido efetuada essa prova, essa ligação, é que se poderia passar ao passo seguinte e averiguar se a obra não literária produzida caberia, ou não no conceito de direito de autor e análogos tal como definidos no respetivo Código e se os rendimentos auferidos são ou não subsumíveis à norma de isenção.

Sem se estabelecer a ligação entre a Impugnante, ora Recorrida, e a criação ou obra intelectual, a averiguação sobre se os rendimentos obtidos, são ou subsumíveis ao conceito de obra não literária merecedora da proteção conferida pela norma de isenção e em que se centrou a motivação da sentença recorrida torna-se meramente teórica e infrutífera, precisamente por faltar aquela primeira conexão, que não foi verificada ou estabelecida.

A sentença que assim não decidiu não se pode, pois, manter.

Termos em que procedem as alegações de recurso.

Em face do exposto, impõe-se concluir pela procedência do recurso, cumprindo, agora verificar se estão reunidas as condições para passar a conhecer, em substituição, as demais questões suscitadas pela ora Recorrida e que foram consideradas prejudicadas pela solução dada ao litígio e já enunciadas supra.

Vejamos, agora:

(i) Da preterição do direito de audição prévia

Na petição inicial alegou a Impugnante a verificação de vários vícios procedimentais, entre os quais não ter sido previamente ouvida em dois momentos distintos: (i) antes da liquidação adicional impugnada; (ii) previamente à decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado.

O direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas e deliberações que lhes digam respeito tem assento constitucional no artigo 267/5 da CRP.

Este direito foi concretizado também no Código de Procedimento Administrativo (CPA) na versão da Lei nº 6/96, de 31 de janeiro que o republicou, no artigo 8º, com a epígrafe princípio de participação, regulado nos artigos 100º a 103º CPA.

A participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, através de audição prévia, antes da liquidação, encontra-se prevista no artigo 60/1.a) da LGT.

Também o artigo 45/1 CPPT, reconhece aos contribuintes o direito de participação na formação da decisão.

Dizia o artigo 60.º da LGT, com a epígrafe Princípio da participação, com a redação coeva:

1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2- É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3- Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais se não tenha pronunciado.
4- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5- Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6- O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

Como ensinam Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa Aut Cit, LEI GERAL TRIBUTÁRIA: Anotada e Comentada, 4ª Ed., 2012, Ed. Encontro da Escrita, pág. 504, a audiência dos interessados deve ter lugar concluída a instrução e antes de ser tomada a decisão final (artigo 100/1 CPA, Id.).

Dispunha o artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT):

1- Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.
2- A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões.
3- A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.
4- No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.

Nos termos do artigo 60/4 LGT, o direito de audiência deve ser exercido no prazo a fixar pela Autoridade Tributária, em carta registada a enviar para o domicílio fiscal do contribuinte.

Ora, a falta de audiência prévia, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, que conduz, em regra, à anulabilidade do ato.

Não obstante o alegado pela Impugnante, ora Recorrida, a perfeição da notificação basta-se com o envio de carta registada enviada para o domicílio fiscal do contribuinte, como se infere do artigo 60/4 da LGT: o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar em carta registada a enviar para o efeito para o domicílio legal do contribuinte.

Trata-se de uma notificação para exercício do direito no prazo fixado pela Autoridade Tributária, seguindo o prescrito na lei para as notificações.

E, embora a Fazenda Pública refira que a Contribuinte foi notificada do projeto de relatório para se pronunciar e indique o número de registo postal da carta de notificação, esta não foi junta com a contestação nem consta do processo administrativo organizado para o efeito.

Com efeito, se relativamente às correções efetuadas em sede de IRS não se suscitam dúvidas que a Contribuinte foi notificada do projeto de relatório para se pronunciar, já mesmo não se pode dizer relativamente às correções efetuadas em sede de IVA.

Do processo administrativo junto consta sim cópia da página, retirada do site dos CTT, relativa ao número de registo indicado, que não comprova a quem foi enviado o objeto, nem qual o seu teor. Apenas permite concluir que foi enviado por correio registado um objeto e que este foi recebido pelo destinatário.

Estes elementos são manifestamente insuficientes para dar como provado que a Contribuinte foi notificada do projeto de relatório de inspeção e para exercer o direito de audição prévia, quando esta nega que tal tenha sucedido.

Sendo certo, porém, que o ónus da prova corria aqui pela Fazenda Pública, ainda assim, na dúvida, esta deveria ter sido notificada para juntar os comprovativos da notificação para exercício do direito de audição prévia.

Embora recaindo sobre as partes o ónus da prova dos factos alegados, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que, nos termos do disposto nos artigos 13° do CPPT e 99° da LGT, deve o Juiz realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade e de que oficiosamente pode conhecer.

Na verdade, com a contestação foi junto o processo administrativo constituído por três volumes, contendo os procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, mas não foi junto o processo administrativo completo respeitante ao procedimento inspetivo.

Ora, não constando do processo todos os elementos de prova necessários à descoberta da verdade material, devem os presentes autos regressar ao Tribunal a quo, onde deverão ser realizadas todas das diligências instrutórias que se apurem necessárias, nomeadamente diligenciar pela junção da notificação do projeto de relatório de inspeção e para o exercício do direito de participação, por forma a permitir o conhecimento das questões ainda não apreciadas, e posterior prolação de nova sentença, se a tal nada mais obstar.

Em face da conclusão a que se chegou resulta assim prejudicado o conhecimento das demais questões que se suscitam e que foram enunciadas supra.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrida que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I. Em regra, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária, presumem-se e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei.
II. Mas já não será assim, no caso em que a declaração é apresentada fora do prazo legal e sobretudo, quando depois de lhe ter sido solicitado que apresentasse a escrita, a Contribuinte nada exibiu
III. Sobre a Administração tributária, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para eventual ampliação da matéria de facto, após realização das pertinentes diligências de prova.

Custas pela Recorrida que decaiu, com dispensa da taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Lisboa, 28 de abril de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora