Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10528/13
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/30/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE; LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL; CASAMENTO.
Sumário:i) Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional.

ii) O ónus da prova para efeitos do disposto no artigo 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege-se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342.º e 343.º do C. Civil.

iii) Não demonstra a existência de uma ligação efectiva à comunidade portuguesa, a interessada que assenta o pedido de aquisição da nacionalidade apenas na circunstância de ser casada com cidadão português há mais de três anos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

JULIANA ………………………. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa, datada de 18.03.2013, que julgou procedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto daquele Tribunal.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. Por força do artº Artigo 40º, nº3 do CPTA «nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito».

II. A presente acção foi julgada por tribunal singular que é, em razão desse normativo, incompetente para o julgamento da causa.

III. Deve este tribunal conhecer da excepção de incompetência do tribunal singular, ordenando-se que o processo volte à primeira instância para ser julgado por tribunal colectivo.

IV. Tendo sido apresentadas testemunhas, para prova da ligação à comunidade nacional, mesmo que tenha sustentado que a lei não exige a produção de tais provas, não podia o tribunal dar como provada a inexistência de ligação à comunidade nacional sem dar cumprimento ao artº87º, 1 al.c) do CPTA, que foi violado.

V. Não foi dado como provado qualquer facto que possa constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, pelo que a acção carece de fundamento.

VI. A decisão recorrida ofende, por isso mesmo, o disposto no artº9º da Lei da Nacionalidade.

VII. Ao considerar que «não obstante a lei estipular que a tramitação dos autos segue a forma da acção especial, o seu objectivo consubstancia uma acção de simples apreciação negativa, nos moldes estatuídos no artº4º,2, al. a) do CPC, aplicável ex vi do artº1 do CPTA» o tribunal a quo fez uma interpretação contra legem que constitui uma afronta ao principio da separação de poderes, constitucionalmente estabelecido, pois que ofende norma expressamente alterada pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de abril.

VIII. O direito da recorrente à aquisição da nacionalidade portuguesa é um direito subjectivo, que deriva da própria lei, mais precisamente do artº3 da Lei da Nacionalidade.

IX. A recorrente tem direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, por ser casada com nacional português há mais de 3 anos, podendo exercer esse direito mediante declaração.

X. A inexistência de ligação do cônjuge estrangeiro de nacional português à comunidade portuguesa só se verifica quando o casamento é um artifício que não corresponde a um projecto comum de vida, a uma «plena comunhão de vida», para usar a definição do artigo 1577º do Código Civil.

XI. Citando o ensinamento de GOMES CANOTINHO, contra o que foi escrito na sentença recorrida:

a. - «a comunidade politica (res publica) é uma comunidade constitucional inclusiva; daí que os direitos fundamentais à nacionalidade e à cidadania não possam ser densificados através do entendimento clássico de «comunidade nacional»;

b.- uma comunidade constitucional inclusiva, embora também a inclua, não é assim apenas uma comunidade de portugueses, residentes no território ou no estrangeiro (veja-se a este título, por exemplo, o que dispõe o artigo 59º: « Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas[…]»);

c.- na lógica da nova interpretação do critério ius sanguinis, uma visão constitucionalmente adequada do vínculo jurídico entre o Estado português e uma pessoa, deve ter-se, além de a partir de dentro, também a partir de fora (neste sentido, cfr. artigos 44º, nº1, 115º, nº12 e 121º), o que implica um reconhecimento da nacionalidade a todas as pessoas que sejam fruto de uma disseminação da comunidade de portugueses, que é constituída por um povo aberto à emigração/migração e, por isso mesmo, vigilante no que respeita à mistura cultural, social e étnica;

d.- uma interpretação constitucionalmente adequada do direito fundamental à nacionalidade portuguesa na comunidade constitucional inclusiva portuguesa implica, assim, a titularidade deste direito por todas as pessoas que possuam uma conexão relevante com Portugal (genuine link);

e.- no que respeita ao ius soli – o outro critério clássica - na lógica da tendência para a sua valorização na nova compreensão do conceito de cidadania desnacionalizada, uma interpretação constitucionalmente adequada conduz a que estrangeiros possam, também, ter «direito à qualidade de membro da República portuguesa» e, nesse medida, serem tratados como sujeitos-pessoas, com respeito pelos princípios da igualdade e da não descriminação;

f.- apesar de legislador constituinte se ter abstido de delimitar materialmente os conceitos, uma densificação não arbitrária e, por isso, legalmente adequada deve, na perspectiva da titularidade de direitos fundamentais, densificar os direitos à cidadania e à nacionalidade numa lógica de titularidade de direitos por um sujeito-pessoa, o que exige um critério alargado para o seu reconhecimento (ressalvadas, obviamente, as excepções constitucionais – cfr., artigo 15º, nº2:

g.- uma densificação não arbitrária deve, outrossim, na perspectiva principal, respeitar os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Com efeito, se, em termos gerais o legislador infra-constitucional está sempre vinculado ao princípio da igualdade na densificação/concretização de direitos fundamentais (neste caso, dos direitos fundamentais à nacionalidade e cidadania) instrumentos e jurisprudência internacionais reforçam, nesta matéria, esse entendimento.

XII. A obrigatoriedade de apresentação de provas de ligação à comunidade nacional deixou de existir com a publicação da Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de abril.

XIII. A douta decisão recorrida, assentando, como assenta, em norma revogada é nula.

XIV. Mas, para além disso, é inconstitucional, porque ofende, neste aspecto, o disposto no artº202º, 1 e 2 da CRP.

XV. A nova redacção dada à alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade eliminou da esfera das obrigações do requerente da nacionalidade a alegação e prova de «ligação efectiva à comunidade nacional», passando tal ónus , e de forma inversa – a da «inexistência de ligação efectiva» - a recair sobre as autoridades que venham a suscitar oposição ao propósito manifestado pelo requerente.

XVI. Ao considerar que o artº9º al.a) da Lei da Nacionalidade estabelece que constitui fundamento de oposição a essa aquisição a não comprovação de ligação efectiva à comunidade nacional. (...)» o tribunal violou o próprio art°9° al a) do mesmo diploma tem agora outra formulação.

XVII. Os elementos constitutivos do direito à aquisição da nacionalidade são o próprio casamento e a declaração de vontade da aquisição proferida na sua constância.

XVIII. O que a lei prevê é que essa declaração possa ser posta em causa através de factos, concretos e objetivos, que permitam concluir para inexistência de uma ligação à comunidade nacional, nomeadamente se o casamento não constituir um projeto de plena comunhão de vida (art°1577° do Código Civil).

XIX. Não foram apresentados ao M°P° nem o M°P° apresentou em juízo quaisquer factos que permitam concluir, com um mínimo de seriedade, pela inexistência de ligação da recorrente à comunidade portuguesa.

XX. A conclusão ou a afirmação de que a R. não tem uma ligação à comunidade portuguesa, pelo que é considerada uma indesejável como cidadã da República em termos de justificar a sua rejeição ofende a unidade da família que que é garantida pela Constituição da República.

XXI. Uma tal rejeição ofenderia, para além disso, por natureza, de forma brutal o princípio da igualdade dos cônjuges, garantido pelo art.°36°, 3 da lei fundamental e ultrapassa largamente os limites da coesão do casamento estabelecidos na reforma introduzida no nosso direito da família pela Lei n°61/2008, de 31 de outubro.

XXII. A oposição à aquisição da nacionalidade por parte de cônjuge de cidadão português, importando uma ação de rejeição à integração de tal indivíduo na sociedade portuguesa, constitui uma evidente crítica ao próprio casamento e à integração desse cônjuge na respetiva família, ofende o disposto no referido art° 36°, 3, a não ser que razões muito fortes o imponham.

XXIII. «Uma interpretação constitucionalmente adequada permite perceber que a CRP de 1976 reconhece quer o vínculo jurídico entre o Estado português e uma pessoa, adjetivando o conceito — os cidadãos portugueses (cfr., em especial, artigos 4.°, 14.°, 33.°, 121.°, 147.° e 275.°) -, quer a qualidade de membro da rés publica no sentido de comunidade política (cfr., em especial, artigos 13.°, 15.°, 26.° e 272.°)» e que «a comunidade política (rés publica) é uma comunidade constitucional inclusiva».

XXIV. «No que respeita à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, a grande modificação do actual regime jurídico operou-se com a extensão daquela faculdade às uniões de facto, matéria em que se exige uma durabilidade igual à do casamento (3 anos). Porém, a nova redação dada à alínea a) do artigo 9.°, eliminou da esfera das obrigações do requerente da nacionalidade a alegação e prova de «ligação efectiva à comunidade nacional», passando tal ónus, e de forma inversa - a da «inexistência de ligação efetiva» — a recair sobre as autoridades que venham a suscitar oposição ao propósito manifestado pelo requerente.» (CANOTILHO).

XXV. «Esta relevante alteração veio atribuir à verificação dos requisitos da aquisição do direito à nacionalidade (os constantes do artigo 3.° e 5.°) verdadeira presunção da existência de «ligação efectiva à comunidade», elidível, contudo, pelas alegação e prova de factos que demonstrem a inexistência de tal ligação.» (CANOTILHO, ibidem).

XXVI. A inversão do ónus da prova (estabelecida na reforma de 2006) vai no sentido de que a aquisição da nacionalidade portuguesa é a priori automática, bastando à pessoa-requerente reunir as condições previstas no artigo 3.° ou 5.° da Lei, condições que consubstanciam os requisitos constitutivos do direito à aquisição da nacionalidade, pronunciando-se, por mera declaração, sobre a «existência de ligação efetiva à comunidade nacional».

XXVII. A douta sentença recorrida ofendeu, assim, os art° 40°,3, 87°,1 al. c do CPTA, os art° 3° e 9° da Lei da Nacionalidade, o art° 1577° do Código Civil e os art° 13°, 15°, 26°, 36°,3 e 202° da Constituição da República, com a anotação de que os que se referem a direitos fundamentais estão sujeitos ao regime do art° 18° da lei fundamental.

Termos em que, anulando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente o pedido apresentado pelo M°P se fará a sempre esperada JUSTIÇA»..



O Recorrido, Ministério Público contra-alegou concluindo do modo que segue:

1. A decisão recorrida julgou a acção de oposição interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO como procedente, após dar como provado que a requerente nasceu no Brasil, é filha de nacionais brasileiros e sempre residiu naquele país, onde casou, sendo o cônjuge natural do Brasil e de nacionalidade portuguesa, do qual teve dois filhos nascidos no Brasil, ambos com nacionalidade portuguesa;

2. Mais fundamentando a sentença em apreço que a ora recorrente nunca residiu em Portugal e que, ao invés, sempre teve residência no Brasil, onde, atento o seu trajecto de vida demonstrado, interiorizou todos os conceitos e valores da sociedade brasileira, segundo as tradições e costumes dessa sociedade, nela cresceu e desenvolveu toda a sua vida familiar, social, cultural e profissional, pelo que o seu trajecto de vida não passou nem passa por Portugal;

3. O conceito de "ligação efetiva" não se basta com o facto do cônjuge da recorrente ter adquirido a nacionalidade portuguesa, bem como os seus dois filhos, fruto desse casamento também terem adquirido a nacionalidade portuguesa, e falar o português que é também comum à língua brasileira; No presente recurso está em causa a decisão contida na douta Sentença recorrida, ao considerar que a recorrente não conseguiu, assim, fazer prova do necessário pressuposto da sua efectiva e necessária ligação à comunidade portuguesa;

4. Acrescendo ainda a interpretação de que, segundo a recorrente, a decisão recorrida exige ao requerente da pretendida aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade, a prova de uma ligação efetiva à comunidade nacional, contrariando, segundo a recorrente, o sentido da alteração legislativa efectuada pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17 Abril, complementada pelo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-lei n- 237-A/2006, de 14 Fevereiro;

5. Mesmo na consideração de que competiria ao Ministério Público, enquanto A., a prova da existência de factos impeditivos do direito à aquisição da nacionalidade, competiria então, naturalmente, à ora recorrida, como interessada na aquisição da nacionalidade, infirmar essa invocação, comprovando os factos constitutivos de tal direito, o que, manifestamente, não fez;

6. É que, nos termos do artigo 343º nº 1 do Código Civil, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, como é o caso, compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga;

7. Assim, por todo o exposto, a Douta sentença recorrida interpretou, sem dúvida e de forma correcta, os dispositivos legais aplicáveis à situação concreta em apreço, inexistindo qualquer erro manifesto ou errada interpretação do direito.

Termos em que deverá manter-se a Douta decisão recorrida, fazendo assim V.Exas., como sempre, JUSTIÇA».



Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir


Posto isto, é tempo de entrar na análise dos fundamentos do recurso.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a decisão recorrida é nula por ter sido foi julgada por tribunal singular que é, em razão do art. 40.º, n.º 3, do CPTA, incompetente para o julgamento da causa; e

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que acervo factual apurado não é de molde a concluir que entre a Requerida, ora Recorrente, e o nosso país se estabeleceu um laço fundamentador da aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 3° e 9°, alínea a) da Lei da Nacionalidade, julgando, assim, verificado o fundamento de oposição invocado nos autos.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

1. A Requerida nasceu em 08.11.1976, em …………, Brasil (cfr. fls. 12).

2. Contraiu casamento civil, em 21.10.2006, no Brasil, com o cidadão português Paulo ……………, nascido em 22 de Outubro de 1976, no Brasil, com residência habitual, à data do casamento, no Brasil (cfr. fls. 16 e 22).

3. A Requerida tinha residência habitual no Brasil à data do casamento (cfr. fls. 22).

4. Os pais de Paulo ……………., residiam no Brasil à data do seu nascimento (cfr fls. 16).

5. A R. e Paulo ………….. são pais de Pedro …………….. e de Sónia ……………, ambos de nacionalidade portuguesa (cfr. fls. 24 a 26).

6. Em declaração recebida na Conservatória dos Registos Centrais, no dia l de Abril de 2011, a Requerida formulou pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 3° da Lei n° 37/81, de 3 de Outubro, com base no referido casamento. Nessa declaração afirma residir no Brasil (cfr. fls. 10 e 11).

7. Com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais processo onde se constatou a falta dos pressupostos necessários à pretendida aquisição de nacionalidade, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado, por se afigurar que a Requerida "não tem ligação efectiva à comunidade portuguesa"

8. A Requerida reside no Brasil (cfr. fls. 10 e 11).

9. A Requerida sempre residiu no Brasil (cfr. fls. 31, onde a R. declara, em Outubro de 2011, que o Brasil é o país onde teve residência).

10. A R. é sócia contribuinte do Centro Cultural Português, em Santos, Brasil, participando das respectivas actividades associativas (cfr. declaração de fls. 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

11. A R. é pessoa conhecida no seio da comunidade luso-brasileira participando da vida associativa da Casa de Portugal, instituição cultural e de assistência, sita em S. Paulo (cfr. declarações de fls. 35 e 36 e de fls. cujos teores se dão por integralmente reproduzidos).

12. É titular de conta bancária em Portugal, tendo apresentado documento informativo do NIB, datado de 18.10.2011 (cfr. fls. 37).

13. Inscreveu-se junto da Direcção-Geral dos Impostos em Portugal em 07.09.2011 (cfr. fls. 39).

Não foram consignados factos não provados, nem autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto.



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a decisão da Mma. Juiz do TAC de Lisboa que julgou a presente acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa procedente.

Começa a Recorrente por se insurgir contra aquilo que classificou por falta de competência do tribunal, por a decisão recorrida ter sido proferida por juiz singular e não por tribunal colectivo (conclusões I. a III. do recurso). Mas não tem razão, mesmo considerando que se estaria perante questão prévia obstativa do conhecimento do objecto do recurso (por se exigir reclamação para a conferência e não recurso – art. 27.º, n.º 2, do CPTA).

Fazendo nossa a argumentação constante do voto de vencido do Exmo. Conselheiro Alberto de Oliveira, no ac. do STA de 17.12.2014, proc. n.º 585/14:

“(…)

Notaria que no contencioso da nacionalidade, em sentido amplo, englobam-se diferentes realidades: aquelas em que estão em causa pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de actos administrativos ou de normas; e as que estão descuidadas dessa prática ou omissão. As primeiras são acções administrativas especiais, por natureza: preenchem todos os requisitos do artigo 46.°, do CPTA.

Estão no primeiro caso as acções que se elencam no Capítulo II do Título III do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, sobre o contencioso da nacionalidade em sentido estrito – artigos 61.° e 62.° (como noutra sede, estão, por exemplo, as acções de impugnação de actos administrativos respeitantes à formação de contratos).

Estão no segundo caso as acções judiciais para efeito de oposição à aquisição de nacionalidade, indicadas no Capítulo I daquele mesmo Título. Nestas não está em discussão a prática ou omissão de acto administrativo ou de normas. Essas acções não têm como parte, aliás, qualquer entidade administrativa: são propostas pelo Ministério Público contra particulares.

Essas acções não são, pois, acções administrativas especiais.

Por isso, o que se aplica do regime das acções administrativa especiais deverá ser só o que é imposto directamente pelo seu Regulamento da Nacionalidade. Ora, segundo o artigo 60.°, seguem «os termos da acção administrativa especial». Como defende o recorrente, trata-se de tramitação, que está inscrita no CPTA, não de competência, que está inscrita no ETAF.

O que releva do ETAF não decorre do Regulamento, mas da Lei da Nacionalidade, com a redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.° 2/2006, de 17.4: é aplicável, «nos termos gerais», o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – artigo 26.° (e há uma competência, para uma situação muito específica, que é atribuída directamente ao Tribunal Central Administrativo Sul – art. 32.°)

Assim, aplicando-se, em «termos gerais», o ETAF, a previsão que teria considerado seria a do seu artigo 40.º, n.° 1, por ser o regime regra. O artigo 40.°, 3, ficará reservado para as acções administrativas especiais, que são caracterizadas, como se disse, pelo objecto (artigo 46.° do CPTA), mas não para as que, não o sendo, simplesmente seguem, por uma ou outra razão, a tramitação prevista para aquelas no CPTA.

Pelo que, de acordo com os fundamentos supra transcritos, improcedem as conclusões de recurso nesta parte.

Vejamos agora do acerto da sentença recorrida que concluiu pela inexistência de ligação efectiva com a comunidade portuguesa, julgando a oposição deduzida pelo Ministério Público procedente e, em conformidade, determinando o arquivamento do processo conducente ao registo deste facto pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

Para assim decidir, a sentença recorrida assentou no seguinte discurso fundamentador:

“ (…) não havendo dúvidas de que a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa instaurada pelo Ministério Público, constitui uma acção de simples apreciação negativa. E assim sendo, recai sobre a Requerida o ónus de trazer ao processo os elementos em que possa fundar o direito à aquisição da nacionalidade, improcedendo as alegações da Requerida quanto à inversão do ónus da prova e à inexistência de factos (pois, recaindo sobre si a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, não procedendo a essa demonstração em juízo, não pode a presente acção obter desfecho favorável à sua pretensão material).

Veja-se, ainda, o acórdão do TCA Sul, datado de 26.05.2011, extraído do processo n°4881/09.

Resulta das disposições legais acima transcritas, é facultado ao estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português a possibilidade de adquirir também tal nacionalidade desde que exista, entre o cidadão estrangeiro e a comunidade portuguesa, uma efectiva ligação proporcionada pelo casamento, nos termos apontados na jurisprudência referida.

O casamento entre a Requerida e o cidadão nacional português, no qual a Requerida se baseia para invocar o direito à nacionalidade portuguesa, não pode ser havido, só por si, como elemento constitutivo da sua ligação à comunidade nacional, sob pena de ser inútil o preceito contido na alínea a) do artigo 9° da Lei n°37/81.

Apesar de casada com cidadã nacional portuguesa, não resulta demonstrada a identificação cultural e/ou sociológica da Requerida com a nossa comunidade nacional.

Alega a R. ser falso que nunca tenha residido em Portugal, por resultar dos autos que a mesma teve residência na Rua Escola Secundária 808, Vale de Cambra, 3730-200 Vale de Cambra, tendo até aberto uma conta bancária com esse endereço.

E alega, ainda, ser falso que não trabalhe nem nunca tenha trabalhado em Portugal, por se ver, dos documentos juntos com a contestação, que, residindo no estrangeiro, a R. tem um representante fiscal em Portugal - António Martins Alves, contribuinte fiscal n°151084629, residente na Rua Académico Futebol Clube, n° 201, 4° Esq, 4200-602 Porto, e, anda, que a R. actua no Brasil como representante legal de uma empresa exportadora portuguesa, a Famaval - Equipamentos para Telecomunicações, Limitada.

Ora, estas alegações da R. merecem as seguintes observações:

Ao contrário do que a R. inculca, não resulta dos autos que alguma vez tenha mantido residência em Portugal. Dos autos não consta qualquer elemento probatório que permita indiciar uma residência anterior no nosso país. O facto de ser titular de conta bancária em Portugal, não permite tirar qualquer conclusão a esse respeito. E a circunstância de a correspondência bancária ser enviados ao cuidado da R. para a morada que refere, a saber (Rua Escola Secundária 808, Vale de Cambra, 3730-200 Vale de Cambra), não é demonstrativa de que tenha tido residência em Portugal. De resto, foi a própria R., que, como se vê a fls. 31, apenas indicou o Brasil como país onde anteriormente teve residência.

Causa alguma estranheza, diga-se, o facto de, quer a correspondência bancária junta f aos autos com a referida morada em Portugal, quer a inscrição junto da Direcção-Geral dos Impostos em Portugal reportarem ao ano de 2011, ano em que a R. requereu a nacionalidade portuguesa em impresso no qual declara que tem residência no Brasil, sendo ainda que, como se vê a fls. 31, em Outubro de 2011, a R. apenas indicou o Brasil como país onde teve residência. Esta incongruência faz até levantar a dúvida sobre se a R. não terá aberto conta bancária em Portugal e obtido o número de contribuinte português para mais facilmente obter a nacionalidade portuguesa.

Quanto ao facto alegado (mas não provado, pois a documentação junta pelo R. não se mostra suficiente para o efeito) de a R. actuar no Brasil como representante legal de uma empresa exportadora portuguesa, a Famaval - Equipamentos para Telecomunicações, Limitada, esse facto, mesmo que se viesse a provar, não relevaria para concluir que a R. tem uma ligação efectiva a Portugal. Nem leva à conclusão de que a A., por via dessas funções, trabalhe em Portugal.

Alega, ainda a R. que a Conservatória dos Registos Centrais e o Ministério Público desvalorizaram completamente as instituições que declararam que a R. tem uma forte ligação à comunidade nacional, a saber, o Centro Cultural Português, de Santos, a Casa de Portugal de São Paulo, o Conselho das Comunidades Portuguesas em Santos.

A este respeito, diga-se que o que resulta dessas declarações, juntas aos autos, é que a A. tem interesse e simpatia por Portugal, mas esses sentimentos por Portugal comuns a muitos brasileiros, que vêem em Portugal o seu país irmão, não justifica por si a ligação efectiva que os preceitos legais enunciados exigem para que se possa considerar que a R. é portuguesa.

Os autos não são elucidativos de factos que permitam concluir que o trajecto de vida da Requerida tenha abrangido a realidade portuguesa.

Nada se provou que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa por parte da R..

Não há factos nos autos que permitam concluir por um sentimento de pertença, de integração económico-social e de identificação sociológica e cultural à nossa comunidade, exigido, in casu, para que possa ser atribuída a nacionalidade portuguesa.

O facto de terem nascido, do casamento do Requerido com a cidadã nacional portuguesa dois filhos que detêm a nacionalidade portuguesa, não pode impor a atribuição da nacionalidade portuguesa.

Não há factos nos autos que permitam concluir por um sentimento de pertença, de integração económico-social e de identificação sociológica e cultural à nossa comunidade, exigido, in casu, para que possa ser atribuída a nacionalidade portuguesa.

Os autos não são elucidativos de factos que permitam concluir que o trajecto de vida da Requerida tenha abrangido, de forma relevante, a realidade portuguesa.

Todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores se terá desenvolvido no país onde nasceu e reside (Brasil), no qual terá, obviamente, todas as suas referências culturais e sociais.

Pelas razões que supra se enunciaram, pode proceder a pretensa inconstitucionalidade do artigo 9°, n° l, da Lei da Nacionalidade, na interpretação de que é ao requerente que cabe fazer prova da ligação efectiva à comunidade nacional, já que a mesma decorre das regras substantivas e processuais aplicáveis, nada se extraindo da lei fundamental do país que imponha solução diferente.

Em concreto, quanto à invocação do disposto nos artigos 15° e 26° da CRP, dir-se-á que o direito à cidadania é um direito pessoal reconhecido pela CRP a todos: aos portugueses reconhece o seu direito a não serem privados da sua cidadania de forma arbitrária e injustificada; aos restantes, reconhece o direito a poderem aceder à cidadania portuguesa, naturalmente dentro de certas condições, pressupostos e requisitos.

E é ao Estado Português que cabe fixar os parâmetros para que seja concedido tal direito, sendo, por isso, facilmente perceptível que as normas constitucionais e internacionais invocadas, na dimensão para a qual a Requerida apela, não são por si só exequíveis, carecendo da concretização do legislador ordinário, concretização essa que foi consubstanciada precisamente na Lei da Nacionalidade. Ou seja, a Lei da Nacionalidade efectiva o direito à cidadania na vertente do direito a poder aceder à nacionalidade portuguesa, sendo por isso, aquele, um direito procedimental concretizado naquela Lei.

E a interpretação jurisprudencial da exigência da prova da ligação efectiva como ónus da prova do facto constitutivo do direito que a Requerida se arroga em nada colide com o quadro legal vigente, não se vislumbrando como se podem mostrar violadas as invocadas disposições constitucionais e internacionais.

Também são improcedentes as alegações da Requerente a propósito do racismo e da xenofobia uma vez que a decisão de não conceder a nacionalidade à R. não é tomada em função da raça, nem por a R. ser natural de uma antiga colónia, como é o Brasil. Apenas se concluiu, em função da aplicação da Lei da Nacionalidade, que a Requerida não tem a necessária ou efectiva ligação à comunidade nacional para que nacionalidade portuguesa lhe possa ser concedida.

Nem a mesma interpretação, subjacente à decisão tomada, é discriminatória nem viola o disposto nos artigos 13° e 36° da CRP, não implicando qualquer discriminação ou desigualdade entre os cônjuges (desde logo, porque, à partida, os cônjuges não estão em situação igual, uma vez que um tem uma ligação à comunidade portuguesa, por ser cidadão nacional originário e o outro não), nem viola o artigo 67° da CRP porque o princípio da unidade familiar não sai beliscado pelo facto de se impor ao membro não nacional a demonstração da sua efectiva ligação à comunidade nacional, imposição que, como resulta de todo o exposto, nada tem de ilegítima.

Concorda-se com o Acórdão do STJ de 06.07.2005, proc. n° 05B1665, quando refere que "a unidade da família não é posta em crise pela diferente nacionalidade dos seus membros, pois é forjada, essencialmente, pelos laços de natureza afectiva que se vão formando entre eles. "

Por outro lado, a interpretação do artigo 9°, n° l, da Lei da Nacionalidade, no sentido de que o Requerente tem de fazer prova da ligação efectiva à comunidade nacional não ofende o disposto na Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, dando-se aqui por reproduzida, na parte atinente, o articulado do Ministério Público apresentado no processo de oposição à nacionalidade n° 1885/11.0, por se concordar com as considerações que aí são feitas, a saber:

(…)

Em suma, no caso dos autos, como vimos, o acervo factual apurado não é de molde a concluir que entre a Requerida e o nosso país se estabeleceu um laço fundamentador da aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 3° e 9°, alínea a) da Lei da Nacionalidade.

A sentença assentou, assim, o seu dispositivo num fundamento principal, que foi o da ausência de demonstração da ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa por parte da requerente da nacionalidade, a partir dos sinais existentes nos autos e que foram vertidos no probatório.

Vejamos então se a sentença errou ao considerar como verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no art. 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional), por ter concluído que a Requerida e ora Recorrente não demonstrou ter uma ligação efectiva à comunidade portuguesa.

Comece por se deixar estabelecido que a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não vem sujeita a qualquer impugnação, pelo que o probatório fixado se tem que dar por devidamente estabilizado.

Por outro lado, a alegação da Recorrente quanto à dispensa judicial da produção da prova testemunhal, susceptível de fundar erro de julgamento sobre a necessidade da sua produção, não logra proceder (conclusão IV. do recurso). É certo que foram arroladas testemunhas na contestação, sendo que a Mma. Juiz a quo, por despacho prévio à prolação da sentença, entendeu que a sua inquirição era desnecessária. Porém, no presente recurso a Recorrente não demonstra minimamente qual ou quais os concretos factos susceptíveis de prova testemunhal, limitando-se a avançar argumentos acerca da idoneidade e prestígio das testemunhas indicadas. Ora, o que em primeira linha está causa não é a razão de ciência, nem a capacidade pessoal e/ou profissional das testemunhas indicadas, é sim a concreta factualidade susceptível de por estas ser atestada.

A Mma. Juiz a quo não dispensou a produção de prova testemunhal com fundamento na falta de idoneidade, incapacidade ou impedimento das testemunhas; esta foi dispensada por ter concluído que face aos elementos existentes e aos factos alegados, a sua produção era desnecessária. E sobre isto a Recorrente não desfere ataque eficaz ao decidido, donde, ter o imputado erro de julgamento que improceder.

Na verdade, por um lado, a Recorrente discorda da valoração que da prova foi feita pela Mma. Juiz a quo e, por outro lado, reitera a sua premissa fundamental defendida nos autos quanto à desnecessidade de fazer prova da ligação efectiva à comunidade nacional, afirmando que “tem direito à aquisição da nacionalidade portuguesa por ser casada com nacional português há mais de 3 anos, podendo exercer esse direito mediante declaração” (cfr. conclusões V. e X. e s. do recurso).

E, podemos já adiantar, a posição sustentada na sentença recorrida é a acertada. Vejamos porquê.

Começando por traçar o quadro normativo de referência, temos que no art. 3.° da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (redacção que foi mantida pela Lei n.º 2/2006, sendo que a Lei n.º 43/2013, de 3 de Julho apenas veio alterar o art. 6.º, n.º 7, no que tange à concessão de nacionalidade por naturalização), prevê-se o seguinte:

1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.”.

Por outro lado, nos termos do art. 9.°, na redacção anterior, daquela Lei estabelecia-se que:

Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional;

b) A prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, segundo a lei portuguesa;

c) O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”

E a redacção actual é esta:

Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;

b) A condenação, com trânsito cm julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;

c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.

No art. 56.°, n.º 2, do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, prevê-se o seguinte:

2- Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:

a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igualou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;

c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”

Por fim, no art. 57.°, n.° 1, deste diploma, dispõe-se que:

Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior.”

Conforme se retira da leitura destes preceitos, antes exigia-se que o interessado comprovasse a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a “não comprovação” dessa ligação efectiva. Agora, não se faz menção a essa “não comprovação”, mas tão-só à “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.

A verdade é que o interessado terá de “pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”, crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.

A oposição à aquisição de nacionalidade, no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional (que é o que está em causa no presente processo) continua a derivar da existência de um requerimento feito por alguém que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito e devendo pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. A constatação, face às explicações dadas, de que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir pela ligação à comunidade nacional, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição (como no caso sucedeu).

A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa continua, pois, a configurar-se, como uma acção de simples apreciação negativa. Neste sentido concluiu, entre outros, o acórdão deste TCAS de 17.05.2012, proc. n.º 8726/12, ou, para citar o mais recente, o acórdão de 20.11.2014, proc. n.º 10824/14. Como se escreveu neste último aresto, em tese que subscrevemos integralmente: “(…) neste recurso a questão essencial reporta-se ao ónus da prova em sede do previsto no artigo 9º/a) da atual Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade (DL 237-A/2006) [o que aqui também ocorre]. // Face ao teor das normas citadas, não temos a mínima dúvida de que este processo contencioso é uma ação declarativa de simples apreciação negativa (artigo 10º/3/a) do NCPC), por isso sujeita ao imposto no artigo 343º/1 do CC, que dispõe sabiamente que nas ações de simples apreciação ou declaração negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (cfr., sobre esta importante matéria, P. LIMA/A. VARELA, C.C.Anot., I, notas aos artigos 342º e 343º; MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, V, 2011, capítulo VII; RITA LYNCE DE FARIA, A Inversão do Ónus da Prova no Direito Civil Português, Lisboa, Lex, 2001). // Note-se, aliás, que aqui o autor, MP, não está a invocar nenhum direito (seu, substantivo), na terminologia do artigo 342º/1 do CC. // A aplicação do artigo 343º/1 do CC é ainda mais justificada pelo facto óbvio de que a tese contrária exigiria normalmente do MP uma prova verdadeiramente impossível, sobretudo por causa da impossibilidade jurídica e constitucional de o MP invadir a vida privada e social do interessado. A prova da ligação efetiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais, pelo que a prova tem de ser feita através de factos próprios do interessado no pedido de aquisição de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Exigir neste contexto a aplicação do artigo 342º/1 do CC, além de ilegal, seria irracional ou ilógico”.

Concluindo-se no acórdão que temos vindo de transcrever: “Portanto, interpretando as leis como manda o artigo 9º do CC, conclui-se que decorre do artigo 343º/1 do CC, das 2 normas referidas da LN e das 4 normas referidas do RN que, nas ações de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa com fundamento na al. a) do artigo 9º da LN, é o réu quem tem o ónus de provar a factualidade integrante da pretensão que o interessado quis fazer valer junto das autoridades administrativas portuguesas”.

Temos, assim, como seguro para nós que a lei não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas (cfr., i.a., o nosso acórdão de 29.01.2015, proc. n.º 10708/13). Posição igualmente sufragada pela sentença recorrida e nesta sede questionada.

Ora, de acordo com o disposto no art. 343.º, n.º 1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (v. supra).

Como muito sugestivamente concluiu este TCA Sul no acórdão de 2.10.2008, proc. n.º 4125/08, em consideração que aqui se sufraga na íntegra: “De qualquer modo, pelo facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão.

Ou como mais recentemente se refere no acórdão deste TCA Sul de 6.11.2014, proc. n.º 11025/14, adoptando idêntico discurso fundamentador a propósito do ónus da prova: “O artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artigo 343.º/1 do CCiv, uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, dada a dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar factos negativos (que, no caso, são também factos pessoais do réu). // Este regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja “pronúncia” sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar ação de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade).

Donde, não poderá entender-se como pretendido pela Recorrente que esta beneficiava de uma presunção iuris tantum que lhe assegurava a existência de ligação efectiva à comunidade nacional pelo facto de ser casada com um cidadão português há mais de 3 anos.

Posto isto, continuando a apreciar o caso concreto, perante o probatório fixado e ao que aqui importa, verifica-se que a ora Recorrente assenta, como se disse já, o pedido de nacionalidade, formulado ao abrigo do art. 3.º da Lei da Nacionalidade, na circunstância de ser casada com um cidadão português há mais de três anos. Mas tal é manifestamente insuficiente para assegurar a existência de uma ligação efectiva à comunidade portuguesa.

A jurisprudência tem vindo, ao longo dos anos, a defender que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida por todo um conjunto de factores, inter alia, como o domicílio, a língua, as relações familiares e de amizade, a integração social e económico-profissional, um conhecimento mínimo da História e da Geografia do País, ou seja, de tudo aquilo em que se possa radicar um sentimento de pertença. Isto em ordem a expressar um sentimento de pertença perene à Comunidade Portuguesa (neste sentido o ac. deste TCAS de 13.11.2008, proc. n.º 3697/08). Exige-se, entendemos nós, a verificação de elos consistentes de natureza económica, profissional, social e cultural, de modo a corporizarem um sentimento de pertença efectiva à comunidade portuguesa, manifestados de forma mais ou menos prolongada e não através de actos isolados ou escassos.

Com especial aplicação no caso em apreço, especificou já o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 6.07.2006, proc. n.º 06B1740, que: “Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de 3 anos e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo, conforme art. 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade (…), indispensável a existência duma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar, como estabelecido no art. 22º do Regulamento daquela Lei (DL 322/82, de 12/8, na redacção dada pelo DL 253/94, de 20/10).”

Donde, reiterando o já afirmado, a ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa envolve factores vários, designadamente o domicílio, a língua falada e escrita, os aspectos culturais, sociais, familiares, económicos, profissionais e outros, reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, em Portugal ou no estrangeiro. Necessário é pois que se possa concluir que se encontra estruturada e arreigada no âmago do candidato, pelo menos, a caminhada para adquirir a nacionalidade portuguesa.

Ora, face aos elementos constantes dos autos e na ausência de outros, entende-se que se pode concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.

Com efeito, a interessada não instruiu o seu pedido – nem o fez no decurso da presente acção – com elementos que permitam demonstrar solidamente qualquer traço de afinidade com os usos, costumes, tradição e história do povo português. Ou seja, da Requerida, ora Recorrente, apenas se sabe, com relevância para os autos, que é casada com um português há mais de 3 anos, que fala a língua portuguesa, aliás a língua-mãe no Brasil, que participa em actividades do Centro Cultural Português e da vida associativa da Casa de Portugal em São Paulo; mas nada se sabe no que se refere a efectivos contactos/integração com a comunidade nacional portuguesa, aos conhecimentos que tem dos costumes portugueses, da sua história, das instituições portuguesas, etc. Na verdade, como referido na sentença recorrida “a este respeito, diga-se que o que resulta dessas declarações, juntas aos autos, é que a A. tem interesse e simpatia por Portugal, mas esses sentimentos por Portugal comuns a muitos brasileiros, que vêem em Portugal o seu país irmão, não justifica por si a ligação efectiva que os preceitos legais enunciados exigem para que se possa considerar que a R. é portuguesa”.

O ponto está que a Requerida, ora Recorrente, limita-se a fundar genericamente a sua ligação efectiva com a comunidade nacional portuguesa, na existência do casamento com nacional português, o que, por si só, não basta.

O casamento de per si não constitui elemento principal da ligação do interessado à comunidade nacional, sendo que a aquisição da nacionalidade portuguesa pelo casamento não é automática, impondo a lei ao interessado o ónus de provar a ligação efectiva à comunidade nacional.

Com efeito, o casamento com cidadão português não pode ser arvorado em elemento suficiente de ligação à comunidade portuguesa. Caso contrário, bastaria invocar esse singelo fundamento para que a nacionalidade fosse automaticamente concedida, fundamento esse não acolhido pelo legislador.

Como se acabou de dizer, a circunstância de ser casada com um cidadão português há mais de três anos não pode ser arvorado em elemento bastante de ligação à comunidade portuguesa. Caso contrário, bastaria invocar esse singelo fundamento para que a nacionalidade fosse automaticamente concedida, fundamento esse não acolhido pelo legislador. Neste ponto, necessário é ter presente que, sendo o texto ou a letra da lei o ponto de partida da interpretação – esta parte de um elemento determinado que é a sua fonte e procura exprimir a regra que é o seu conteúdo (cfr. Baptista Machado in Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 1987, p. 182 e 189) – é também um elemento irremovível da interpretação jurídica. É nessa medida que o art. 9.º, n.º 2, do C. Civil consagra que: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; ou seja, presumindo, sempre, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir-se de modo lógico e em termos adequados. Donde, não tendo sido erigido pelo legislador que a circunstância de se ser casada com cidadão português há mais de três anos constituiria elemento bastante – ou exclusivo - de ligação à comunidade portuguesa, não pode o intérprete-aplicador, sob pena de incorrer em interpretação correctiva, adoptar semelhante solução normativa.

Em suma, para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de três anos (art. 3.º da Lei da Nacionalidade) e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, sendo, conforme o art. 9º, al. a), daquela Lei, indispensável a existência duma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar, como estabelecido no art. 56.º, n.º 2 do Regulamento respectivo (cfr. o recentíssimo ac. deste TCAS de 12.03.2015, proc. 11816/15, subscrito pelo ora relator na qualidade de 1.º adjunto).

É certo que a Recorrente tem dois filhos que detêm a nacionalidade portuguesa, nascidos no casamento com o cidadão português identificado em 2. do probatório. Circunstância que não deixou de ser evidenciada e sopesada pela Mma. Juiz a quo. Sucede que esse facto, desprovido de outras provas, não constitui meio suficiente para demonstrar a ligação efectiva da interessada à comunidade nacional. Nem é susceptível de promover a concessão da nacionalidade pretendida por invocação do princípio da unidade familiar (cfr., em caso semelhante ao que ora nos ocupa, os acórdãos do STJ de 12.09.2006, proc. 06A1908, e de 4.12.2006, proc. n.º 06B4329; também o recente acórdão deste TCAS de 26.02.2015, proc. n.º 11791/15). Para além de que a circunstância de a ora Recorrente não deter, contrariamente aos restantes membros do agregado familiar, a nacionalidade portuguesa não constitui – nem tal vem alegado – no caso concreto óbice à vida em comum da família, pois que o local da residência é no Brasil.

Quanto ao mais alegado pela Recorrente no presente recurso, concretamente o vertido nas conclusões XI., XIV., XX., XXI. a XXIII., trata-se da repetição dos argumentos oportunamente esgrimidos na contestação, relativamente aos quais a sentença recorrida já respondeu de modo completo e acertado (v. supra).

Razões pelas quais, na improcedência das conclusões de recurso, tem que ser negado provimento ao ao mesmo, com a consequente manutenção da sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional.

ii) O ónus da prova para efeitos do disposto no artigo 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade e no Regulamento da Nacionalidade rege-se pelo disposto na lei geral, designadamente nos artigos 342.º e 343.º do C. Civil.

iii) Não demonstra a existência de uma ligação efectiva à comunidade portuguesa, a interessada que assenta o pedido de aquisição da nacionalidade apenas na circunstância de ser casada com cidadão português há mais de três anos.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, de 30 de Abril de 2015

Pedro Marchão Marques
Cristina Santos

Conceição Silvestre (Voto vencida, uma vez que entendo que da sentença caberia reclamação para a conferência, conforme Ac. STA de 17/12/2014, proc.585/14)