Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06257/10
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:05/27/2010
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:PERMANÊNCIA IRREGULAR EM TERRITÓRIO NACIONAL
PROCESSO DE EXPULSÃO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO PRINCIPAL
FUMUS MALUS IURIS – ARTIGO 120º Nº 1 ALINEA A) DO CPTA
Sumário:I – O acto administrativo objecto da providência consubstancia uma destas situações tipo de máxima intensidade do fumus malus iuris, valendo por si só em face da manifesta improcedência da pretensão material do Requerente , evidenciada pelo adequado enquadramento da decisão de expulsão no preceituado nos artigos
134º nº 1 al. a), 145º a 149º , e 181º nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.

II – Permanecendo o Requerente irregularmente em território nacional (tendo inclusive violado uma medida de interdição de entrada) constitui tal permanência irregular fundamento bastante para a instauração do processo de expulsão administrativa e para a decisão proferida no final daquele.

III – No caso em apreço não existe apoio legal para a reapreciação da medida de interdição de entrada, pois se é certo que o Requerente apresentou manifestação de interesse visando o eventual enquadramento no mecanismo excepcional e oficioso do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, é igualmente certo que analisada essa manifestação foi proferida decisão para efeitos de não apreciação, devidamente notificada para efeitos do artigo 9º do CPA.

IV – Uma interpretação conforme à Constituição impõe que o princípio da equiparação ou do tratamento nacional consagrado no artigo 15º da CRP opere no sentido de enquadrar apenas os cidadãos estrangeiros cuja entrada e permanência tenha sido autorizada em conformidade com o regime previsto na Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, porquanto só assim se salvaguardam os interesses constitucionalmente tutelados por aquele diploma – a segurança interna e a ordem pública – que justificam esta restrição à tendência quase universal de aplicação do referido princípio.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

S……………, com sinais nos autos, inconformado com a sentença do TAF de Almada, de 3 de Março de 2010, que julgou improcedente a providência cautelar por si intentada com vista à suspensão de eficácia do acto proferido pelo Director Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que determinou a sua expulsão e ainda a respectiva interdição de entrada em território nacional por um período de cinco anos, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões :
“ 1 – Não existe a falta de fundamento evidente da pretensão da Requerente a formular na acção principal e a consequente não procedência da providência cautelar.
2 – Era necessário saber porque não foi revogada a medida de interdição de entrada pelo SEF e que serviu de base ao indeferimento do pedido de legalização e à decisão de expulsão do Território Nacional.
3 – Não era possível igualmente ao Tribunal concluir do que consta dos autos que a Requerente não teve uma actuação cumpridora e que apresentou pedido de legalização à revelia da decisão de interdição de entrada.
4 – Era necessário averiguar a actuação da Requerida à luz dos princípios que regem a Administração publica e à luz do principio da igualdade previsto na CRP.
5 – A decisão foi por isso prematura, pois não havia elementos de prova suficientes para proferir de imediato decisão liminar de indeferimento da providência cautelar por falta evidente de fundamentos na pretensão formulada.”
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O Recorrido Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.
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O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Almada que julgou improcedente a providência cautelar intentada pelo ora Recorrente, cidadão brasileiro, com vista à suspensão de eficácia do acto proferido pelo Director Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que determinou a sua expulsão e ainda a respectiva interdição de entrada em território nacional por um período de cinco anos.

Entendeu a Mma Juiz a quo o seguinte como fundamento da sua decisão:
(…) Duvidas não restam que tendo o ora Requerente entrado no País em 2005, com visto de turismo, permaneceu depois irregular em território nacional;
- Ademais, para além da decisão de expulsão de 2009-08-04 , o Requerente já havia sido destinatário de decisão, em 2007, que lhe vedou a entrada em território nacional, pelo período de três anos, decisão que se encontra em vigor e não foi cumprida.
(…)
Afigura-se-nos evidente a improcedência do pedido a formular na acção principal porquanto verifica-se o fundamento da sua expulsão previsto no artigo 134º nº 1 al. a) da Lei nº 23/2007 (…) e não se verifica o requisito previsto no artigo 88º nº 2 al. b) do mesmo diploma legal, não padecendo o acto suspendendo de vicio de violação de lei, ou outro vício alegado;
(…)
Quer da formulação prevista na al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, quer na formulação que resulta da al. b) do mesmo nº e artigo , consideramos não verificado o requisito do fumus boni iuris.
(…)
Verifica-se, exactamente o contrário, ou seja, é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular na acção principal (…)”

Em discordância com o decidido alega o Recorrente o seguinte:
a) Não existe a falta de fundamento evidente da pretensão (…) a formular na acção principal (…) estando inclusivamente a ser violado nessa decisão o principio constitucional da igualdade e da adequação.
b) Era necessário saber porque não foi revogada a medida de interdição de entrada pelo SEF e que serviu de base ao indeferimento do pedido de legalização e à decisão de expulsão do território nacional.
c) Não era possível igualmente ao Tribunal concluir (…) que o Requerente não teve uma actuação cumpridora e que apresentou pedido de legalização à revelia da decisão de interdição de entrada.
d) Não se percebe porque foi indeferida liminarmente a providência cautelar sem se indagar devidamente as situações acima referidas, sem achar necessária a admissão de mais provas.
e) Não foi dado um tratamento igual ao Requerente que é dado a todos os estrangeiros que aqui residem e que pretendem legalizar-se e que reúnem as condições (…) o que viola o principio da igualdade (…) levando-nos a concluir igualmente que a requerida (…) violou também os princípios da proporcionalidade, da legalidade, da justiça e da imparcialidade previstos nos artigos 3º, 5º e 6º do CPA.

Analisemos a questão.

Urge referenciar que o aqui Recorrente foi objecto de um processo de readmissão activa, com decisão proferida em 13 de Julho de 2007, nos termos da qual foi vedada a respectiva entrada em território nacional pelo período de três anos e determinada a respectiva inscrição na lista nacional de pessoas inadmissíveis.
É certo que nos termos do disposto no nº 5 do artigo 33º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho “ As medidas de interdição de entrada que não tenham, sido decretadas judicialmente e que estejam sujeitas aos prazos definidos na presente Lei podem ser reapreciadas a todo o tempo por iniciativa do director geral do SEF e atendendo a razões humanitárias ou de interesse nacional, tendo em vista a sua eliminação”.
Importa, por conseguinte, apurar se é possível enquadrar a situação do ora recorrente na previsão da norma em questão, ou seja se existe, em concreto, base legal para a reapreciação da medida de interdição de entrada em território nacional.
O ora recorrente, em 7 de Julho de 2008, requereu que fosse levantada a medida cautelar de interdição de entrada para poder solicitar cartão de residência ao abrigo do disposto no artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007.
Na sequência da exposição apresentada pelo ora Recorrente foi aquele notificado que “ (…) a mesma não é susceptível de enquadramento nos requisitos cumulativos exigidos pelo nº 2 do artigo 88º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, não podendo assim a situação fáctica na mesma relatada ser subsumida naquele regime excepcional, uma vez que se verificou que não fez prova de
+ Possuir um contrato de trabalho (…)
+ Ter entrada legal em território nacional (…)”.

Convém referir que, na situação em apreço, o ora Recorrente apresentou um contrato de trabalho com uma entidade empregadora, que no âmbito da fiscalização se detectou ter cessado IVA e IRC em 31 de Janeiro de 2007 ( o contrato de trabalho foi assinado em 1 de Março de 2008), sem embargo de não lograr cumprir o requisito da entrada legal, tanto mais que sobre ele impendia uma medida cautelar de interdição de entrada em território nacional.
É, pois, inquestionável que o ora Recorrente não possui duas das condições legalmente exigíveis para a ora Recorrida poder dar inicio ao procedimento oficioso previsto no nº 2 do citado artigo 88º, sem prejuízo daquele (procedimento) de per si não ter qualquer efeito suspensivo na instauração, procedimento e prolação de decisão do processo de expulsão administrativa.
Acresce salientar que a decisão de expulsão proferida relativamente ao ora Recorrente consubstancia, in casu, a única solução legalmente admissível face à entrada e permanência ilegal daquele, em face do mandato imperativo do artigo 134º nº 1 al. a) da Lei nº 23/2007.
Na verdade, as outras alternativas existentes não podem, por um motivo ou outro, ser utilizadas :
- O abandono voluntário previsto no artigo 138º do diploma citado, porque a situação do ora Recorrente o impossibilita de configurar um caso devidamente fundamentado face à existência de uma decisão de readmissão activa para Espanha e de interdição de entrada;
- A condução à fronteira prevista no artigo 147º da mesma Lei porque o Juiz não a determinou.

Nestes termos a decisão proferida pela entidade Recorrida limitou-se a dar cumprimento ao mandato imperativo do artigo 134º nº 1 al. a) do citado diploma, tanto mais que o ora Recorrente permanece irregularmente em território nacional (pelo menos desde 2006) , facto que constitui, de acordo com a Lei nº 23/2007, fundamento bastante para a prolação da decisão suspendenda; Além de que sobre o Recorrente impende uma medida de interdição de entrada, plenamente válida, que não foi cumprida.

Importa ainda consignar que não se vislumbra qualquer violação do principio da legalidade , na medida em que foi proferida a única decisão adequada face à entrada /permanência em território nacional , nem o Recorrente pode beneficiar, no quadro legal vigente, de qualquer susceptibilidade de regularização.
Na verdade, as disposições legais atinentes ao regime de autorização são abrangidas pelo espírito da Constituição cujo artigo 15º nº 1 estatui que “ Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, consagrando assim o principio da equiparação ou do tratamento nacional que, salvo disposição em contrário, vale para todos os direitos.
Uma interpretação conforme à Constituição impõe que a regra da equiparação opere no sentido de enquadrar apenas os cidadãos estrangeiros cuja entrada e permanência tenha sido autorizada em conformidade com o regime previsto na Lei nº 23/2007, porque só assim se salvaguardam os interesses constitucionalmente tutelados por aquele diploma – a segurança interna e a ordem pública – que justificam esta restrição à tendência quase universal de aplicação do referido princípio.

Assim, se o cidadão estrangeiro não é possuidor de qualquer tipo que o habilite a permanecer ou a residir em território nacional está em situação irregular e em violação das regras constantes da Lei nº 23/2007 , normativo de ordem pública, fundamento bastante para instauração de processo de expulsão administrativa e prolação de decisão final naquele sentido .
Ora, no caso em apreço, como ficou sobejamente referido, sobre o ora Recorrente recaiu, além da decisão suspendenda, uma decisão de interdição da entrada por via do processo de readmissão de que foi alvo, em vigor, que aquele conhece e cujo conteúdo e consequências não podia desconhecer.
Em conformidade, não se descortina qualquer vício na decisão ora suspendenda, pelo contrário, verifica-se o cumprimento integral dos princípios gerais consagrados no CPA e na CRP – legalidade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade.

De igual modo, quanto á alegada inobservância do princípio da igualdade, uma vez que não é identificada ( nem se descortina) qualquer situação de identidade substancial à do ora Recorrente que tenha merecido decisão diferenciadora por parte da ora Recorrida, não se mostra violado o invocado princípio.

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Por conseguinte, verificando-se o fundamento da expulsão previsto no artigo 134º nº 1 al. a) da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, e não ocorrendo o requisito previsto no artigo 88º nº 2 al. b) do mesmo diploma legal podemos concluir, tal como se decidiu na sentença a quo, que é manifestamente improcedente o pedido a formular na acção principal, pelo que ocorre o requisito do fumus malus iuris previsto na al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA .
Com efeito, como salienta expressivamente o Prof. J. C. VIEIRA DE ANDRADE para esta situação, subsumível igualmente no mesmo artigo 120º nº 1 al. a) do CPTA:
Também na situação oposta – que não está expressamente regulada, mas cuja solução resulta implicitamente das normas aplicáveis - ou seja, em caso de manifesta falta de fundamento da pretensão principal , mesmo que não haja circunstâncias formais que obstem ao conhecimento do pedido, sempre será recusada qualquer providência, ainda que meramente conservatória. Portanto, nos casos de evidência da legalidade ou da ilegalidade da pretensão, o fumus boni iuris ou o fumus malus funcionam como o fundamento determinante da concessão ou da recusa da pretensão” in “ A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA, LIÇÕES , 8ª Ed., ALMEDINA, pag. 351.

Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões da alegação do Recorrente, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

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Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Lisboa, 27 de Maio de 2010
António Vasconcelos
Paulo Carvalho
Fonseca da Paz ( em substituição)