Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05675/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/19/2011
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:EXONERAÇÃO A PEDIDO DO INTERESSADO.
ARTIGO 26º 3 DO DECRETO-LEI Nº 17/2007.
INEXISTÊNCIA DE DIREITO A INDEMNIZAR
Sumário:O direito à indemnização previsto no artigo 26º nº3 do Dec.Lei nº 71/2007, de 27 de Maio não se verifica nos casos de exoneração a pedido do gestor interessado, mas tão somente nos casos de demissão por mera conveniência de serviço.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul

1- Relatório
Francisco ................, residente na Av.ª ......................., em Lisboa, intentou no TCA de Lisboa, contra a Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E., com sede na Avª Elias Garcia, nº103, Lisboa, acção administrativa comum, com processo ordinário, formulando o pedido de condenação da R. a pagar ao A. a quantias de €105.000, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos desde 18.12.2007, até integral pagamento.
Por sentença de 23.07.2009, o Mmº Juiz “ a quo” julgou a acção procedente.
Inconformado, a A.N.C.P. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
a) A douta sentença deu como provada a Resolução do Conselho de Ministros nº48-A/2007, em que se exonerou o A. do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Ré, a seu pedido:

b) O A. nunca pediu a anulação ou a declaração de ilegalidade da Resolução do Conselho de Ministros n.°48-A/2007, que constitui, assim, um acto administrativo inteiramente válido e eficaz;

c) A exoneração poderá ser definida como a desocupação de um lugar determinada por pedido do seu titular ou imposta pela conveniência do serviço, tendo na sua base um acto jurídico lícito;

d) A exoneração a pedido implica necessariamente um prévio acto voluntário de desistência, de abdicação, uma livre manifestação de vontade do gestor de fazer cessar a relação jurídica que mantém com a empresa pública;

e) A cessação de funções não decorre da exoneração mas directamente do acto revogatório promovido pelo A., que lógica e cronologicamente, o precedeu;

f) O acto de exoneração, em sim mesmo, releva enquanto contraponto do acto de nomeação e enquanto publicitação da cessação de funções, sendo distinto do acto de revogação unilateral que lhe deu causa;

g) Na situação em que é o próprio gestor que voluntariamente pede a sua exoneração, não se verificam os pressupostos de aplicação do artigo 26.° do Dbcreto-lei n.°71/2007, de 27 de Março, porquanto, nem a causa da cessação do vínculo esteve na mera conveniência do órgão de nomeação, nem o gestor público viu defraudadas as suas legítimas expectativas de levar o seu mandato até ao fim;

h) A tutela indemnizatória prevista no n.°3 do artigo 26.° do Decreto-lei n.°71/2007, de 27 de Março, é somente aplicável "nos casos previstos no presente artigo", ou seja, nas situações de demissão por mera conveniência;

i) Nos termos da lei comercial, para que remete o artigo 27.° do Decreto-lei n°71/2007, de 27 de Março, nomeadamente, do artigo 404.° do Código das Sociedades Comerciais, o gestor poderá livremente renunciar ao cargo mas, e contrariamente ao que acontece em caso de destituição, artigo 403.° do CSC, o gestor que renúncia ao seu cargo não terá direito a qualquer indemnização pela cessação de funções;

j) É materialmente injusto e desequilibrado atribuir a um gestor que livre e voluntariamente abdica, na sua vigência, do mandato que lhe foi conferido, uma indemnização equivalente aos vencimentos que auferiria se o cumprisse até ao seu término;

k) O douto tribunal a quo faz uma errónea interpretação da lei quando julga a acção procedente por aplicação do n.°3 do artigo 26.° do Decreto-lei n.° 71/2007, de 27 de Março;

I) Quando, ao invés, deveria ter feito a aplicação do disposto no artigo 21º do mesmo diploma e, em consequência, absolvido a Ré do pedido.
O A. contra-alegou, concluindo como segue:
1ª - A ora Recorrente fundamenta o presente recurso num alegado erro de julgamento de que padeceria a sentença sub judice por, no entender da Recorrente, a mesma dar por provado que o Recorrido tinha pedido a sua exoneração, devendo, por isso, aplicar o regime do art. 27 do EGP.

2ª - Porém, na alínea c) do ponto III da sentença, o Tribunal a quo limitou-se a constatar um facto: a publicação, constante do Diário da República II Série n.°242, de 17 de Dezembro de 2007, da Resolução do Conselho de Ministros n.°48-A/2007 que exonerou o Recorrido.

- Nessa alínea c), o Tribunal a quo não retirou - nem podia retirar – qualquer conclusão (que, aliás, apenas poderia vir a integrar a matéria de direito).

- Não merece, pois, qualquer reparo a selecção da matéria de facto efectuada no ponto III da sentença subjudice, que deverá ser mantida.

5.a - Os actos de renúncia, por razões de salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado e da idoneidade profissional e pessoal dos gestores públicos, têm de ser expressos, não valendo um (alegado) silêncio (que, aliás, é posterior) como declaração (cfr. art. 218 do Código Civil).

6.a - Bem andou, por isso, a sentença ao aplicar ao caso o regime do art. 26, nº 1 do EGP, que atribui à entidade que nomeia o gestor público o poder de livremente o exonerar, com fundamento na mera oportunidade ou conveniência da sua cessação de funções.

7.a - Uma vez exercida esta faculdade, a lei determina que o gestor público tem direito a uma indemnização que corresponde aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor (cfr. n.°3 do art. 26 do EGP).

8.a - O pagamento dessa indemnização, como decidiu o Tribuna a quo, é da competência da Recorrente, tendo em conta a sua capacidade jurídica e autonomia financeira e patrimonial (cfr. arts. 1.° e 2.° do DL. n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, e arts. 25 e 26 do DL. n.°558/99, de 17 de Dezembro, com a redacção que DL. n.°300/2007, de 23 de Agosto).

9.a - Para que as conclusões de Direito da Recorrente estivessem certas, seria necessário que factos fossem como esta os descreveu, mas não são: o acto de renúncia nunca existiu, nem foi, no tempo próprio, feita a prova da sua existência.

10.a - Andou, por isso, bem o Mmo. Juiz a quo ao julgar procedente a presente acção, condenando a Recorrente ao pagamento da indemnização legalmente devida, devendo esta decisão ser mantida.
O Ministério Público não emitiu parecer.
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2- Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1) No Diário da República II Série n°88, de 8 de Maio de 2007 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n°17/2007 com o seguinte teor:
Resolução n.° 17/2007
Através do Decreto-Lei nº37/2007, de 19 de Fevereiro, foi criada a Agência Nacional de Compras Públicas, E. P. E., abreviadamente designada por ANCP, que tem por objecto gerir, de forma centra­lizada o sistema nacional de compras públicas (SNCP) e o parque de veículos do Estado (PVE). A criação desta entidade pública empre­sarial assentou num dos objectivos reformadores ditados pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.°39/2006, de 21 de Abril.
Nos termos do n.°1 do artigo 8.° dos Estatutos da ANCP, aprovados pelo Decreto-Lei n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, o conselho de administração da ANCP é composto por um presidente e dois vogais nomeados por resolução do Conselho de Ministros, sob proposto membro do Governo responsável pela área das finanças. O nº4 do mesmo artigo determina que o mandato dos membros do conselho directivo tem a duração de três anos civis, sendo renovável por iguais períodos, até ao limite de três, permanecendo aqueles no exercício das suas funções até efectiva substituição ou declaração da cessação das mesmas.
Torna-se, assim, necessário nomear o presidente e os vogais do conselho de administração da ANCP, de entre pessoas com reco­nhecida idoneidade, independência e competência no âmbito do objecto da empresa.
Assim:
Ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 8.° dos Estatutos da Agência Nacional de Compras Públicas, E. P. E., aprovados pelo Decreto-Lei n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, e nos termos da alínea g) do artigo 199.° da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 —Nomear, sob proposta do Ministro de Estado e das Finanças, o mestre Francisco .........., o Doutor Manuel ............... e o licenciado Armando .................. nos cargos respectivamente, de presidente e de vogais do conselho de administração da Agência Nacional de Compras Públicas. E, P. E.
2 — Determinar que a presente resolução entra em vigor no seguinte ao da sua publicação.

2) No Diário da República II Série n°242, de 17 de Dezembro de 2007 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n° 48-A/2007 com o seguinte teor:
PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Conselho de Ministros
Resolução nº 48-A/2007
Através do Decreto-Lei n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, foi criada a Agência Nacional de Compras Públicas. E. P. E. (ANCP), com vista à organização do aprovisionamento público e à gestão do parque de veí­culos do Estado, numa lógica de partilha interadministrativa de serviços comuns. Constitui objecto da ANCP: (i) conceber, definir, implementar, gerir e avaliar o Sistema Nacional de Compras Públicas: (ii) assegurar, de forma centralizada, a aquisição ou a locação, em qualquer das suas modalidades, a afectação, a manutenção, a assistência, a reparação, o abate e a alienação dos veículos que compõem o parque de veículos do Estado.
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.°17/2007, de 8 de Maio, foi nomeado o conselho de administração da ANCP. Torna-se agora necessário proceder á substituição dos membros do Conselho de admi­nistração, mediante a nomeação de novos membros, nos termos legais.
Assim:
Ao abrigo do disposto no n.°1 do artigo 8.° dos Estatutos da Agência Nacional de Compras Públicas. E. P. E., aprovados pelo Decreto-Lei n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, e nos termos da alínea g) do artigo 199.° da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 — Exonerar do cargo de Presidente do conselho de administração da Agência Nacional de Compras Públicas. E, P. E. (ANCP), o mestre Francisco Velez Roxo, bem como dos cargos de vogais o Doutor Ma­nuel Paulo de Oliveira Ricou e o licenciado Armando Bernardo Sousa Guedes, a seu pedido.
2 —Nomear, sob proposta do Ministro de Estado e das Finanças, o licenciado Pedro .............., a licenciada Joana ............. e o licenciado João ......................, para os cargos, respectivamente, de presidente e de vogais do conselho de administração da ANCP.
3 — Estabelecer que a presente resolução produz efeitos desde a data da sua aprovação.
6 de Dezembro de 2007. — O Primeiro-Ministro. José Sócrates Car­valho Pinto de Sousa.Cfr. documento de folhas 13 dos autos.

3) Francisco Velez Roxo auferiu enquanto Presidente do Conselho de Administração da Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E. a quantia mensal de €7500 (sete mil e quinhentos euros). Acordo das partes.
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3- Direito Aplicável
A questão a decidir consiste em saber se o A. ..............., tem direito a ser indemnizado pela Agência Nacional de Compras Públicas na quantia que peticiona, nos termos do artigo 26º nº3 do Dec.Lei nº71/2007, de 27 de Março, por ter sido nomeado para o cargo de Presidente do Conselho de Administração da A.N.C.P., E.P.E. e seguidamente exonerado a seu pedido.
Tal nomeação foi, como decorre do probatório, efectuada pela Resolução do Conselho de Ministros nº17/2007, de 8 de Maio, tratando-se, de um mandato de três anos.
Ora, a nomeação data de 8 de Maio de 2007 e a exoneração data da Resolução do Conselho de Ministros nº 48-A/2007, de 6 de Dezembro, publicada a 17 de Dezembro, portanto muito antes do termo do mandato, como se vê.
A sentença recorrida, após transcrever o teor dos artigos 24º, 25º e 26º do Decreto-Lei nº71/2007, concluiu que o A, apesar de ter sido exonerado pela dita Resolução do Conselho de Ministros nº 48-A/2007, publicada no Diário da República II Série, de 17 de Dezembro, sem que tivessem sido invocados quaisquer dos fundamentos referidos nos artigos 24º ou 25º do Dec.Lei nº71/2007, de 27 de Março, tem direito a indemnização por extinção do vínculo.
Razão pela qual o Mmª Juiz “ a quo” conclui que Francisco .............. tem direito a ser indemnizado, nos termos do nº3 do artigo 26º.
Convém, assim, recordar o teor da Resolução do Conselho de Ministros (Resolução nº 48-A/2007):
PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Conselho de Ministros
Resolução nº 48-A/2007
Através do Decreto-Lei n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, foi criada a Agência Nacional de Compras Públicas. E. P. E. (ANCP), com vista à organização do aprovisionamento público e à gestão do parque de veí­culos do Estado, numa lógica de partilha interadministrativa de serviços comuns. Constitui objecto da ANCP: (i) conceber, definir, implementar, gerir e avaliar o Sistema Nacional de Compras Públicas: (ii) assegurar, de forma centralizada, a aquisição ou a locação, em qualquer das suas modalidades, a afectação, a manutenção, a assistência, a reparação, o abate e a alienação dos veículos que compõem o parque de veículos do Estado.
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.°17/2007, de 8 de Maio, foi nomeado o conselho de administração da ANCP. Torna-se agora necessário proceder á substituição dos membros do Conselho de admi­nistração, mediante a nomeação de novos membros, nos termos legais.
Assim:
Ao abrigo do disposto no n.°1 do artigo 8.° dos Estatutos da Agência Nacional de Compras Públicas. E. P. E., aprovados pelo Decreto-Lei n.°37/2007, de 19 de Fevereiro, e nos termos da alínea g) do artigo 199.° da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 — Exonerar do cargo de Presidente do conselho de administração da Agência Nacional de Compras Públicas. E, P. E. (ANCP), o mestre Francisco ................, bem como dos cargos de vogais o Doutor .................. e o licenciado Armando ................, a seu pedido.
2 —Nomear, sob proposta do Ministro de Estado e das Finanças, o licenciado Pedro .............., a licenciada Joana ................... e o licenciado João .............., para os cargos, respectivamente, de presidente e de vogais do conselho de administração da ANCP.
3 — Estabelecer que a presente resolução produz efeitos desde a data da sua aprovação.
6 de Dezembro de 2007. — O Primeiro-Ministro. José Sócrates Car­valho Pinto de Sousa.Cfr. documento de folhas 13 dos autos.

Como se vê, e foi aliás também visto pela sentença recorrida, na dita Resolução refere-se que a exoneração do cargo foi feita a pedido do próprio exonerado.
A sentença recorrida entendeu, todavia, que mesmo nos casos em que a exoneração ocorre a pedido do interessado, sem invocação de qualquer fundamentos, previstos nos artigos 24º, 25º, e 26º, também se verifica o direito à indemnização prevista no artigo 26ºnº3.
Salvo o devido respeito, não pode, quanto a nós aceitar-se que a exoneração de um gestor a pedido do mesmo possa gerar na sua esfera jurídica o direito ao recebimento de uma indemnização.
Como é sabido, o termo exoneração deve reservar-se para expressar aquelas realidade em que o factor determinante da cessação do vínculo seja a vontade manifestada pelo funcionário ou agente (cfr. Paulo Veiga e Moura, “ Função Pública” Coimbra Editora, Vol,I, p.450).
Na verdade, o acto de exoneração pode assumir as formas de Exoneração Voluntária, ou de Exoneração por mera conveniência, prevista no artigo 26º nº3, e só esta última atribui ao gestor público uma indemnização correspondente ao vencimento base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de um ano (artigo 26º nº3 do Dec.Lei nº71/2007).
Ou seja, a exoneração por mera conveniência visa, por um lado conferir ao órgão de nomeação um poder discricionário para em qualquer tempo e por qualquer conveniência, demitir o gestor público e visa, por outro, indemnizar o gestor público que, contra sua vontade, é demitido e vê defraudadas as suas expectativas de cumprir o seu mandato na integra, como claramente resulta da leitura do artigo 26º do Dec.Lei 71/2007.
Ora, no caso dos autos não houve conveniência do órgão de nomeação em demitir o gestor nem se pode dizer que tenham sido defraudadas quaisquer expectativas legítimas do gestor, uma vez que foi o próprio gestor que voluntariamente pediu a sua exoneração.
Finalmente não se compreende a afirmação feita na sentença recorrida de que “ nos termos do nº1 do artigo 26º a aceitação de um pedido sem que seja expressamente invocado um dos fundamentos dos artigos 24º e 25º também dá lugar à indemnização prevista no artigo 26º nº3”.
O Mmº Juiz interpretou erradamente o artigo 26º nº1, que apenas contempla casos da iniciativa do Conselho de Administração, da Comissão Executiva, do Conselho Geral e de Supervisão, que conferem o poder de demitir.
No caso dos autos a exoneração foi feita a pedido, como consta da Resolução do Conselho de Ministros nº 48-A/2007, (cfr. nº2 do probatório), o que evidentemente exclui a aplicação do regime de demissão por mera conveniência de serviço e a consequente obrigação do pagamento de uma indemnização.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando a acção improcedente.
Custas pelo Autor em ambas as instâncias.
Lisboa, 19.01.011
António A.C.Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira