Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 102/22.2 BEFUN |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/22/2023 |
| Relator: | LUÍSA SOARES |
| Descritores: | PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. |
| Sumário: | I – O nº 4 do art. 63º da LGT consagra o princípio da irrepetibilidade do procedimento de fiscalização, ou seja, estabelece a proibição de dois procedimentos inspectivos sucessivos, quando referentes ao mesmo sujeito passivo, identidade de imposto e período de tributação, circunscrevendo a proibição ao procedimento externo de fiscalização. Contudo a mesma disposição legal consagra excepções a esse princípio, designadamente, quando o procedimento inspectivo visa apenas a consulta ou recolha de documentos ou elementos. II- O acto está suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal, pode conhecer as razões factuais e jurídicas que o sustentam, por forma a permitir-lhe aceitar o acto ou accionar os meios legais de impugnação. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO Vem M......, SAD. apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações adicionais de IRC e de IVA de 2015. O Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “A) Delimita-se o objeto do presente recurso à análise das seguintes questões: i.) Erro de julgamento da matéria de facto, decorrente da incorreta valoração dos elementos probatórios carreados para os autos, na parte em que o Douto Tribunal a quo julgou provado (i) que o acordo de assunção de dívida celebrado entre a Recorrente e a P...... SAD configurou parte do preço pago pela transferência do jogador D...... e (ii) que a autoria do e-mail junto ao relatório final de inspeção como documento n.º 8 se encontrava demonstrada; ii.) Erro de julgamento de direito quanto aos seguintes pontos: Violação do princípio da irrepetibilidade dos procedimentos inspetivos, estabelecido no artigo 63.º, n.º 5, da LGT; Preterição do dever de inquisitório e do ónus da prova impendentes sobre a Autoridade Tributária e respetivamente plasmados nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT; Violação do dever de fundamentação dos atos tributários, estabelecido nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT; Insuscetibilidade de subsunção dos negócios jurídicos celebrados pela Recorrente à figura da simulação e da requalificação operada pela Autoridade Tributária por falta de recurso à cláusula geral antiabuso nos termos dos artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 63.º do CPPT; Preterição do disposto nos artigos 16.º, n.º 1, e 8.º, nºs 1, alínea c), e 2, do CIVA no que à determinação da exigibilidade do IVA respeita. ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO B) O Douto Tribunal a quo julgou provado que o acordo de assunção de dívida celebrado entre a Recorrente e a P...... SAD configurou parte do preço pago pela transferência do jogador D...... com fundamento em declarações alegadamente prestadas pelo anterior Presidente da Recorrente noutro procedimento inspetivo, levado a cabo pela DSIFAE; C) Tais alegadas declarações estão parcialmente transcritas no relatório final de inspeção elaborado pela Direção de Finanças do Funchal, desacompanhadas de qualquer auto de declarações que as corrobore; D) Está-se, assim, perante factualidade carente da necessária prova-suporte; E) Inexistem quaisquer outros elementos nos autos suscetíveis de sustentar a conclusão factual referida em B), sendo certo que: O e-mail junto ao relatório final de inspeção como documento n.º 8 não suporta o entendimento de que ao preço constante do acordo de transferência dos direitos económicos e desportivos do jogador D...... 1.800.000 EUR acresce o montante de 1.249.902,44 referente ao acordo de assunção de dívida, já que, segundo o referido e-mail, o preço total relativo a esta transferência foi de 2.531.251,13 EUR (e não de 3.043.902,44 EUR). A isto acresce que não se encontra demonstrada quer a autoria, quer a veracidade do e-mail; Os negócios jurídicos celebrados entre a P...... SAD e a F......, SAD são insuscetíveis de justificar qualquer conclusão quanto ao preço acordado entre a P...... SAD e a Recorrente, na medida em que cada um desses contratos foi celebrado no âmbito da autonomia contratual das partes envolvidas, que eram assim livres de fixar a contrapartida monetária que entendessem adequada. F) Tudo ponderado, impõe-se a modificação da sentença recorrida nos seguintes termos: (i) Alteração da alínea i.) do probatório, eliminando-se a referência à alegada autoria da mensagem de correio eletrónico e aí passando a constar: Em e-mail de autoria desconhecida e cuja veracidade não se comprovou, enviado em 31/07/2015 a destinatário igualmente desconhecido com o assunto D....../M....../FCP, refere-se que o montante de a posição contratual de pagamento de multa a ser paga pelo M...... ao A...... MG , integra o preço pago pela P...... SAD; (ii) Alteração do segmento «B Fundamentação de Direito» da sentença recorrida, dele passando a constar: Da matéria de facto provada não resulta que o pagamento da compensação (assunção de dívida) por parte da P...... SAD ao CLUBE A...... fez parte do preço da transferência do jogador D...... para aquela SAD. ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO Preterição do artigo 63.º, n.º 4, da LGT G) A Recorrente foi objeto de dois procedimentos de inspeção externos, incidentes sobre o ano de 2015 e sobre IRC e IVA; H) Sendo certo não encontrar a figura da «proposta de inspeção» como apelidou o Douto Tribunal a quo a primeira das ações inspetivas realizada (i.e., a ação levada a cabo pela DSIFAE) amparo na lei, bulindo inexoravelmente com o princípio da legalidade tributária, previsto nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP e 8.º, nºs 1 e 2, alínea e), da LGT, no que às garantias dos contribuintes respeita, e, concomitantemente, com o princípio da separação de poderes previsto no artigo 2.º da CRP; I) Nenhum desses procedimentos inspetivos visou a mera consulta [e] recolha de documentos ou elementos; J) Assim, independentemente da redação do artigo 63.º, n.º 4, da LGT que se considere aplicável i.e., a conferida pela Lei n.º 37/2010, de 2 de setembro, ou a conferida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, conclui-se inequivocamente pela inadmissibilidade do segundo procedimento inspetivo (levado a cabo pela Direção de Finanças do Funchal), inquinando irremediavelmente de ilegalidade os atos tributários emitidos na sua sequência, devendo nessa medida ser revogada por esse Douto Tribunal ad quem a decisão recorrida; Preterição dos artigos 74.º, n.º 1, e 58.º da LGT K) A Direção de Finanças do Funchal limitou-se, no procedimento de inspeção findo o qual foram emitidos os atos tributários sub judice, a considerar acriticamente os elementos recolhidos pela DSIFAE, não tendo indagado da respetiva apetência para alcançar a verdade material; L) Apesar de se verificarem discrepâncias entre alguns elementos recolhidos pela DSIFAE relevantes para a decisão do segundo procedimento de inspeção designadamente entre as declarações alegadamente prestadas pelo anterior Presidente da Recorrente e o conteúdo do e-mail junto ao relatório final de inspeção como documento n.º 8, os serviços inspetivos da Direção de Finanças do Funchal não procuraram esclarecer (i) se o acordo de assunção de dívida consubstanciou efetivamente parte do preço pago pela transmissão dos direitos económicos e desportivos do jogador D...... para a P...... SAD e (ii) qual o montante da dívida relevante para este efeito; M) O RCPITA atribui ao inspetor tributário um conjunto de competências e prerrogativas que pressupõem uma postura proativa, como a promoção efetiva de diligências investigatórias tendentes a alcançar a verdade material; N) É inadmissível que o inspetor tributário assuma um papel absolutamente passivo, baseando as suas conclusões em elementos recolhidos e analisados por outrem e não realizando ele próprio diligências que corroborem ou infirmem tais elementos, principalmente quando se constata existirem incongruências materialmente relevantes para as correções a determinar; O) A inadmissibilidade desta conduta é tanto mais evidente quando se constata que os elementos probatórios em que se basearam as conclusões inspetivas foram recolhidos por uma entidade com competências em matéria tributário-criminal; P) É, assim, inequívoca a preterição pela Autoridade Tributária dos artigos 74.º, n.º 1, e 58.º da LGT, padecendo a sentença recorrida de erro de julgamento na parte em que julgou diversamente e impondo-se, em consequência, a sua revogação por esse Douto Tribunal ad quem; Preterição dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, e 77.º da LGT Q) A subsunção à figura da simulação dos negócios jurídicos celebrados pela Recorrente é insuscetível de relevar para efeitos de sindicância da legalidade desses atos, na medida em que tal argumentação não foi em momento algum invocada pela Autoridade Tributária no procedimento inspetivo que precedeu a emissão dos atos tributários impugnados; R) Por outro lado, o auto de declarações elaborado pela DSIFAE junto aos autos de impugnação judicial pela Autoridade Tributária, mas não constando do relatório final de inspeção é igualmente insuscetível de relevar para efeitos de sindicância da legalidade dos atos sub judice e, bem assim, para sustentar a conclusão de que o acordo de assunção de dívida corresponde a parte do preço pago pela transferência dos direitos desportivos e económicos do jogador D...... para a P...... SAD; S) Com efeito, para efeitos de suporte das conclusões inspetivas (e, concomitantemente, dos inerentes atos tributários), relevarão apenas os elementos probatórios apresentados no âmbito do respetivo procedimento inspetivo e não quaisquer outros que subsequentemente se apresentem, incluindo os juntos, a título superveniente, ao respetivo processo instrutor em sede judicial (como sucedeu, no caso em apreço, com o auto de declarações elaborado pela DSIFAE; T) Assim, mal andou o Douto Tribunal quo quando atribuiu relevância a esses elementos e considerou não padecerem os atos tributários e em matéria tributária contestados de falta de fundamentação, verificando-se uma inequívoca violação dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT, necessariamente conducente à revogação da sentença recorrida por esse Douto Tribunal ad quem; Insuscetibilidade de subsunção dos negócios jurídicos à figura da simulação e ilegalidade da falta de recurso à cláusula geral antiabuso U) Os negócios jurídicos celebrados pela Recorrente não são subsumíveis à figura da simulação, circunstância que ficou perfeitamente demonstrada na petição inicial; V) Sempre que a Autoridade Tributária pretenda requalificar um negócio jurídico celebrado por um sujeito passivo, daí retirando consequências tributárias, só poderá fazê-lo através do recurso à cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e com respeito pelo procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT; W) A entender-se que o recurso à cláusula geral antiabuso é uma mera faculdade, permitir-se-ia à Autoridade Tributária alcançar o resultado prático decorrente da aplicação desta cláusula a requalificação de um negócio jurídico sem se lhe impor o cumprimento do procedimento especialmente rigoroso estabelecido no artigo 63.º do CPPT, o que na prática corresponderia ao total esvaziamento do disposto neste preceito legal; X) Assim, com vista a expurgar de efeitos em sede tributária o contrato de assunção de dívida celebrado e, por via disso, a incrementar o preço subjacente ao contrato de cedência dos direitos económicos e desportivos do jogador D......, a Autoridade Tributária deveria ter lançado mão da figura da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT e, consequentemente, seguido o procedimento estabelecido no artigo 63.º do CPPT; Y) Ao não ter reconhecido o evidente vício de forma de que padecem os atos tributários e decisório impugnados, decidiu erroneamente o Douto Tribunal a quo, impondo-se a revogação da decisão por esse Douto Tribunal ad quem; Erro na determinação do período de tributação para efeitos de IVA Z) A exigibilidade do IVA na situação sub judice afere-se à luz do disposto nos artigos 16.º, n.º 1, e 8.º, nºs 1, alínea c), e 2, do CIVA, donde necessariamente resulta que qualquer liquidação de imposto, a ocorrer, deveria ter sido efetuada por referência ao mês de julho de 2015 (momento da assunção da dívida); AA) Assim, mal andou o Douto Tribunal a quo ao ter considerado não padecerem os atos tributários em matéria de IVA e decisório de erro na determinação do período de tributação, motivo pelo qual se impõe a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por pronúncia jurisdicional que determine a anulação desses atos; DA DISPENSA PARCIAL DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA BB) Na situação em presença, pese embora as questões jurídicas suscitadas não possam considerar-se de complexidade inferior à comum, certo é que a apreciação efetuada pelo Douto Tribunal a quo não contemplou a análise dos pontos mais exigentes, limitando-se esse órgão jurisdicional a aderir acriticamente aos argumentos apresentados pela Autoridade Tributária; CC) De facto, na sentença recorrida fez-se uma análise meramente superficial das questões, sem que, no entanto, o Douto Tribunal a quo tenha tomado posição sobre alguns dos pontos mais críticos da argumentação da Recorrente, designadamente e entre outros pontos de não somenos importância a impossibilidade de atribuição de relevância probatória às declarações alegadamente prestadas pelo seu anterior Presidente e a insusceptibilidade de subsunção da situação em análise à figura da simulação; DD) Neste contexto, não pode senão concluir-se que, independentemente da complexidade jurídica abstrata das questões suscitadas pelas partes, a tarefa decisória levada a cabo pelo Douto Tribunal a quo revelou-se bastante simples, sendo por isso manifestamente desproporcional e, nessa medida, atentatória dos artigos 18.º, n.º 3, e 20.º, n.º 1, da CRP a imposição de uma taxa de justiça no valor total de 4.386 EUR; EE) Em face do exposto, impõe-se a revogação do segmento decisório em que se deferiu apenas parcialmente a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, requerendo-se a esse Douto Tribunal ad quem que determine a dispensa total desse pagamento, de acordo com o artigo 6.º, n.º 7, do RCP. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando, por enfermar de erro de julgamento, a sentença recorrida nos termos e com os fundamentos supra expostos, tudo com as demais consequências legais. Mais se requer a esse Douto Tribunal ad quem que, na exata medida da procedência do presente recurso, condene a Fazenda Pública no pagamento das custas de parte, nos termos do artigo 26.º do RCP, dispensando na presente instância o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, tudo com as demais consequências legais.”. * * A AT- RAM (Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM) apresentou contra-alegações na qual reiterou a posição exarada na sentença recorrida, pugnando pela manutenção da mesma e improcedência do recurso.* * O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.* * Corridos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.* * II- OBJECTO DO RECURSODelimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de: i) erro de julgamento da matéria de facto quanto ao acordo de assunção de dívida entre o Recorrente e o P...... SAD., e quanto à autoria do email junto ao relatório como doc. 8; ii) erro de julgamento de direito por; - violação do princípio da irrepetibilidade dos procedimentos inspectivos; - preterição do princípio do inquisitório; - violação do dever de fundamentação dos actos tributários; - falta de recurso à clausula geral antiabuso - preterição do art. 16º e 8º do CIVA * * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTONa sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos: “Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os factos seguintes: A. A 07/07/2015, a Impugnante e o jogador “D......” rescindiram por mútuo acordo o contrato de trabalho desportivo que os unia e que havia sido celebrado a 01/08/2013, e de onde constava uma cláusula penal – vulgo, “cláusula de rescisão” - no valor de 4 milhões de euros (cfr. documentos n.°s 5 e 7 juntos à p.i.); B. O jogador “D......” foi transferido pela Impugnante para a P......, SAD, através de contrato com a data aposta de 07/08/2015, pela quantia de 1,8 milhões de euros (cfr. documento n.º 4 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); C. Do contrato de transferência do jogador “D......” da P......, SAD para a F......, SAD, consta, expressamente, que a primeira adquiriu o jogador à Impugnante em 26/06/2015 (cfr. documento n.º 5 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); D. O jogador “D......” nunca jogou pela P......, SAD, tendo sido contratado, em 02/07/2015, pela F......, SAD (cfr. anexo 4 ao Relatório de Inspeção Tributária e pag. 41 do Relatório e Contas consolidado da F...... – Futebol, SAD, relativo ao 1.º semestre 2015/2016, disponível para consulta in https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/PCS58892.pdf); E. A F......, SAD adquiriu à P......, SAD, 80% dos direitos económicos do jogador “D......” pela quantia de 2,8 milhões de euros (cfr. anexo 4 ao Relatório de Inspeção Tributária e pág. 41 do Relatório e Contas consolidado da F...... – Futebol, SAD, relativo ao 1.º semestre 2015/2016, disponível para consulta in https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/PCS58892.pdf); F. O Clube A...... interpôs, junto do Comité de Estatuto de Jogador da FIFA (Single Judge of the FIFA Players’ Status Commitee), ação contra a Impugnante no seguimento do negócio relativo à aquisição do jogador K......, tendo a Impugnante, por sentença proferida a 14-11-2014 pelo Tribunal Arbitral do Desporto (processo CAS2013/A/3419), sido condenada a pagar ao Clube A...... ......, o montante de 1,53 milhões de euros (cfr. documento n.º 7 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); G. Contabilisticamente, a Impugnante, relativamente à transferência do jogador “D......”, registou apenas um rendimento de 1,8 milhões de euros (cfr. Relatório de Inspeção Tributária); H. Através de acordo celebrado em 24-07-2015 entre a Impugnante, a P......, SAD e o Clube A...... ......, e com fundamento em “ajustes particulares” entre a Impugnante e a P......, SAD, esta última acordou assumir a responsabilidade total pelo pagamento da quantia devida pela Impugnante ao Clube A...... ......, no montante de 1,53 milhões de euros, resultante da sentença condenatória proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do processo CAS2013/A/3419, comprometendo-se a P......, SAD a pagar o valor integral até 31-07-2015 (cfr. documento n.º 6 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); I. Em e-mail enviado em 31/07/2015, e com o assunto “D....../M....../FCP”, o acionista maioritário da P......, SAD, assume que o pagamento do valor ao Clube A...... ...... integra a transferência do jogador “D......” (cfr. documento n.º 8 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); J. Em 12/08/2015, a P......, SAD transferiu, a partir de conta da Caixa Geral de Depósitos por si titulada, e a favor do Clube A...... ......, o valor de EUR 731 251,13 (cfr. documento n.º 8 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); K. Em 17/08/2015, o Clube A...... ...... comunicou já ter recebido o pagamento da compensação determinada pelo Tribunal Arbitral do Desporto (cfr. documento n.º 7 junto ao Relatório de Inspeção Tributária); L. A Impugnante foi alvo do procedimento inspetivo com a Ordem de Serviço n.º ......48, a qual teve na sua origem a Proposta de Inspeção referenciada pela PI201800645 (Pasta n.° 35/1271) para os períodos económicos de 2015 e 2016, efetuada a 26-10-2018, tendo por base a informação n.° DSIFAE/439/2018 e respetivos anexos, em cumprimento do Despacho n.° ......73 pela Direção de Serviços de Investigação da Fraude e Ações Especiais (cfr. pág. 4 do Relatório de Inspeção Tributária e documento n.º 12 junto com a p.i.); M. Em tal informação se concluindo assim. “propõe-se o envio da presente informação e respetivos anexos para a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM), unidade orgânica do domicilio fiscal da M...... SAD, NIF 51……, para efeitos de conhecimento e promoção dos procedimentos inspetivos que se mostrem devidos.” (cfr. documento n.º 12 junto com a p.i.); N. J......, presidente da Impugnante à data dos factos, declarou o seguinte: “No que respeita à venda do jogador, esclareceu que o mesmo foi vendido à F......, FUTEBOL, SAD, através do P...... SAD, uma vez que a primeira não teria interesse em que publicamente fosse conhecida a compra à M...... SAD, atentas as tensas relações entre presidentes resultantes do “caso” K......”. Quem se apresentou com a proposta de negociação para a transferência do jogador com o depoente foi T......, acionista maioritário da P...... SAD, embora fosse sabido que o destino do jogador seria o F...... SAD” (...) no negócio que envolveu a M...... SAD e a P...... SAD, a primeira ter feito por incluir no negócio a cessão da dívida de cerca de 1.500.000,00 que teria perante o A...... ...... do Brasil na sequência de uma condenação nas instâncias desportivas relativamente ao litígio do “caso K......”. Na prática, este negócio originou que a M...... SAD recebesse ou viesse a receber € 1.800.000,00 da P...... SAD e, simultaneamente, ficasse desobrigada de pagar o valor em dívida ao A...... ...... (…)” (cfr. confissão que consta do PA); O. O Relatório de Inspeção Tributária (Ordem de Serviço n.º ......48) notificado à Impugnante, no que às correções subjacentes às liquidações de imposto impugnadas concerne, tem o seguinte teor: “111.1. III.2.1. IRC - Correções à Matéria Tributável Da análise aos elementos da contabilidade do período económico de 2015, apurámos uma correção à matéria tributável no valor de Eur.1.252.902,44 (4.737.688,91 - 3.484.786,47), obtendo-se um Lucro Tributável corrigido no valor de Eur.4.737.688,91.
No âmbito do Despacho Externo credenciado pela ......73 foi recolhida documentação e foram prestadas declarações pelo Presidente da M...... SAD, J......, que evidenciam uma situação com irregularidades fiscais, com efeitos na determinação da matéria tributável em sede de IRC e na liquidação de IVA, relacionada mais precisamente com a transferência do jogador D......, identificado com o NIF 25….. (adiante designado por D......) da M...... SAD para a P...... SAD, identificada com o NIF 51…… (doravante designada por P...... SAD): Em 01-08-2013, D...... assinou Contrato de Trabalho Desportivo (CTD) com a M...... SAD, como jogador “livre”, pelas épocas de 2013/2014, 2014/2015 e 2015/2016, com uma cláusula de rescisão de Eur.4.000.000,00 (Vide Doc. 1 em anexo). Nessa mesma data, a M...... SAD assinou contrato de prestação de serviços de scouting e distribuição de direitos económicos com a Onkant AB (entidade da Suécia), pelo valor de Eur.50.000,00 e o montante correspondente a 30%do valor líquido numa futura venda do jogador D...... (Vide Doc. 2 em anexo). Em 07-07-2015 a M...... SAD e o jogador D...... rescindiram por mútuo acordo o CTD (Vide Doc. 3 em anexo) tendo a M...... SAD assinado, em 07-08- 2015, a cedência de direitos desportivos e 100% dos direitos económicos do jogador para a P...... SAD, pelo valor de Eur.1.800.000,00 (acrescido de IVA) e 9% do montante de uma futura venda (Vide Doc. 4 em anexo obtido no âmbito da presente ordem de serviço). As faturas emitidas pela M...... SAD foram registadas na conta SNC designada por “…..04 - Prestação de serviços - Cedências MN”.
No âmbito do despacho n.° ……53 emitido pela DSIFAE, foi recolhido junto da P...... SAD, o contrato de transferência definitiva do jogador D...... da SAD algarvia para a P… SAD, assinado em 02-07-2015 (data anterior ao contrato disponibilizado pela M...... SAD relativo à transferência do jogador da M...... SAD para a P...... SAD), em que a P…. SAD adquire 100% dos direitos federativos e 80% dos direitos económicos do jogador pelo valor de Eur.2.800.000,00 (acrescido de IVA) (Vide Doc. 5 em anexo). Foi ainda recolhido junto da P...... SAD um acordo celebrado em 24-07- 2015 entre a M...... SAD, a P...... SAD e o Clube A...... ...... (clube de futebol do Brasil) em que a P...... SAD acordou assumir a responsabilidade total pelo pagamento da quantia devida pela M...... SAD ao Clube A...... ......, no montante de Eur.1.530.000,00, resultante de uma sentença condenatória proferida a 14-11-2014 pelo Tribunal Arbitral do Desporto em Lausanne, no âmbito do processo CAS2013/A/3419 (Vide Doc. 6 em anexo). O Clube A...... ...... tinha interposto, junto do Comité de Estatuto de Jogador da FIFA (Single Judge of the FIFA Players’ Status Commitee), ação contra a M...... SAD no seguimento de negócio relativo à aquisição do jogador K......, tendo a M...... SAD sido condenada a pagar ao Clube A...... ......, após decisão do Tribunal Arbitral do Desporto em Lausanne (processo CAS2013/A/3419), o montante de Eur.1.530.000,00 (Vide Doc. 7 em anexo). Por consulta aos elementos contabilísticos da M...... SAD, no âmbito da presente ação de inspeção, constatamos que a M...... SAD no período de 2012 constituiu uma provisão relativa ao processo judicial atrás referido no valor de Eur.2.500.000,00 (lançamento a crédito da conta SNC “2…. - Processos Judiciais em Curso” por contrapartida a débito da conta de gasto “673 - Processos Judiciais em Curso”, concorrendo como componente negativa para a formação do lucro tributável desse mesmo período). No período de 2013 foi efetuado um reforço da provisão no montante de Eur.156.495,00 (juros a pagar). No período de tributação seguinte, 2014, a M...... SAD efetuou uma reversão dessa provisão no valor de Eur.1.000.000,00 (lançamento a débito da conta SNC “2…… - Processos Judiciais em Curso” por contrapartida da conta de rendimento “7633 - Processos Judiciais em Curso” a crédito, concorrendo como componente positiva na formação do lucro tributável desse mesmo período). Face ao exposto demonstramos que a M...... SAD reconheceu contabilisticamente como gasto dessa dívida a pagar o valor final de Eur.1.656.495,00 (2.500.000,00 + 156.495,00 - 1.000.000,00), ou seja, registou uma perda de valor superior a Eur.1.530.000,00 resultante da decisão final do Tribunal Arbitral do Desporto em Lausanne (processo CAS2013/A/3419). Esse acordo de pagamento da dívida (que a M...... SAD tinha para com o Clube A...... ...... no valor de Eur.1.530.000,00), por parte da P...... SAD, vem no seguimento do negócio da transferência do jogador D...... da M...... SAD, conforme informação prestada pelo Presidente da M...... SAD, no âmbito da ......73, J......, pelo que o montante global do negócio de transferência do jogador não foi de apenas Eur.1.800.000,00 (acrescido de IVA), mas sim de Eur.3.043.902,44 (acrescido de IVA). Uma vez que o valor de Eur.1.530.000,00 corresponde ao pagamento do valor remanescente da transferência do jogador, o mesmo tem incluído o valor de IVA à taxa normal de 23%, daí o valor a acrescentar ao negócio da transferência, sem IVA, ser de Eur.1.243.902,44 (1.530.000,00 / 1,23), chegando-se assim ao montante acima referido de Eur.3.043.902,44 (1.800.000,00 + 1.243.902,44). Ouvido em Auto de Declarações o Presidente da M...... SAD, no âmbito da ......73, relativamente ao negócio que envolveu o jogador D......, o mesmo afirmou o seguinte: “No que respeita à venda do jogador, esclareceu que o mesmo foi vendido à F......, FUTEBOL, SAD, através do P...... SAD, uma vez que a primeira não teria interesse em que publicamente fosse conhecida a compra à M...... SAD, atentas as tensas relações entre presidentes resultantes do "caso K......". Quem se apresentou com a proposta de negociação para a transferência do jogador com o depoente foi T......, acionista maioritário da P...... SAD, embora fosse sabido que o destino do jogador seria o F...... SAD. (...) no negócio que envolveu a M...... SAD e a P...... SAD, a primeira ter feito por incluir no negócio a cessão da dívida de cerca de € 1.500.000,00 que teria perante o A...... ...... do Brasil na sequência de uma condenação nas instâncias desportivas relativamente ao litígio do “caso K......”. Na prática, este negócio originou que a M...... SAD recebesse ou viesse a receber € 1.800.000,00 da P...... SAD e, simultaneamente, ficasse desobrigada de pagar o valor em dívida ao A...... ...... (que terá enviado documento a desobrigar a M...... SAD do pagamento desta verba, documento este que o declarante afirmou poder fazer chegar ao procedimento de inspeção). Questionado sobre quem teria procedido ao pagamento das verbas atinentes a esta transferência esclareceu desconhecer quem efetivamente pagou, tendo a contraparte assumido essa responsabilidade. O valor do referido crédito, de Eur.1.530.000,00, não foi considerado no pagamento do valor contratualizado para a venda do jogador (Eur.1.800.000,00) incluindo o respetivo montante de IVA (Eur.414.000,00), que foi sendo liquidado, fracionadamente, através de transferências bancárias da P...... SAD para a M...... SAD (conforme detalhe do quadro anterior), sendo que em junho de 2016 o valor em dívida era de Eur.546.300,00, significativamente inferior ao valor do crédito. A dívida pecuniária assumida pela P...... SAD faz, na realidade, parte integrante do preço de venda dos direitos desportivos e económicos do jogador D......, entendimento aliás corroborado pelo accionista maioritário da SAD algarvia, T......, que em e-mail (Vide Doc. 8 em anexo, também recolhido no âmbito do despacho DI201600253) assume que a P...... SAD compra os direitos federativos e financeiros por Eur.1.800.000,00 acrescido do valor da posição contratual de pagamento de multa do M...... ao A...... ...... (do qual pagou em agosto de 2015, pelo menos, Eur.731.251,13). A M...... SAD apenas reconheceu na contabilidade o ganho de Eur.1.800.000,00, o mesmo valor que facturou à P...... SAD referente ao contrato de transferência do jogador D...... para a P...... SAD, não tendo reconhecido qualquer ganho ou rendimento referente ao valor da dívida que tinha perante o Clube A...... ...... e que transmitiu para a P...... SAD no âmbito do negócio de transferência do jogador D......, nem procedido à correspondente liquidação do respetivo IVA. Não tendo a M...... SAD reconhecido como rendimento o valor total do negócio de venda do jogador D...... (Eur.3.043.902,44), a diferença no valor de Eur.1.243.902,44 (Eur.1.530.000,00/1,23) deve ser acrescida à matéria tributável de IRC, conforme disposto na alínea b) do n.° 3 do artigo 17.° e o n.° 1 do artigo 20.°, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC). III.2.2.IVA - Falta de liquidação de IVA Conforme exposto no subcapítulo anterior ao rendimento omitido no valor de Eur.1.243.902,44 deve ainda ser efectuada a liquidação de IVA em falta, no montante de Eur.286.097,56, nos termos do n.° 1 do artigo 1.°, do n.° 3 do artigo 4.° e n.° 1 do artigo 16.°, à taxa normal de IVA conforme alínea c) do n.° 1 do artigo 18.° e alínea a) do n.° 6 do artigo 6.°, todos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) em conjunto com o estipulado no n.° 2 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 347/85, de 23 de agosto. O período de tributação em sede de IVA a ser considerado será o de 2015.08, período no qual foi rubricado o contrato de cedência dos direitos desportivos e económicos do jogador D...... para a P...... SAD (a 07-08-2015), de acordo com a alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do CIVA.” (cfr. documento n.º 4 junto com a p.i., nomeadamente pags. 5 e ss. do Relatório de Inspeção Tributária); P. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC n.° 2019 8310005620, relativa ao exercício de 2015, no montante de 300.903,32 EUR, das respetivas liquidações de juros compensatórios, no montante global de 35.561,02 EUR, e da demonstração de acerto de contas, no montante de 342.522,12 EUR, das liquidações adicionais de IVA nºs ......801, relativa a agosto de 2015, no montante de 267.300,94 EUR, e ......814, de 6 de novembro de 2019, relativa a outubro de 2015, no montante de 18.796,62 EUR, das respetivas liquidações de juros compensatórios, no montante global de 46.918,57 EUR, e demonstrações de acerto de contas, no montante global de 333.016,13 EUR (cfr. documentos n.ºs 1 a 3 juntos com a p.i.); Q. A Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações notificadas (cfr. documento n.º 15 junto com a p.i.); R. Sobre aquela reclamação graciosa recaiu despacho de indeferimento (cfr. documento n.º 3 junto com a p.i.); S. Desse despacho apresentou a peticionária a presente impugnação (cfr. petição inicial – fls. 1 e ss. do processo em suporte papel); T. A qual não versa sobre correções à matéria tributável de IRC, no montante de 9.000 EUR, referentes a encargos não devidamente documentados, correções com as quais a Impugnante se conforma (cfr. art.º 46.º da p.i.). * Factos não provados:Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa. * Motivação:A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares). Relevou-se ainda a confissão por parte do Presidente da Impugnante à data dos factos, explicando que o acordo de pagamento da dívida ao Clube A...... ...... estava integrado na transferência do jogador “D......” para a P......, SAD (cfr. n.º 4 do art.º 355.º e n.º 2 do art.º 358.º, preceitos ambos do Código Civil).”. * * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo M......, SAD., na sequência do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e IVA relativas ao exercício de 2015 e decorrentes de acção de inspecção externa. Contra o decidido vem a Recorrente apresentar recurso jurisdicional invocando erro de julgamento da matéria de facto e de direito conforme conclusões supra transcritas. Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto invoca a incorrecta valoração dos elementos probatórios carreados para os autos ao julgar provado (i) que o acordo de assunção de dívida celebrado entre a Recorrente e a P...... SAD configurou parte do preço pago pela transferência do jogador D...... (ii) que a autoria do e-mail junto ao relatório final de inspeção como documento n.º 8 se encontrava demonstrada. Para o efeito requer a alteração da factualidade vertida na sentença recorrida, nos seguintes termos: (A) Alteração da alínea i.) do probatório, eliminando-se a referência à alegada autoria da mensagem de correio eletrónico e aí passando a constar: Em e-mail de autoria desconhecida e cuja veracidade não se comprovou, enviado em 31/07/2015 a destinatário igualmente desconhecido com o assunto D....../M....../FCP, refere-se que o montante de a posição contratual de pagamento de multa a ser paga pelo M...... ao A...... MG , integra o preço pago pela P...... SAD; (B) Alteração do segmento «B Fundamentação de Direito» da sentença recorrida, dele passando a constar: Da matéria de facto provada não resulta que o pagamento da compensação (assunção de dívida) por parte da P...... SAD ao CLUBE A...... fez parte do preço da transferência do jogador D...... para aquela SAD. Quanto ao requerido em A) e atento o teor do documento que suporta a factualidade vertida na alínea I) do probatório, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redacção da mencionada alínea I) nos seguintes termos: I) Em 31/07/2015 foi enviada uma mensagem electrónica com o seguinte teor: “(texto integral no original; imagem)” (cfr. fls. 42 do doc. nº ......24 08-08-2022 16:01:01 – numeração SITAF). Quanto ao requerido em B), vai indeferido o pedido porquanto não foi configurado qualquer facto constante do probatório susceptível de ser alterado, tendo a Recorrente invocado uma afirmação de carácter conclusivo, valorativo e ligada ao thema decidendum. De salientar que a matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, pelo que afirmações que consubstanciem essa natureza, devem ser excluídas da factualidade ou indeferido o seu aditamento. Prosseguindo. Vem a Recorrente alegar erro de julgamento de direito desde logo invocando violação do princípio legalidade e preterição do nº 4 do art. 63º da LGT, dado ter sido objecto de dois procedimentos de inspecção externos incidentes sobre o ano de 2015 e sobre IRC e IVA. Do probatório resulta ter a Recorrente sido objecto de uma acção de inspecção por parte da Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e Acções Especiais (DSIFAE) tendo estes serviços procedido à elaboração da informação nº 439/2018 na qual é proposto o envio dos elementos recolhidos à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (AT-RAM) para promoção dos procedimentos inspectivos que se mostrassem devidos. Na sequência dessa remessa, a AT-RAM emitiu em 26/10/2018 a ordem de serviço nº ……48 para efeitos de acção de inspecção à ora Recorrente e aos exercícios de 2015 e 2016 (cfr. alíneas L) e M) do probatório). O art.63º da LGT sob a epígrafe “Inspeções” consagra o seguinte: “1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais; b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária; c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução; d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas; e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais; f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva. g) Aceder aos dados constantes do Registo Central do Beneficiário Efetivo. 2 - O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável. 3 - Sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C. 4 - O procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas. 5 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem: a) O acesso à habitação do contribuinte; b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com exceção do segredo bancário e do sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, realizada nos termos do n.º 3; c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos; d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei. 6 - Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária. 7 - A notificação das instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades, para efeitos de permitirem o acesso a elementos cobertos pelo sigilo a que estejam vinculados quando a administração tributária exija fundamentadamente a sua derrogação, deve ser instruída com os seguintes elementos: a) Nos casos de acesso directo, cópia da decisão fundamentada proferida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º-B; b) Nos casos de acesso directo com audição prévia obrigatória do sujeito passivo ou de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, prevista no n.º 5 do artigo 63.º-B, cópia da decisão fundamentada proferida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e cópia da notificação dirigida para o efeito de assegurar a referida audição prévia. 8 - As instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades devem cumprir as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo a que estejam vinculadas no prazo de 10 dias úteis.”. (sublinhado nosso) O nº 4 desta disposição legal consagra o princípio da irrepetibilidade do procedimento de fiscalização, ou seja, estabelece a proibição de dois procedimentos inspectivos sucessivos, quando referente ao mesmo sujeito passivo, identidade de imposto e período de tributação, circunscrevendo a proibição ao procedimento externo de fiscalização. Contudo a mesma disposição legal consagra excepções a esse princípio, designadamente, quando o procedimento inspectivo visa apenas a consulta ou recolha de documentos ou elementos. No caso em apreço ocorreu efectivamente uma acção de inspecção externa pela DSIFAE na qual foi recolhida informação e documentos que posteriormente foram enviados à AT-RAM para efeitos de conhecimento e eventualmente desencadear os procedimentos inspectivos, o que veio efectivamente a ocorrer mediante a Ordem de Serviço nº ......48 emitida em 26/10/2018. Face ao exposto não se verifica qualquer ilegalidade, nomeadamente a violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspecção. A Recorrente invoca ainda preterição do dever de inquisitório e do ónus da prova impendentes sobre a Autoridade Tributária plasmados nos artigos 58.º e 74.º, n.º 1, da LGT, porquanto, segundo a Recorrente, a Direcção de Finanças do Funchal limitou-se no procedimento de inspecção a considerar os elementos recolhidos pela DSIFAE, não procurando esclarecer se o acordo de assunção de dívida consubstanciou efectivamente parte do preço pago pela transmissão dos direitos económicos e desportivos do jogador D...... para a P......, SAD e qual o montante da dívida relevante para esse efeito. Apreciando. O princípio do inquisitório vertido no art. 58º da LGT determina que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido. Por sua vez o artigo 74.ºda LGT consagra as regras do ónus da prova nos seguintes termos: “1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária. 3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”. No caso em apreço a DSIFAE procedeu à recolha de documentos (fls. 188/210 do doc. nº ......22 08-08-2022 15:41:37 numeração SITAF), mencionados nas alíneas A) a K) do probatório, bem como das declarações prestadas pelo presidente da Recorrente, à data dos factos, que se encontram lavradas em auto (cfr. fls. 181/186 do doc. nº ......22 08-08-2022 15:41:37 numeração SITAF) e transcritas na alínea N) do probatório, tendo estes elementos sido remetidos à AT-RAM para efeitos de informação e eventual procedimento de inspecção, o que veio a ser concretizado e que originou as liquidações de IRC e IVA impugnadas. Com base nesses elementos recolhidos pela DSIFAE, a Direcção de Finanças do Funchal procedeu à acção de inspecção de que resultou a correcção da matéria tributável de IRC do exercício de 2015 no valor de € 1.252.902,44, bem como apurado IVA em falta no montante de € 286.097,56, com os fundamentos vertidos na alínea O) do probatório. A AT- RAM logrou provar o acordo de pagamento da dívida (que o M...... SAD tinha para com o Clube A...... ......), por parte da P......, SAD., no âmbito do negócio da transferência do jogador D......, assente no auto de declarações prestadas pelo Presidente do M...... SAD à data dos factos, J......, que no seu depoimento assume que o acordo de assunção de dívida por parte da P...... SAD no montante de € 1.530.000,00 a que a Recorrente estava obrigada para com o A...... ...... na sequência de condenação pelo Tribunal Arbitral de Lausanne, fazia parte integrante do negócio de transferência dos direitos desportivos do jogador D......, pelo que o preço real da operação não foi apenas de € 1.800.000,00 mas sim de € 3.043.902,44 acrescido de IVA à taxa de 23% em vigor. A cedência de dívida constitui uma variação patrimonial positiva para o cedente, pelo que deveria ter sido acrescido ao quadro 07 da declaração mod. 22 do exercício de 2015, o valor de € 1.530.000,00 nos termos do art. 21º, nº 1 do CIRC, o que não foi efectuado. Destarte conclui-se que o procedimento inspectivo que originou as liquidações impugnadas está devidamente instruído com a prova recolhida e identificada de onde foi extraída, designadamente dos procedimentos desencadeados pela DSIFAE, tendo ainda sido formulada de forma expressa e clara a motivação fáctico-jurídica em que assentaram as correcções efectuadas. Em face do exposto improcede a alegada preterição dos artigos 74º, nº 1 e art. 58º da LGT. Invoca ainda a Recorrente violação do dever de fundamentação dos actos tributários, estabelecido nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT, na medida em que para efeitos de suporte das conclusões inspectivas e dos actos tributários subsequentes, relevarão apenas os elementos probatórios apresentados no âmbito do respectivo procedimento inspectivo e não quaisquer outros que subsequentemente se apresentem, incluindo os juntos, a título superveniente, ao respetivo processo instrutor em sede judicial (como sucedeu, no caso em apreço, com o auto de declarações elaborado pela DSIFAE). Vejamos então. O direito à fundamentação tem consagração constitucional como decorre do nº 3 do art. 268º da CRP garantindo aos administrados uma fundamentação expressa e acessível em relação a todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Este princípio encontra-se ainda densificado quanto aos actos tributários no art. 77º da LGT, ao consagrar o seguinte: “1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. A jurisprudência tem entendido de forma consensual que “I- A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT. II - O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. III - Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.” (cfr. entre outros Ac. STA de 12/03/2014 – proc. 01674/13). E como se afirma no recente Acórdão do STA de 12/02/2020 - proc. 01661/14.9BEPRT “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas. A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será pois o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação. Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. No que concerne à decisão do procedimento tributário dispõe o artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária dispõe que deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Por sua vez, no que se refere aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. A fundamentação do acto deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Sendo certo que “o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.). Na verdade a fundamentação será insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão, e a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que deve conter todas as razões que expliquem convenientemente a decisão final. No caso em apreço os elementos apurados e recolhidos pela DSIFAE foram tidos em consideração na acção de inspecção desencadeada pela Direcção de Finanças do Funchal, tendo o auto de declarações elaborado por aquela Direcção de Serviços sido transcrito integralmente no respectivo relatório de inspecção. Na verdade do teor do relatório da acção de inspecção, transcrito na alínea O) do probatório resulta com clareza, suficiência e congruência, as razões de facto e de direito que motivaram as correcções em sede de IRC e IVA do exercício de 2015 e que motivaram as liquidações adicionais. Em face do exposto improcede a alegada violação dos artigos 268º da CRP e art. 77º da LGT, não se verificando a falta de fundamentação. Mais invoca a Recorrente a insusceptibilidade de subsunção dos negócios jurídicos celebrados pela Recorrente à figura da simulação e da requalificação operada pela Autoridade Tributária por falta de recurso à cláusula geral antiabuso nos termos dos artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 63.º do CPPT. O artigo 38.º da LGT (na redacção à data) sob a epígrafe “Ineficácia de actos e negócios jurídicos” estabelece que: “1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes. 2 - São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas. E o art. 63º do CPPT a propósito da aplicação das normas antiabuso estabelece que: “1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio. 2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos. 3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso. 4 - A aplicação das disposições antiabuso depende da audição do contribuinte, nos termos da lei. 5 - O direito de audição será exercido no prazo de 30 dias após a notificação, por carta registada, do contribuinte, para esse efeito. 6 - No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes. 7 - A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência. 8 - As disposições não serão aplicáveis se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de seis meses. 9 - Salvo quando de outro modo resulte da lei, a fundamentação da decisão referida no n.º 7 conterá: a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica; b) A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do acto tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou acto de substância económica equivalente; c) A descrição dos negócios ou actos de substância económica equivalente aos efectivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam. 10 - A autorização referida no n.º 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo.”. Atentos os normativos acima transcritos, a doutrina tem entendido que a aplicação da cláusula geral anti abuso prevista na LGT depende de vários requisitos, a saber: i) A existência de um negócio ou estrutura que permita a obtenção de vantagem fiscal que de outro modo o sujeito passivo não obteria, implicando a demonstração, por um lado, dessa vantagem patrimonial e por outro do(s) negócio(s) jurídico(s) com efeitos económicos equivalentes considerado(s) negócio(s) indirecto(s); ii) Artificialidade e Abuso de formas jurídicas - A propósito da artificialidade e do abuso de formas a que a lei se refere GONÇALO AVELÃS NUNES, in “A Cláusula Geral Anti Abuso de Direito em Sede Fiscal Art. 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária à luz dos Princípios Constitucionais do Direito Fiscal”, Fiscalidade, n.º 3, 2000, p. 55, afirma “Em primeiro lugar teremos de estar perante uma montagem, ou seja, um conjunto de atos fictícios, praticados pelo contribuinte que são inadaptados, artificiais ou anómalos relativamente ao fim pretendido. Por outras palavras: o contribuinte constrói uma solução constituída por um ou mais atos anómalos, desadequados face ao fim pretendido, mas que em si mesmo são legais e produzem o mesmo resultado, dos atos usuais e adequados que estão definidos nas normas de incidência de certo imposto.”. iii) Reprovação pelo sistema fiscal (fraude à lei) – Tal como GUSTAVO LOPES COURINHA, afirma in A cláusula geral anti abuso no Direito Tributário: contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2004, p. 144: “se o resultado fiscalmente menos oneroso – vantagem fiscal – for admitido, tolerado, ou mesmo estimulado pela lei (…) não é condenável à luz da teoria da Fraude à Lei”, impedindo a aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso. E, ainda segundo o mesmo autor “O ato fraudulento configura-se em função da reprovação pelo Direito da sua natureza verdadeira e substancial – os efeitos obtidos. Efeitos esses que não são desejados, previstos ou promovidos pelo Direito, mas antes rejeitados (…) O elemento normativo destina-se a conferir coerência ao sistema fiscal, às normas e ao Ordenamento, i.e. à interpretação e aplicação do Direito Tributário, tentando extrair, manter presente e evidenciar os princípios e propósitos que os enformam – o espírito e intenção da lei e não apenas a sua letra, contribuindo para a sua compreensão e evitando os respetivos abusos formais (...) o elemento normativo pretende auxiliar no enquadramento da norma fiscal numa perspetiva não literal, com vista à obtenção de soluções sistemática e teleologicamente consideradas.”. Atento o quadro jurídico e doutrinal acima exposto vejamos o caso em apreço. Na realidade o negócio jurídico em causa teve subjacente o mesmo fim económico que esteve na origem da sua celebração: a transferência do jogador para a P...... SAD, sem outro fim económico que não o da transmissão dos direitos económicos e desportivos do jogador, não tendo sido celebrado um outro negócio jurídico que recorresse a meios artificiosos ou fraudulentos para alcançar o mesmo fim económico – a transmissão dos direitos económicos e desportivos do jogador. Na realidade estamos perante um negócio através do qual foi omitido parte do preço real do negócio jurídico, não havendo assim lugar à aplicação da cláusula antiabuso por não se encontrarem preenchidos os respectivos requisitos legais. Por fim a Recorrente invoca ainda preterição do disposto nos artigos 16.º, n.º 1, e 8.º, nºs 1, alínea c), e 2, do CIVA afirmando que a exigibilidade do IVA na situação sub judice afere-se à luz do disposto nos referidos normativos, donde necessariamente resulta que qualquer liquidação de imposto, a ocorrer, deveria ter sido efetuada por referência ao mês de Julho de 2015 (momento da assunção da dívida), e não o mês de Agosto de 2015, mas sem razão como veremos de seguida. In casu o facto tributável para efeitos de IVA é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, de acordo com o nº 1 do art. 16º do CIVA. Estamos perante uma assunção de dívida (assumir um pagamento perante terceiro) que como já referimos constitui um acréscimo patrimonial positivo para o cedente porquanto se o terceiro assume o pagamento de uma dívida no âmbito da celebração de um negócio, estamos perante uma contraprestação, que no caso se quantifica no valor total de € 3.043.902,44 que corresponde ao valor declarado no negócio (€1.800.000,00), acrescido do valor da assunção da dívida pelo P...... SAD (€ 1.243,902,44 valor sem IVA). A data da exigibilidade do imposto atento o momento da realização da prestação de serviço - momento em que o contrato de cedência dos direitos desportivos foi assinado – ocorreu a 07/08/2015 nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 7º do CIVA. Mais resultou ter sido igualmente no mês de Agosto que o P...... SAD transferiu o valor de € 731.251,13 a favor do Clube A...... ...... (a 12/08/2015) e o Clube A...... ...... comunicou, a 17/08/2015, já ter recebido o pagamento da compensação determinada pelo Tribunal Arbitral do Desporto (cfr. alíneas J) e K) do probatório). Por tudo o que vem exposto conclui-se serem improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. DA CONDENAÇÂO EM CUSTAS Vem a Recorrente recorrer da decisão do tribunal a quo quanto à dispensa parcial de pagamento do remanescente da taxa de justiça alegando que independentemente da complexidade jurídica abstracta das questões suscitadas pelas partes, a tarefa decisória revelou-se simples, sendo manifestamente desproporcional a imposição de uma taxa de justiça no valor de € 4.386, pedindo a revogação do segmento decisório em que deferiu parcialmente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, requerendo a dispensa total desse pagamento nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP. Decidindo. Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais. Importa, assim, ter em consideração a especificidade da situação para verificar se se justifica proceder à dispensa do remanescente da taxa de justiça. No caso em apreço, considera-se que estão verificados os requisitos previstos naquela norma para a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça. Com efeito, atenta a não complexidade do processo e das questões a dirimir, a que acresce a conduta processual das partes, que não contribuíram para a demora no processo e utilizado expedientes dilatórios, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça. Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo fixado na sentença recorrida que é de € 666.538,25, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça. * * V- DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em: i) negar provimento ao recurso e em consequência confirma-se a sentença recorrida; ii) conceder provimento ao recurso no segmento decisório de condenação em custas, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº 7 do art. 6º do RCIPT. Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente Lisboa, 22 de Junho de 2023 Luisa Soares Vital Lopes Susana Barreto | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||