Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:77/22.8BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:03/31/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
FUMUS BONI IURIS
PERICULUM IN MORA
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

F………………..– Futebol SAD, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), uma providência cautelar contra a Federação Portuguesa de Futebol, pedindo a suspensão da eficácia dos efeitos do acórdão do Plenário da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, o qual condenou a Requerente pela prática dos ilícitos disciplinares previstos no art. 62.º, n.º 1 e 209.º, do Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (RDFFP), em sanção de multa de 18 UC, correspondente a EUR 1.836,00 e na realização de 1 jogo à porta fechada.

A Requerente da providência veio alegar, essencialmente e ao que a estes autos cautelares importa, que a sua condenação é ilegal porque: “à data em que a Demandante o requereu, assim como em toda a Fase de Inquérito do Processo Disciplinar, a mesma não conhecia quais os relatos constantes do Relatório do Delgado da FPF que tinham fundado a instauração do procedimento disciplinar e tampouco se o mesmo Relatório havia sequer sido considerado na decisão de instaurar o mesmo, uma vez que a conexão entre os factos que em concreto constituem objeto do processo e tais relatórios só foi estabelecida no Acórdão Recorrido”; “o CDSNP não deveria ter atribuído caráter urgente ao Processo, devendo sim ter reconhecido os vícios (i.e., nulidade) apontados pela Demandante quanto a esta matéria na sua Defesa Escrita, uma vez que tal concessão, porque infundada, comprometeu os direitos de defesa da Demandante, em clara oposição ao disposto no Art. 32.º, n.º 10, da CRP, preceito constitucional, que mesmo tendo sido invocado pela Demandante na sua Defesa Escrita, afirmando a mesma que não havia sido respeitado, o CDSNP não se debruçou expressamente”; “Desta forma, sempre terá de se concluir que ao ter atribuído natureza urgente ao Processo, sem qualquer motivo suscetível de consubstanciar a consequente limitação das garantias de defesa da Demandante, desrespeitando assim as mesmas, o CDSNP incumpriu com o disposto no Art. 32.º, n.º 10, da CRP, redundando esta atuação no regime de nulidade, nos termos e para os efeitos da al. d) do n.º 2 do Art. 161.º do CPA”; “a Requerente não praticou a infracção prevista no art. 62.º do RDDPF (comportamento discriminatório)”; a decisão sancionatória “não demonstrou, nem sequer levemente, a responsabilidade do Requerente pelo comportamento discriminatório dos seus adeptos (i.e., produzindo prova de que a Demandante tolerou e/ou consentiu tal comportamento), desconsiderando, desta forma, o princípio da legalidade, na sua vertente de exigência de preenchimento do tipo”.

Quanto ao periculum in mora, alega que a condenação proferida pela Requerida, e inerente aplicação da sanção de multa e de 1 jogo à porta fechada, se traduz numa lesão grave e irreversível, quer a nível patrimonial, quer a nível desportivo. Neste ponto evidencia que a execução imediata da sanção “causará danos irreparáveis e compromete seriamente o seu principal objetivo desportivo, o qual se traduz no acesso às competições profissionais, assim como financeiro, uma vez que os encontro decisivos são naturalmente mais concorridos e também nos quais os patrocinadores mais esperam ver as contrapartidas que acordadas serem cumpridas”.

Juntou procuração forense, 6 documentos e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho de 29.03.2022 do Exmo. Presidente do TAD, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, com fundamento na circunstância de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e, assim, estar o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado. O despacho em questão é do seguinte teor:

“(…)

A decisão em causa foi notificada em 25/01/2022 (doc. 1 junto com o requerimento arbitral).

A Requerente alega, sumariamente e para o que aqui releva, que não tendo a interposição de recurso para o TAD efeitos suspensivos da decisão sancionatória, estando aprazado para o próximo dia 1 de abril - isto é, dentro de três dias - a disputa de jogo da competição em que está envolvida, no recinto desportivo visado na decisão impugnada, a tutela pedida apenas será ser utilmente satisfeita se apreciada a pretensão cautelar durante curtíssimo período.

Razão por que pede a intervenção do Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul nos termos e para os efeitos do artigo 41.º n.º 7 do LTAD, com dispensa de audição da Requerida ou, se vier a ser ouvida, “em tempo e prazo adequado a não prejudicar o efeito pretendido da medida cautelar”.

Perante o que antes se sintetiza:

1. Nos casos em que se suscite a questão da aplicabilidade do n.º 7 do artigo 41.º da LTAD, ao Presidente do TAD cumpre apenas transmitir a informação para que o Ex.mo Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul possa decidir se estão reunidas as condições de que depende o conhecimento de providências cautelares neste âmbito.

2. Nada obstando, no plano formal, à admissão pelo TAD dos requerimentos, fundamentando o Requerente a especial urgência na circunstância de ocorrer evento desportivo na próxima sexta-feira, dia 1 de abril, limita-se o signatário a confirmar que, atentos os termos da LTAD que dispõem sobre a constituição obrigatória de colégio arbitral (artigos 23.º n.º 2 e 28.º n.ºs 1 e 2), não se afigura viável a constituição de formação em tempo que possibilite a apreciação pelo TAD da medida requerida.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

No presente caso, vem invocada pelo Exmo. Senhor Presidente do TAD a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra).

Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjectivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a susceptibilidade de fazer perigar a tutela efectiva do direito invocado, não pode senão concluir-se que está preenchido o requisito de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul.



III. Da audição da Requerida

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

E o art. 366.º, n.º 1, do CPC estabelece que: “[o] tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.

Como ensina José Lebre de Freitas, a “[u]tilidade, fim ou eficácia apontam no mesmo sentido: a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido ou a demora no deferimento da providência resultante da observância da contraditoriedade aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 2001, p. 24).

A dispensa de audição da parte contrária, que integra um poder-dever do juiz, exige, também, a explicitação das razões que sustentam o entendimento de que essa audição colocará “em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

No caso presente, concretizando, a audição da Requerida, por força do prazo injuntivamente fixado no art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, é de 5 dias (a que acrescerá o prazo de multa processual pela eventual prática tempestiva do acto), sendo que o jogo abrangido pela presente providência, que a ora Requerente identifica, ocorrerá no próximo dia 1 de Abril (sexta-feira).

Pelo que, sendo susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto no art. 366.º, n.º 1, do CPC, dispensa-se, oficiosamente, a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.



IV. Da instância e instrução do processo

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.

Considerando a natureza do processo, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, estando, portanto, o tribunal em condições suficientes para a apreciação do mérito da causa.



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) A Requerente tomou conhecimento da instauração de Processo Disciplinar a esta Sociedade Desportiva mediante o Comunicado Oficial da FPF número 251 (Mapa de Sumários), publicado em 12 de Novembro de 2021 (cfr. fls. 3 e 4 do Processo/ DOC. 2).

b) Confrontada com o conteúdo do referido Mapa de Sumários, a Demandante remeteu um requerimento ao Conselho de Disciplina da FPF, a peticionar que os autos do mesmo fossem remetidos através de correio eletrónico (Cfr. fls. 22 a 25 do Processo/ DOC. 2).

c) Em 16 de Novembro de 2021, em resposta ao mencionado Requerimento, a Demandante foi informada pela Exma. Sra. Instrutora da Comissão de Instrução Disciplinar da FPF que o processo disciplinar tinha como objecto os factos ocorridos no encontro oficial n.º ………, disputado entre a R e………………l, SDUQ e a equipa da Requerente, acrescentando ainda a Exma. Sra. Instrutora, que o Processo se encontrava em Fase de Inquérito (Cfr. fl. 26 do Processo/DOC. 2).

d) Inconformada com tal resposta, a Demandante remeteu, em 22 de Novembro de 2022, um Requerimento ao Processo, endereçado à Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF onde, nomeadamente, aflorava os motivos pelo qual o entendimento explanado pela Exma. Sra. Instrutora da CID não se mostrava conforme com o escopo regulamentar e normativo aplicável e peticionava, novamente, que fosse notificada dos factos que em concreto constituem o objeto do processo (cfr DOC. 3).

e) Este Requerimento foi objecto de Despacho do CDSNP, datado de 26 de Novembro de 2021 sendo o mesmo indeferido e remetida a fundamentação da decisão de indeferimento para a resposta da Exma. Sra. Instrutora da CID (cfr. DOC. 4).

f) A Requerente foi notificada do acórdão do Plenário do Conselho de Disciplina – Secção não profissional - da Federação Portuguesa de Futebol, proferido a 25.03.2022, no âmbito do processo disciplinar n.º ……………… (urgente), que decidiu:

a. “condenar a arguida …………..SAD, pela prática da infração prevista e sancionada pelo artigo 62.º, n.º 1, do RDFPF, na sanção de 1 jogo à porta fechada, e, cumulativamente, na sanção de 10 UC de multa, ou seja, €1.020,00 (mil e vinte euros),

b. condenar a arguida .......... SAD, pela prática da infração prevista e sancionada pelo artigo 209.º do RDFPF, na sanção de 8 UC de multa, ou seja, €816,00 (oitocentos e dezasseis euros),

Sanções essas que, cumuladas materialmente nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 4 do RDFPF, perfazem a sanção de 1 jogo à porta fechada e a sanção de 18 UC de multa, ou seja €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros)”.

g) Do acórdão supra, consta como factualidade provada a seguinte (idem):

1) No dia 6 de novembro de 2021, no Campo n.º 1 do R……., em …………., realizou-se o jogo oficial nº 210.02.046, disputado entre a R ……… SDUQ e a .......... SAD, a contar para a Liga 3, da época desportiva 2021/2022, tendo o resultado do mesmo sido de 1:1.

2) A equipa de arbitragem presente no jogo dos autos foi composta pelos seguintes elementos: árbitro principal P……………….., árbitro assistente nº 1 J o…………………., 4º árbitro H………………e árbitro assistente nº 2 J ………………….

3) A segurança do referido jogo esteve a cargo da Polícia de Segurança Pública (doravante, PSP).

4) O jogo foi acompanhado por parte de delegado da FPF.

5) O jogo contou com a presença de observador da equipa de arbitragem.

6) No jogo supra identificado a R………..SDUQ foi o clube visitado e a .......... SAD foi o clube visitante.

7) A arguida .......... SAD (0471.1) encontra-se inscrita na época desportiva 2021/2022, entre outras competições, na Liga 3, prova organizada pela FPF.

8) A arguida, .......... SAD, à data dos factos, na Liga 3, na época desportiva 2021/2022, apresenta averbado no seu cadastro disciplinar a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 209.º do RDFPF e uma infração prevista e sancionada pelo artigo 111.º do RDFPF. Nas três épocas desportivas anteriores em que esteve inscrito, o clube arguido não apresenta a prática de infrações disciplinares na competição em apreço, uma vez que se trata de uma competição que apenas iniciou na presente época.

9) No decorrer do jogo, mais precisamente aos minutos 14, 26 e 44 da partida, os adeptos afetos à .......... SAD, situados na extremidade direita da bancada, no setor 3, afeta ao clube visitante e identificados pelas bandeiras, cachecóis e camisolas alusivas àquele clube, bem como pelos cânticos de apoio à sua equipa, entoaram em coro na direção do árbitro principal, sempre que discordavam de alguma decisão deste, o seguinte cântico: «Uhu Urso...uhu Urso».

10) Além disso, tais adeptos afetos à .......... SAD, ora arguida, ao minuto 34 do jogo, entoaram em coro na direção dos jogadores visitados o seguinte cântico: «Joguem à bola paneleiros joguem à bola».

11) As palavras referidas no artigo anterior foram percetíveis para todos os agentes desportivos presentes no estádio, visto que foram proferidas em coro, em tom alto e ocorreram por diversas vezes no decorrer do jogo.

12) No final do jogo, o delegado da FPF, M…………………., informou o delegado ao jogo da .......... SAD sobre o comportamento dos seus adeptos descrito no artigo 10º, tendo aquele lamentado o sucedido e referido que não podia controlar aquele tipo de condutas por parte dos seus adeptos.

13) Os adeptos do clube visitante encontravam-se na bancada que estava localizada atrás do banco de suplentes da .......... SAD e do mesmo lado do terreno de jogo, pelo que, pelo menos os elementos do clube que se encontravam no banco de suplentes aperceberam-se do comportamento dos seus adeptos.

14) Assim sendo, os agentes desportivos da .......... SAD apesar de terem sido conhecedores do comportamento dos seus adeptos descrito no ponto 10), não tomaram qualquer atitude durante o jogo para fazer cessar ou sequer para repudiar tais condutas.

15) Entretanto, ao minuto 60 do jogo, os adeptos da .......... SAD supra identificados proferiram em coro na direção dos jogadores da R……. SC SDUQ o cântico: «Palhaços joguem à bola...palhaços joguem à bola».

16) Por último, aos minutos 44 e 79 do jogo, sempre que não concordavam com as decisões do árbitro P…………….., os adeptos afetos à arguida referidos no ponto 10), entoaram o seguinte cântico na sua direção: «Gatuno...gatuno...gatuno».

17) A arguida .......... SAD, ao não ter evitado/prevenido, ou sequer tentado evitar/prevenir, que os seus adeptos entoassem os cânticos descritos nos pontos 9), 15) e 16), o que podia e devia ter feito, não agiu com o cuidado e diligência a que está regulamentarmente obrigado, violando – de forma censurável – os deveres de formação/prevenção dos adeptos que lhe são legal e regulamentarmente atribuídos, bem como o dever de evitar, prevenir e repudiar comportamentos antidesportivos, designadamente ofensivos da integridade moral do árbitro principal P........................ e dos jogadores visitados, o que redunda no incumprimento do dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivo, previstos e sancionados pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo.

18) Ao adotarem a conduta descrita no ponto 10) do presente libelo, no mínimo, socialmente incorreta, podendo mesmo ser considerada atentatória da dignidade humana, honra e consideração, os adeptos da .......... SAD agiram com o propósito de ofender a dignidade dos jogadores do clube visitado, em função da sua orientação sexual, bem como de insultar a sua prestação enquanto jogadores, o que efetivamente lograram, em violação da lei e dos regulamentos da FPF.

19) A arguida, .......... SAD, enquanto sociedade desportiva qualificada para disputar competição oficial organizada pela FPF, bem sabia que era sua obrigação evitar ou prevenir comportamentos antidesportivos, como os supra descritos, atuar em conformidade com os princípios da ética e da verdade desportiva e, nomeadamente, que era seu especial dever o de não consentir ou tolerar qualquer tipo de conduta discriminatória.

20) Nessa medida, a .......... SAD agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), porque tolerante e/ou complacente para com as condutas discriminatórias – em função da orientação sexual - dos seus adeptos verificadas ao minuto 34 do jogo, consubstanciava comportamento previsto e sancionado pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo e, ainda assim, pretendeu efetivamente adotá-lo.

§3. Factos não provados (da defesa)

1) A arguida .......... SAD, através do seu Diretor de Comunicação e Marketing, Sr. ……………., vem promovendo encontros com determinados adeptos que se deslocam frequentemente e em conjunto aos encontros oficias que a mesma disputa tanto na condição de visitada como de visitante, através dos quais os vem sensibilizado para os princípios da ética desportiva e alertando sobre o comportamento que devem adotar num recinto desportivo, particularmente, abstendo-se de insultar e injuriar, através de cânticos ou de qualquer outra forma, qualquer agente ou instituição desportiva.

h) Dos relatórios disponibilizados na Plataforma Score, consta o Relatório de Jogo, lavrado pelo Árbitro Principal e o Relatório do Delegado da FPF, o que se dá por integralmente reproduzido (Cfr. fls. 5 e ss. do Processo/ DOC. 2; cfr. fls. 18 e ss. do Processo/ DOC. 2).

i) Quando perguntado: “[e]m algum momento do jogo os agentes desportivos do FC .......... SAD, presentes no jogo, foram informados ou tomaram conhecimento do comportamento adotado pelos seus adeptos?”, o Delegado da FPF referiu que: “[r]elativamente à terceira questão afirmo que não, não informei no decurso do jogo e somente o fiz no final do mesmo e não me foi possível verificar qual a atitude que os agentes adotaram perante os cânticos” (Cfr. p. 37 do Acórdão).

j) Do relatório do jogo da Equipa de Arbitragem não é feita qualquer menção ao comportamento dos adeptos, tendo no mesmo sido deixado em branco o campo destinado às observações (Cfr. fls. 5 e ss. do Processo/ DOC. 2),

k) Do calendário desportivo a disputar pela Requerente, consta o jogo com a Equipa B da V ……………, o qual ocorrerá na próxima sexta-feira, 1 de Abril, a contar para a LIGA 3.

Nada mais importa indiciariamente provar, sendo que nenhum outro elemento de prova foi junto aos autos para comprovar o alegado no r.i..



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

No caso concreto, a Requerente alega que a sanção punitiva é ilegal, por razões de ordem procedimental/formais e por razões de ordem substancial.

Afirma que “o procedimento e consequente decisão do CDSNP da Requerente, traduzida no Acórdão Recorrido, observa vícios procedimentais, tendo, assim, obliterado por completo, durante o Processo Disciplinar, preceitos constitucionais em que teria de ancorar, particularmente no que respeita aos princípios procedimentais basilares de Direitos de Garantias de Defesa da Demandante, o que radica no regime da nulidade previsto no CPA. // Ademais, a Decisão Recorrida falha ainda claramente ao considerar provados os factos que cabalmente se impugnaram, essenciais ao preenchimento do tipo disciplinar do Comportamento Discriminatório do Público, o qual resultou na sanção de 1 (um) jogo à porta fechada, não demonstrando, nem sequer levemente, a responsabilidade do Requerente pelo comportamento discriminatório dos seus adeptos (i.e., produzindo prova de que a Demandante tolerou e/ou consentiu tal comportamento), desconsiderando, desta forma, o princípio da legalidade, na sua vertente de exigência de preenchimento do tipo”.

Em relação ao periculum in mora, alega que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada e inerente aplicação da sanção de 1 jogos à porta fechada, se traduz numa lesão grave e irreversível, quer a nível patrimonial, quer a nível desportivo. Neste ponto alega que a equipa da Requerente será injustamente impedida de realizar o próximo encontro oficial que disputará na condição de visitada a contar para a LIGA 3. E que a manter-se a realização de 1 jogo à porta fechada, a mesma trará, também, sérios e irremediáveis danos à imagem e reputação da Demandante, bem como à relação com os seus adeptos, que não poderão assistir a um encontro fulcral e de enorme interesse.

Vejamos então, em primeiro lugar, se ocorre ou não probabilidade séria da existência do direito invocado.

Face ao que ficou provado supra, começaremos por conhecer dos vícios de ordem formal/procedimental que vêm invocados.

Começa a Requerente por alegar que não pode ter acesso aos factos essenciais que estiveram na base da acusação.

Sobre isto afirma-se no acórdão sancionatório:

“(…)

24. Nos termos acima referidos, vem a arguida alegar, em primeiro lugar, que não foi notificada dos factos concretos que constituem o objeto do processo, mesmo depois de os ter solicitado, nem lhe foi permitida a consulta dos autos, em incumprimento do disposto no artigo 234.º-3 do RDFPF e dos artigos 82.º-1-2 e 83.º do CPA. Assim, de acordo com a arguida, o Conselho de Disciplina terá praticado atos que ofenderam o conteúdo essencial de um seu direito fundamental, particularmente o previsto no artigo 268.º-1 da CRP, os quais se encontram feridos de nulidade nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA.

25. Sucede, pelos motivos que de seguida se enunciarão, não se percecionam, no vertente caso, razões que permitam concluir pela ofensa do conteúdo de qualquer direito fundamental da arguida.

26. De facto, conforme decorre da deliberação do CDSNP de 12/11/2021 (cfr. fls. 1 e 2), e do Comunicado Oficial da FPF n.º 251, de 12/11/2021 (cfr. fls. 3 e 4), os presentes autos têm por objeto factualidade ocorrida no jogo oficial n.º 210.02.046, entre a R…………… SC SDUQ e a .......... SAD, realizado no dia 06 de novembro de 2021, a contar para a Liga 3, época desportiva 2021/2022.

27. Ora, em momento prévio à instauração do presente processo disciplinar, foi levada ao conhecimento da arguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 247.º-5 do RDFPF, toda essa factualidade – sendo que a mesma constava dos relatórios oficiais que se encontravam disponíveis na plataforma informática «Score», no Módulo «eArbitro», menu «Audiência Prévia», à qual a arguida poderia aceder para proceder à respetiva consulta –, tendo-lhe sido dada inclusivamente oportunidade de se pronunciar sobre a mesma (cfr. fls. 168 e 169).

28. Posteriormente, quando a arguida solicitou o acesso aos autos, a Senhora Instrutora informou-a de que o presente processo disciplinar tinha «como objeto os factos ocorridos no jogo n.º 210.02.046, entre a R………..SC SDUQ e a .......... SAD, realizado no dia 06 de novembro de 2021, a contar para a Liga 3», ou seja, precisamente os mesmos factos que, nos termos da acima citada notificação efetuada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 247.º-5 do RDFPF, já lhe tinham sido dados integralmente a conhecer e que constavam dos relatórios oficiais disponíveis na plataforma informática «Score».

29. Daí que, tendo os «factos que, em concreto, são objeto do processo», sido atempada e integralmente levados ao conhecimento da arguida, não se verifica qualquer incumprimento do disposto no artigo 234.º-3 do RDFPF, nem foi violado qualquer direito fundamental da mesma arguida, designadamente o previsto no artigo 268.º-1 da CRP.

Vejamos.

O art. 234.º, n.º 3, do RDFPF estabelece que “[o] processo disciplinar é secreto até ao fim da fase de inquérito, mas os arguidos têm o direito a serem informados acerca dos factos que, em concreto, são objeto do processo”.

Os “factos” que constituem o “objecto do processo” têm que ter a concretude suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente, a serem sujeitos a prova idónea (assim o concluiu o STJ no Ac. de 17-06-2004, PROC. 04P908). Sendo que o direito de defesa deve ser assegurado relativamente à materialidade dos factos integrantes da infração.

Ora, certo é que a Requerente foi informada pela Exma. Sra. Instrutora da Comissão de Instrução Disciplinar da FPF que o processo disciplinar tinha como objecto os factos ocorridos no encontro oficial n.º ………………, disputado entre a R eal…………………, SDUQ e a equipa da Requerente. Sendo que a dita factualidade constava dos relatórios oficiais que se encontravam disponíveis na plataforma informática «Score», no Módulo «eArbitro», «Audiência Prévia», à qual a arguida poderia aceder para proceder à respetiva consulta.

E do Relatório de ocorrências, dado por integralmente reproduzido supra, consta que:

1. Ao minuto 14, 26 e 44 os adeptos situados na bancada, setor 3, afeta ao clube visitante, identificados pelos adereços utilizados (bandeiras, cachecóis e camisolas) do clube visitante, .........., entoaram em coro, de forma perfeitamente audível e por diversas vezes o cântico: "Uhu Urso...uhu Urso", dirigindo-se inequivocamente ao sr. árbitro sempre que discordavam de alguma decisão deste.

2. Ao minuto 34 os adeptos situados na bancada, setor 3, afeta ao clube visitante, identificados pelos adereços utilizados (bandeiras, cachecóis e camisolas) do clube visitante, ..........., entoaram em coro, de forma perfeitamente audível e por diversas vezes o cântico:

"Joguem à bola paneleiros joguem à bola", dirigindo-se inequivocamente aos jogadores da equipa visitada sempre que estes últimos faziam uma falta.

3. Ao minuto 60 os adeptos situados na bancada, setor 3, afeta ao clube visitante, identificados pelos adereços utilizados (bandeiras, cachecóis e camisolas) do clube visitante, .........., entoaram em coro, de forma perfeitamente audível e por diversas vezes o cântico:

"Palhaços joguem á bola...palhaços joguem á bola", dirigindo-se inequivocamente aos jogadores da equipa visitada.

4. Ao minuto 44 e 79 os adeptos situados na bancada, setor 3, afeta ao clube visitante, identificados pelos adereços utilizados (bandeiras, cachecóis e camisolas) do clube visitante, .........., entoaram em coro, de forma perfeitamente audível e por diversas vezes o cântico:

"Gatuno...gatuno...gatuno", dirigindo-se inequivocamente ao sr. árbitro sempre que este decidiu algo com que não concordavam.

Donde, na análise perfunctória nesta sede exigida, os “factos que, em concreto, são objeto do processo”, foram levados ao conhecimento da arguida e ora Requerente, não se verificando qualquer incumprimento do disposto no artigo 234.º-3 do RDFPF, nem foi violado o direito fundamental consagrado no artigo 268.º, n.º 1, da CRP.

Não procede, por aqui, o alegado pela Requente.

Continuando, entende a Requerente que pelo facto de ter sido atribuída natureza urgente ao processo disciplinar, e de modo não fundamentado, viu o prazo para apresentação de Defesa Escrita diminuído para 2 dias úteis a contar da notificação da Acusação e teve oportunidade de indicar um máximo de 3 testemunhas. Acresce que não foi feita menção à redução dos prazos nas notificações efectuadas.

Sobre isto afirma a Requerida no acórdão suspendendo que o despacho de atribuição de carácter urgente ao processo não consubstancia um verdadeiro acto administrativo nos termos do art. 148.º do CPA, mas, em vez disso, um acto procedimental ou interlocutório, desprovido de eficácia externa, inserido numa sucessão instrumental necessária à formulação de uma decisão sancionatória, não acompanhando, consequentemente, o regime de notificação dos actos administrativos previsto no art. 114.º do CPA.

Dispõe o aludido art. 222.º do RDFPF:


Artigo 222.º Processos urgentes

1. O Presidente do Conselho de Disciplina, por iniciativa própria ou sob proposta do instrutor, ou do inquiridor ou do relator, pode determinar que o procedimento corra como processo urgente se houver razões que aconselhem essa tramitação, nomeadamente quando:

a) Esteja em causa a aplicação de sanção que determine, em concreto, uma subtração de pontos;

b) Esteja em causa infração cometida numa das três últimas jornadas de uma competição, ou fase de competição, por pontos, nos casos em que a decisão possa influir na tabela classificativa das equipas que sobem ou descem de divisão ou que sejam apuradas para a fase seguinte;

c) Esteja em causa infração cometida num jogo de competição, ou fase de competição, por eliminatórias, nos casos em que a continuidade do clube na competição esteja dependente da decisão;

d) Esteja em causa infração cometida fora de jogo oficial, nos casos em que a decisão possa influir na tabela classificativa das equipas que sobem ou descem de divisão ou que sejam apuradas para a fase seguinte ou possa influir na normal continuidade de uma competição, ou fase de competição, por eliminatórias.

2. Nos processos urgentes ficam sempre reduzidos a 2 dias úteis os prazos que tenham maior duração, nomeadamente para a defesa escrita, e o número de testemunhas a apresentar não pode ser superior a três.

3. Nos processos urgentes, a produção de prova é realizada perante o relator.

4. A classificação de processo urgente deve constar de todas as notificações e nelas deve ser feita referência ao presente artigo e ao encurtamento dos prazos.

(…)

Pela mera leitura do preceito é possível retirar-se que as situações-tipo que permitem a atribuição do carácter urgente ao processo são as constantes das alíneas a) a d) do n.º 1. Quanto a isso não há dúvidas.

Porém, de acordo com o n.º 1 desse artigo, poderá ser determinado que o procedimento corra como processo urgente “se houver [outras] razões que aconselhem essa tramitação”. Mas não basta a invocação deste n.º 1, como foi feito, para ser conferida natureza urgente ao processo.

A atribuição de natureza urgente estará reservada para situações mais gravosas, ponderosas, que imponham uma tramitação acelerada do processo. E para preenchimento desse conceito indeterminado - razões que aconselhem essa tramitação - foram elencadas determinadas situações que espelham essa mesma necessidade. A não ser assim não haveria necessidade de se fornecer casos exemplificativos determinativos da atribuição de natureza urgente aos processos. Ou seja, o exercício desse poder de atribuição de natureza urgente ao processo haverá de estar devidamente justificado, tudo dependendo, portanto, das circunstâncias do caso (sob pena desse poder ser arbitrário).

Ora, determinar-se, como foi feito, que os autos disciplinares têm natureza urgente com base no número 1 do art. 222.º do RDFPF, sem qualquer justificação associada, não é consentâneo com o regime que decorre desse mesmo art. 222.º. Existem razões que, no caso concreto, justifiquem a atribuição da natureza urgente ao processo? Quais são elas? Não sabemos, porque a decisão que assim o determina nada diz.

O que equivale à falta de fundamentação dessa decisão, constituindo a mesma um vício procedimental.

Porém, o certo é que o despacho atributivo de carácter urgente aos autos não afectou os direitos da arguida e ora Requerente. Como constante do acórdão suspendendo e confirmado pelos próprios autos, a atribuição de carácter urgente ao processo não teve por consequência a limitação das suas garantias de defesa. “A mesma, em devido tempo, apresentou a sua defesa escrita, nela tendo aflorado as temáticas que o caso concreto convoca e após ter alcançado, de modo evidente, os fundamentos das imputações que lhe vêm dirigidas (cujo conteúdo material atingiu, de forma plena, após confronto com os elementos probatórios dos autos).// Atente-se, aliás, que a arguida, para além de não ter – em momento algum – requerido prorrogação do prazo de defesa, muito menos alegou não lhe ser possível, no prazo concedido, a apresentação do seu articulado de defesa (que, no caso, apresentou, de forma desenvolvida). E, além disso, durante a instrução acompanhou a produção de prova, por si promovida, e teve, mais uma vez, oportunidade de apresentar a sua pronúncia, assim lhe tendo sido reconhecido pleno contraditório, tanto quanto às imputações deduzidas (que, nos termos que resulta do seu articulado, alcançou sem margem de dúvida), como no que concerne ao acervo probatório angariado”.

Mas a verdade é que do r.i. não consta alegação especifica da qual se possa retirar que a atribuição de natureza urgente ao processo tenha afectado, em concreto, os direitos de defesa Requerente.

Para além de que o vício de forma por falta de fundamentação não tem como consequência a nulidade do acto, mas sim a anulabilidade, a qual é o regime regra. Decorre dos artigos 152º a 154º do actual CPA que toda a fundamentação deve ser uma declaração (em regra) escrita, sob pena de anulabilidade nos termos do artigo 163º, n.º 1, do CPA. E como por nós já decidido, o vício de falta de fundamentação não é susceptível de inquinar o acto impugnado de nulidade por falta de um elemento essencial, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea g), do CPA (cfr. o ac. de 21.01.2021 deste TCAS, proc. n.º 2278/19.7BELSB, por nós relatado).

Razões que determinam a improcedência do alegado, também, nesta parte.

Posto isto, é tempo de entrar nas questões substanciais alegadas pela Requerida.

Afirma a Requerente que não praticou a infracção prevista no art. 62.º do RDDPF (comportamento discriminatório), que a decisão sancionatória “não demonstrou, nem sequer levemente, a responsabilidade do Requerente pelo comportamento discriminatório dos seus adeptos (i.e., produzindo prova de que a Demandante tolerou e/ou consentiu tal comportamento), desconsiderando, desta forma, o princípio da legalidade, na sua vertente de exigência de preenchimento do tipo”. Ou seja, não vem demonstrado “o preenchimento do tipo disciplinar do Comportamento Discriminatório do Público, o qual resultou na sanção de 1 (um) jogo à porta fechada, não demonstrando, nem sequer levemente, a responsabilidade do Requerente pelo comportamento discriminatório dos seus adeptos (i.e., produzindo prova de que a Demandante tolerou e/ou consentiu tal comportamento), desconsiderando, desta forma, o princípio da legalidade, na sua vertente de exigência de preenchimento do tipo”.

Quanto aos factos em causa, praticados pelo público, e que vêm descritos no probatório, dúvidas não temos que os mesmos ocorreram. Foram entoados em coro, de forma audível e por diversas vezes, os cânticos: «Joguem à bola paneleiros joguem à bola», «Uhu Urso...uhu Urso», «Palhaços joguem à bola...palhaços joguem à bola», «Gatuno...gatuno...gatuno».

Neste ponto, a motivação da decisão sobre a matéria de facto constante do acórdão suspendendo é suficiente e esclarecedora:

Conforme suprarreferido a propósito da prova no direito disciplinar desportivo, os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da FPF no exercício de funções, e constantes de relatórios de jogo ou de relatórios de ocorrências e de declarações complementares, gozam de um valor probatório especial que, não obstante, não é imune a uma contraprova qualificada e sustentada por meios de prova que debilitem a respetiva presunção de veracidade.

Assim, perante tal presunção de veracidade, a todos quantos pretendam sindicar e/ou refutar a materialidade relatada por árbitros e Delegados da FPF, desde que diretamente percecionados no exercício das respetivas funções oficiais, impõe-se um especial esforço probatório, exigindo-se-lhes a apresentação de prova bastante para legítima e racionalmente questionar, colocar fundadamente em causa ou justificadamente pôr em dúvida, a veracidade dos factos narrados nos relatórios oficiais ou declarações complementares. Desse modo, o valor probatório reforçado de que gozam tais relatórios oficiais apenas será abalado quando, perante a prova produzida, existam fundadas razões para acreditar que o seu conteúdo não é verdadeiro.

Ora, no que se refere à factualidade em apreço, tal não se verificou, uma vez que a arguida não trouxe aos autos elementos probatórios que «fundadamente» contrariem as acima citadas imputações que constam do «RELATÓRIO DE OCORRÊNCIAS» do Delegado da FPF.

Nesse sentido, atente-se que, muito embora seja verdade que o Observador N…………. referiu não ter ouvido os cânticos em causa – circunstância que nos parece poder ter ficado a dever-se ao facto de os adeptos da .......... SAD, como o Observador referiu, se encontrarem, relativamente ao local onde aquele estava, «de forma afastada, na extremidade direita da bancada» (cfr. 62 a 64) –, o mesmo tendo sucedido com a testemunha P……………jogador da R …………. SC SDUQ presente no jogo – o que também pode ser explicado pela circunstância de, conforme o próprio referiu, «estando dentro do campo muitas vezes não ligamos ao que se passa cá fora» (cfr. fls. 54 e 55) –, também não deixa de ser verdade que o comportamento dos adeptos da arguida vem pormenorizadamente descrito no citado «RELATÓRIO DE OCORRÊNCIAS» do Delegado da FPF. Por outro lado, importa sobremaneira realçar que, conforme foi acima referido, o relato dos acontecimentos efetuado pelo Delegado da FPF no seu «RELATÓRIO DE OCORRÊNCIAS» resulta confirmado pela visualização do vídeo do jogo oficial n.º 210.02.046 que se encontra juntos aos autos (cfr. fls. 53).

Por outro lado, e recorrendo novamente ao teor do «RELATÓRIO DE OCORRÊNCIAS» do Delegado da FPF, é inequívoco que os autores das expressões em causa eram adeptos da arguida, tendo os mesmos sido «identificados pelos adereços utilizados (bandeiras, cachecóis e camisolas) do clube visitante» (cfr. fls. 18 a 20).

Mas neste domínio, importa também averiguar o preenchimento subjectivo do tipo.

Diz-se no mesmo acórdão o seguinte:

93. Contudo, também como se viu, o art.º 62.º, n.º 1 do RDFPF, para que seja possível proceder à imputação objetiva do referido comportamento à arguida, requer a existência de conduta deliberada da mesma, demonstrativa de que esta promoveu, consentiu ou tolerou aquela conduta.

94. Ora, a esse respeito cumpre referir que, conforme foi dado como provado nos pontos 11), 12), 13) e 14) dos factos provados, não obstante as citadas expressões proferidas pelos adeptos da .......... SAD terem sido percetíveis em todo o estádio, nenhum elemento desta última adotou qualquer atitude durante o jogo para fazer cessar ou sequer para repudiar tais condutas.

95. Importa ainda salientar que, muito embora não se ignore que o jogo não decorreu no recinto desportivo da arguida, não se descortina que desse facto tenha resultado para a mesma um impedimento absoluto de adoção de atitudes de repúdio de tais condutas.

96. Na verdade, se essa fosse verdadeiramente a sua intenção, nada teria impedido a arguida de, designamente, dirigir-se diretamente aos adeptos manifestando o seu repúdio pelas condutas em causa – atente-se que o banco de suplentes da arguida se encontrava junto à bancada onde estavam reunidos os respetivos adeptos –, ou de solicitar a intervenção dos responsáveis pela segurança do recinto desportivo com vista à cessação dessas mesmas condutas.

97. Encontra-se demonstrado, pois, que a .......... SAD tolerou o comportamento dos seus adeptos, e que, de forma consciente e voluntária, nada fez para o mesmo cessasse”.

Aqui divergimos do que vem entendido no acórdão.

Com efeito, no caso concreto, em face do probatório fixado, nenhum facto vem provado que permita sustentar a afirmação de que se encontra “demonstrado, pois, que a .......... SAD tolerou o comportamento dos seus adeptos, e que, de forma consciente e voluntária, nada fez para o mesmo cessasse”. É que os factos indicados – os 11), 12), 13) e 14) -, aqui relevando o 14), que consignou que “os agentes desportivos da .......... SAD apesar de terem sido conhecedores do comportamento dos seus adeptos descrito no ponto 10), não tomaram qualquer atitude durante o jogo para fazer cessar ou sequer para repudiar tais condutas, comportam em si um juízo valorativo conclusivo que se prende com o conhecimento do comportamento dos adeptos e ausência de atitudes durante o jogo, que não é compatível com a demais prova constante dos autos.

Veja-se que, como constante do que vem provado no facto i) supra, “[q]uando perguntado: “[e]m algum momento do jogo os agentes desportivos do FC .......... SAD, presentes no jogo, foram informados ou tomaram conhecimento do comportamento adotado pelos seus adeptos?”, o Delegado da FPF referiu que: “[r]elativamente à terceira questão afirmo que não, não informei no decurso do jogo e somente o fiz no final do mesmo e não me foi possível verificar qual a atitude que os agentes adotaram perante os cânticos”.

Com efeito, não só consta de relatório oficial – do Delegado ao jogo – que os responsáveis técnicos do Clube não foram informados dos impropérios no decurso do jogo, como o mesmo delegado não pode verificar qual a atitude por estes adoptada durante o jogo.

Donde, perante isto, no juízo sumário que aqui cumpre efectuar, não se pode afirmar com a certeza exigível no procedimento sancionatório, tributário do processo penal, que tenha existido uma conduta, no caso omissiva, relevante para a culpabilidade do agente.

Para além de que, como ficou igualmente provado, do relatório do jogo da Equipa de Arbitragem não é feita qualquer menção ao comportamento dos adeptos, tendo no mesmo sido deixado em branco o campo destinado às observações.

Não tem, portanto, arrimo nos factos, a afirmação de que se encontra “demonstrado, pois, que a .......... SAD tolerou o comportamento dos seus adeptos, e que, de forma consciente e voluntária, nada fez para o mesmo cessasse. // Convocando o que acima se disse, resta concluir pela verificação dos pressupostos subjetivos de que depende a responsabilização da arguida .......... SAD à luz do art. 62.º, n.º 1, do RDFPF, porquanto a mesma, conforme resulta da factualidade dada como provada, agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), porque tolerante e/ou complacente para com as condutas discriminatórias – em função da orientação sexual – dos seus adeptos verificadas ao minuto 34 do jogo, consubstanciava comportamento previsto e sancionado pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo e, ainda assim, pretendeu efetivamente adotá-lo”. Não se encontra demonstrado que o clube haja consentido, tolerado ou muito menos promovido, as intervenções do público que aqui vêm descritas e que estão na origem da imputação contra-ordenacional.

O que significa, por outro prisma, que aqui deveria ter sido dado como não preenchido o tipo de ilícito, face à ausência de prova suficiente da prática da infracção prevista no art. 62.º, n.º 1, do RDFPF (comportamento discriminatório), o qual exige prevê que “[o] clube que promova, consinta ou tolere qualquer tipo de conduta, escrita ou oral, que ofenda a dignidade de agente desportivo ou espectador em razão da sua ascendência, género ou identidade de género, deficiência, raça, nacionalidade, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual, é sancionado com realização de 2 a 5 jogos à porta fechada e cumulativamente com multa entre 10 e 30 UC” [sublinhado nosso].

Note-se que o preenchimento do tipo contra-ordenacional não se basta com a prática de qualquer tipo das condutas que nele vêm descritas, exigindo que o clube tenha praticado também uma actividade, por acção ou por omissão, de promoção, consentimento ou tolerância perante as mesmas; o que carece de demonstração efectiva. Não se está aqui perante uma situação de dever de garante, fundador de uma responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso.

Assiste, portanto, razão à Requerente quando alega que inexistem factos que permitam sustentar a imputação, na sua esfera jurídica, dos factos ilícitos.

E tanto basta, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, para que se possa concluir pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pela Requerente.

Isto estabelecido, vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se detecta é que o periculum in mora alegado funda-se, como se disse já, no que deriva da aplicação de 1 jogo à porta fechada, concretamente nos efeitos dessa sanção a nível patrimonial e a nível desportivo. Neste ponto evidencia a Requerente que a execução imediata da sanção “causará danos irreparáveis e compromete seriamente o seu principal objetivo desportivo, o qual se traduz no acesso às competições profissionais, assim como financeiro, uma vez que os encontro decisivos são naturalmente mais concorridos e também nos quais os patrocinadores mais esperam ver as contrapartidas que acordadas serem cumpridas”.

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, é incontornável que a aplicação da sanção comporta uma lesão grave e dificilmente reparável.

Não se entende que o valor da multa, no valor global de EUR 1.836,00, seja particularmente elevada – o que aliás é reconhecido pela Requerente -, nem se pode dar como provado, face à total ausência de elementos de prova para o efeito, que a privação da receita de bilheteira resulte numa incapacidade de a Requerente cumprir com muitos dos compromissos comerciais que celebrou com os seus parceiros e patrocinadores. O que é determinante é que, como também alegado, o jogo decorrerá sem adeptos nas bancadas e sem o seu natural apoio; algo que, realizado o jogo, já não é susceptível de reconstituição.

Como afirmado pela Requerente, esta “jamais poderá ser compensada, sobretudo desportivamente, se indevidamente cumprida a sanção de 1 (um) jogo à porta fechada”.

Trata-se enfim, para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, de uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso a Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objecto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA).

Deste modo, tudo ponderado, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao tribunal verificar se o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC). Isto é, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos. O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Ora, certo é que não vislumbramos que o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva; o que é consequência “natural”, aliás, do provimento da medida cautelar (cfr. a nossa decisão de 7.02.2022, proc. n.º 34/22.4BCLSB).

Com efeito, não se entende que a não execução imediata da sanção seja susceptível de afectar, e muito menos de modo grave, a esfera jurídica da Requerida e dos valores que a mesma defende no processo. Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que sempre não seria o caso, dado que, a ser confirmada na acção principal a sanção aplicada, nada obstará à efectiva aplicação desta.

Pelo que, tudo visto, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).



VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto decide-se:

- Julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da sanção aplicada à Requerente, Futebol Clube de .......... – Futebol SAD, em 25.03.2022, pelo Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do processo disciplinar n.º 50-2021/2022 (urgente).

Custas da responsabilidade da Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Pedro Marchão Marques
Juiz presidente