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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06136/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXAME E DECISÃO DE DOIS RECURSOS.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.
RENDIMENTOS DE CAPITAIS. ARTº.5, Nº.1, DO C.I.R.S.
ARTº.5, Nº.2, AL.H), DO C.I.R.S. ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS.
ARTº.6, Nº.4, DO C.I.R.S.
ARTº.28, Nº.1, DA L.G.T. SITUAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA.
ARTº.103, DO C.I.R.S.
Sumário:1. Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do recurso apresentado pelo recorrente (...), desde logo, por uma questão de prioridade temporal, apesar de entre os dois recursos não se estabelecer qualquer relação de subsidiariedade, visto terem por objecto partes distintas do dispositivo da decisão recorrida (cfr.artº.124, do C.P.P.Tributário).
2. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
3. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
4. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.
5. A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.
6. O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Esta tributação em I.R.S. passou a fazer-se através de uma técnica de englobamento parcial dos lucros distribuídos nos termos do artº.40-A, nº.1, do C.I.R.S., assim tentando o legislador ultrapassar o problema da dupla tributação dos lucros distribuídos, tanto em sede de I.R.C, como de I.R.S.
7. O artº.6, nº.4, do C.I.R.S., consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos, ou seja, se houver opção pelo englobamento, este faz-se por metade do valor nos termos do citado artº.40-A, do C.I.R.S.
8. O artº.28, nº.1, da L.G.T., consagra uma situação de substituição tributária, na qual o sujeito passivo originário de imposto é a entidade obrigada à retenção na fonte, mais ficando o substituído desonerado do seu pagamento, ressalvando a possibilidade de ser chamado a título de responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o nº.3 do mesmo normativo.
9. O artº.103, do C.I.R.S., o qual reproduz nos seus três primeiros números, o disposto no aludido artº.28, da L.G.T., do exame de tal norma não se pode concluir que o substituído tributário (no caso os impugnantes) se deva considerar sujeito passivo originário de imposto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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1-DOMINGOS ............................................ E MARIA .............................................., com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.146 a 152 do presente processo e que julgou parcialmente procedente a presente impugnação visando actos de liquidação adicional de I.R.S., relativos aos anos de 2005 a 2007 e respetivos juros compensatórios, tudo no montante global de € 457.468,59.
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Os recorrentes terminam as alegações do recurso (cfr.fls.168 a 172 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presunção estabelecida no nº.4 do artigo 6 do Código do IRS (antigo n.º 4 do artigo 7 do mesmo Código) tem como pressupostos de aplicação qualificante supletiva a existência de lançamentos em conta corrente de sócio escriturada numa sociedade comercial ou civil sob forma comercial e que tais lançamentos não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais;
2-Segundo as regras gerais de distribuição do ónus da prova cabe a quem invoca a presunção comprovar plenamente os pressupostos de que depende a sua aplicação;
3-Não comprova plenamente a verificação dos pressupostos de verificação de tal presunção a análise efectuada num Relatório da Inspecção Tributária que, embora com algumas afirmações vagas e imprecisas sobre alguns dos lançamentos feitos na conta corrente do sócio com a sociedade, no ano de 2005, limita a sua análise ao saldo devedor que essa conta apresenta;
4-A comprovação tem de ser efectuada lançamento a lançamento, independentemente de se tratar de um lançamento a débito ou a crédito, não admitindo a presunção quaisquer compensações: um adiantamento por conta de lucros, mesmo que presumido, não deixa de o ser por, a qualquer outro titulo, o sócio ter restituído parte, ou mesmo a totalidade, à sociedade, seja no exercício em que aquele se efectuou, seja em exercício posterior;
5-Sofre do vício de violação de lei, por violação do disposto no nº.4 do artigo 6 do Código do IRS, a, aliás, douta sentença que assume e integra nos factos dados como provados tais afirmações vagas e imprecisas, considerada verificados os pressupostos da invocação da presunção e lhe atribui o efeito qualificante, invertendo o ónus da prova sem se saber muito bem sobre que lançamentos tal prova deve recair;
6-NESTE TERMOS, E NOS MAIS QUE V. EX.ª DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, CONSEQUENTEMENTE, ANULADA INTEGRALMENTE A LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRS E JUROS COMPENSATÓRIOS RELATIVA AO ANO DE 2005, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância deste primeiro recurso deduzido.
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2-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA também deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.146 a 152 do presente processo e que julgou parcialmente procedente a presente impugnação visando actos de liquidação adicional de I.R.S., relativos aos anos de 2005 a 2007 e respetivos juros compensatórios, tudo no montante global de € 457.468,59.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.177 a 184 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por Domingos................................., NIF.................. e Maria........................................, NIF....................., ao acto de liquidação adicional de IRS relativo aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, incluindo os actos de reposição de reembolso e de fixação de juros compensatórios;
2-Entendeu o Tribunal a quo que não se poderia ter procedido ao englobamento dos rendimentos nos anos 2006 e 2007, por estarem sujeitos a taxa liberatória, nos termos do art.º 71 do CIRS, alterado pelo art.º 1.º do DL n.º 192/2005 de 07 de Novembro;
3-Tal entendimento não será o melhor porque, embora, a alteração legislativa introduzida pelo art.º 1 do DL n.º 192/2005, de 7 de Novembro, ao art.º 71 do CIRS (em especial a al. c) do n.º 3 e a al. c) do n.º 6) ter determinado que os rendimentos aqui previstos passavam a estar sujeitos à retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 20% e que a decisão do respectivo englobamento dependia da opção dos respectivos titulares, tal não resulta na aplicação automática do art.º 28 da LGT;
4-Contra este tese, argumenta-se, de forma mais assertiva, com a ausência de consagração legal expressa da responsabilidade subsidiária e com o teor do n.º 4 do art.º 103 do CIRS que, em clara derrogação da regra geral do art.º 28 da LGT estabelece que não havendo contabilização destes rendimentos e tendo-se procedido à liquidação adicional, a responsabilidade do substituto tributário é solidária;
5-Na determinação do montante do tributo a ser liquidado, a Administração Fiscal deve socorrer-se dum conjunto de princípios previstos na Constituição Fiscal, na LGT e nos demais diplomas normativos, com especial destaque para o princípio da proporcionalidade (previsto no n.º 2 do art.º 266 da CRP ; n.º 2 do 5 e 55 da LGT, n.º 1 do art. 5 do CPA, art.º 46 do CPPT, entre outros);
6-A Administração Fiscal está obrigada quando "actua discricionariamente perante os particulares a escolher entre as várias medidas que satisfazem igualmente o interesse público , a que menos gravosa se mostrar para a esfera jurídica daqueles. Nisto consiste basicamente o princípio da proporcionalidade que também engloba um juízo de adequação da medida em vista do interesse público a salvaguardar. Pretende assegurar um equilíbrio de interesses e visa evitar o excesso (cfr.Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho in Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 58 Edição, 2002, página 69);
7-Assim, entende-se que na sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que aquela deverá ser substituída por uma outra decisão, que considere os ora impugnantes como responsáveis pelo pagamento do tributo liquidado;
8-Tudo isto, com respeito pelo princípio da legalidade (cfr. para o caso sub judice, o n.º 1 do art.º 104 da CRP, bem como o n.º 4 do art.º 103 do CIRS) e pelo princípio da proporcionalidade (para que se obtenha a solução menos gravosa na esfera patrimonial dos ora impugnantes;
9-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente. PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações no âmbito da instância deste segundo recurso deduzido.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso apresentado pelos impugnantes e, pelo contrário, devendo conceder-se provimento à apelação deduzida pela Fazenda Pública (cfr.fls.196 e 197 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.200 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.147 e 148 dos autos):
1-Em 23/05/2009 foram efectuadas as liquidações adicionais de IRS aos impugnantes, com os nºs........................., ...................... e ....................., assim como de juros compensatórios devidos, relativas aos anos de 2005 a 2007, respectivamente (cfr.documentos juntos a fls.96 a 110 do processo administrativo apenso);
2-As liquidações referidas em 1 resultaram da alteração aos rendimentos declarados, tendo por base o relatório da I.T. e dos Pareceres constantes de fls.289 e seg., que mereceu o despacho de concordância proferido pelo Chefe de Divisão da D.F de Lisboa, em 27/04/2009, constante de fls.288, tudo do processo administrativo apenso;
3-Dá-se aqui por reproduzido o relatório referido no nº.2, do qual consta, além do mais, que:
"...na sequência da acção de inspecção à empresa ".........................................., S.A.", foram apurados saldos na conta "255101- Empréstimos", relativa ao sujeito passivo Domingos .........................................., na qualidade de Administrador, cujos fluxos financeiros não reflectem entradas do impugnante enquanto administrador da sociedade e que os movimentos a débito referiam-se maioritariamente a adiantamentos de clientes, regularização de saldos de caixa e recebimentos de venda de fracções, tendo-se apurado os saldos devedores que consubstanciam adiantamentos por conta de lucros tributáveis em sede de IRS enquanto rendimentos de capitais, sendo englobado no rendimento em 50%, adicionados aos respectivos rendimentos colectáveis dos anos de 2005 a 2007..." (cfr.relatório e anexos junto a fls.292 a 310 do processo administrativo apenso);
4-Dá-se aqui por reproduzido o relatório da I.T. realizada à "..................................., S.A", do qual consta que os documentos de suporte da conta 25 não traduzem entradas em razão de se tratar de documentos internos, nem de restituições de empréstimos à sociedade suportadas por escrituras de vendas e por documentos internos de operações diversas (cfr.relatório e anexos junto a fls.111 a 249 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação nos termos seguintes:
1-Manteve a liquidação adicional efectuada pela Fazenda Pública e relativa ao ano de 2005, porque estruturada de acordo com o regime legal, nomeadamente, o artº.6, nº.4, do C.I.R.S.;
2-Anulou as liquidações adicionais relativas aos anos de 2006 e 2007, porque padecem de vício que se consubstancia em erro sobre os pressupostos de direito, em virtude da violação do regime previsto, designadamente, nos artºs.71, do C.I.R.S., e 28, da L.G.T.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do recurso apresentado pelos recorrentes Domingos........................................ e Maria ........................................., desde logo, por uma questão de prioridade temporal, apesar de entre os dois recursos não se estabelecer qualquer relação de subsidiariedade, visto terem por objecto partes distintas do dispositivo da decisão recorrida (cfr.artº.124, do C.P.P. Tributário).
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1-DOMINGOS ............................................ E MARIA......................................... dissentem do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que segundo as regras gerais de distribuição do ónus da prova cabe a quem invoca a presunção prevista no artº.6, nº.4, do C.I.R.S., comprovar plenamente os pressupostos de que depende a sua aplicação. Que a Fazenda Pública não fez prova dos pressupostos de verificação de tal presunção no relatório da inspecção tributária em que, embora com algumas afirmações vagas e imprecisas sobre alguns dos lançamentos feitos na conta corrente do sócio com a sociedade, no ano de 2005, limita a sua análise ao saldo devedor que essa conta apresenta. Que a comprovação dos aludidos pressupostos deve ser efectuada lançamento a lançamento, independentemente de se tratar de um lançamento a débito ou a crédito, não admitindo a presunção quaisquer compensações. Que um adiantamento por conta de lucros, mesmo que presumido, não deixa de o ser por, a qualquer outro título, o sócio ter restituído parte, ou mesmo a totalidade, à sociedade, seja no exercício em que aquele se efectuou, seja em exercício posterior. Que a decisão recorrida sofre, por consequência, do vício de violação de lei, por violação do disposto no citado artº.6, nº.4, do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do recurso sofre de tal pecha.
No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2005 (redacção da Lei 109-B/2001, de 27/12 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha o seguinte conteúdo:
ARTº.5
(Rendimentos da categoria E)
1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 – Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:
(...)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
(...)
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Esta tributação em I.R.S. passou a fazer-se através de uma técnica de englobamento parcial dos lucros distribuídos nos termos do artº.40-A, nº.1, do C.I.R.S., assim tentando o legislador ultrapassar o problema da dupla tributação dos lucros distribuídos, tanto em sede de I.R.C, como de I.R.S. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.258 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.112 e seg.).
Deve, agora, chamar-se à colação a presunção relativa a rendimentos de capitais consagrada no artº.6, nº.4, do C.I.R.S., igualmente na redacção em vigor em 2005, a resultante do dec.lei 198/2001, de 3/7:
ARTº.6
(Presunções relativas a rendimentos da categoria E)
(...)
4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
(...)
Com a norma sob exegese pretendeu o legislador consagrar uma presunção de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos, ou seja, se houver opção pelo englobamento, este faz-se por metade do valor nos termos do citado artº.40-A, do C.I.R.S. (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.339 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.109).
“In casu”, atenta a factualidade provada (cfr.nºs.3 e 4 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a A. Fiscal alicerçou devidamente as correcções efectuadas aos rendimentos colectáveis do recorrente Domingos............................................, em decurso das movimentações da conta "255101- Empréstimos", mais se devendo realçar que em sede de direito de audição a Fazenda Pública reconheceu que o sujeito passivo tinha justificado parcialmente o reembolso de quantias pagas pela sociedade, assim diminuindo o saldo devedor, pelo que somente em relação ao montante não justificado na quantia de € 326.053,17 (sendo que a tributação em I.R.S. somente incidiu sobre 50% deste montante, ou seja, € 163.026,58, a título de lucros e adiantamento por conta de lucros, mediante opção de englobamento de rendimentos por parte do recorrente, tudo nos termos dos artºs.5, nº.2, al.h), e 40-A, nº.1, do C.I.R.S. - 50% do valor dos rendimentos auferidos pelo recorrente).
A alegação do recorrente que aponta para a falta de cumprimento do ónus probatório por parte da A. Fiscal (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), não encontra apoio no probatório, o qual o apelante não pôs em causa, conforme supra vincado, sendo que era forçoso, para o êxito do recurso, que tivesse colocado em crise o julgamento da matéria de facto delineado pela decisão recorrida.
Consequentemente, tendo a Administração Tributária demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia ao recorrido o ónus de demonstrar que os montantes em causa, indiscutivelmente por si recebidos, o foram a qualquer outro título, ou por outrem, ou que os mesmos foram transferidos para a sociedade "......................................................., S.A", ónus que não cumpriu, de todo em todo.
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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2-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA aduz, em síntese, que entendeu o Tribunal "a quo" que a A. Fiscal não poderia ter procedido ao englobamento dos rendimentos dos impugnantes relativos aos anos 2006 e 2007, por estarem sujeitos a taxa liberatória, nos termos do artº.71, do C.I.R.S., na redacção do dec.lei 192/2005, de 7/11. Que tal entendimento é contrário ao artº.28, da L.G.T., tal como do artº.103, nº.4, do C.I.R.S. Que a actuação da Fazenda Pública foi baseada num conjunto de princípios previstos na Constituição Fiscal, na L.G.T. e nos demais diplomas normativos, com especial destaque para o princípio da proporcionalidade. Que na sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que deverá a mesma ser substituída por uma outra decisão, que considere os ora impugnantes como responsáveis pelo pagamento do tributo liquidado (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No que se refere às liquidações adicionais identificadas no nº.1 do probatório e relativas aos anos de 2006 e 2007, entendeu o Tribunal "a quo" que os impugnantes não eram sujeitos passivos originários de imposto, dado que nos encontramos perante rendimentos sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa liberatória de 20%, nos termos do artº.71, nºs.1 e 3, al.c), do C.I.R.S., na redacção resultante do dec.lei 192/2005, de 7/11. Por outro lado, como nos encontramos perante situação de substituição tributária, nos termos do artº.28, nº.1, da L.G.T., o sujeito passivo originário de imposto é a entidade obrigada à retenção na fonte, mais ficando o substituído desonerado do seu pagamento, ressalvando a possibilidade de ser chamado a título de responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o nº.3 do mesmo normativo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/9/2009, rec.362/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/9/2010, rec.79/10; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.261; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.155).
Revertendo ao caso dos autos, era a "Sociedade........................................, S.A" que nos surge como sujeito passivo originário de imposto, que não os recorrentes, nos termos dos preceitos acima citados (cfr.artº.71, nºs.1 e 3, al.c), do C.I.R.S.; artº.28, nº.1, da L.G.T.).
A recorrente defende que não, visto que o entendimento do Tribunal "a quo" é contrário ao artº.28, da L.G.T., tal como do artº.103, nº.4, do C.I.R.S.
Ora, do exame das normas trazidas à colação pela recorrente Fazenda Pública não se pode retirar a conclusão a que chega. Desde logo, quanto ao examinado artº.28, da L.G.T., do mesmo se deve concluir que, no caso concreto, os impugnantes somente podem surgir como responsáveis subsidiários do tributo liquidado, sempre e quando a sociedade devedora originária o não solva, enquanto sujeito passivo de imposto e responsável originário. Já relativamente ao artº.103, do C.I.R.S., o qual reproduz nos seus três primeiros números, o disposto no aludido artº.28, da L.G.T., do exame de tal norma não se pode concluir que o substituído tributário (no caso os impugnantes) se deva considerar sujeito passivo originário de imposto. Da exegese do nº4 do preceito, aditado pela lei 53-A/2006, de 29/12 (OE 2007), somente se pode concluir que o substituto pode assumir responsabilidade solidária pelos rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, assim não vislumbrando este Tribunal que tal normativo implique, no caso "sub judice", o aparecimento dos impugnantes como sujeitos passivos de imposto em relação às liquidações adicionais de I.R.S. de 2006 e 2007.
Por último, sempre se dirá que a decisão recorrida não viola os princípios previstos na Constituição Fiscal, na L.G.T. e nos demais diplomas normativos, com especial destaque para o princípio da proporcionalidade, contrariamente ao alegado pela recorrente, embora não especificando em que medida se verifica a mencionada violação.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido pela recorrente Fazenda Pública e confirma-se a decisão recorrida também neste segmento, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condenam-se os recorrentes em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)