Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09726/16
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2016
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMT/ AJUSTE DE REVENDA/ APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO/ PRESUNÇÃO/ ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Resulta da alínea e) do nº3 do artigo 2º do CIMT que a celebração do contrato definitivo de transmissão da propriedade do imóvel é elemento do facto gerador do imposto.
II - O contribuinte só ficará sujeito a imposto no momento em que for celebrado o contrato definitivo de transmissão da propriedade do imóvel, contrato este celebrado entre o promitente alienante e o cessionário que anteriormente adquiriu a posição do promitente-comprador.
III - Ocorrendo a transmissão (para efeitos fiscais) em 2004 – com a celebração do contrato definitivo de transmissão da propriedade do imóvel – é aplicável o CIMT, concretamente a alínea e) do nº3 do artigo 2º do CIMT, conjugada com o nº9, alínea a), do artigo 36º do mesmo código.
IV - Estando assente a cessão da posição contratual e a efectivação da venda do imóvel mediante escritura entre o promitente vendedor e o terceiro (o cessionário), há uma presunção de tradição entre o promitente vendedor e o cedente, presunção essa que decorre da lei.
V - A presunção estabelecida no artigo 2º, nº3, alínea e) do CIMT é uma presunção juris tantum, na medida em que consagrada nas normas de incidência tributária.
VI – Cabe ao sujeito passivo alegar e provar que, não obstante a celebração da escritura entre o promitente vendedor e o terceiro/cessionário, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

J... e M..., inconformados com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 6.152,03 (a que acrescem € 938.48, a título de juros compensatórios), dela vieram interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulam, para tanto, as seguintes conclusões:

I . É objecto de recurso a douta sentença, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo …/08.1 BELRS, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada contra o ora Recorrente.

II. A douta sentença recorrida enferma de vício de natureza instrutória, consubstanciado, a final, em vício de erro de julgamento.

III. Efectivamente, tais omissões são evidenciadas pelos documentos juntos aos autos, pelo que o Recorrente não se conforma com o probatório, considerando que a douta sentença recorrida não dá como provados factos que, no entender da Recorrente são essenciais para a boa apreciação do mérito da causa, e que foram enumerados no número 8º, ponto 1) a 7) das presentes alegações, dando-se aqui por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos legais.

IV. Igualmente, o Recorrente não se conforma com o probatório, considerando que a Douta Sentença recorrida não dá como não provados factos que, no entender da Recorrente são essenciais para a boa apreciação do mérito da causa, e que foram enumerados no número 9º, do ponto 1) a 3) das presentes alegações, dando-se aqui por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos legais.

V. Neste contexto, a douta sentença recorrida enferma de vício de natureza instrutória, consubstanciando, a final, em vício de erro de julgamento, uma vez que se constata existir uma deficiência a este nível associada à escassa exteriorização dos factos provados e dos factos não provados, conforme demonstrado nestas alegações, com reflexos na própria compreensibilidade da sentença.

VI. Verificando-se uma situação défice instrutório em violação do nº2 do artigo 123º do CPPT, tais factos – referenciados pontos precedentes destas Conclusões – deverão ser aditados por este Alto Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1, do Art. 662º, do CPC, aplicável por força do disposto no Art. 281º do CPPT ou, caso assim se não entenda, se ordene a baixa do processo à 1ª instância para ampliação do probatório, caso se alcance que na Douta Sentença recorrida a indicação é deficiente, escassa ou incongruente, verificando-se um défice instrutório que apenas dá lugar à baixa do processo à 1ª instância, para densificação da fundamentação omitida.

Sem conceder,

VII. A Douta Sentença Recorrida padece de erro de julgamento, competindo ao douto Tribunal Superior anular o acto tributário de liquidação de IMT, no montante total a pagar de € 7090,51, dos quais € 6.152,03 são relativos a IMT e € 938,48 são relativos a juros compensatórios, emitido em sequência às correcções efectivadas pela AT, porque, em seu entender, se encontram eivadas de vício que afecta a sua legalidade, dado terem sido emitidas em violação do disposto no Art 2º do CIMSISSD e em violação das regras de repartição do ónus da prova nos termos dos Artº 81º e 84º da LGT, conforme demonstrado nos nºs 27º a 77º destas alegações. Neste sentido, deve a Sentença ser revogada ao abrigo do comando do Artigo 100º do CPPT.

VIII. Padece também de vício a douta sentença por não ter apreciado nem decidido que o “alegado” facto com relevância tributária – ajuste de revenda – teve lugar antes de 1 de Janeiro de 2004, ou seja, antes da entrada em vigor do Código do IMT, pelo que a Sentença recorrida, ao confirmar o acto tributário impugnado, viola o princípio da irretroactividade da lei fiscal, por fazer subsumir a factualidade à disposições do Código do IMT, em concreto, às respectivas normas de incidência, v.g. aos Art.s 1º e 2º, do Código do IMT, quando tais normas, à data dos factos não se encontravam em vigor.

IX. Errando o douto Tribunal a quo no julgamento dos factos e do direito, a douta Sentença ora recorrida deverá ser anulada, revendo-se a decisão nela proferida no sentido da procedência total do pedido deduzido pela ora Recorrente.

Nestes termos e nos mais de direito aplicável e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deve o presente recurso colher provimento, revogando-se a decisão ora sob recurso, com os fundamentos elencados nas conclusões supra enunciadas.

Desta forma, será feita a esperada Justiça!


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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

A. O Impugnante celebrou em 15 de Junho de 1998 um contrato promessa de compra e venda com a sociedade T..., S. A., referente à fracção autónoma a constituir que corresponderá à habitação provisoriamente identificada com o número 1403 localizada no 14 piso, na cota 52.30, do Tipo T2, com 2 lugares de estacionamento com os números 32 e 33 no piso – 2 e uma arrecadação com o número 96 no piso – 5, podendo, nos termos da respectiva cláusula 10.º, ceder a sua posição contratual (cf. doc. junto a fls. 159 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. J... celebrou em 22 de Julho de 1998 um contrato promessa de compra e venda com a sociedade T..., S. A., referente à fracção autónoma a constituir que corresponderá à habitação provisoriamente identificada com o número 1701 localizada no 17 piso, na cota 61.00, do Tipo T2, com 2 lugares de estacionamento com os números 3 e 4 no piso – 2 e uma arrecadação com o número 108 no piso – 5 (cf. doc. 4, junto com a p. i., a fls. 63 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Sobre o preço, convencionou-se o seguinte (cf. doc. 4, junto com a p. i., a fls. 63 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido:


D. Sobre a cessão da posição contratual, convencionou-se o seguinte (cf. doc. 4, junto com a p. i., a fls. 63 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

E. O promitente-comprador efectuou pagamentos nos montantes referidos no doc. 9, junto com a p. i. a fls. 93 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F. Em 6 de Novembro de 2000, o Impugnante cedeu a posição contratual no contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma referida na letra A supra (cf. fls. 118 e segs., 132 e 133 do PAT apenso);

G. Em 9 de Novembro de 2000, o Impugnante procedeu à aquisição da posição contratual no contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma em causa nos presentes autos e referida nas letras B a D supra (acordo das partes – cf. artigos 17.º e 73.º da p. i. e informação constante de fls. 124 e segs. do PAT apenso);

H . Em 13 de Agosto de 2001, o Impugnante cedeu a posição contratual no contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma identificada com a letra CG, correspondente ao 15.º piso do mesmo edifício (cf. fls. 118 e segs., 134 e 135 do PAT apenso);

I . Em 13 de Outubro de 2003, o Impugnante cedeu a posição contratual no contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma em causa nos presentes autos e referida nas letras B a D supra a favor de F... (cf. acordo das partes – cf. artigos 45.º e 63.º da p. i. e informação constante de fls. 124 e segs. do PAT apenso);

J. Em 10 de Outubro de 2003, a cessionária efectuara pagamento no montante referido no doc. 8, junto com a p. i., a fls. 91 e 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

K. Em 19 de Maio de 2004, foi outorgada a escritura pública de compra e venda do imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma em causa nos presentes autos e referida nas letras B a D supra (cf. acordo das partes – cf. artigo 79.º da p. i. e fls. 137 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. O Impugnante celebrou em 27 de Março de 2006 escritura pública de compra e venda com J... referente à fracção autónoma designada pela letra „BA‟ a que corresponde o Edifício 4 – Piso 3 – Letra B, destinada a habitação, com os lugares de estacionamento números 51, 52 e 53, na garagem e uma arrecadação com o número 19, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado por lote … (cf. doc. 6, junto com a p. i., a fls. 81 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Dá se por integralmente reproduzido o teor do doc. 7, junto com a p. i. a fls. 88 e segs.;


N. O Impugnante foi notificado do Relatório de Inspecção Tributária por ofício n.º 25920/0504, de 2 de Abril de 2008, do qual consta, designadamente, o seguinte (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fls. 55 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“Texto e quadro no original”

O. O Impugnante foi notificado, por ofício n.º …, de 16 de Abril de 2008, da Direcção de Finanças de Lisboa - Serviço de Finanças de Lisboa …, da liquidação de IMT e acrescido, no montante total de € 7.090,51 (cf. doc. 1, junto com a p. i., a fls. 53 e 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

P. Em 14 de Maio de 2008, o Impugnante pagou o IMT, no montante de € 6.152,03 e os juros compensatórios, no montante de € 938,48, no montante total de € 7.090,71 (cf. doc. 3, junto com a p. i., a fls. 61 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“Texto no original”

Q. A presente impugnação judicial deu entrada em juízo em 2 de Setembro de 2008 (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados.

- Não foi feita prova de que a cedência de posição contratual foi ajustada atenta a perda de interesse na compra da fracção autónoma em causa nos presentes autos e referida nas letras B a D do probatório, por força do nascimento da filha dos Impugnantes e da necessidade de prestar apoio aos pais do Impugnante.

- Não foi feita prova de que o Impugnante não actuou com fins lucrativos, não sendo determinante que os montantes referidos nas letras C, E e J do probatório coincidam e resultando o contrário dos factos referidos nas letras A, D, F e H do probatório.

- Não foi feita prova de que o Impugnante só tomou conhecimento da celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma em causa nos presentes autos e referida nas letras B a D do probatório aquando da acção inspectiva.

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões da alegação de recurso, resulta claro os Recorrentes assacam à sentença recorrida os seguintes erros:

- erro de julgamento de facto, por não ter dado como provados os factos m.i no ponto 8 do corpo das alegações;

- erro de julgamento de facto, por não ter dado como não provados os factos m.i no ponto 9 do corpo das alegações;

- erro de julgamento de direito, por a sentença ter concluído que estavam preenchidos os pressupostos de incidência do imposto e por terem sido violadas as regras do ónus da prova.

- erro de julgamento de direito, por a sentença recorrida não ter retirado as consequências jurídicas da circunstância de o facto tributário – ajuste de revenda – ter ocorrido antes de 1 de Janeiro de 2004, ou seja, antes da entrada em vigor do CIMT, violando, assim, o princípio da irretroactividade da lei fiscal.

Vistas as questões a apreciar, avancemos.

Comecemos pelo erro de julgamento da matéria de facto, concretamente pela indicação da factualidade que, segundo os Recorrentes, devia ter sido incluída no probatório e não foi.

Assim, no referido ponto 8 da alegação recursória consta o seguinte:

“Se bem atentarmos na leitura dos factos provados da douta Sentença recorrida, bom é de ver que a mesma enferma de vício invalidante, pois que a mesma não dá como provados factos que, no entender da Recorrente, são essenciais para a boa apreciação do mérito da causa, e que seguidamente se enumeram:

1) O Recorrente tem o domicílio fiscal sito na Rua ;

2) A morada do domicílio do Recorrente é a da fracção adquirida pelo Recorrente em 27 de Março de 2006, conforme escritura pública de compra e venda junta como Documento nº 7 aos autos;

3) O Cessionário pagou ao recorrente o montante de € 190.706,81, como contrapartida da cessão da posição contratual no Contrato-Promessa relativo à fracção, por intermédio do cheque nº , junto como Documento nº 9 aos autos;

4) O Recorrente depositou na sua conta , o montante recebido do cessionário, conforme talão de depósito junto como Documento nº 10 aos autos;

5) O montante de € 190.706,81 corresponde, exactamente, ao reembolso integral dos valores pagos até à data da cessão pelo Recorrente à Sociedade, considerando a aquisição plena da posição de promitente-comprador no Contrato-promessa, em 9 de Novembro de 2000, a titulo de sinal e sucessivos reforços de sinal, conforme Contrato-promessa e recibos de quitação dos reforços de sinal, emitidos pela Sociedade, juntos como Doc. 11 aos autos;

6) A cessão da posição contratual do Recorrente ao Cessionário ocorreu antes de 1 de Janeiro de 2004;

7) A cessão da posição contratual do Recorrente ao cessionário não corresponde a uma revenda”.

Vejamos, então, o que dizer a este propósito.

Quanto aos factos 1 e 2, entende este Tribunal que é, para a economia da decisão, inútil fazer constar da matéria de facto qual o actual domicílio fiscal dos Recorrentes e se tal domicílio corresponde ao imóvel que foi adquirido em Março de 2006.

Embora o Tribunal alcance o sentido da pretensão do Recorrentes, a verdade é que, para os efeitos aqui em análise, o que releva é a demonstração as razões que levaram a que os Impugnantes tivessem cedido a posição contratual no contrato-promessa (em que haviam assumido a posição de promitentes compradores), ou seja, o que os levou a não celebrar o contrato prometido (ou, se quisermos, a desistir do negócio), mas não, em bom rigor, o destino que foi dado a um outro imóvel adquirido posteriormente (cerca de três anos mais tarde) à cessão da posição contratual.

Quanto à pretensão de aditamento do referido no ponto 3) supra, os Recorrentes carecem em absoluto de razão.

Desde logo, o mencionado documento 9 não diz respeito ao cheque nº …, que titula um pagamento de € 190.706,81, mas sim a diversos recibos emitidos pela T…, SA. Acresce que, tal pagamento, através do referido cheque, é matéria de facto que já consta dos factos provados, concretamente da alínea J).

Quanto a fazer constar da matéria de facto o depósito da quantia de € 190.706,81 numa conta …, dir-se-á que é matéria igualmente irrelevante para a economia da decisão, uma vez que, a nenhum título, está em causa averiguar sobre o destino do valor pago pela cessionária aos cedentes (os ora Recorrentes).

De todo o modo, o talão de depósito da quantia em causa, junto como segunda folha do documento 8, a fls. 92 dos autos, acabou por ser referido e dado por reproduzido no ponto J dos factos provados.

Pretendem os Recorrentes, também, que o Tribunal adite à matéria de facto, “conforme Contrato-promessa e recibos de quitação dos reforços de sinal, emitidos pela Sociedade, juntos como Doc. 11 aos autos”, que o montante pago, de € 190.706,81, corresponde, exactamente, ao reembolso integral dos valores pagos até à data da cessão pelo Recorrente à Sociedade.

Dir-se-á, desde já, que não foi junto aos autos qualquer contrato celebrado em 9 de Novembro de 2000, nem tão-pouco existe o documento número 11 junto à pi. Não obstante, não se deve desconsiderar o teor da alínea G) dos factos provados.

É certo que, para a economia da decisão, releva apurar se o valor de € 190.706,81 (recebido pela cessão ocorrida em 13/10/03) corresponde exactamente ao que os Recorrentes despenderam, até à data da cessão, com a posição contratual que até aí detinham, de promitentes-compradores do imóvel cedido.

Mas essa prova, contrariamente ao que vem defendido, não foi feita.

Demonstra-se que os € 190.706,81 foram pagos pela cessionária aos Recorrentes. Porém, não está demonstrado o que foi pago e despendido, anteriormente, pelos Recorrentes, concretamente se esse valor corresponde igualmente a € 190.706,81.

O documento junto à p.i como nº 9, cujo teor foi dado por reproduzido na alínea E) dos factos provados, corresponde a um conjunto de recibos de pagamento, emitidos pela T..., S.A, sendo 7 relativos a J..., no valor de 18.110.533$00 (€ 90.334.87) e 2 relativos a J..., no montante de 16.098.226$00 (€ 80.297,54).

Ora, repete-se, os documentos juntos pelos Recorrentes não são aptos a demonstrar que eles mesmos, em resultado do reembolso integral dos valores pagos até à data da cessão pelos Recorrentes à Sociedade, despenderam € 190.706,81, valor este que correspondente exactamente ao que foi pago pela cessionária.

Assim se entende, aliás, que a Mma. Juíza a quo tenha feito constar da matéria de facto que “Não foi feita prova de que o Impugnante não actuou com fins lucrativos, não sendo determinante que os montantes referidos nas letras C, E e J do probatório coincidam e resultando o contrário dos factos referidos nas letras A, D, F e H do probatório”.

Em face do que fica dito, nada há aditar ao probatório sobre a exacta correspondência entre o valor recebido e o anteriormente pago.

Quanto ao ponto 6 supra - A cessão da posição contratual do Recorrente ao Cessionário ocorreu antes de 1 de Janeiro de 2004 – dir-se-á que se trata de circunstancialismo que claramente já consta da matéria de facto provada, como mostra o teor da respectiva alínea I.

O ponto 7 supra transcrito, ou seja, a necessidade de ver consagrado na matéria de facto que a cessão da posição contratual do Recorrente ao cessionário não corresponde a uma revenda, é uma formulação conclusiva e jurídica que, naturalmente, não consta, nem deve constar, dos factos provados.

Do que ficou dito resulta, sem necessidade de maiores considerações, que nenhum facto, dos apontados pelos Recorrentes, se impõe aditar.


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Vejamos, agora, o outro vector em que a matéria de facto vinha impugnada.

Defendem os Recorrentes, conforme se retira do ponto 9 do corpo da alegação de recurso, que: “Se bem atentarmos nos factos não provados, da douta Sentença recorrida, infere-se que a mesma enferma de vício invalidante, pois que a mesma não dá como não provados factos que, no entender da Recorrente, são essenciais para a boa decisão do mérito da causa, e que seguidamente se enumeram:

1) Não se provou que entre o Recorrente e o Cessionário (terceiro que adquiriu em definitivo o imóvel prometido vender) foi acordada uma revenda;

2) Não se provou que o cessionário tenha pago ou entregue ao Recorrente qualquer outra importância, além do montante de € 190.706,81

3) Não se provou que o Recorrente tenha realizado ou obtido qualquer lucro com a cessão da posição contratual no Contrato-Promessa relativo à fracção.

Vejamos o que dizer a este propósito.

Em primeiro lugar, o ponto assinalado em 1) é, nos termos já expostos na análise da questão antecedente, matéria conclusiva, de cariz jurídico, que necessariamente há-de ser o Tribunal a concluir, se esse for o caso.

Quanto ao ponto 2), dir-se-á que consta dos factos provados o valor que o cessionário pagou aos Recorrentes, ou seja, € 190.706,81, não se vislumbrando sentido ou interesse em fazer consignar que não foi pago nada mais para além daquilo que foi pago.

Quanto ao ponto 3), deve dizer-se que o mesmo encerra um juízo conclusivo que caberá ao Tribunal retirar, ou não, de acordo com o circunstancialismo apurado.

Em suma, improcede, nesta parte, o recurso que nos vem dirigido, sendo claro que não se surpreendem os apontados erros de julgamento da matéria de facto, nem se vislumbram razões que apontem no sentido do défice instrutório, com a consequente anulação da sentença, tal como defendido pelos Recorrentes.


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Aqui chegados, e estabilizada a matéria de facto, avancemos para os erros de julgamento de direito.

Iniciaremos a nossa análise, por razões de precedência lógica, pela segunda questão formulada.

A este propósito, defendem os Recorrentes, em síntese, e se bem interpretamos, que a sentença recorrida errou ao não retirar as devidas consequências da circunstância de o facto com relevância tributária – ajuste de revenda – ter tido lugar antes de 1 de Janeiro de 2004, ou seja, antes da entrada em vigor do Código do IMT. Daí que, no entendimento dos Recorrentes, a sentença recorrida, ao confirmar o acto tributário impugnado, viole o princípio da irretroactividade da lei fiscal, por fazer subsumir a factualidade às disposições do Código do IMT, em concreto, às respectivas normas de incidência - aos artigos 1º e 2º, do Código do IMT - quando tais normas, à data dos factos, não se encontravam em vigor.

Vejamos o que dizer sobre isto.

Em primeiro lugar, importa deixar esclarecido um aspecto que se prende com o ponto N) da matéria de facto, no qual se transcreveu, apenas parcialmente, o relatório de inspecção subjacente à liquidação impugnada, dando-se, contudo, por integralmente reproduzido o seu teor.

Serve esta chamada de atenção para deixar claro, com interesse para a questão que seguidamente importa analisar, que em tal relatório também se refere, no ponto III, sob a epigrafe “Imposto Municipal de SISA/ IMT”, que:

“(…)

Dado que a escritura foi realizada no exercício de 2004, na vigência do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) explana-se nos parágrafos seguintes a legislação que enquadra a situação em causa.

O Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) prevê na alínea a) do nº 9 do art. 36º que o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) deveria ser pago no prazo de 30 dias a contar da data da celebração do contrato definitivo, da escritura, ou seja, até à mesma data limite definida no CIMSISSD, até 19/06/04.

Conforme refere a alínea e) no nº 3 do art. 2º do CIMT considera-se que se verificou uma transmissão onerosa do direito de propriedade, sujeita a IMT, nos termos do artº 1 e 2º do CIMT.

Ponderando o nº1 do artº 12º do CIMT, o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior, que na situação em apreço será o valor da escritura, de 200.744,02, igual ao valor do contrato de promessa de compra e venda e superior ao valor patrimonial tributário do imóvel.

(…)”

Com este esclarecimento feito e lidos os pontos N), M) e O) dos factos provados, dúvidas não restam que a liquidação em causa, aqui impugnada, é respeitante a IMT e tem na sua base, no essencial, a alínea e), no nº 3, do artigo 2º, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

O CIMT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, DR n.º 262 Série I-A, tendo entrado em vigor no dia 01/01/04 (cfr. artigo 32º, nº3).

De acordo com o disposto no nº3 do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 287/2003, a partir da data da entrada em vigor do CIMT, foi revogado o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958. Estipulou-se, ainda, no nº 5 do referido artigo 31º, que “Os Códigos revogados continuam a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à data da entrada em vigor dos Códigos e alterações referidos no artigo 32.º do presente diploma, incluindo os factos que tenham beneficiado de isenção ou de redução de taxa condicionadas e que venham a ficar sem efeito na vigência dos novos Códigos”.

Ora, à semelhança daquilo que já previa o artigo 2º, § 2º do CIMSISSD, também a alínea e) do nº3 do artigo 2º do CIMT veio a consagrar que:

3 - Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos:

(…)

e) Cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro.

Por sua vez, o nº 9, alínea a), do artigo 36º do CIMT, à semelhança do artigo 115º, nº4 do CIMSISSD, estipula que no caso previsto na alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto deve ser pago no prazo de 30 dias a contar da data da celebração do contrato definitivo.

Tendo isto presente e considerando que, por um lado, o contrato de cessão da posição contratual teve lugar em 13/10/03 (cfr. alínea I dos factos provados) e que, por outro, a escritura de compra e venda do imóvel foi celebrada em 19/05/04 (cfr. alínea K dos factos provados), há que concluir que o circunstancialismo relevante teve lugar no ano de 2003 e no ano de 2004.

É, pois, evidenciando o momento em que se verificaram as diversas ocorrências a que fizemos referência e, também, considerando a sucessão legislativa ocorrida, que os Recorrentes vêm equacionar a questão da aplicação retroactiva da lei fiscal, por, em suma, não ser aplicável o CIMT já que à data dos factos o mesmo não se encontrava em vigor.

Vejamos.

Resulta da alínea e) do nº3 do artigo 2º do CIMT que a celebração do contrato definitivo de transmissão da propriedade do imóvel é elemento do facto gerador do imposto. Digamos que o facto sujeito a imposto é a cessão da posição contratual; mas o facto gerador do imposto é de natureza composta e de formação sucessiva (que não instantânea). Assim sendo, como nos parece ser, o cedente – os aqui Recorrentes – só ficará sujeito a imposto no momento em que for celebrado o contrato definitivo de transmissão da propriedade do imóvel, contrato este celebrado entre o promitente alienante e o cessionário que anteriormente adquiriu a posição do promitente-comprador.

Por conseguinte, é neste momento que ocorre a transmissão para efeitos fiscais, contando-se a partir daí o prazo de 30 dias a que alude o nº9, alínea a), do artigo 36º do CIMT.

Porque assim é, ocorrendo a transmissão (para efeitos fiscais) em 2004 – com a celebração do contrato definitivo de transmissão da propriedade do imóvel – é aplicável o CIMT, concretamente a alínea e) do nº3 do artigo 2º do CIMT, conjugada com o nº9, alínea a), do artigo 36º do mesmo código.

Não se levanta, pois, qualquer questão de aplicação retroactiva da lei fiscal.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerandos, se deve julgar improcedente a questão que vimos de analisar.


*

Passemos, por último, à segunda questão que nos vem colocada em sede de erro de julgamento de direito.

Aqui, importa apreciar e decidir se a sentença errou ao ter concluído que estavam preenchidos os pressupostos de incidência do imposto e se, in casu, foram violadas as regras do ónus da prova.

Vejamos, então.

A sentença recorrida, transcrevendo jurisprudência do STA a cuja fundamentação expressamente aderiu (concretamente o acórdão de 03/11/10, processo nº 499/10), refere, além do mais, o seguinte:

“(…)

O Código do Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis, que entrou em vigor em 1/01/2004, manteve a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra a «cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro», considerando existir, nessas situações, uma transmissão onerosa para efeitos de incidência do imposto [art.º 2.º, n.º 3, alínea e)] e alargou, ainda, a incidência do imposto às situações em que seja clausulado, no contrato promessa ou posteriormente, que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro e à cessão da posição contratual no exercício do direito conferido por esses contratos [art.º 2.º, n.º 3, alíneas a) e b)].

Em conclusão, o que o § 2.º do artigo 2.º estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir que existiu uma tradição jurídica do bem para aquele que realizou esse ajuste, pois só com essa tradição se compreende que ele possa ter agenciado a revenda e contratualizado o negócio. E, para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT segundo o qual as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência tributária, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário face ao disposto no n.º 2 do artigo 350.º do C.Civil.), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange essas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de aplicação do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º.

(…)

Ora, o facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, à cessão da posição contratual de promitente adquirente para um terceiro, sendo este quem outorga no contrato-prometido, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que, a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a AT conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, parágrafo 2º, do CIMSISSD. Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do artigo 349.º do Código Civil. Isto é, a presunção de que o ajuste de revenda se pode inferir da cedência da posição contratual nas promessas de venda não é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), mas uma presunção simples, natural ou judicial, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram a essa cedência, evidenciação que tem de ser feita pelo cedente, dado que só ele pode dar a conhecer esse motivos.

Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa”

(…)”

Com isto dito, a Mma. Juíza concluiu que o caso em apreciação se subsumia à norma de incidência, fazendo ressaltar que:

“(…)
Com efeito, é inquestionável que no contrato promessa de compra e venda ficou prevista a possibilidade de o promitente-comprador ceder a sua posição contratual a outrem. Está também assente que o Impugnante celebrou com terceiro um contrato a ceder-lhe a sua posição no contrato promessa de compra e venda, tendo o terceiro ficado a ocupar o lugar que ao primitivo promitente-comprador cabia naquele contrato. Resulta do probatório, igualmente, que o terceiro veio a outorgar com o promitente vendedor a escritura pública de compra e venda do bem imóvel objecto do contrato promessa.

O Impugnante não conseguiu demonstrar que a cessão da sua posição contratual não se configurasse como um ajuste de revenda, que não actuou com fins lucrativos ou que lhe era impossível outorgar o contrato prometido (cf. a matéria de facto que se deu como não provada), afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de SISA.

Deste modo, sendo legítima a conclusão retirada pela AT quanto à existência de um ajuste de revenda e não se podendo considerar ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, ocorre o facto gerador da obrigação de imposto, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do imóvel”.

Os Recorrentes não se conformam com o assim decidido, defendendo que:

- incumbia à AT provar que entre o promitente comprador – os Recorrentes – e o terceiro – a cessionária – que adquiriu, em definitivo, a fracção prometida vender no contrato-promessa, pois que foi ele que outorgou o contrato definitivo, foi acordada uma revenda segundo um determinado figurino jurídico, ie, a celebração de um negócio que para os Impugnantes, ora Recorrentes, tenha trazido vantagens económicas;

- a AT não efectuou essa prova e, ao invés, os Recorrentes vêm demonstrar o contrário, i.e, que não realizaram qualquer ganho com a cessão da posição contratual;

Vejamos, então, se a sentença recorrida errou ao considerar que a cessão da posição contratual efectuada pelos Recorrentes, relativamente ao contrato-promessa de compra e venda de imóvel em que intervinham como promitentes-compradores, representa um ajuste de revenda, que implica uma tradição, e, por isso, se está sujeita ao pagamento da IMT, nos termos da alínea e) do nº3, do artigo 2º do CIMT.

Dispõe o artigo 2º, nº 3, alínea e) do CIMT o seguinte:
“1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.
2 - Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:
(…)
3 - Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos:
(…)
e) Cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro.”
Esta sujeição/ tributação em sede de IMT que, aliás, manteve o que já vinha do CIMSISSD, tem a sua razão de ser “no facto de os contratos promessa de compra e venda de imóveis terem deixado de ser, «progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos». - Acórdão do STA. de 21/04/10 (processo nº 924/09).
Habitualmente, nestas situações, o promitente adquirente não pretende comprar o imóvel, mas pretende, algum tempo depois, ceder a sua posição contratual a terceiro e obter com isso uma mais-valia. O legislador, conhecedor desta realidade e tendo por objectivo o de prevenir a fuga ao imposto, não deixou de o reflectir no texto legislativo, pretendendo assim tributar imediatamente a aquisição de uma posição jurídica negociável sobre imóveis. – cfr. acórdão do STA, de 06/06/11 (processo nº 903/11).
Ora, da disposição legal supra transcrita resulta que o CIMT sujeita a imposto o promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação se este ceder a sua posição contratual/ ajustar a revenda a terceiro e se este terceiro vier a celebrar o contrato definitivo com o promitente alienante.
Reiteradamente, e ainda no domínio da SISA, a jurisprudência dos Tribunais Superiores era unânime, afirmando que há ajuste de revenda, para efeitos do § 2 do artigo 2 do CIMSISSD, quando o promitente-comprador cede a sua posição contratual a terceiro e entre este e o primitivo promitente-vendedor vem a realizar-se a escritura de compra e venda respectiva – cf. neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos de 02/05/12, processo nº 895/11 (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), de 03/11/10, processo nº 499/10, de 21/04/10, processo nº 924/09, e os acórdãos de 04/03/98, proferido no processo nº 20331 (Apêndice ao DR de 08/11/01, págs. 687 e segs.) e de 31/10/00, proferido no processo nº 24570 (Apêndice ao DR de 31/01/03, págs. 3880 e segs).
Temos, pois, quer no § 2 do artigo 2 do CIMSISSD, quer no artigo 2º, nº3, alínea e) do CIMT, um claro alargamento do conceito de transmissão, abrangendo aí os casos o promitente comprador ajusta a revenda do imóvel com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for outorgada a escritura de compra e venda e, é claro, fazendo actuar uma presunção da tradição do imóvel (tradição jurídica/fiscal), sendo, aliás, desnecessário que o promitente comprador tenha entrado na posse material do imóvel, isto é, que tenha havido tradição efectiva.
Ora, os Recorrentes alegam que não procederam a qualquer ajuste de revenda com terceiro, e que a Fazenda Pública não fez prova de que teria havido tal ajuste de revenda, sendo que o ónus dessa prova era seu, conforme o disposto no artigo 74° da LGT.
Porém, sem razão neste aspecto.
Na verdade, estando assente, como está, a cessão da posição contratual e a efectivação da venda do imóvel mediante escritura entre o promitente vendedor e o terceiro (o cessionário), há uma presunção de tradição entre o promitente vendedor e o cedente, presunção essa que decorre da lei, nos termos já apontados.
É, pois, aos contribuintes, ora Recorrentes, que pretendem afastar tal presunção, que cabe provar que, não obstante a celebração da escritura entre o promitente vendedor e o terceiro, não existiu entre eles e este qualquer ajuste de revenda.
Com efeito, a presunção estabelecida no artigo 2º, nº3, alínea e) do CIMT é uma presunção juris tantum, na medida em que consagrada nas normas de incidência tributária. Quer isto dizer que é uma presunção que admite prova em contrário, como, aliás, decorre do disposto no artigo 73º da LGT, nos termos do qual “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
Sendo assim, o sujeito passivo terá de alegar e provar que, não obstante a celebração da escritura entre o promitente vendedor e o terceiro/cessionário, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda.
E, no caso em análise, os Recorrentes ensaiaram alegação no sentido de evidenciar um determinado contexto/ circunstancialismo justificativo para a perda de interesse no negócio a que estava subjacente a promessa de compra do imóvel objecto da cessão. A isto mesmo corresponde a alegação, em sede de petição inicial, sobre necessidades familiares supervenientes (relacionadas com o nascimento da sua filha e, também, com o acolhimento, na casa dos Recorrentes, dos seus progenitores) a exigirem uma casa de maiores dimensões. Para além disso, reforçaram os Recorrentes, não terem obtido qualquer vantagem patrimonial com a cessão.
Porém, como a sentença concluiu, e bem, o que se retira do probatório é que os Recorrentes, tendo cedido a sua posição contratual no contrato-promessa, nenhuma prova fizeram no sentido de que não houve ajuste de revenda, que não actuaram com fins lucrativos ou que lhes era impossível outorgar o contrato prometido ou que por razões atendíveis acabaram por desistir do negócio. Valem, a este propósito, as conclusões retiradas pela Mma. Juíza a quo na sentença recorrida.
Daí que, sem hesitações, não podemos deixar de concluir que a AT, no caso, cumpriu o ónus da prova que lhe competia (cfr. artigo 74º, nº1 da LGT), ou seja, dos factos constitutivos do direito por ela invocado. A AT provou, como já vimos, a cessão da posição contratual no contrato promessa e, bem assim, que a cessionária veio a outorgar o contrato definitivo com a promitente alienante.
Ao contrário, os Recorrentes não provaram os factos que invocaram e que permitiriam afastar a sujeição a imposto, nos termos já assinalados também.

Daqui decorre, naturalmente, a improcedência de todas as conclusões da alegação de recurso, impondo-se negar provimento ao mesmo.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 13 de Setembro de 2016


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)