Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1619/09.0BELRA-A
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR;
DILIGÊNCIAS DE PROVA;
ARTS. 83º E 84º DO RD/PSP;
NULIDADE.
Sumário:i) Somente podem ser recusados os meios de prova requeridos pelo arguido quando estes se mostrem impertinentes ou desnecessários, nomeadamente por os factos por si alegados na sua resposta já estarem provados – vide art. 84.º, n.º 1 do RD/PSP.

ii) Entre tais diligências enumeram-se aquelas que são essenciais para que o acusado possa demonstrar cabalmente a sua inocência e o facto de não ter praticado a infracção que lhe é imputada, ou todo o circunstancialismo que leva que seja praticada uma determinada conduta, designadamente as relativas às circunstâncias a propósito do seu estado de (in)consciência / valoração, à data, dos factos pelos quais vinha acusado.

iii) O indeferimento de tais diligências de prova requeridas pelo acusado afronta o direito fundamental à sua defesa, consagrado no art. 269.º, n.º 3 da CRP.

iv) Tanto mais que no relatório final foi feita alusão a que não se verificam quaisquer circunstâncias dirimentes (art. 51º do RD/PSP), quando o arguido pretenderia provar exactamente uma dessas circunstâncias, a prevista na al. b), ou seja “a privação acidental e involuntária das faculdades intelectuais ao momento da prática do acto ilícito”, sendo uma das causas de exclusão da culpa.

v) O que conduz à anulação da decisão de aplicação da pena disciplinar, atento o disposto no art. 83.º, n.º 1 do RD/PSP que sanciona com nulidade insuprível o procedimento disciplinar em que se tenham omitido diligências essenciais para a descoberta da verdade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul



I. RELATÓRIO


M........ intentou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA acção administrativa especial, peticionando a declaração de nulidade do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, notificado em 23/9/2009, que, no processo disciplinar n.º 2004 EPP00022DIS, louvando-se nas disposições conjugadas dos artigos 43.° e 47.°, n.º 1 e n.º 2, alínea g) do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.°7/90 de 20 de Fevereiro, o condenou na pena disciplinar de aposentação compulsiva, por uma alegada violação do dever de aprumo, previsto nos n.ºs 1 e 2, alínea f) do mesmo regulamento.
Alegou, em suma, a inexistência de procedimento criminal bem como a inexistência de decisão criminal condenatória do A., atendendo a que o Tribunal entendeu que o requerente não deveria ser julgado pelos factos que lhe são imputados no processo disciplinar.
Existindo processo judicial que apreciava os mesmos factos do processo disciplinar, este teria de ficar suspenso, a aguardar decisão transitada em julgado do processo judicial.
O processo disciplinar que culminou na pena de aposentação compulsiva, já prescreveu.
A nulidade do processo disciplinar, uma vez que apreciou factos posteriores à data da sua instauração e a falta de fundamentação do acto recorrido.

Por Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 11/3/2019, foi a acção julgada procedente e declarado nulo o acto impugnado.

Inconformado o Ministério da Administração Interna interpôs o presente recurso, terminando as Alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“A. Verifica-se na douta sentença uma errada interpretação dos factos, na medida em que decide declarar ... nulo o acto impugnado...”, por ter considerado: ao recusar a inquirição médica e da demais prova testemunhal, o despacho do instrutor impediu o arguido de se defender eficaz e equitativamente da intenção de lhe ser aplicada uma sanção lesiva do seu direito fundamental a não ser despedido com justa causa... (...).
B. Sucede, porém, que por um lado não está em causa qualquer despedimento por justa causa, mas sim, a aplicação de uma sanção disciplinar, aplicada no final de um procedimento regularmente conduzido;
C. Por outro lado, o douto tribunal desconsiderou que no âmbito do referido procedimento disciplinar, foi solicitado parecer médico ao Instituto de referência nacional, independente - Instituto de Medicina Legal -, no qual os dois peritos que o assinam concluem pela imputabilidade do arguido;
D. E, não obstante ter ficado provado na douta sentença em crise, que a perícia médica foi solicitada ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra por oficio datado de 31.05.2006 e foi pedida no âmbito do processo disciplinar 2004EPP00022DIS, onde desde 27.05.2004, 23.06.2004 e 08.07.2004 se encontravam as participações referentes aos factos ocorridos, exatamente, em 2004”, a douta sentença concluiu que” Certo é que o parecer do IML, unicamente referido a factos bem distantes, no tempo...”.
E. Contudo, nem o próprio A. assim o defende, na verdade o A. insurge-se contra a realização da perícia dois anos após a prática dos factos, mas em momento algum refere que não diz respeito a esses mesmos factos.
F. Aliás no artigo 28° da sua petição inicial refere “...A imputabilidade do arguido não foi aferida no momento da prática dos factos, pois, a perícia foi realizada dois anos depois.”,
G. Igualmente, desconsiderou o douto tribunal que, a entidade a quem compete a tutela disciplinar, não estava vinculada ao parecer da médica que acompanhou a ora A., e que podia (e fez) solicitar parecer médico a entidade distinta e independente.
H. Tendo tal Entidade de referência nacional, concluído, na perícia assinada por dois técnicos, que o ora A. era imputável.
I. A douta sentença não valoriza, igualmente, o facto de a recusa das diligências requeridas, por parte do instrutor do processo, estar devidamente fundamentada e ter tido por base, por um lado, o sobejamente falado parecer médico do Instituto de Medicina Legal - Instituição nacional de referência no âmbito das suas atribuições - que considerou imputável o arguido e;
J. Por outro lado, pelo facto de as testemunhas arroladas, face aos elementos constantes nos autos, só poderem ser abonatórias, e nessa medida, o arguido não foi, em momento algum prejudicado, atendendo a que lhe foi aplicada, de entre as duas penas possíveis para as situações de infrações muito graves, como a dos autos, a menos gravosa, ou seja a reforma compulsiva, igualmente, andando mal a douta sentença quando decidiu como decidiu.
Por fim,
K. Deve ser de sublinhar que os presentes autos devem ser apreciados tendo como pano de fundo, não só a gravidade dos factos praticados,
L. Mas também atendendo à qualidade de quem os praticou, ou seja, um Agente Policial a quem competia assegurar a legalidade.
M. Assumindo, por se tratar de Agente das Forças de Segurança, especial relevância a situação dos autos, e neste contexto mal andou a sentença ora em crise, na medida em que fez uma muito errada interpretação dos pressupostos de facto, face ao que atrás ficou exposto.

Conclui pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.
*
M........, ora Recorrido, apresentou contra-alegações, terminando com o seguinte segmento conclusivo:
“17° O acto administrativo objeto da presente acção á nulo.
18° Deve-se extrair dessa nulidade todas as consequências.
19° Foram violados entre outras as normas do art. 29° n° 5 da C.R.P., 133° n° 2, ais., b), d) e c) e f) do C.P.A.
TERMOS EM QUE,
A douta decisão recorrida deve ser doutamente confirmada por Vs. Ex.as. Fazendo Vs. Exas dessa forma, uma vez mais, Sã, Serena e Objetiva Justiça!”

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O DMMP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

Corridos os vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

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I.1 – DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR:

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
A questão essencial a resolver reside em saber se a sentença recorrida errou na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, inexistindo qualquer nulidade por omissão de produção de prova requerida pelo Autor / Recorrido em resposta à acusação.


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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade, não impugnada, que se reproduz, na íntegra:
“1. O autor era agente principal da PSP e prestava serviço na Escola Prática de Polícia, em Torres Novas.
2. No dia 15 de Março de 2004 L........ apresentou queixa na esquadra da PSP do Entroncamento contra o aqui Autor, acusando-o de, nesse dia, no interior da oficina de alumínios do queixoso, à Rua 1 de Dezembro, no Entroncamento, o ter agredido com uma barra de alumínio em diversas partes do corpo, causando-lhe hematomas nas costas e escoriações numa orelha.
Cf. fs. 5 do P.A.
3. Tal queixa foi autuada como inquérito penal n° NUIPC 74/04.5PAENT
Idem.
4. Como o MP houvesse enviado cópia da queixa ao Senhor Director da Escola Prática de Polícia, este, por despacho de 14 de Abril seguinte ordenou a abertura de processo disciplinar contra o Autor, relativamente aos factos objecto daquela queixa, processo que foi autuado logo no dia seguinte, pelo instrutor nomeado, tendo-lhe cabido o n° 2004EPP00022DIS.
Fls. 3 do PA.
5. No dia 13 de Maio de 2004 o agente da PSP J........ elaborou a participação n° 113/04, cujo teor no PA, a fs. 22, aqui se da por reproduzido, transcrevendo os seguintes excertos:
Participo a V Ex2 que hoje, pelas 11 H35, por determinação superior, acompanhado pelo meu colega n°. 442 - R........, como motorista do CP deste Departamento Policial, desloquei-me ao estabelecimento comercial LIDL, sito na Rua……….., nesta cidade, em virtude de ali ter sido pedida a comparência desta Policia.
Chegado ao local, fui informado por N........, responsável pelo estabelecimento, o qual me comunicou que, momentos antes, M........, nascido a C4/01Í1966, casado, Agente da PSP, (...) havia subtraído uma lixadora automática, marca Porkside, modelo KH 3115, no valor de 59 euros, tendo transposto as linhas de caixa sem efectuar o pagamento da dita máquina, tentando assim iludir os responsáveis por aqueles serviços. No entanto, o M........, com o consentimento do responsável pelo estabelecimento, efectuou o pagamento da referida máquina. O responsável, N........, foi informado do direito de queixa e respectivo prazo.”
6. No dia 18 de Maio de 2004, H........, gerente do supermercado “Modelo” de Abrantes, apresentou na esquadra de santarém da PSP uma denúncia por furto contra desconhecidos, cujo teor a fls. 95 do P.A. aqui se dá por reproduzido, transcrevendo o seguinte excerto:
QUE ACUSA: DESCONHECIDOS.
DA PRÁTICA DOS SEGUINTES FACTOS: De no dia 09, pelas 16H34, e no dia 11, do mês de Maio pelas 09H34, um desconhecido furtou do interior do Super mercado "Modelo", vários artigos, no valor de 592,78 Euros, conforme lista que se junta. Mais informa que pelo visionamento das cassetes vídeo segurança, o indivíduo entrou pela porta principal furtou os objectos em causa, saindo pelo armazém entrando na loja "M........", e saindo a seguir pela porta de serviço, seguindo de seguida para o exterior, desconhecendo para onde o mesmo se possa ter deslocado.
Mais declara que cede as cassetes vídeo em causa a esta Policia para os fins tidos por convenientes."
7. Tal queixa foi autuada como inquérito penal n° NUIPC 177/04.6PAABT
P.A. fls. 95
8. No dia 26 de Maio de 2004 o Autor entrou de baixa médica por 15 dias, tendo acabado por assim permanecer até 15 de Março de 2005, pelo menos.
PA. fls. 36, 129, 130 e 136
9. No dia 27 de Maio de 2004 foi exarado sobre a participação referida em 5, à mão, o seguinte despacho, “Ao Senhor Subcomissário R........ para juntar ao processo disciplinar em curso”.
PA fls. 22
10. Nesse mesmo dia a sobredita participação foi junta ao processo disciplinar.
11. No dia 9 de Junho de 2004 o agente da PSP L........, da esquadra da PSP no Entroncamento, elaborou a participação n° 382/04, cujo teor no PA, a fs. 22, aqui se da por reproduzido, transcrevendo os seguintes excertos:
Participo a V. Exa que hoje pelas 13H10, foi-me comunicado superiormente para me deslocar ao hipermercado MODELO sito na Rua da Esperança, nesta cidade em virtude de aí ser solicitada a comparência desta Policia, onde me desloquei com o Ag. Princ. n° 300 M.........
No local dirigiram-se-me os seguranças do mesmo (...) a comunicar que, momentos antes visionaram no sistema de vigilância do hipermercado um indivíduo que segundo os mesmos já ali havia furtos os quais foram gravados e que hoje se encontrava a abrir embalagens de um programador de rega no valor de 47,34 € e a ajoelhar-se e a colocá-las debaixo das prateleiras, pelo que abordaram o mesmo e questionaram-no sobre o facto, tendo este declarado ter problemas mentais e estar a receber tratamento psiquiátrico.
O indivíduo foi identificado como sendo M........ (...).
No local também compareceu a gerente do citado hipermercado (...) a qual declarou ser o mesmo indivíduo que nos dias 9 e 11 de Maio de 2004 efectuou um furto naquele estabelecimento, tendo sido apresentada queixa no dia 18 de Maio de w2004 nesta esquadra e entregues cassetes de vídeo.
A gerente foi elucidada dos trâmites legais a seguir caso o deseje.
(...)
12. Sobre esta participação foi exarado o seguinte despacho em 22 seguinte:
“Ao senhor subcomissário R........, para juntar ao processo disciplinar em curso”.
13. Em 23 seguinte a sobredita participação foi junta ao processo disciplinar.
Fs. 41 do PA.
14. No dia 8 de Julho de 2004 o agente da PSP em serviço na EPP, P........ ........, dirigiu e apresentou ao Senhor Director da Escola a participação cujo teor a fs. 51 e v° do PA aqui se dá por reproduzido, transcrevendo o seguinte excerto:
Participo a V. Ex a que, no dia 02 de Julho do corrente ano, pelas 18 horas e 40 minutos, quando no gozo de folga me encontrava junto da Esquadra da cidade de Torres Novas, sita na Avenida 08 de Julho, fui contactado pelo Agente Principal M........ pertencente ao efectivo da Escola Prática de Polícia, (Sec. de Alimentação), através do telemóvel, com o número ........, o qual em termos ameaçadores proferiu as seguintes palavras: Olha lá pá! Quem és tu para te meteres na, minha vida? Vê lá se queres começar a ter problemas., não lhe tendo eu dado qualquer resposta desligando de imediato o telemóvel o qual registou a chamada.
Mais informo que, telefonemas idênticos teriam sido efectuados, em semanas anteriores, pelo referido Agente Principal, sempre em tom ameaçador (...).
(...)
Tenho ainda a referir que, devido ao teor dos telefonemas efectuados pelo Ag Principal Isabelinha, optei por desligar o meu telemóvel com o número ........, sempre que identificava a proveniência da chamada, por forma a não ouvir quaisquer ameaças ou inconveniências por parte do Ag. Princ. I........, tendo o mesmo, passado então a contactar-me através de mensagens emanadas do mesmo número, as quais passo a transcrever:
“1ª 02JUL04, pelas 18 horas e quarenta minutos, com os seguinte teores:-
"Estou doente, mas ainda tenho lucidez e forças para te dar dois pares dê chapadas- nessa cara de criança. Ao ler na tua cabeça vejo os pensamentos perversos. Não manches o meu nome em nenhum lado. Se já és homem ou educado fala cara a cara com esta migalha de gente pois de outro modo vais-te sentir arrependido."
2ª Pelas 19 horas e 08 minutos;
"As crianças é que resolvem as coisas desta forma. Tenho dois filhos e sei como é. Não te quero mal, mas quando estiver melhor tiro a limpo a mancha do meu nome. Podia ir à E.P.P, mas não mereces o meu sofrimento."
(...)
15. Sobre esta participação foi exarado em 8 de Julho de 2004 o seguinte despacho:
“Ao NDD, Sr subcomissário R........, para juntar ao processo disciplinar em curso.”
16. Em 12 de Julho de 2004 o autor foi ouvido como arguido no processo disciplinar, tendo respondido o que consta do respectivo auto a fs. 52 do P.A., cujo teor aqui se dá por reproduzido, transcrevendo os seguintes excertos:
(...) desde Março do corrente ano que anda a ser medicado, inicialmente pela DC. M........ e mais recentemente pela Drª. F........, ambas médicas psiquiatras em Lisboa, em virtude de se sentir agressivo, revoltado e bastante esquecido, e incapaz de controlar as suas atitudes.
Que, pelas razões expostas e dado o facto de apenas se ter apercebido da ilicitude dos seus actos, quando foi interceptado, tanto no Lidl - Entroncamento, como no Modelo - Abrantes, considera que, devido ao seu estado psíquico, não é responsável, no todo ou em parte por qualquer um deles.
Que, como prova dos factos acima descritos, pretende juntar aos autos fotocópias das receitas, guia de tratamento e declaração de baixa médica, passadas pelas referidas médicas. Que, o Serviço de Saúde desta Escola, sempre acompanhou o desenvolvimento do seu estado clinico.
Perguntado se anteriormente aos factos que tiveram lugar no Modelo em Abrantes, relacionados com um programador de relva, alguma vez ali havia estado a praticar actos da mesma natureza, o mesmo respondeu que não.
Que, quanto aos telefonemas e mensagens dirigidas ao Agente Principal F........ o mesmo confirma esses telefonemas negando ter feito qualquer ameaça, acrescentando que o conteúdo das mensagens, foi o seguinte: "Estou doente, mas ainda tenho lucidez, e forças para te dar dois pares de chapadas nessa cara de criança. Ao ler a tua cabeça vejo pensamentos perversos. Não manches o meu nome, em nenhum lado. Se já és homem ou educado fala cara a cara com esta migalha de gente. Pois de outro modo vais-te sentir arrependido.", tendo obtido como resposta do F........: "Para bem dos dois nunca mais nos falamos." tendo em seguida o arguido respondido com a seguinte mensagem: "As crianças é que resolvem as coisas desta forma!
Tenho dois filhos e sei como é. Não te quero mal, mas quando estiver melhor tiro a limpo a mancha do meu nome. Podia ir à EPP, mas não mereces o meu sofrimento."
17. O Autor foi interrogado no inquérito criminal 177/04.6PAABT como arguido, em 7 de Setembro seguinte tendo declarado o que consta do auto cuja cópia a fs.118 e 119 do PA aqui se dá por reproduzido.
18. Por despacho de 15/10 seguinte, esse inquérito foi mandado arquivar, devido a ter havido desistência de queixa.
Cf. fls. 120 do PA.
19. Por despacho 3/11/2004, também o inquérito criminal n° 74/04.5PAENT foi mandado arquivar por desistência de queixa.
Cf. fls. 125 do PA.
20. Em 8 de Junho o imediato superior hierárquico do Autor entregou, conforme legalmente exigido (cf. artigo 52° n° 1 ala a) do RDPSP, a seguinte informação disciplinar acerca do ali arguido e aqui Autor:
“Informo V. Ex.ª que o Agente Principal n.° 349/137 941 M........, colocado na Área de Apoio Geral da EPP, Secção de Alimentação, há alguns anos, na execução de tarefas de apoio, tem desempenhado as suas funções com acerto, eficácia, correcção e lealdade, demonstrando total disponibilidade para o exercício das mesmas, contribuindo, assim, para que não existam falhas em sector tão vital para a imagem desta Escola Prática.
O Agente Principal F........ é um elemento educado, respeitador, de trato afável, que, na relação com os colegas e superiores, cria um clima de empatia.
Contudo, desde há cerca de 3 a 4 meses, o F........, vem demonstrando uma instabilidade emocional, em que, inclusivamente, teve de recorrer a acompanhamento psiquiátrico, estando a ser medicado e encontrando-se, presentemente, de baixa médica.”
21. No dia 30/7/2005 o instrutor do processo disciplinar elaborou e submeteu à consideração do Senhor Director da EPP a informação/proposta cujo teor a fs. 130 a 137 do PA aqui se dá por reproduzida, destacando os seguintes excertos:
2.6. Na audição a que foi sujeito em 12JUL2004, no âmbito do presente processo disciplinar ter alegado que " ... desde Março do corrente ano que anda a ser medicado, inicialmente pela Dr. a M........ e, mais recentemente pela Dr. a F........, ambas médicas psiquiátricas em Lisboa, em virtude de se sentir agressivo, revoltado, bastante esquecido e incapaz de controlar as suas atitudes. ", facto que comprovou através da apresentação de documentos emitidos em seu nome (receitas, declarações de baixa, guias de tratamento), requerendo junção de fotocópias ao processo.
(...)
Atendendo a que:
(...)
4. Para dar continuidade ao presente processo, por forma a apurar-se a responsabilidade disciplinar do Arguido, importa agora aferir o elemento subjectivo (culpa), na medida em que se levantam sérias dúvidas quanto à imputabilidade deste.
5. Nesse sentido, proponho a V. Ex.a que se solicite à Sr.ª Dr.ª F........, Médica Psiquiátrica, com consultório na Praça …………… (Areeiro), ………… LISBOA, parecer médico, onde faça constar, de forma inequívoca e no âmbito da matéria de facto aqui em apreço, se, à luz dos acontecimentos referidos nos pontos 2.2. a 2.6. da presente Informação/Proposta, o Arguido:
5.1. Era plenamente responsável pelos seus actos, ou;
5.2. Parcialmente responsável pelos mesmos, devido a imputabilidade diminuída. Neste caso definir qual o grau de inimputabilidade em percentagem e suas repercussões, ou então:
5.3. Era totalmente irresponsável pelos actos que praticava, devido à sua inimputabilidade absoluta.
À consideração de V. Exa.
22. Sobre esta proposta versou o seguinte despacho do Director da EPP, de 4 de maio de 2005:
“Concordo.
Proceda em conformidade.”
23. Em 29 de Agosto de 2005 foi junto o solicitado parecer da médica psiquiatra Drª F........, que continha, entre outras, as seguintes afirmações: “tem sido acompanhado com regularidade em consulta de psiquiatria desde 3/6/2004, por manifestar psicopatologia compatível com distúrbio afectivo grave com sintomas psicóticos”; e “deverá ser-lhe atribuída inimputabilidade absoluta”.
Cf. a cópia (incompleta, certamente por lapso) do relatório médico a fs. 140 a 142 do P.A., e a citação que dele faz o instrutor a fs. 144.
24. Em 7 de Setembro de 2005 um novo instrutor submeteu o processo, de novo, à consideração do Senhor Director da EPP, formulando a seguinte proposta:
A fim de se obter uma segunda opinião relativa a esta matéria, para melhor aferir o grau de responsabilidade do arguido, proponho a V. Exa que se submeta à consideração de Sua Excelência o Director Nacional, a possibilidade deste ser sujeito a uma Perícia Médica Psiquiátrica, que poderá ser solicitada ao Instituto Nacional de Medicina Legal- Coimbra.
25. Sobre esta proposta versou, em 9/9/2005, despacho de concordância do Director da EPP.
26. Em 20 de Dezembro de 2005, por despacho do Director da EPP, deu-se nova substituição do instrutor do processo disciplinar.
PA, fs. 145
27. Por ofício de 31/5/2006, cujo teor a fs. 160 do PA aqui se dá por reproduzido, foi pedido ao Instituto de medicina legal que submetesse o Autor a avaliação psiquiátrica para se poder aferir da sua imputabilidade, “já que o mesmo é arguido no processo disciplinar em referência” (...) “pelos motivos constantes da informação/proposta (...) cuja cópia se envia”.
28. Em 3/4/2007 foi junto ao processo disciplinar um relatório psicológico do gabinete de psicologia da Direcção nacional da PSP, elaborado a pedido da junta superior de saúde da mesma Direcção, acerca do Autor, datado de 31/5/2005 cujo teor aqui se dá pro reproduzido, transcrevendo o seguinte:
Avaliação Psicológica
O Agente Principal I........ ....... compareceu pela primeira vez em consulta do Gabinete de Psicologia, nas instalações da EPP, em 08/07/2004 por iniciativa própria, uma vez que estava a ser seguido em Psiquiatria desde que se manifestaram as primeiras alterações graves de comportamento.
Relatou que os primeiros sintomas tinham surgido há 9 anos, quando do nascimento do primeiro filho; sintomas marcados pela irritabilidade, pela tristeza, insónias frequentes, sudação nocturna e hipersensibilidade.
Foi difícil reconstruir a evolução do seu quadro clínico porque durante as primeiras consultas eram evidentes as dificuldades mnésicas, a desorientação temporal e a organização do pensamento. Não manifestava, porém, conteúdos delirantes. Ao nível da linguagem e da expressão em geral, a mímica era pobre e o discurso lentificado. De salientar que se encontrava medicado com psicofármacos em doses elevadas - ansiolíticos, antidepressivos, hipnóticos e antipsicóticos - conforme relatou em entrevista e foi confirmado pelo pessoal de enfermagem do posto clínico. Apresentava um défice significativo nas áreas ocupacionais, relacionais e sociais.
À medida que se foi estabelecendo uma relação de confiança e um setting adequado, (entre o início de Agosto e a presente data, em consulta quinzenal) foi sendo avaliado o seu estado emocional assim como a sua estrutura de personalidade, quer através de provas específicas, quer mediante observação clínica do sujeito.
O Agente Principal I........ colaborou sempre em todas as sessões, mostrando-se educado e de trato afável.
O humor foi estabilizando, devido ao tratamento psicofarmacológico e foi possível, então, identificar as crises de depressão e de euforia já ocorridas, num quadro clínico compatível com uma doença bipolar. O acompanhamento psiquiátrico revelou-se fundamental para a evolução positiva do quadro psicopatológico.
(...)
Actualmente, o Agente Principal M........ encontra-se estabilizado clinicamente. Retomou, gradualmente, as actividades diárias, auxilia nas rotinas domésticas e o relacionamento familiar melhorou significativamente.
A medicação psicofarmacológica foi sendo reduzida e sente como prejudicial a inactividade prolongada a que tem estado submetido devido ao tratamento.
É também o nosso parecer que esta inactividade está, actualmente, a prejudicar a evolução positiva do quadro clínico. No entanto, no caso de retomar as funções profissionais, sugere-se que ocorra no mesmo contexto (messe geral da EPP, ou similar), exercendo funções que não exijam adaptação a situações novas, quer do ponto de vista funcional quer relacional. (...).
29. Em 30/4/2007 foram juntos ao processo disciplinar, além do mais:
- Cópia do ofício do departamento de saúde e assistência na doença da PSP, de 16/4/2007, dando conta ao director da EPP da concessão ao arguido, por decisão da junta superior de saúde homologada pelo Director Nacional, de 180 dias de licença para tratamento médico com inicio em 16 de Janeiro de 2007
- Novo relatório psicológico do Gabinete de Psicologia da Direcção nacional da PSP, relativamente ao aqui Autor, datado de 3/3/2006, cujo teor a fs. 139 e sgs do PA aqui se dá por reproduzido transcrevendo o seguinte:
(...)
MOTIVO DO RELATÓRIO
Exame Psicológico solicitado pelo médico do posto Clínico da Escola Prática de Polícia (cf. Doc. Em anexo).
(...)
Antecedentes clínicos
(...)
Em Março de 2004 iniciaram-se uma série de incidentes relacionados com graves disfunções cognitivas e comportamentais. Naquela data envolveu-se num episódio de agressão a terceiros, em maio e Junho de 2004 em furtos em estabelecimentos comerciais e, em Julho do mesmo ano, fez ameaças a colegas de serviço, em consequência de pensamentos persecutórios.
Manteve-se em baixa médica psiquiátrica de Julho de 2004 a Abril de 2005, data em que retomou a actividade profissional. Em 29/09/2005 compareceu a esta consulta para avaliação da evolução, apresentando remissão da sintomatologia e razoável integração socioprofissional.
Desde 2004 que é acompanhado pela Dra. F........, médica psiquiatra, sendo medicado com psicofármacos nas fases agudas da patologia e mantendo a medicação de manutenção nas fases de remissão dos sintomas.
Em Janeiro de 2006 sofreu nova crise, caracterizada por episódios semelhantes aos anteriores, embora de maior intensidade e envolvendo o contexto profissional (suposto furto de materiais das obras em curso na messe, de bens alimentares e de supostas tentativas de destruição das obras em curso nas instalações da EPP).
Tendo em consideração a agitação psicomotora em que se encontrava, foi solicitada nova avaliação psicológica.
Avaliação Psicológica
O Agente Principal I........ foi submetido a avaliação psicológica quer no gabinete de atendimento existente no Posto Clínico da EPP, quer no Gabinete de Psicologia da Direcção Nacional, sito em Belas, durante o mês de Fevereiro de 2006. Colaborou em todas as tarefas para as quais foi solicitado, tendo sido avaliado através de entrevista clínica, inventários de psicodiagnóstico e provas cognitivas informatizadas.
(...)
Quanto ao conteúdo do pensamento, a elevada auto-estima fá-lo sentir-se capaz de concretizar qualquer iniciativa, pleno de poderes e sem limitações, estando presente sintomatologia psicótica (mania). O tom paranóide do pensamento leva-o a considerar-se um ser especial e, por conseguinte, invejado e perseguido pelos seus "inimigos”. Avaliando a consistência entre os delírios e o estado de ânimo apresentado, verifica-se incongruência entre ambos, o que evidencia o carácter esquizoafectivo da patologia.
(...)
Pelo exposto, parece-nos estarmos perante um quadro compatível com uma perturbação esquizoafectiva de tipo bipolar, estando presentes episódios depressivos major e episódios mistos, em co-morbilidade com sintomas psicóticos (ideias delirantes persecutórias), afecto inadequado e humor disfórico. Consequentemente, o rendimento ocupacional encontra-se comprometido, assim como as áreas relacionais e de autonomia pessoal.
O acompanhamento psiquiátrico revela-se fundamental para uma evolução positiva deste quadro psicopatológico. (...)
(...)
Sugere-se a submissão imediata a Junta Superior de Saúde.
30. Em 17 de Agosto de 2006, convocado para o efeito, o Autor compareceu no Instituto Nacional de Medicina Legal em Coimbra, acompanhado por um colega, a fim de ser sujeito, como foi, a avaliação pericial médico-legal.
Cf. fs. 198 do P.A.
31. Em 1 de Agosto de 2007 foi emitido e assinado; e em 26 de Setembro seguinte foi junto ao processo disciplinar; o relatório da sobredita perícia, cujo teor aqui se dá por reproduzido, transcrevendo os seguintes segmentos:
(...)
II. Introdução e Informação
O examinado compareceu nesta Delegação de Coimbra do Instituto Nacional de Medicina Legal, no dia 17 de Agosto de 2006, onde foi avaliado sob o ponto de vista psiquiátrico.
A presente Perícia foi-nos solicitada pelo Director do Núcleo de Deontologia e Disciplina da Escola Prática de Polícia (Torres Novas), no âmbito do Processo Disciplinar n.º 2004EPP00022DIS, a fim de aferir da sua imputabilidade
Tanto quanto nos é dado perceber, pelas informações a que tivemos acesso, o examinado é agente principal da PSP pertencente à Secção de Alimentação das Área de Apoio Geral da Escola Prática de Polícia, e encontra-se indiciado (entre outras ocorrências que não mereceram queixa) pelo crime de danos, levado a cabo na cozinha da Messe Geral daquele Estabelecimento, reportando-se os factos ao dia 6 de Fevereiro de 2006, a horas não concretamente apuradas.
Em Atestado médico, por nós solicitado, que só nos foi remetido em 10 de Julho de 2007, a sua médica psiquiatra assistente refere que o examinado tem sido observado em consulta com regularidade, manifesta psicopatologia compatível com perturbação depressiva recorrente com sintomas psicóticos (F32.3 da CID 10) e provável perturbação da personalidade, inespecífica (F60.9 da CID 10).
Actualmente, tanto quanto diz, mantém seguimento psiquiátrico e efectua tratamento com recurso a um fármaco antipsicótico/neuroléptico de acção retardada (Risperdal Consta 37,5mg®, 1 injecção quinzenal), dois antidepressivos (Cipralex 20mg®, Iid e Efexor XR 75mg®, lid) e um antiparkinsónico (Akineton®, 2id).
Em complemento, para além de entrevistarmos um colega de Serviço, J........, que o acompanhava, o examinado viria a ser objecto, nesta Delegação, de uma Avaliação psicológica e a realizar um Electroencefalograma (EEG), de cujos resultados damos conta a seguir.
III. Exames Complementares
(...)
IV. Avaliação Clínica e Parecer Psiquiátrico- Forense
De acordo com a Avaliação clinico-psiquiátrica efectuada (numa perspectiva psiquiátrico-forense) e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, quer em termos de História Pregressa (incluindo os relativos à personalidade pré-mórbida), quer os apurados pelo Exame Mental propriamente dito, complementados pela Avaliação psicológica e pelo Electroencefalograma realizados, podemos afirmar que o examinado para além de ter evidenciado (num passado recente) sintomatologia da esfera afectiva/emocional (englobável na rubrica F33.4 - Perturbação depressiva recorrente, actualmente em remissão, da 10.a Revisão da Classificação Internacional das Doenças, da Organização Mundial de Saúde, CID-l0), não padece de Doença mental, nem de Transtorno da Personalidade, no sentido estrito e rigoroso dos conceitos.
Para os factos de que vem indiciado, que o examinado nega, com alguma revolta, resulta inequívoco que mantém (e manteria) conservada a capacidade de avaliar a licitude ou ilicitude dos seus actos e suas consequências.
E ainda que se admita, como se admite, que tenha evidenciado sintomatologia da esfera afectiva/emocional a merecer acompanhamento médico psiquiátrico de que, aliás, terá beneficiado, o facto é que, do ponto de vista clínico-psiquiátrico e psiquiátrico-forense, não se apuram razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir ou atenuar a sua eventual imputabilidade.
IV (?). Conclusões
1. O examinado, para além de ter evidenciado sintomatologia da esfera afectiva/emocional (F33.4 da CID-l0), não padece de doença mental, nem de Transtorno da Personalidade, no sentido estrito e rigoroso dos conceitos.
2. Do ponto de vista psiquiátrico-forense e para os factos de que vem indiciado (na eventualidade de os ter cometido), não se apuram razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir ou atenuar a sua imputabilidade.
32. Em 12 de Junho o instrutor então em funções emitiu a acusação cujo teor a fs. 217 a 219 do P.A. aqui se dá por reproduzido transcrevendo o essencial:
(...)
Em 15 de Março de 2004, fora de serviço, pelas 15H30, na Rua 1° de Dezembro, n° 98, no Entroncamento, agrediu com uma barra de alumínio, com cerca de 2 (dois), metros, o cidadão L........, melhor identificado nos autos.

Dos efeitos da agressão redundaram na vítima: hematomas nas costas; hematomas no braço esquerdo; hematomas na perna esquerda, e escoriações nas orelhas, estas, com necessidade do recurso a sutura.

Tais lesões traumáticas, foram imperativos de consequente tratamento hospitalar e, supervenientemente, de incapacidade de trabalho durante 15 (quinze), dias por parte da vítima, que,
4.°
Por estes factos apresentou queixa-crime, tempestivamente, na Esquadra da P.S.P. local, vindo, contudo, durante o inquérito a desistir do procedimento criminal.

Nas horas da sua folga, o arguido, nos dias: 9 de Maio de 2004, pelas 16H34, e 11 de Maio de 2004, pelas 09H34, entrou pela porta principal do hipermercado "Modelo", na cidade de Abrantes, e subtraiu vários artigos, concretamente: um livro denominado "Eu aprendo Matemática", 9°. Ano - € 19,99; 1 Monitor IS" LCD - € 379,00; 1 Soft tradutor Port/Ing.Ing/Port - € 43,99; 1 Mala para port. Audio 17" - € 24,90; Drive LG super Multi CSA 40818 - € 124,90, perfazendo o valor total de € 592,78, (quinhentos e noventa e dois euros e setenta e oito cêntimos).

Uma vez na posse destes artigos, saiu pelo armazém do Modelo, e entrou na loja "M........", e dali saiu para o exterior, pela porta de serviço, sem ter pago os mesmos.

Apresentada queixa, em 18-05-2004, na PSP de Abrantes, veio a ser retirada, no MP, por o Arguido, haver efectuado o pagamento da referida importância. NUIPC I 77/04.6PAABT.

No dia 13 de Maio de 2004, entre as 11HOO e as 12HOO, no Supermercado "Lidl", na cidade do Entroncamento: subtraiu uma lixadeira, de marca "Porkside", modelo KH 3115, no valor de 59,00 Euros, colocou-a dentro de um saco de nylon, de cor verde, no carro de compras e transpôs a linha de caixas, sem efectuar o seu pagamento, tentando, assim, iludir os responsáveis por aqueles serviços.

Chamada a PSP local, o Arguido, veio a efectivar o pagamento da referida importância, depois de autorizado pelo responsável do supermercado, Sr. N........, que uma vez ressarcido prescindiu do direito de queixa.
10°
No dia 2 de Julho de 2004, pelo telefone, ameaçou o seu camarada, P......., melhor identificado nos autos, proferindo em tom ameaçador, as seguintes expressões: "Olha pá, quem és tu para te meteres na minha vida?"; "Vê lá se queres começar a ter problemas"; "Estou doente, mas ainda tenho lucidez e forças para te dar dois pares de chapadas nessa cara de criança"; "Ao ler na tua cabeça, vejo os pensamentos perversos"; "Não manches o meu nome em lado nenhum"; "Se és homem ou educado, fala cara a cara com esta migalha de gente, pois de outro modo vais sentir-te arrependido"; "As crianças é que resolvem as coisas desta forma"; "Tenho dois filhos pequenos e sei como é"; "Não te quero mal, mas quando estiver melhor, tiro a limpo a mancha do meu nome"; "Podia ir à EPP, mas não mereces o meu sofrimento", as quais lhe causaram inquietação.
11°
As condutas do arguido indiciam a violação dos deveres de Correcção, previsto no art.° 13°, n°s 1 e 2 al. d) e de Aprumo, previsto no art° 16°, nºs 1 e 2 al. f), do RD/PSP;
12°
O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar, previstas no art° 51 ° do RD/PSP.
Tem como atenuantes as previstas: nas alíneas b), e), g) e h) do n° 1 do art° 52°, e no n° 2 do mesmo artigo do RD/PSP.
Contra o arguido militam as circunstâncias agravantes constantes: nas alíneas d), t) e i), do art° 53°, do RD/PSP.
13°
Às infracções cometidas pelo arguido, que indiciam a prática de factos que inviabilizam a manutenção da relação funcional, é correspondente as penas disciplinares de aposentação compulsiva ou de demissão, previstas nos artigos 25°, nº 1, alíneas t) e g), art° 43°, e art° 47°, n° 1, todos do RDPSP.
33. Notificado, o Autor apresentou, mediante advogado, a defesa escrita cujo teor a fs. 223 e sgs dos autos aqui se dá por reproduzido, transcrevendo o seguinte excerto:
INIMPUTABILIDADE DO ARGUIDO
20°
O arguido, no momento da prática dos factos, tinha uma Perturbação Depressiva Major Recorrente Grave Com Sintomas Psicóticos (F33.3I.C.D.10) com Perturbação Estado-Limite de Personalidade (F60.31 LC.10).
21°
Pelo que, há prática dos factos (sic), o arguido era absolutamente inimputável.
22°
Este facto é atestado pela Médica Psiquiatra, Dr. F........, que acompanhava o arguido à data da eventual prática dos factos.
23°
Junta-se, assim, aos autos, o Relatório Médico da Insigne Médica Psiquiatra que, neste articulado, se reproduz na integra, para todos os legais efeitos.
24°
Assim sendo, o arguido não pode alegar que são falsos os factos narrados na douta acusação uma vez que à data dos mesmos era inimputável.
25°
Nem o arguido se pode recordar se praticou tais factos.
26°
Pelo que deve o arguido ser considerado inimputável à luz destes factos e à data da sua ocorrência.
(...)
Termos em que o presente processo disciplinar deve ser arquivado.
Prova
Subintendente J........, residente na Rua……………….., ………. - Entroncamento;
Chefe J........, com domicílio profissional na Escola Prática de polícia de Torres Novas;
S........, residente na Urbanização………………,6110 Vila de Rei (sua esposa)
Ag. Principal n° 292/127939 M........, com domicílio profissional na Escola Prática de Polícia de Torres Novas;
Ag. Principal n° 3711140184 J........; com domicílio profissional na Escola Prática de Polícia de Torres Novas;
Drª F........, Médica Psiquiatra, com domicílio profissional na Praça……………., nº 2, 2°, ……….Lisboa;
Drª S........, Psicóloga Clinica, com domicílio profissional, na Av…………., Loja 2, ……….Lisboa.
Ag. Principal P........, com domicílio profissional na Escola Prática de Polícia de Torres Novas.
No início das inquirições o arguido indicará a matéria a que as testemunhas irão responder.
Junta: Relatório Médico, procuração e duplicados legais;
34. Juntamente com a defesa o Autor fez juntar ao processo disciplinar o relatório médico da especialidade de psiquiatria subscrito pela já referida Drª F........, cujo teor aqui se dá por reproduzido, transcrevendo apenas o segmento final:
CONCLUSÃO:
Trata-se de uma Perturbação Depressiva Major Recorrente Grave com Sintomas Psicóticos (F33.3 I.C.D.IO) em doente com provável Perturbação Estado-Limite da Personalidade (F60.31 I.e.IO). Esta patologia interfere com as suas actividades da vida quotidiana, com as suas relações interpessoais e sócio familiares.
Pelo exposto e do conhecimento que fui tendo ao longo deste tempo acerca do doente, declaro para os devidos efeitos, que há (sic) prática dos actos, pela psicopatologia que apresentava (surto psicótico breve), M........ não tinha vontade esclarecida, não tinha intenção, nem consciência do acto. Era totalmente irresponsável pelos actos que praticou, pelo que lhe deve ser considerada inimputabilidade absoluta.
Por ser verdade e me ter sido pedido, passo o presente relatório que dato e assino.
35. No dia 23/7/2008 o Instrutor procedeu à inquirição da esposa do aqui Autor, sobre a matéria da defesa, na presença do mandatário deste, lavrando o auto cujo teor s fs. 239 do P.A. aqui se dá por reproduzido.
36. Quanto ao mais que fora requerido na defesa do ali arguido, o instrutor proferiu, em 5 de Setembro de 2008, despacho recusando a sua realização, cujo teor a fs. 244 e 245 do P.A. se transcreve:
“Nos termos do artigo 84° do RD/PSP, recuso as diligências probatórias requeridas pelo arguido na sua defesa escrita, parte integrante dos autos a fls. 224 a fls. 228, por as reputar manifestamente dilatórias, e ainda, concomitantemente, considerar suficientemente provados os factos alegados na acusação.
A devida fundamentação vem vertida nos articulados que se seguem.
1- DA QUESTÃO PRÉVIA:
À priori, urge apreciar se a defesa elaborada pelo arguido, foi efectuada em observância aos requisitos do preceituado no artigo 83° do RD/PSP, que, cite-se:
"A defesa do arguido constitui a resposta, tal qual deverá ser requerida toda a prova, designadamente a testemunhal, com indicação dos factos sobre os quais cada testemunha deve depor".
Ora, sucede, porém, que na sua defesa escrita, a fls. supracitadas, o arguido:
1- Arrola oito testemunhas para serem ouvidas, sem indicar os factos sobre os quais cada uma delas deveria depor, referindo apenas, cite-se:
"No início das inquirições o arguido indicará a matéria a que as testemunhas irão responder"
2 - Requer que seja ele próprio, ouvido a toda a matéria na defesa escrita, (quando já foi ouvido, como adiante e oportunamente se verá).
Argumentação, esta, pelo arguido apresentada, que claudica, não só face a princípios gerais de direito administrativo, bem como é, de imediato oponível, não só à letra, mas também, ao espírito do artigo 83° do RD/PSP, retro transcrito.
Este arrepio à norma jurídica aplicável, por si só, já era bastante para legitimar a presente recusa, mas outros esteios existem.
Em concreto:
II- A RAZÃO MANIFESTAMENTE DILATÓRIA
A defesa em concreto nada propõe de inovador ou de interesse para o apuramento da verdade material. Apenas se limitou de forma abstracta, e desprovida de qualquer objectividade, a solicitar diligências, (inquirição de testemunhas). Mas, e ainda como se não bastasse, em inobservância aos requisitos e imperativos legais aplicáveis.
Ainda, e como mais uma âncora argumentativa do meu despacho, importa apreciar a já existente,
III- SUFICIÊNCIA DA PROVA DOS FACTOS
Basta para uma acusação a existência de indícios suficientes.
Mas, e, como se não bastasse, no caso em apreço a realidade é bem outra, e bastante mais próxima da verdade material.
Realidade esta, que já está espelhada nas provas documentais e testemunhais, carreadas para o processo, e apesar disso, o arguido, quando foi chamado aos autos para depor, confessou todos factos.
Ora, assim sendo, como é bom de ver, os factos estão suficientemente provados!
IV - DA RAZÃO EXCEPCIONAL
Excepcionalmente, foi ouvida a testemunha S........, porque enquanto esposa do arguido e com ele a viver maritalmente, eventualmente poderia trazer algo de novo, no que concerne à sua personalidade, o que não aconteceu.
37. Notificado, o Autor reclamou nos termos constantes a fs. 248 e sgs do P.A, para o Director da EPP.
38. Por despacho de 2 de Outubro seguinte o Director da EPP indeferiu a reclamação, remetendo, sem mais, para os fundamentos do despacho reclamado.
Cf. fs. 254 do PA.
39. Em 10 de Outubro de 2008 o Instrutor emitiu o relatório final cujo teor, de fs. 258 a 66 do P.A. aqui de dá por reproduzido, transcrevendo o que se reputa essencial:
3-DOS FACTOS IMPUTADOS
Da leitura e compulsão dos autos apurou-se que:
3.1 - Em 15MAR2004, pelas 15H30, na Rua 1° de Dezembro, n°. 98, no Entroncamento, agrediu com urna barra de alumínio, com cerca de 2 metros, L........, causando-lhe hematomas nas costas, braço e perna esquerda, e escoriações nas orelhas. Recebeu tratamento hospitalar, sendo suturado em várias partes das orelhas. O ofendido apresentou queixa na PSP.
Este facto foi praticado pelo Arguido, fora do exercício das suas funções profissionais.
3.2 - Nos dias 9 e 11 de Maio de 2004, no Hipermercado "Modelo", na cidade de Abrantes, entrou pela porta principal, subtraiu os seguintes artigos: 1 exemplar de "Eu aprendo Matemática", 9°. Ano - € 19,99; 1 Monitor 15" Lcd - € 379,00; 1 Soft tradutor Port/Ing.Ing/Port - € 43,99; 1 Mala para port. Audio 17'' - € 24,90; Drive LG super Multi CSA 40818 -€ 124,90, no total de€ 592,.78, saiu pelo armazém, entrando na loja "M........" e saiu para o exterior, pela porta de serviço.
Apresentada queixa, em 18-05-2004, na PSP de Abrantes, veio a ser retirada, no MP, por o Arguido, haver efectuado o pagamento da referida importância. NUIPC 177/04.6PAABT.
3.3 - No dia 13 de Maio de 2004, no Supermercado "Lidl", na cidade do Entroncamento, subtraiu uma lixadora, de marca "Porkside", modelo KH 3115, no valor de 59,00 Euros, colocou-a dentro de um saco de nylon, de cor verde, no carro de compras e transpôs a linha de caixas, sem efectuar o seu pagamento, tentando, assim, iludir os responsáveis por aqueles serviços. Chamada a PSP local, o Arguido, veio a efectivar o pagamento da referida importância, depois de autorizado pelo responsável do supermercado, Sr. N.........
Não foi apresentada queixa, pelo responsável do "Lidl".
3.4 - No dia 2 de Julho de 2004, pelo telefone, ameaçou o seu camarada, P........, melhor identificado nos autos, proferindo em tom ameaçador, as seguintes expressões: "Olha pá, quem és tu para te meteres na minha vida?"; "Vê lá se queres começar a ter problemas"; "Estou doente, mas ainda tenho lucidez e forças para te dar dois pares de chapadas nessa cara de criança"; "Ao ler na tua cabeça, vejo os pensamentos perversos"; "Não manches o meu nome em lado nenhum"; "Se és homem ou educado, fala cara a cara com esta migalha de gente, pois de outro modo vais sentir-te arrependido"; "As crianças é que resolvem as coisas desta forma"; "Tenho dois filhos pequenos e sei como é"; "Não te quero mal, mas quando estiver melhor, tiro a limpo a mancha do meu nome"; "Podia ir à EPP, mas não mereces o meu sofrimento", as quais lhe causaram inquietação.
4- DAPROVA
4.1 - PROVA DOCUMENTAL
a) -Auto de Denúncia, NUIPC74/04.5PAENT, datado de 15MAR2004 fls. 5.
b) - Participação de I3MAl2004, da P.S.P. de Entroncamento, fls.22.
c) - Participação de 09JUN2004, da P.S.P. de Abrantes fls.42.
d) - Participação, de 08JUL2004, do agente principal F........, da E.P.P. fls. 51 e 51v.
e) -Auto de Denúncia, NUIPC 77/04.6P AABT, datado de 18MAI2004, fls. 95) -Despacho Judicial do Tribunal de Abrantes, datado de 150UT2004 fls. 120 e 120v.
g) - Despacho Judicial do Tribunal do Entroncamento, de 03NOV2004, fls. 125 e 126.
h) - Informação sobre a conduta profissional e moral do arguido, elaborada pelo C--seu superior hierárquico de que depende, fls. 37.
i) - Nota de Assentos do arguido, fls. 8 a fls.12, e fls. 207 a fls. 212.
4.2 - PROVA PERICIAL
Perícia Psiquiátrica Médico-legal, realizada em Coimbra, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, fls. 199 a 203, que conclui, em transcrição "ipsis verbis":
...não se apuram razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir ou atenuar a sua imputabilidade.
4.3 - PROVA TESTEMUNHAL
Seguidamente, apresenta-se, o que resumidamente as testemunhas carrearam, de forma relevante para o processo, e, assim sendo:
a) -A fls. 24, foi ouvida a testemunha J........, que: confirma a sua participação de 13MAl2004; relata que aquando da sua chegada ao escritório do "LIDL", no Entroncamento, constatou a presença conjunta do arguido e do Senhor N........, funcionário do estabelecimento comercial em causa, estando ali, também, a lixadeira a que reportam os autos; Que o Sr. N........, lhe disse que o arguido, havia retirado a lixadeira da caixa, pondo-a num saco em nylon, e colocado a caixa no expositor; Que o arguido tinha pago outros produtos que tinha adquirido, mas não a aludida ferramenta;
b) - A fls. 25, o ofendido L........, declara que: Em 15MAR2004, pelas 16HOO, na sua oficina, sita na Rua ................, no Entroncamento, o arguido, compareceu ali por lhe ter encomendado uma obra; Que, após um breve "confronto" verbal, o arguido abandonou o local; Que, cerca de meia hora, mais tarde, o arguido voltou ao local, acompanhado da testemunha M........, para esclarecer uma questão relacionada com o destino e paradeiro de uma porção de "esferovite", questão esta que tinha sido a origem do desentendimento, momentos antes, entre ambos travado; Que, após estes factos, o arguido, agrediu o ofendido, com uma barra de alumínio, em várias partes do corpo; Que por estes factos, foi socorrido nos hospitais do Entroncamento e de Torres Novas, e que esteve impossibilitado de exercer a sua actividade durante quinze dias;
e) - A fls. 34, a testemunha, A........, agente principal, da P.S.P., corrobora as declarações da testemunha, J........, também, agente principal da P.S.P.
d) - A fls. 38 e fls. 39, a testemunha, N........, responde aos autos, confirmando na íntegra a versão da testemunha, J........, relatada na alínea a), do presente articulado.
e) - A fls. 62, a testemunha M........, confirma as declarações das testemunhas N........ e J.........
A fls. 64, a testemunha J........, confirma o depoimento das testemunhas: M........; J........; N........; e A........
g) - A fls. 77, a testemunha M…………, nada declara em desabono do arguido, nem a favor, que possa para o processo ter interesse.
h) - De referir, que quando chamado aos autos, a fls. 13, 52, 69e118 o arguido confessou sempre os factos que lhe eram imputados.
i) - A fls. 97, a testemunha, L........, agente principal da PSP de Abrantes, declara que no início de Junho de 2004, deslocou-se, em serviço, ao "Modelo", na companhia do seu camarada, M........, e que um vez ali, tiveram conhecimento, por parte
dos seguranças, que o arguido tinha praticado ali furtos.
j) - A fls. 98, a testemunha M........, melhor identificado nos autos, confirma o depoimento da testemunha L.........
k) - A fls. 99 e 100, os seguranças do modelo, testemunhas, F........ e V........, confirmam os furtos praticados pelo arguido.
l) - A queixosa, H........, a fls. 101, declara que retirou a queixa apresentada na PSP, porque o arguido, reconheceu a prática dos factos, e já pagou o valor dos produtos furtados. 592, 72 €, (quinhentos e noventa e dois euros e setenta e dois cêntimos.
m) - A fls. 102, a testemunha, F........, confirma o teor da sua participação, de 08JUL2008, contra o arguido.
n) - Chamado aos autos a fls. 13, a fls. 52, a fls. 68 e a fls. 118, o arguido confessou a prática dos factos que lhe eram imputados.

5 - DA ACUSAÇÃO
Na sequência da realidade vertida nos articulados antecedentes, e após avisada compulsão de toda a matéria a que os autos se reportam, admitiu-se como provado que o arguido praticou os factos que lhe eram imputados e, consequentemente, foi-lhe deduzida a acusação fls. 218 a 220, da qual foi notificado em 30JUN2008.

6 - DA DEFESA
6.1 - Da referida acusação, veio o arguido, devidamente representado por ilustre defensor, tempestivamente, apresentar douta defesa escrita, em documento composto de nove páginas, inseridas no presente processo, a fls. 224 a fls. 232, contestando, assim, e, a sua maneira, o teor da acusação proferida pelo instrutor do processo.
6.2 - Resumindo, o que de importante, do apresentado pela defesa, releva, para a devida e merecida dilucidação dos autos, apresenta-se o seguinte:
(...)
7 - DA APRECIAÇÃO DA DEFESA
7.1 - Muito embora, "a quo", e "in loco", da leitura do primeiro articulado apresentado pela defesa, se possa afirmar com segurança que, - "não tem nada a ver com a acusação!" -, procede-se aqui e ainda, à transcrição do artigo 70° do RD/P.S.P., que no seu número um, reza e versa:
"O processo inicia-se com o recebimento de auto de notícia, queixa, participação, requerimento ou despacho. "
Que como se pode confirmar, com breve e singela consulta dos autos a fls.2, do presente processo disciplinar, foi, o que foi feito, e bem.
Jamais, se poderia iniciar um processo, com uma acusação ao arguido sem este ter culpa formada, pois há princípios com dignidade constitucional, processuais e doutrinários, a cumprir.
Em boa verdade, o presente processo iniciou-se e decorreu em estrita observância da Constituição da Republica Portuguesa, garantindo-se sempre todos os direitos fundamentais do arguido; das normas jurídicas legais, mediata e imediatamente aplicáveis; dos Princípios gerais de Direito, e não com a violação destes postulados, através de um início despoletado por uma nota de culpa, como a defesa entende que deveria ter iniciado, ao arrepio dos valores e princípios jurídicos de um Estado de Direito.
Assim sendo, "DE JURE", não se pode aceitar a razão invocada pela defesa, para, para além de ofender as normas jurídicas directamente aplicáveis, (RD/PSP e Código Penal), como se não bastasse, vai contender, ainda, com todos os princípios gerais de direito, verdadeiros imperativos na presente situação.
Em boa verdade e razão, jamais, a Lei, enquanto fonte imediata de direito, poderá ser deposta por uma fonte mediata, doutrina, quer seja, "in casu", a do ilustre causídico defensor do arguido, ou outra, que eventualmente surja.
7.2 - Não assiste razão à defesa quando nos seus articulados: segundo; terceiro; quarto; e quinto, afirma, que o presente processo disciplinar já prescreveu pelo tempo, isto porque, da elementar sensatez e basilar consulta dos autos, constata-se que o arguido:
a) - Praticou acções: típicas; ilícitas; culposas; e puníveis; à luz do Direito Penal, numa palavra, - CRIMES -, pelo que temos que aplicar as regras da lei penal, por remissão expressa do artigo 55°, n° 2 do RD/PSP.
Assim sendo, e porque todos os crimes praticados pelo arguido têm limite máximo igual ou superior a um ano, "o procedimento processual penal e disciplinar, só prescreve passados cinco anos decorridos sobre a sua prática",
Como, estipula e ensina, uma leitura ao artigo 118°, n° 1, al. c), do Código Penal, que é de obrigatória conjugação, com a última parte do n°2, do art° 55°, do RD/P.S.P., só no ano de 2009, é que o procedimento disciplinar prescrevia.
Ora, se a acusação foi proferida no corrente ano de 2008, ainda foi muito a tempo, ao contrário, do que é alegado pela defesa. Concluindo e resumindo, em singular frase, o processo não prescreveu pelo tempo.
7.3 - Nos artigos sexto a décimo primeiro, inclusive, fls.225, a defesa escrita refere que a acusação é omissa em relação à tipificação do elemento subjectivo, sendo por isso mesmo nula, e por consequência, conduz à nulidade do processo disciplinar no seu todo.
Sucede porém, que esta doutrina, ainda que douta, mas, "contra legem", não pode ter aplicabilidade na presente situação, porque, a acusação, como se pode ver a fls. 218, a fls. 219, e fls.220, em tudo observou o preceituado no art° 89°, da Lei n°7/90, de 20 de Fevereiro, (RD/PSP), que, por excelência, prevalece.
7.4 - No que respeita aos articulados décimo segundo e seguintes, até ao décimo nono, fls. 225 e fls. 226, cujo alcance a defesa resumiu no seu articulado décimo oitavo, e que se passa a transcrever:
(...)
a) - Sobre o arguido impera a sujeição ao poder disciplinar, a que reporta o art° 35° do RD/PSP.
b) - "O procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal", (art° 37° do RD/PSP).
c) - Existe, manifesta confusão por parte da defesa, quando, da redacção dos seus articulados: décimo terceiro, décimo quarto e décimo quinto, verte a ideia que, a entidade patronal, expressão que adoptou para designar a Polícia de Segurança Pública, está a julgar os crimes, que o arguido praticou, quando, na verdade, o que se está apurar são ilícitos disciplinares.
d) - Sendo a realidade bem diferente, seria conveniente, para a boa compreensão da matéria em apreço, que a defesa tivesse tido em conta, que, estamos em sede de Direito Disciplinar, e não em sede de Direito Penal.
e) - A prova eloquente, do afirmado no parágrafo antecedente, assenta, no facto da direcção do presente processo estar a cargo, de um órgão da administração pública, que é autoridade de policia criminal, "in casu", oficial da Polícia de Segurança Pública, com o posto de subcomissário, e não, de um magistrado judicial do Ministério Público, o que imperativa e forçosamente, teria de suceder, se em sede processo crime, estivéssemos.
E, precisamente, porque estamos em sede de Direito Disciplinar, o procedimento processual, é oficioso, de carácter público, não carecendo assim, de qualquer queixa por parte de eventuais ofendidos.
g) - Esta razão, é completamente antagónica à apresentada pela defesa, que no seu entender, em manifesta confusão dos distintos regimes processuais, mas, em douto doutrinário entendimento, entende, que se deveria aplicar, ao presente processo disciplinar, regime idêntico, ao do regime processual, nos crimes de natureza semipública.
h) - Além disso, é por demais consabido, que num processo disciplinar, basta existir uma imputação, da prática de factos censuráveis por este ramo de direito, e o seu autor ser conhecido, para, que, oficiosamente a administração pública, possa com legitimidade: desencadear; promover; e autonomamente, dirigir o processo, como foi o caso.
Assim sendo, uma vez mais, no presente processo, é entendimento que não se pode dar razão à
defesa,
7. 5 - Por todas as retromencionadas considerações, não se mostra, pois, o processo ferido de nulidades, devendo considerar-se: subsistente a acusação deduzida ao arguido, fundamentada em colheita aos autos.
7.6 - Assim sendo, a posição do instrutor nunca poderia ter sido diversa da que tomou, - acusar o arguido -, uma vez que, razões não existem para poder praticar a única e oposta conduta, - diligenciar no sentido do arquivamento do processo -.
7.7 - O arguido requereu, em 16JUL2008, como diligências de defesa a inquirição de oito testemunhas, fls. 224, a fls. 228.
7.8 - Em 23JUL2008, foi ouvida a testemunha, S........, fls. 240 e 241, que para o processo nada de carreou, a não ser, confirmar, ou melhor, mostrar a sua concordância com os articulados elaborados pelo ilustre mandatário do arguido, na resposta à acusação por ele lavrada.
7.9 - Em 05SET2008, o Instrutor do Processo, fls.245 e fls. 246, decidiu não realizar as restantes diligências pela defesa solicitadas, inquirição das testemunhas indicadas a fls. 228, e que ainda não tinham sido auscultadas, por entender que para além de ser expediente manifestamente dilatório, concomitantemente, considerou que os factos alegados pelo arguido, estavam já suficientemente provados.
7.10 -Foi entendido, que não era o depoimento de uma testemunha, pelo arguido arrolada, ouvida a fls.240, e que é esposa deste, com fiabilidade, poderia ser suficiente, para contrariar o exame pericial e de ciência, que no âmbito das suas "legis artis'' a fls. 199 a fls.203, o Instituto Superior de Medicina Legal, douta e cientificamente, reproduziu a escrito.
Em 020UT2008, a inconformada defesa, a fls. 249, dos autos, recorreu para o Exm° Director da Escola Prática de Policia, que não deu provimento ao recurso, fls. 255, mantendo assim, o despacho do Instrutor do Processo.

8- DO REGISTO CRIMINAL/COMPORTAMENT AL
O arguido tem cerca de 19 anos de serviço. É possuidor do 11°. Ano de Escolaridade.
Tem averbado: 2 elogios, do Exm° Director da EPP e medalha de assiduidade, 1 estrela. Encontra-se na classe de comportamento exemplar.
Goza de boa informação do superior hierárquico de que depende, fls. 37

9- CONCLUSÕES
9.1 - Foram tidas em conta todas as declarações do arguido, aquando do seu chamamento aos autos para depor, declarações estas, cotejadas, com todas as provas produzidas, e em tempo, já no presente relatório apresentadas.
9.2- Dever-se-ão considerar como provados os factos constantes da acusação deduzida ao arguido, isto porque, durante a instrução, foram recolhidas provas que, para além de serem suficientemente indiciadoras, são demonstrativas, de que o arguido praticou os factos consubstanciados nos ilícitos dos quais foi acusado.
9.3- A defesa apresentada pelo arguido não foi de molde a abalar minimamente os fundamentos da acusação deduzida;
9.4 - Não há circunstâncias dirimentes da responsabilidade a considerar
9.5- A título de atenuantes são de considerar as circunstâncias previstas nas alíneas b), e), g), e h), do artigo 52°, n° l do RD/P.S.P.
9.6- Como agravante milita contra si a circunstância constante das alíneas d), f e i) do artigo 53° do RD/PSP.
9. 7- O arguido com a sua conduta violou o dever de Correcção, previsto no 13°, n° l e 2 al. d) e de Aprumo, previsto no artigo 16°, n°s 1 e 2, al. f), do RD/PSP
9.8- Às infracções cometidas, pelo agente principal M........, indiciadoras da prática de factos que inviabilizam a manutenção da relação funcional, é correspondente (SIC) as penas disciplinares de aposentação compulsiva ou de demissão, previstas nos artigos 25° n° 1, ala f) e g), art° 43° e artigo 47° n°, 1 todos do RD/PSP, aprovados pela Lei 7/90 de 20 de Fevereiro.
10 - PROPOSTA
Assim, face ás conclusões, e porque se trata de uma pena EXPULSIVA, nos termos do art° 47° n°. 1, conjugado com o art° 25°, ambos do RD/PSP, submete-se o assunto à superior apreciação de V. Exª, com a proposta para, mostrando-se com as mesmas concordante, o presente processo ser remetido ã DN/P.S.P, para apreciação e discissão.
À superior apreciação de V. Exa.

40. Em 10 seguinte o Senhor Director da EPP emitiu despacho de concordância com o relatório final.
Fs. 267 do P.A.
41. Em reunião de 28 de Julho de 2009 o Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP deliberou por unanimidade emitir parecer no sentido da aplicação, ao Autor, da pena expulsiva de aposentação compulsiva.
Fs. 268 a 270 do P.A.
42. Remetido, em 31/7/2008, à apreciação de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Interna com a proposta de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva, o processo disciplinar foi, submetido, ainda, à apreciação da direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso do Ministério, onde em 31 de Agosto foi emitido o parecer cujo teor a fs. 275 do PA aqui se dá por reproduzido, transcrevendo o seguinte:
(...)
9. Tempestivamente, foi apresentada defesa, por parte do arguido, na qual apresenta um relatório médico e requer a audição de oito testemunhas.
Foi inquirida uma das testemunhas apresentadas, a título excepcional, e através de despacho devidamente fundamentado, de fls. 245 a 246, foram recusadas as restantes diligências que se consubstanciavam na inquirição das testemunhas apresentadas, porquanto considerou o Senhor Instrutor que "a defesa em concreto nada propõe de inovador ou de interesse para o apuramento da verdade material. Apenas se limitou de forma abstracta, e desprovida de qualquer objectividade, a solicitar diligências, (inquirição de testemunhas). (...) O arguido, quando foi chamado aos autos para depor, confessou todos os factos. "
Do referido despacho foi apresentado recurso, ao qual foi negado provimento, conforme fls.255.
10. Do exposto resulta, com clareza, qual o iter cognoscitivo que culminou na decisão tomada (indeferimento das diligências), sendo que face às provas apresentadas (ainda que contraditórias) a verdade é que tal decisão enforma na perícia médico-legal perpetrada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, instituição de referência a nível nacional no âmbito das suas atribuições.
11. Pelo que, compulsados os autos, verifica-se terem sido asseguradas, em toda a plenitude, as garantias quer de audiência, quer de defesa do arguido, pelo que o referido procedimento não se encontra ferido de nenhuma nulidade insuprível, nem de qualquer outra irregularidade formal, nos termos do artigo 86° do RD/PSP.
12. (...)
Contudo, compulsados os autos, não se verifica como provado o que " (.) em 15 de Março de 2004, fora do serviço, pelas 15H3 O, na Rua 1 ° de Dezembro, n° 98, no Entroncamento, agrediu com uma barra de alumínio, com cerca de 2 (dois) metros, o cidadão L........, ( melhor identificado nos autos", pelo que tal facto não deverá ser levado em linha de conta para aplicação da pena. "
Não obstante, os factos provados consubstanciam a prática de infracção disciplinar, tal como vem definida no artigo 4° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública.
ln casu os factos provados consubstanciam a prática de infracção disciplinar, uma vez que com as condutas adoptadas o arguido infringiu:
a) O Dever de Aprumo, previsto no artigo 16, n°s 1 e 2, alínea f); do RDPSP.
13. Não se verifica qualquer circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, porquanto o comportamento do Agente não se subsume a nenhuma das alíneas do artigo 51° do Regulamento Disciplinar da PSP.
14. Verificam-se as circunstâncias atenuantes e agravantes constantes da I acusação, ambas consideradas para efeitos de aplicação da pena disciplinar.
15. Atendendo ao disposto no artigo 43° do RD/PSP, a pena de aposentação compulsiva, prevista no artigo 47°, n°1 e n° 2 alínea g), do RD/PSP, aprovado pela Lei 7/90, de 20 de Fevereiro, é adequada à gravidade da infracção disciplinar cometida, porquanto o Agente da PSP se encontra inserido numa estrutura onde o cumprimento das regras estabelecidas assume particular relevância.
Porquanto ao Agente da PSP compete prevenir a criminalidade e a, prática dos demais actos contrários à lei, tanto mais, que é a parte visível da corporação que integra, tendo, por isso, o dever de reforçar na comunidade civil a confiança na acção desenvolvida pela referida corporação.
Não podendo, o Agente, agir de modo contrário à lei, sob pena de uma total descredibilização das forças de segurança.
15. Considerando o exposto, a qualificação jurídica dos factos apurados no processo disciplinar, não é merecedora de qualquer censura; porquanto se encontram preenchidos quer o elemento objectivo, uma vez que preenche o normativo previsto na alínea g) do n° 2 do artigo 47° do RD/PSP, quer o elemento subjectivo - CULPA - compulsados os autos verifica-se que o arguido estava na posse das suas faculdades quando praticou as infracções pelas quais vem acusado, veja-se a este respeito a conclusão da perícia psiquiátrica médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal - Delegação de Coimbra, onde se conclui "... O examinado (...) não padece de Doença Mental, nem de Transtorno da Personalidade, no sentido estrito e rigoroso dos conceitos. (...)Do ponto de vista psiquiátrico-forense e para os factos de que vem indiciado (na eventualidade de os ter cometido), não se apuram razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir ou atenuar a sua imputabilidade. "
Desta forma, porque o arguido protagonizou uma conduta caracterizada por uma manifesta falta de rigor e zelo profissional, fazendo perigar a confiança que o exercício da sua função exige, encontra-se inviabilizada a manutenção da relação funcional.
Pelo que formulam-se as seguintes CONCLUSÕES:
A) O processo disciplinar em que é arguido M........ não padece de qualquer nulidade ou irregularidade formal, tendo-lhe sido assegurado o direito de audiência e defesa;
B) As infracções disciplinares constantes no libelo acusatório estão provadas no processo disciplinar (prova: a dos autos).
C) A conduta do arguido é inviabilizadora da manutenção da relação funcional;
TERMOS EM QUE:
Concordando Vossa Excelência com o exposto e com a pronúncia da Autoridade recorrida, poderá, ao abrigo do Despacho n° 4765/2008, de 01 de Fevereiro, publicado no DR N° 38, li Série, de 22 de Fevereiro:
- Aplicar, ao Agente Principal, M/137941, M........, a pena disciplinar de aposentação compulsiva.
(...)
43. Presente todo o processo (inclusive o sobredito parecer) a Sua Exa o Secretário de Estado da Administração Interna, este emitiu, em 3/9/2009, o seguinte despacho:
“Concordo com o parecer da Direcção de Serviços de Assuntos Jurídicos e de Contencioso que se pronuncia sobre a proposta formulada pelo Senhor Director Nacional da PSP.
Dada a gravidade das infracções cometidas pelo Agente Principal M................, dadas como provadas em processo disciplinar, considero inviável a manutenção da sua relação funcional com a PSP e aplico ao arguido, em consequência, a pena disciplinar de aposentação compulsiva.
À PSP para notificar o arguido.”
*

II.2 De Direito


Entendeu a decisão recorrida que deveria proceder a invocada nulidade da decisão punitiva por violação do direito de defesa do arguido, tendo julgado improcedente o vício de violação dos princípios ne bis in idem e da separação de poderes.
Conforme o delimitado em I.1, o presente dissídio reside em aferir se a decisão recorrida errou na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, inexistindo qualquer nulidade por omissão de produção de prova requerida pelo Autor / Recorrido em resposta à acusação.
A sentença recorrida teve, na parte em que importa, o seguinte discurso fundamentador:
“(…) Pelo despacho transcrito supra sob 36 da matéria de facto, o instrutor decidiu recusar todas as diligências requeridas pelo arguido no articulado de defesa, exceptuando a inquirição da esposa, dolência de que, aliás, lavrou o auto “minimalista”, que se pode ler a fs. 239 do P.A.

Como fundamento de tão radical decisão, o instrutor invocou, além de, conclusivamente, a natureza meramente dilatória das diligências pedidas, a desnecessidade das mesmas, por os factos imputados ao arguido já estarem sobejamente provados, inclusive confessados, e a perícia médico-legal ter sido concludente no sentido da imputabilidade do mesmo arguido.

No dizer do despacho, se bem o entendemos, a sobredita prova dos factos imputados ao arguido seria suficiente para a recusa das diligências de prova pedidas por este na sua defesa, nos termos do artigo 84º nº 1 do EDPSP.
Porém, é de todo diverso o que dispõe, mesmo literalmente, esta norma, que reza assim:
“1 - O instrutor pode recusar, em despacho fundamentado, as diligências probatórias requeridas, quando as repute manifestamente dilatórias ou considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido, na resposta à acusação”6.
Parece que o instrutor ignorou o segmento final do texto normativo: “alegados pelo arguido na resposta à acusação”. Mas deste modo extraiu do segmento restante um dispositivo sem qualquer respaldo no texto legal e, aliás, incompatível com o direito liberdade e garantia constitucional a uma defesa efectiva num processo equitativo. Com efeito, se um juízo, do instrutor, de suficiência da prova dos factos integrantes da infracção disciplinar, pudesse ter esse alcance de o mesmo instrutor poder recusar as diligencias pedidas pela defesa, o que restaria do contraditório e equitativo no processo sancionatório disciplinar da PSP?
Tão pouco a natureza dilatória das inquirições pedidas foi demonstrada, apenas afirmada conclusivamente, em notória petição de princípio. Note-se que a verdade material que sempre cumpre apurar num processo sancionatório equitativo não é apenas a dos factos objectivamente imputados ao arguido, mas também a dos factos integrantes da culpa, sempre necessários, e ainda a daqueles factos que seja devido valorizar na escolha e na medida da pena, designadamente os atinentes à personalidade do arguido e às circunstâncias subjectivas e objectivas da prática da infracção. Assim, as diligências de prova pedidas pela defesa não têm de se presumir reportadas apenas à ocorrência ou não dos factos objectivos, como parece ter suposto o instrutor, se não também a quaisquer factos relevantes para o juízo culpabilidade e sobre a personalidade do arguido.
Assim não havia qualquer motivo para se considerar manifestamente dilatório o pedido de inquirição de oito testemunhas (em vinte legalmente possíveis).

Não se diga que o arguido não indicou, como devia, os factos a que as testemunhas haveriam de ser inquiridas. É verdade, mas daí a fundamentar a recusa das diligências neste formal aspecto vai um abismo que o direito à defesa e os termos exclusivos do artigo 84º nº 1 citado não permitem suprir. Naturalmente impunha-se ao instrutor convidar o arguido a prestar previamente essa concretização.

(…)
Certo é que o parecer do IML, unicamente referido a factos bem distantes, no tempo, daqueles outros que foram objecto de acusação, foi determinante para a aplicação de uma pena expulsiva ao Autor. E do texto do despacho resulta claro que o instrutor supôs – erradamente – que o parecer se referia aos factos objecto de acusação no processo disciplinar sub judice.
Ora o relatório da médica psiquiátrica, que desde o tempo da prática dos factos puníveis acompanhava e medicava o Autor, refere-se obviamente, esse sim, aos factos objecto deste processo disciplinar. E, a prevalecer, era eventualmente susceptível de fundamentar decisão diversa quanto à imputabilidade do arguido, por isso que o dá por absolutamente inimputável para os factos que lhe são imputados.
Assim, ao recusar a inquirição da médica do Autor e da demais prova testemunhal, o despacho do instrutor impediu o arguido de se defender eficaz e equitativamente da intenção de lhe ser aplicada uma sanção lesiva do seu direito fundamental a não ser despedido sem justa causa, pelo que violou o núcleo essencial do direito fundamental do Autor, consagrado no artigo 32º nº 10 da CRP, à própria defesa num processo sancionatório equitativo.
O acto impugnado veio a ser emitido na sequência procedimental dessa violação do núcleo essencial de um direito liberdade e garantia constitucional, pelo que também ele o viola e é, por isso, nulo, nos termos do artigo 133º nº 2 alª d) do CPA aplicável.

Com este fundamento, procede a acção.”

Discorda o Recorrente com o assim decidido, desde logo, por estar em causa a aplicação de pena disciplinar e não o despedimento sem justa causa.
Com efeito, a sentença recorrida alude ao direito do Recorrido a não ser despedido sem justa causa, mas o uso de tal expressão no contexto em que foi formulada, como resulta da parte supratranscrita, não afasta os pressupostos em que assentou, ou seja, de ter sido negada ao arguido /Recorrido a possibilidade de se defender eficaz e equitativamente da pena disciplinar.
De acordo com o disposto no art. 86º do RDPSP (então aplicável):

1 - É insuprível a nulidade consistente na falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente identificadas e referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade.
2 - As restantes nulidades consideram-se supridas se não forem objecto de reclamação do arguido até à decisão final”

Sendo que nos termos do disposto no art. 84º, nº 1 do mesmo RDPSP:

“1 - O instrutor pode recusar, em despacho fundamentado, as diligências probatórias requeridas, quando as repute manifestamente dilatórias ou considere suficientemente provados os factos alegados pelo arguido, na resposta à acusação.”

Ora, em qualquer um dos citados preceitos é feita qualquer alusão às provas admissíveis em função da pena disciplinar a aplicar, como também é destituído de qualquer fundamento ou justificação a asserção do Recorrente de que as testemunhas só poderiam ser abonatórias e “nessa medida, o arguido não foi, em momento algum prejudicado, atendendo a que lhe foi aplicada, de entre as duas penas possíveis para as situações de infrações muito graves, como a dos autos, a menos gravosa, ou seja a reforma compulsiva, igualmente, andando mal a douta sentença quando decidiu como decidiu”.
Sem querer qualificar o tipo de processo disciplinar que se baseasse, para aferir das diligências probatórias a realizar, no tipo ou medida da hipotética pena disciplinar a aplicar, certo é que no mínimo seria constitucionalmente vedado.

Tal como consagrado constitucionalmente (art. 32.º), o arguido em processo disciplinar tem direito a um processo justo, o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, mais concretamente, os direitos de audiência e de defesa.

Ora, as garantias de defesa incluem, necessariamente, todos os direitos e instrumentos aptos a habilitar o arguido a defender a sua posição e a contrariar a “acusação” que lhe é formulada (neste sentido, o Ac. do STA, de 11-2-99 – Rec. 38989, bem como Gomes Canotilho e V. Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, 3ª edição, a págs. 947), incluindo o erro sobre a ilicitude ou as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa (cf. artigos 17º, 31º e ss. do Código Penal, então em vigor).

Assim, a natureza menos rígida do processo disciplinar não pode constituir uma diminuição das garantias de defesa do arguido (neste sentido, entre outros, o acórdão de 02.12.2004, da 1.ª subsecção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01038/04).

O Tribunal a quo entendeu que existe nulidade insuprível, na medida em que as diligências de prova requeridas pelo Recorrido na defesa que apresentou foram ilegalmente negadas – vide facto 33 do probatório -, designadamente quanto à sua situação de inimputabilidade à data dos factos a que alude nos artigos 20º e segs. da sua defesa (Março a Julho de 2004), face à acusação (vide facto 32 do probatório).

O instrutor indeferiu a realização das aludidas diligências probatórias (vide facto 33 do probatório) tendo por fundamento:

- o arguido não indicou as testemunhas que deveriam depor por cada facto – em violação do art. 83º do RDPSP;

- manobra dilatória – já que a defesa em concreto nada propõe de inovador ou de interesse para o apuramento da verdade material. Apenas se limitou de forma abstracta, e desprovida de qualquer objectividade, a solicitar diligências, (inquirição de testemunhas).

- os factos da acusação estão os factos estão suficientemente provados! … A Realidade esta, que já está espelhada nas provas documentais e testemunhais, carreadas para o processo, e apesar disso, o arguido, quando foi chamado aos autos para depor, confessou todos factos.

A circunstância de o Recorrido ter remetido para a fase em que as testemunhas fossem prestar depoimento a indicação dos factos a que iria responder, não constitui, só por si, fundamento legal para a sua recusa – vide art. 84º, nº. 1 do RDPSP -, quando muito convidar o arguido a especificar.

Além disso, ao contrário do que consta do Relatório final, o instrutor não justificou que a inquirição das testemunhas, à excepção da esposa do recorrido, como a sua médica psiquiátrica que o acompanhou e elaborou o relatório médico junto à defesa, ou as outras pessoas aí indicadas, fosse manifestamente dilatória, como prescreve o art. 84º., nº 1 do RDPSP (e não meramente dilatórias).

Como não se vislumbra em que medida a junção do Relatório médico fosse igualmente uma diligência manifestamente dilatória.

Mas sobretudo, como se alude na sentença recorrida, através do sobredito despacho, o instrutor assumiu que os factos da acusação já estavam todos provados, quando o que resulta da lei como estatuição para a não admissão das provas requeridas é a circunstância de os factos elencados pelo arguido na sua defesa estarem provados – vide art. 84º, n.º 1 do RDPSP.

Aliás, no relatório final contraria o próprio despacho do instrutor quando aí se alude:

“…7.9 - Em 05SET2008, o Instrutor do Processo, fls.245 e fls. 246, decidiu não realizar as restantes diligências pela defesa solicitadas, inquirição das testemunhas indicadas a fls. 228, e que ainda não tinham sido auscultadas, por entender que para além de ser expediente manifestamente dilatório, concomitantemente, considerou que os factos alegados pelo arguido, estavam já suficientemente provados” – facto 39 do probatório.

Por outro lado, como resulta do relatório do IML “ Tanto quanto nos é dado perceber, pelas informações a que tivemos acesso, o examinado é agente principal da PSP pertencente à Secção de Alimentação das Área de Apoio Geral da Escola Prática de Polícia, e encontra-se indiciado (entre outras ocorrências que não mereceram queixa) pelo crime de danos, levado a cabo na cozinha da Messe Geral daquele Estabelecimento, reportando-se os factos ao dia 6 de Fevereiro de 2006, a horas não concretamente apuradas.”

Tendo o Recorrido sido examinado em 17.08.2006 – vide facto 30 do probatório.

Daí que, no tocante à alegada incapacidade temporária do arguido, à data dos factos que foi acusado e punido, ocorridos entre Maio e Junho de 2004, que este invocou em sede de defesa foi-lhe simplesmente vedada a produção de prova a seu favor em sede de processo disciplinar.

Nem se argumente que o Relatório do IML teria um peso maior na decisão quando nada na lei é estabelecido em sede de hierarquia de provas no processo disciplinar, como não é esse o fito do direito de defesa constitucionalmente consagrado em processos crimes ou sancionatórios, devendo sim serem executadas todas as diligências essenciais para a descoberta da verdade material.

Daí que o despacho do instrutor que recusou a produção das diligências de prova requeridas afronta o direito fundamental do recorrido a apresentar uma prova que afaste os indícios constantes da acusação, sendo que somente podem ser recusadas se forem manifestamente dilatórias ou os factos alegados pelo arguido na sua resposta já estejam provados – vide art. 84º, nº 1 do RD/PSP. Aliás, no relatório final são tecidos argumentos de que teria sido esse o fundamento do instrutor quando basta confrontar o seu teor para se perceber que foi o inverso.

Como também é de destacar que no relatório final é feita alusão a que não se verificam quaisquer circunstâncias dirimentes (art. 51º do RDPSP), quando o arguido pretenderia provar exactamente uma das circunstâncias, a prevista na al. b) “a privação acidental e involuntária das faculdades intelectuais ao momento da prática do acto ilícito”, sendo uma das causas de exclusão da culpa.

Ora, basta atentar na defesa do arguido para se perceber que este tentou demonstrar que à data dos acontecimentos não estava em condições de discernir e de agir de modo consciente e voluntário sobre os seus actos.

Tanto mais que no Relatório final são rebatidos os argumentos da defesa, até ao artigo 19º, omitindo alusão aos artigos 20º e segs., cuja matéria está exactamente em questão.

A nulidade procedimental resulta da omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade material dos factos, desde logo os tópicos constantes da acusação, em ordem à segurança e certeza de uma decisão objectiva.
O art. 269.º, n.º 3 da CRP estatui que em processo disciplinar são garantidos ao arguido a audiência e defesa.
A garantia constitucional determina a aplicação, no domínio dos processos disciplinares das “… regras ou princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, designadamente as garantias de legalidade, o direito à assistência de um defensor… o princípio do contraditório… O sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, daí resultando a nulidade do procedimento disciplinar … “– cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Anotada, 3.º ed. Pág. 947.
Deste modo, o direito de defesa constitucionalmente assegurado garante ao arguido o direito de demonstrar, através de qualquer um dos meios de prova legalmente admissíveis, a sua inocência ou que a verdade material é diferente da constante da acusação, o que inviabiliza quaisquer limitações de ordem probatória, pelo que se a diligência probatória for legalmente admissível e puder contribuir para demonstrar a inocência do arguido não poderá a Administração deixar de a realizar – cfr. Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração pública, Anotado, 2. Ed., 2011, pág. 209.
Face ao quadro legal supra convocado, ao arguido/recorrido assiste o direito de requerer todas as diligências probatórias que considere relevantes para a sua defesa, não podendo a Administração negar ou impedir a realização das mesmas diligências, excepto quando elas não sejam legalmente admissíveis ou não permitam obter a prova a que se destinam e, no caso de a Administração recusar a produção de prova ou limitar o seu alcance e extensão, em situação em que a diligência probatória fosse admissível e adequada a provar os factos alegados ou a demonstrar a inocência do arguido, verifica-se uma nulidade insuprível do procedimento disciplinar.
Se na verdade, podem ser indeferidos os meios de prova requeridos pelo arguido quando os estes se mostrem impertinentes ou desnecessários, no caso sub iudice tal não sucede, verificando-se, com efeito, um prejuízo relevante para o apuramento da verdade material relativamente às circunstâncias relativas ao seu estado de consciência / valoração à data dos factos pelos quais vinha acusado.

Quanto à faculdade do Instrutor poder recusar, no caso, a inquirição de testemunhas, por considerar impertinente e desnecessária aquela prova, veja-se acórdão do TCAN, de 10-05-2012, processo nº 00047/10.9BEBRG:

I. A concretização do direito de defesa da arguida e a necessidade de descoberta da verdade impõem a necessidade de audição das testemunhas oferecidas por aquela com vista à demonstração do condicionalismo que rodeou a prática da infracção que lhe é imputada;
II. A omissão desta diligência apenas redundaria numa inutilidade caso a prova já produzida fosse inatacável e demolidora no sentido de que a arguida praticou os factos que lhe são atribuídos.

Ora, como se alude na sentença recorrida:

“… Uma das pessoas a inquirir era a médica psiquiatra autora do relatório que dava o arguido como absolutamente inimputável para os factos objecto da acusação. Obviamente, pretenderia o arguido provar essa alegada causa de exclusão da culpa.
Se bem se entende o despacho de recusa, esta ter-se-á devido ao facto de se considerar concludente e inabalável o relatório pericial do IML.
Lido este, porém (cf. supra, parágrafo 31 da fundamentação de facto) verificamos que se refere a um exame realizado em 17 de Agosto de 2006 e que os factos relativamente aos quais o arguido é ali tido como imputável se reconduzem a um crime de dano na cozinha da messe geral da EPP, ocorrido em 6/2/2006. Os factos objecto da acusação no processo disciplinar sub judice, ocorridos em 2004, estão de todo ausentes das considerações periciais.
Acresce que os dois relatórios dos serviços de psicologia clínica da própria PSP, juntos ao processo disciplinar, documentam, no arguido, um quadro psicopatológico integrado por surtos psicóticos, estendido no tempo, desde pelo menos Maio de 2004, que suscita (como suscitou ao próprio instrutor: cf. supra, nº 21) dúvidas sérias sobre se o Autor, aquando da prática dos factos aqui sub judice (Maio e Junho de 2004), estava capaz de avaliar aquelas suas condutas e de se determinar segundo essa avaliação.

Sem esta autodeterminação – qualquer que seja ou não seja a sua capacidade para o exercício da profissão – não estaria reunido o pleno dos pressupostos para a punição do Autor em sede disciplinar, muito menos com uma pena expulsiva.”

O decidido ajusta-se à jurisprudência do STA que, a propósito da falta de inquirição de testemunhas de defesa, vem, de há muito – e ao longo dos sucessivos regimes disciplinares (cfr., v.g., os acórdãos do STA de 14/11/89, de 19/12/91, de 21/3/96 e de 6/11/97, respectivamente proferidos nos recs. n.ºs 26.064, 28.891, 38.904 e 28.566) – assinalando que tal género de omissões só causa nulidade insuprível quando as particulares circunstâncias do assunto evidenciem que o depoimento poderia ser essencial à descoberta de factos relevantes, invocados pelo arguido.

O que ocorre, tanto mais que no Relatório final não foi feita qualquer alusão aos artigos 20º e segs. quanto à inimputabilidade temporária do arguido, o que constituiria causa de exclusão da culpa, tendo antes sido afirmado que inexistiam circunstâncias dirimentes, com base no relatório do IML que como atrás se aludiu, apresenta fragilidades quanto à data e circunstâncias relativas aos factos pelos quais o arguido vinha acusado.

No processo penal como no disciplinar sempre a dúvida sobre a verificação de determinado facto teria de ser resolvida a favor do Recorrido, atenta a afinidade para com o processo penal é conhecida; e tanto assim, é pacífico que “O princípio da presunção da inocência do arguido vigora, quer no âmbito do procedimento criminal, quer no âmbito do procedimento disciplinar, por ambos os procedimentos terem natureza sancionatória tal como resulta do nº 2 do art.º 32.º da CRP” (Ac. do STA, de 14-01-2016, proc. n.º 01546/14).
Logo para lembrar que “O processo penal, dominado pela verdade real, não se compadece com a regra de que cabe a acusação provar os elementos da infracção e ao reu as causas excludentes, privilegiantes ou atenuativas da responsabilidade criminal.” (Ac. do STJ, de 15-12-1983, proc. n.º 036804).
Sendo que «O princípio in dubio pro reo, aplica-se não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude, de exclusão da culpa e de exclusão da pena, bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas modificativas ou simplesmente gerais.» (Ac. do STJ, de 22-02-2017, proc. nº 17/16.3YFLSB);

O disposto no art. 83º, nº 1 do RDPSP sanciona com nulidade insuprível o procedimento disciplinar em que se tenham omitido diligências essenciais para a descoberta da verdade. Entre tais diligências enumeram-se aquelas que são essenciais para que o acusado possa demonstrar cabalmente a sua inocência e o facto de não ter praticado a infração que lhe é imputada ou todo o circunstancialismo que leva que seja praticada uma determinada conduta.

Assim sendo, no caso vertente, tais faltas constituem omissão de diligência essencial à descoberta da verdade, bastando para tal atender ao conteúdo dos artigos 20º a 26º da defesa, tendo requerido a inquirição de testemunhas e a junção do relatório médico – vide ponto 33 do probatório.
Pelo que deveria ter sido realizada a inquirição das testemunhas indicadas pelo Recorrido e admitida a junção do Relatório médico para contraprova dos factos constantes da acusação e que vieram a ser considerados provados em sede de Relatório Final.
Tal preterição constitui efectivamente uma nulidade insuprível, nos termos do art. 42º, nº 1 do ED, preterição de formalidade essencial para a descoberta da verdade.
Contudo tal conduz à anulação da deliberação punitiva por “contaminação” do vício cometido no procedimento disciplinar e não de nulidade como decidiu a sentença recorrida,
“… a omissão de diligência instrutória que, a realizar-se poderia retirar o carácter de ilícito disciplinar à conduta do arguido, constitui nulidade que, por inquinar a formação da vontade do emitente do acto recorrido, determina a anulação deste…”– vide Ac. do STA de 24.10.2002, rec. 44052.
Não estando o Tribunal ad quem vinculado à qualificação do eventual vício efectuada em sede de Despacho Saneador para aferir da excepção de caducidade do direito de acção.

Termos em que o presente recurso terá de improceder, mantendo-se a sentença recorrida ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, uma vez que a procedência do vício conduz à anulação do acto impugnado e não à sua nulidade.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, mantendo-se a sentença recorrida ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Registe e notifique.

Lisboa, 18 de Março de 2021.

(Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, a Relatora consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Catarina Vasconcelos e Ana Celeste Carvalho (em substituição do 2º adjunto) que integram a presente formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente acórdão).

Ana Cristina Lameira,