Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20/24.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores: JUSTIÇA DESPORTIVA – CLUBE – ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI DA AMNISTIA
Sumário:I– A amnistia é uma das causas de extinção do procedimento criminal (cfr. artigos 127º, nº 1 e 128º, nº 2 do Código Penal), actuando “sobre a própria infracção cometida, retirando-lhe todos os efeitos, tudo se passando, sob o ponto de vista penal, como se ela não tivesse sido praticada”, isto é, sobre factos passados, embora projectando os seus efeitos no futuro, de forma impessoal e objectiva.
II– A natureza e os efeitos das leis da amnistia conferem-lhes características muito especiais: são leis retroactivas – na medida em que se aplicam a factos passados, nunca a factos futuros –, de regulamentação casuística, fragmentária e tabelar – porquanto fornecem a lista seleccionada, e necessariamente limitada, das infracções abrangidas pelas medidas que introduzem – e empregam exclusivamente conceitos determinados, de conteúdo limitado, a fim de desviar o intérprete do erro de alargar ou restringir a lista, incluindo na letra da lei aquilo que não cabe no seu espírito ou excluindo factos que as mesmas visam abranger.
III– O âmbito subjectivo de aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não é igual, consoante se trate de condutas com relevância criminal ou meramente contra-ordenacional ou disciplinar. Para as primeiras, decorre do artigo 2º, nº 1, que “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º”, limitando pois a lei os seus efeitos até um determinado limite temporal (00:00 horas do dia 19 de Junho de 2023) mas, sobretudo, desde que os ilícitos tenham sido praticados por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
IV– Por outro lado, como decorre do disposto no nº 2 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, estão igualmente abrangidas pela presente lei as (a) sanções acessórias relativas a contra-ordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5º, e (b) as sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º.
V– Este artigo 6º limita-se a afirmar que “são amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”, nada dispondo sobre quaisquer limites etários para a aplicação da medida de clemência aí prevista.
VI– As duas únicas condições necessárias para a aplicação da amnistia a infracções disciplinares e a infracções disciplinares militares consiste em as mesmas não (i) constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e (ii) cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
VII– E, assim como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não elegeu como condição para a aplicação da amnistia qualquer critério etário, é igualmente manifesto que também não distinguiu entre infracções cometidas por pessoas singulares ou por pessoas colectivas, sendo certo que o legislador não desconhece que as infracções disciplinares, nomeadamente as que derivam do ordenamento jus-desportivo são, senão maioritariamente, também cometidas por clubes ou associações desportivas.
VIII– Ora, onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, tanto mais que as medidas da graça (entre as quais se inclui a amnistia) são providências excepcionais e, portanto, as normas que as concedem devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições expressas.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL


I. RELATÓRIO
1. O R………Clube, com os sinais dos autos, impugnou junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) a decisão do Conselho de Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal, de 21 de Março de 2023, proferida no âmbito do Processo Disciplinar nº P……./2223…., que o sancionou, pela prática de 6 (seis) infracções disciplinares, nos termos do disposto no artigo 194º, nºs 1, 2, alínea e) e 3, conjugado com o artigo 211º do Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Patinagem, punindo-o, em cúmulo jurídico, com a sanção disciplinar única de € 9.120,00 (nove mil, cento e vinte euros), correspondente a soma das seis infracções disciplinares.
2. Por acórdão arbitral datado de 15-12-2023, o TAD decidiu por unanimidade considerar aplicável aos autos o disposto nos artigos 2º, nº 2, alínea b) e 6º, ambos da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), declarando amnistiadas as infracções disciplinares pelas quais o dito clube foi condenado.
3. Inconformada com tal decisão, a Federação de Patinagem de Portugal interpôs recurso de apelação da mesma para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1ª – Como é do conhecimento geral, a presente Lei da Amnistia surge na sequência da realização em Portugal das Jornadas Mundiais da Juventude, encontrando a sua fundamentação, enquanto medida de clemência, na realização de tal evento e da vinda de Sua Santidade, o Papa Francisco. Tal medida de clemência, é sempre considerada como providência de excepção e como tal, deve ser interpretada nos exactos termos em que está redigida, com respeito pelo preceituado no artigo 99 do Código Civil;
2ª – Analisada a Lei da Amnistia, no seu artigo 2º – delimitação do âmbito de aplicação –, dispõe o seguinte:

«Artigo 2º
Âmbito
1 – Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º.
2 – Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) Sanções acessórias relativas a contra-ordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5º;
b) Sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º».
3ª – Deste artigo, retira-se que estão abrangidos pela lei em causa, sanções penais relativas a ilícitos praticados por pessoas entre 16 e 30 anos de idade (à data da prática do facto) e as sanções acessórias relativas a contra-ordenações e as sanções referentes a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares (cuja sanção não seja suspensão ou prisão disciplinar), sendo o artigo 2º o delimitador quanto ao âmbito de aplicação, até porque a epígrafe do mesmo é "Âmbito", a sua aplicação é a que nela consta, não nos podendo desviar do que consta do teor do citado normativo. E em tal normativo, não consta qualquer menção/inclusão de pessoas colectivas e/ou equiparadas.
4ª – O douto Tribunal recorrido, considerou que:
«Dissentimos, com a devida vénia, que o âmbito do referido diploma compreenda apenas as pessoas singulares, sob pena de insanável subversão da ratio legis subjacente àquele dispositivo.
Prius, este entendimento deixa-se compreender pela unidade do sistema jurídico, a ratio legis, o princípio de interpretação contido no artigo 9º, nº 3 do Código Civil, e o espírito da lei, que numa dimensão teleológica e de fundamento, pelo menos, apontam no sentido de o artigo 2º da LA abarcar as pessoas colectivas.
Alter, a norma que nos ocupa não exclui ou afasta do seu âmbito as pessoas colectivas – ubi eadem ratio, ibi eadem legis disposito».
5ª – No entendimento da recorrente, a fundamentação constante do douto acórdão recorrido é errada, pois olvida o facto essencial de estamos perante uma providência de excepção, pelo que a mesma deve ser interpretada nos exactos termos em que está redigida, pois enquanto norma de excepção, encontra-se vedada a interpretação extensiva operada pelo tribunal recorrido.
6ª – Tal entendimento defendido pela recorrente, devidamente analisado quer na Jurisprudência, quer na doutrina, encontra respaldo nos acórdãos nº 9/96, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República I–Série A, de 18.11.1996, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.07.1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 369, Out. de 1987, p. 381 a 385.
7ª – Que esclarecem o modo de interpretação possível da lei de amnistia, resultando de tal esclarecimento o oposto do que o Tribunal recorrido colocou em destaque na sua douta fundamentação: no acórdão recorrido em questão, existiu interpretação extensiva da letra da lei, de modo a incluir no seu âmbito de aplicação as pessoas colectivas, quando os conceitos determinados na lei e o elemento gramatical dos mesmos – enquanto elementos únicos de interpretação – não fazem qualquer menção expressa, determinada e/ou declarada quanto a essa aplicação.
8ª – Para finalizar, e no entender da recorrente, quanto à aplicação da Lei da Amnistia às pessoas colectivas, se analisarmos a redacção do artigo 2º, onde no nº 1, se alude a ilícitos praticados ...por pessoas, sendo que esse número 1 que constitui a base para o desenvolvimento constante do nº 2, que culmina na limitação constante do artigo 6º, ao considerar amnistiadas as infracções disciplinares e disciplinares militares cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, que correspondem precisamente a consequências disciplinares que apenas são susceptíveis de aplicação a pessoas singulares, resulta óbvia a não aplicação e o erro manifesto de interpretação efectuado pelo douto tribunal recorrido”.
4. O R………Clube apresentou contra-alegação, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
1. O (recurso do) acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) deve ser rejeitado, porque aquela decisão não merece qualquer censura, já que consubstancia a solução que consagra a mais justa interpretação e aplicação a este caso sub judice das normas legais e princípios jurídicos competentes, designadamente, a aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.
2. Ao contrário do decidido pelo TAD, a recorrente considera que a Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, conhecida como Lei da Amnistia, não se aplica a pessoas colectivas e, portanto não poderia ser aplicada à demandante, aqui recorrida.
3. Com o devido respeito, aquele entendimento da recorrente não poderá colher, uma vez que, analisada aquela Lei, considerar-se-ão amnistiadas as infracções disciplinares, que cumulativamente: respeitem a factos ocorridos em data anterior a 19-6-2023; não constituam concomitantemente ilícitos penais; sejam puníveis com sanção de suspensão ou com sanção de natureza igual ou inferior.
4. As sanções de multa aplicáveis a agente desportivo, por factos praticados em data anterior a 19-6-2023 e que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados, são sanções disciplinares "não superiores" à sanção de suspensão, para efeitos de aplicação do artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.
5. No caso concreto, podemos constatar que se encontram reunidos todos aqueles requisitos, remanescendo como única questão a que foi suscitada pela demandada nas suas alegações de recurso, quanto à amnistia não se aplicar às pessoas colectivas.
6. Não assiste, porém, razão à recorrente, pois presume-se que o legislador soube expressar correctamente a sua vontade, sendo que, se o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir (artigo 9º, nº 3 do Código Civil).
7. Quanto à Lei em apreço, o legislador não distinguiu infracções disciplinares praticadas por pessoas singulares de infracções praticadas por pessoas colectivas, limitando-se a prever que a lei abrange as sanções relativas a infracções disciplinares cometidas nas circunstâncias temporais ali descritas e com os limites de gravidade previstos no seu artigo 6º.
8. Se o legislador pretendesse que as sanções acessórias relativas a contra-ordenações e as sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares, fossem aplicadas apenas a uma determinada fixa etária (como sucede na previsão do nº 1 do artigo 2º da mencionada Lei), ou apenas às pessoas singulares e não às colectivas, tê-lo-ia expressado.
9. Tem, nessa parte, carácter puramente objectivo (o mesmo já não ocorrendo no que respeita a matéria penal), pelo que deve ser aplicável também às pessoas colectivas, desde que se tratem de sanções relativas a infracções disciplinares que cumpram quer o critério temporal previsto no artigo 2º, nº 2, alínea b), quer o critério de gravidade expresso no artigo 6º daquela lei.
10. Como tal, as infracções disciplinares em causa nos autos, de que o demandante vinha condenado, encontram-se amnistiadas.
11. Conforme bem decidiu o TAD, pelo que entendemos que a douta decisão por este tribunal proferida não merece qualquer censura ou reparo”.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitido douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, atendendo às conclusões formuladas pela recorrente, a única questão a apreciar no presente recurso consiste em determinar se a amnistia decretada pelo artigo 6º da Lei nº 38º-A/2023, de 2/8, aproveita ao recorrido R………Clube, pessoa colectiva, porquanto, no entender daquela, tais medidas de clemência apenas aproveitam a pessoas singulares, mas não já a pessoas colectivas.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. Por não ter sido objecto de impugnação, nem ser caso de alteração da matéria de facto, remete-se para os factos dados como assentes pela sentença recorrida, nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPCivil.

B – DE DIREITO
10. Como decorre dos autos, o R………Clube foi punido, por decisão do Conselho de Disciplina da Federação de Patinagem de Portugal, de 21-3-2023, proferida no âmbito do Processo Disciplinar nº P……./2223…., pela prática de 6 (seis) infracções disciplinares, nos termos do disposto no artigo 194º, nºs 1, 2, alínea e) e 3, conjugado com o artigo 211º do Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Patinagem, em cúmulo jurídico, com a sanção disciplinar única de multa de € 9.120,00 (nove mil, cento e vinte euros), correspondente a soma das seis infracções disciplinares praticadas.
11. Impugnada tal sanção junto do TAD, este, por acórdão arbitral datado de 15-12-2023, decidiu por unanimidade considerar aplicável aos autos o disposto nos artigos 2º, nº 2, alínea b) e 6º, ambos da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), declarando amnistiadas as infracções disciplinares pelas quais o dito clube foi condenado.
12. É relativamente a esta decisão que a Federação de Patinagem de Portugal interpõe recurso de apelação para este TCA Sul, sustentando que a amnistia decretada pelo artigo 6º da Lei nº 38º-A/2023, de 2/8, não aproveita ao recorrido R………Clube, pessoa colectiva, porquanto, no seu entender, tais medidas de clemência apenas aproveitam a pessoas singulares, mas não já a pessoas colectivas.
Vejamos se lhe assiste razão.
13. Como é pacífico, a amnistia é uma das causas de extinção do procedimento criminal (cfr. artigos 127º, nº 1 e 128º, nº 2 do Código Penal), actuando, tal como se decidiu no assento do STJ, de 29 de Janeiro de 1969, publicado no BMJ, nº 183, a págs. 131, “sobre a própria infracção cometida, retirando-lhe todos os efeitos, tudo se passando, sob o ponto de vista penal, como se ela não tivesse sido praticada”, isto é, sobre factos passados, embora projectando os seus efeitos no futuro, de forma impessoal e objectiva.
14. A natureza e os efeitos das leis da amnistia conferem-lhes características muito especiais: são leis retroactivas – na medida em que se aplicam a factos passados, nunca a factos futuros –, de regulamentação casuística, fragmentária e tabelar – porquanto fornecem a lista seleccionada, e necessariamente limitada, das infracções abrangidas pelas medidas que introduzem – e empregam exclusivamente conceitos determinados, de conteúdo limitado, a fim de desviar o intérprete do erro de alargar ou restringir a lista, incluindo na letra da lei aquilo que não cabe no seu espírito ou excluindo factos que as mesmas visam abranger.
15. Deste modo, o emprego de conceitos determinados faz sobressair a importância do elemento gramatical na interpretação deste tipo de leis, pois esse elemento de interpretação revela-se a única via de descoberta do elemento racional ou teleológico, o mesmo é dizer que a interpretação de uma lei de amnistia é sempre uma interpretação declarativa no seu resultado, porque “nesta o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo” (cfr., neste sentido, Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, a pág. 185).
16. Isto mesmo é salientado por Maia Gonçalves, constituindo um ensinamento dogmaticamente incontroverso, resultante da análise de numerosa jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que as medidas da graça (entre as quais se conta a amnistia) são providências excepcionais e, portanto, as normas que as concedem devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições expressas (cfr., neste sentido, o acórdão do STJ, de 12-6-1996, proferido no âmbito do processo nº 96P472; e ob. e autor citado, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4, fascículo 1, pág. 10).
17. Um olhar mais detalhado sobre a Lei nº 38-A/2023, de 2/8, permite desde logo retirar uma conclusão: o âmbito subjectivo de aplicação da mesma não é igual, consoante se trate de condutas com relevância criminal ou meramente contra-ordenacional ou disciplinar. Para as primeiras, decorre do artigo 2º, nº 1, que “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º”, limitando pois a lei os seus efeitos até um determinado limite temporal (00:00 horas do dia 19 de Junho de 2023) mas, sobretudo, desde que os ilícitos tenham sido praticados por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
18. Por outro lado, decorre do disposto no nº 2 do artigo 2º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, que estão igualmente abrangidas pela presente lei as (a) sanções acessórias relativas a contra-ordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5º, e (b) as sanções relativas a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º. Ora, este artigo 6º limita-se a afirmar que “são amnistiadas as infracções disciplinares e as infracções disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”, nada dispondo sobre quaisquer limites etários para a aplicação da medida de clemência aí prevista. Com efeito, as duas únicas condições necessárias para a aplicação da amnistia a infracções disciplinares e a infracções disciplinares militares consiste em as mesmas não (i) constituírem simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e (ii) cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
19. E, assim como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não elegeu como condição para a aplicação da amnistia qualquer critério etário, é igualmente manifesto que também não distinguiu entre infracções cometidas por pessoas singulares ou por pessoas colectivas, sendo certo que o legislador não desconhece que as infracções disciplinares, nomeadamente as que derivam do ordenamento jus-desportivo são, senão maioritariamente, também cometidas por clubes ou associações desportivas.
20. Ora, onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, tanto mais que, como acima se disse, as medidas da graça (entre as quais se inclui a amnistia) são providências excepcionais e, portanto, as normas que as concedem devem ser interpretadas e aplicadas nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições expressas.
21. Deste modo, nenhum reparo há a fazer ao acórdão arbitral recorrido, quando concluiu que à conduta pela qual o R………Clube tinha sido sancionado era aplicável o disposto nos artigos 2º, nº 2, alínea b) e 6º, ambos da Lei nº 38-A/2023, de 2/8 (Lei da Amnistia), declarando amnistiadas as infracções disciplinares pelas quais o dito clube foi condenado.

IV. DECISÃO
22. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão arbitral recorrido.
23. Custas a cargo da Federação de Patinagem de Portugal.
Lisboa, 11 de Abril de 2024

(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)

(Maria Helena Filipe – 1ª adjunta)

(Frederico Macedo Branco – 2º adjunto)