Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04035/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO.
Data do Acordão:06/29/2010
Relator:GOMES CORREIA
Descritores:IVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEDUÇÃO DE ENCARGOS
Sumário:I) -Os recursos jurisdicionais são essencialmente de revisão, configurando um pedido de reapreciação do julgamento produzido no tribunal a quo (artº676º, nº1 do CPC) e, por isso, nas alegações de recurso, o recorrente deve invocar os fundamentos, de facto e/ou de direito, porque pede a alteração ou anulação da sentença recorrida, demonstrando o desacerto do decidido (artº690º, nº1 e 690º-A do CPC).
II) -Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o artº 690º-A do Cód. Proc. Civil impõe ao recorrente a obrigação de especificar ou indicar, sob pena de rejeição, quer “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” (al. a), quer os “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b).
III) -O nº 2 do mesmo preceito legal, impõe ainda ao recorrente, também “sob pena de rejeição do recurso”, a obrigação de “proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”, no caso de “os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas”, como aconteceu na situação em apreço.
IV) -E o artº 690º-A do C.P.C., que impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, deve ser conjugado com o artº 655º do C.P.Civil, que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
V) -Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa. Ou seja, o art.º 690-A do C.P.C. impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa.
VI) -Da conjugação do artº 690º-A do C.P.C. com o art.º 655.º do C. P. Civil, que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.
VII) -Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivas para a credibilidade das testemunhas».
VIII) -É, de resto, entendimento pacífico do S.T.A., na matéria em causa, que o tribunal de recurso só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, reapreciada a matéria de facto, for evidente a grosseira apreciação e valoração que foi feita na instância recorrida, isto pelo facto de o julgamento da 1ª instância dispor de um universo de elementos não apreensíveis na gravação que são decisivas para o processo intimo de formulação da convicção.
IX) -É pressuposto do direito à dedução do IVA que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o exercício da actividade dos contribuintes.
X) - Exclui-se, por isso, do direito à dedução o imposto contido nas despesas referidas no n.º1 do artigo 21.º do CIVA, ou seja, nas despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação, integrando essa categoria as despesas em causa por se relacionarem com viagens, estadias, refeições, bebidas e tabaco espectáculos e ofertas a terceiros
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo:

1. A...– Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, veio interpor recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação que deduziu contra a liquidação de IVA relativa aos anos de 2000 a 2002 e respectivos juros compensatórios, concluindo assim as suas alegações:
“A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença de fls. 206 e ss., proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2000, 2001 e 2002.
B. À questão jurídica a solucionar — legalidade das liquidações adicionais propostas pela Administração fiscal em sede de IVA, com base na reclassificação contabilística de diversos custos em despesas de representação —, o Tribunal a quo respondeu em termos com os quais a recorrente não pode conformar-se, imputando-lhe um erro no julgamento da matéria de facto e na interpretação e aplicação de direito.
C. De acordo com o Tribunal a quo, todos os custos incorridos no contexto das suas actividades publicitária e promocional — relativos ao contexto factual descrito na petição inicial e em sede de alegações finais — devem ser qualificados, para efeitos fiscais, como despesas de representação.
D. Depreende-se do teor da Sentença que, para o Tribunal a quo, todos os custos associados àquelas actividades são incorridos com vista à mera representação da sociedade perante entidades terceiras, inexistindo entre eles e os proveitos operativos da ora recorrente uma relação de interferência, dependência ou necessidade.
E. Ao Tribunal a quo parece apenas interessar que a utilidade associada aos custos relacionados com as referidas actividades sirvam utilidades de representação da sociedade relativamente a entidades externas — ainda que não apenas estas -, para o que não efectuou nenhum esforço no sentido de perceber e valorar — atribuindo-lhe efeitos probatórios — quais os reais fins por eles prosseguidos e, bem assim, de credibilizar as opções de classificação contabilística efectuadas pela recorrente.
F. Com efeito, a Tribunal recorrido omite no seu julgamento o princípio de acordo com o qual à Administração fiscal está vedada a reclassificação, a seu bel-prazer, de operações ou custos, em oposição com as opções contabilísticas reveladas pelo sujeito passivo, com o fito único de às mesmas atribuir um tratamento fiscal específico — desfavorável —, tanto mais se à fundamentação da referida reclassificação não tiver sido atribuída - como não foi no caso concreto — a dignidade que lhe impõe o art. 75° da LGT.
G. É, pois, flagrante o vício de julgamento de que padece a Sentença recorrida: o Tribunal a quo não tinha por que não valorar os depoimentos das testemunhas na parte em que os mesmos se referiram aos reais fins prosseguidos pelas despesas incorridas.
H. Além disso, a presunção de veracidade de que goza a contabilidade e declarações da recorrente impede, em toda a linha, que aos custos em causa seja atribuída uma natureza diferente daquela que lhe foi atribuída pelo sujeito passivo, o que sempre deveria ter sido tido em conta na decisão de que se recorre.
I. Posto isto, e ainda que assim se não entenda, no que não se consente e apenas se equaciona a título meramente cautelar, não pode deixar de se assinalar a confusão conceptual em que incorre o Tribunal a quo na fundamentação que aduz.
J. Com efeito, da Sentença recorrida resulta, relativamente à matéria corrigida em análise, a adopção, por parte do Tribunal que a profere, de uma linha argumentativa que parte da reclassificação contabilística dos custos incorridos pela recorrente como despesas de representação, efectuada nos termos e para os efeitos do IRC, que é depois utilizada para dela retirar ilações, simplistas e insuficientes, também ao nível do direito de dedução do IVA.
K. Ora, com tudo o que este método comporta de ilegal e inaceitável do ponto de vista quer da metodologia de liquidação quer da sistemática autónoma dos impostos em causa, a verdade é que a sua utilização, mesmo que admitida por lei - do que não se prescinde —, comporta resultados inaceitáveis, indesejados pelo próprio legislador tributário.
L. Ao assumir como válida a utilização, pela Administração fiscal, da mesma técnica correctiva para efeitos de IRC e para efeitos de IVA, supondo poder reclassificar os custos em causa como despesas de representação como a base comum do enquadramento tributário das operações, em sede de IRC e em sede de IVA, o Tribunal a quo incorre num vício de julgamento quanto à matéria de direito, consubstanciado, in casu, no desrespeito pela autonomia sistemática dos impostos e dos conceitos estruturantes em que cada um deles se baseia.
M. É nesta ideia de autonomia dos impostos, cada um deles dotado da sua estrutura interna, que, de resto, se funda a própria noção de sistema fiscal, o qual é também aqui posto em crise.
N. Assim, o conceito de despesas de representação encontra-se hoje definido no n.° 7 do art. 81° do CIRC, abrangendo estas "nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades".
O. No CIVA, apesar de não ter essa ou qualquer outra designação, o mesmo conceito abarca as despesas "respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções" (cfr. alínea d) do n.° l do art. 21° do CIVA).
P. Ressalta da simples leitura destes preceitos que o conceito de despesas de representação não possui um mesmo conteúdo e significado, para efeitos de IRC e para efeitos de IVA.
Q. Se, para efeitos de IRC, é feita uma referência expressa ao tipo de entidades externas relativamente às quais vêm a ser incorridas as referidas despesas — clientes ou fornecedores em cujo benefício são incorridas as despesas cm causa —, assim se perspectivando que as despesas de representação são também despesas comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, para efeitos de IVA, essa referência é feita em termos que permitem concluir que nela se incluem, não os clientes ou fornecedores, mas, de entre as pessoas externas às empresas, apenas aquelas que lhe são estranhas e que, por isso, em nada contribuem para a realização dos seus proveitos.
R. O elemento literal é, pois, o que basta para que, numa situação como a dos autos, se conclua pela ilegitimidade da actuação da Administração fiscal.
S. Aliás, ainda que tal conclusão não fosse possível tendo por base a mera leitura das normas legais aplicáveis, ela decorreria necessariamente da própria ratio dos regimes estabelecidos em uma e outra sedes e, bem assim, do seu resultado.
T.Com efeito, se a redacção das normas conduzisse à ideia ilusória de que existe uma perfeita comunicabilidade de conceitos entre os impostos em causa, como se compreenderia que, para o mesmo conceito, tivessem sido definidos regimes e tratamentos fiscais diferenciados?
U. São, de facto, diferentes os enquadramentos fiscais conferidos pelo legislador fiscal àqueles custos a que apelida de despesas de representação, no caso do IRC, e àqueles custos que classifica corno despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, no caso do IVA.
V. Esta diferença converte-se, aliás, numa resposta tributária de sentido contrário — baseada no estabelecimento de um regime de integral dedutibilidade para efeitos de IRC e de um regime de exclusão de dedutibilidade para efeitos de IVA —, que mais não representa do que um sinal firme de que tratamos de diferentes realidades, merecedoras de diferentes protecções legais.
W. Seja como for, certo é que, partindo do elemento literal de interpretação ou apelando ao elemento racional baseado na componente resultado, não pode ser indistintamente utilizado, para efeitos de tributação em sede de IRC e em sede de IVA, o conceito de despesas de representação definido no Código do primeiro imposto e o conceito de despesas de representação utilizado no Código do segundo.
X. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo incorre no incumprimento de um feixe de princípios básicos e estruturantes do sistema tributário nacional, acima identificados, o que determina, em última instância, a anulabilidade dos actos tributários em crise.
Y. Posto isto, impõe-se verificar se a situação fáctica dos presentes autos é ou não nele subsumível — caso em que sempre deverá concluir-se pela imprestabilidade da norma mobilizada (al. d) do n°1 do art. 21° do CIVA) como fundamento legal dos actos tributários impugnados - e, além disso, se a situação dos presentes autos é ou não uma situação relativamente à qual é possível prever uma exclusão do direito de dedução do imposto que sobre elas incide — caso em que sempre deverá concluir-se pela violação do princípio da neutralidade do imposto.
Z. Em relação ao primeiro ponto, e atento o contexto factual que acima se expôs, não só não são (apenas) despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento básico, destinados principalmente a tais recepções as despesas em causa incorridas pela recorrente, como não é uma finalidade de representação aquela principalmente visada por este investimento.
AÃ. De acordo com a prova testemunhal produzida em sede própria - e nem sempre devidamente atendida pelo Tribunal —, os custos em causa foram incorridos com o objectivo preciso de publicitação das marcas de automóveis comercializados pela ora recorrente e de optimização das suas vendas e proveitos.
BB. Aliás, retira-se do envolvimento fáctico corroborado pelas testemunhas inquiridas, que os referidos custos não só são normais no sector de actividade em que se movimenta a recorrente, como são absolutamente imprescindíveis à potenciação do seu negócio: eventos relativos a novos lançamentos, para exposição e publicitação de modelos e marcas comercializadas, jamais poderão ser confundidos com "áreas cinzentas” de actuação de uma sociedade ou com custos referentes a "zonas suspeitas” de intervenção — zonas em que existe uma confusão incindível entre a esfera pessoal e esfera empresarial, utilizando as palavras de SALDANHA SANCHES, in "Antigas e Novas Remunerações em Espécie: O seu Regime Fiscal", Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, pág. 394-.
CC. Por outro lado, o que se acabou de se expor ao nível da matéria de facto relevante serve ainda para demonstrar que, ao contrário do que dela retira o Tribunal a quo — num inegável erro de julgamento quanto à mesma, o que se invoca —, as despesas em causa são incorridas na prossecução directa - e não remota — da actividade empresarial desenvolvida pela recorrente, o que, em última instância, é o que basta para que as mesmas sejam reconhecidamente dedutíveis para efeitos de IRC — como o próprio Tribunal admite —, e para que o IVA nelas incorporado seja passível de dedução nos termos gerais.
DD. Nas situações como a aqui em causa não se verifica qualquer tipo de inidoneidade de afectação das despesas incorridas às finalidades privadas e empresariais: como se disse, as despesas publicitárias e promocionais incorridas pela recorrente — em causa nos presentes autos — nada têm de "cinzento" ou obscuro; em relação a estas despesas é possível estabelecer - como se esclareceu na sede própria —, com certeza e rigor, a ligação exclusivamente empresarial (com exclusão da ligação exclusivamente pessoal), circunstância que implica que às mesmas sejam conferidos, in totó, os respectivos efeitos fiscais (cfr, TOMÁS CASTRO TAVARES in Regime jurídico das Despesas de Representação - Anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Fisco n° 95/96, Abril 2001, Ano XII, págs. 77 e segs.), designadamente, e no que aqui releva, o direito de dedução integral do IVA nelas incorporado.
EE. Não pode, por isso, no presente caso, subsistir qualquer dúvida quanto à possibilidade de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços relacionados com o activo em referência: não tratamos aqui, ao contrário do que sugere a Administração fiscal, de "custos não indispensáveis à actividade empresarial que não dão direito à dedução do IVA”.
FF. O imposto é antes, in casu, inequivocamente suportado com vista à realização de operações sujeitas a IVA, do que se retira que, a exclusão daquele direito, a acontecer, colocará em crise toda a estrutura fundamental do imposto e, bem assim, a sua neutralidade.
GG. O ónus que, com a Sentença recorrida, se impõe à recorrente é, assim, absolutamente desproporcionado e desadequado, já que perturba o normal equilíbrio da mecânica do IVA e discrimina negativamente um agente da cadeia de consumo que nela não se integra ou afirma como um consumidor final.
Deve assim o presente recurso proceder nos termos expostos, com todas as consequências legais.”
Não houve contra – alegações.
O EPGA pronunciou-se pelo improvimento do recurso pelas razões a que infra se fará alusão.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*

2.-Na sentença recorrida assentou-se a seguinte matéria de facto provada, não provada e respectiva motivação:
Factos Provados
1-Nos anos de 2000, 2001 e 2002, a sociedade impugnante, "A...-Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, S.A.", com o n.i.p.c. 500 301 522, encontrava-se colectada em I.R.C. no regime geral pelo Serviço de Finanças de Azambuja e, em I.V.A., no regime normal mensal, gozando do direito a dedução do imposto suportado a montante, tudo devido ao exercício da actividade principal de comércio de veículos automóveis, C.A.E. 50 100 (cfr.certidão da Conservatória do Registo Comercial junta a fls.160 a 175 dos autos; relatório da A. Fiscal cuja cópia se encontra junta a fls.73 a 105 dos presentes autos; informação exarada a fls.292 a 298 do processo apenso);
2-Nos anos de 2000 a 2002, a sociedade impugnante tinha sede e instalações no concelho de Azambuja, sendo grossista e representante exclusivo em Portugal das marcas de automóveis "Audi", "Skoda" e "Volkswagen" (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante);
3-A sociedade impugnante, enquanto representante excluA...em Portugal das marcas de automóveis mencionadas no n°.2, tem obrigações de emissão de publicidade e de actividade promocional das mesmas marcas, visando três objectivos principais que são: a rede de concessionários da empresa, os agentes de "média" em geral e, por último e de forma residual, o consumidor final (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante constante de gravação áudio apensa aos presentes autos e que dos mesmos faz parte integrante; documentos juntos a fls.257 a 291 do processo apenso; factualidade admitida pelo impugnante na p.i.);
4-Em 29/3/2004, como resultado de acção de inspecção externa incidente sobre a actividade da sociedade impugnante, tendo por objecto os anos de 2000, 2001 e 2002, a A. Fiscal estruturou relatório cuja cópia se encontra junta a fls.73 a 105 dos presentes autos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. factualidade admitida pelo impugnante na p.i.);
5-No relatório identificado no n°.4 refere-se, nomeadamente e no que aos presentes autos interessa:
a) que, relativamente ao ano de 2000, o sujeito passivo procedeu à contabilização de diversos encargos, no montante de € 335.526,15, sendo gastos efectuados com pessoas estranhas à empresa, pelo que se consubstanciam como despesas de representação, tal como se encontram definidas no art°.4, n°.6, do dec.lei 192/90, de 9/6, encontrando-se por este motivo sujeitas a tributação autónoma à taxa de 6,4%, conforme dispõe o art°.4, n°.3, do mesmo diploma;
b) que, em sede de l .V.A., se conclui que a empresa deduziu indevidamente imposto no montante de € 29.457,65 relativo aos custos reclassificados como despesas de representação, nos termos do art°.21, n°.1, ai.d), do C.l.VA. (cfr.documentos anexos ao relatório e juntos a fls.112 a 116 dos presentes autos);
c) que, relativamente ao ano de 2001, o sujeito passivo procedeu à contabilização de diversos encargos, no montante de € 607.072,14, sendo gastos efectuados com pessoas estranhas à empresa, pelo que se consubstanciam como despesas de representação, tal como se encontram definidas no art°.81, n°.6, do C.l.R.C., encontrando-se por este motivo sujeitas a tributação autónoma à taxa de 6,4%, conforme dispõe o art°.81, n°.3, do mesmo diploma;
d) que, em sede de I.V.A., se conclui que a empresa deduziu indevidamente imposto no montante de € 17.241,12 relativo aos custos reclassificados como despesas de representação, nos termos do art°.21, n°.1, ai.d), do C.I.V.A. (cfr.documentos anexos ao relatório e juntos a fls.130 e 131 dos presentes autos);
e) que, relativamente ao ano de 2002, o sujeito passivo procedeu à contabilização de diversos encargos, no montante de € 315.870,61, sendo gastos efectuados com pessoas estranhas à empresa em conjunto com representantes da mesma, pelo que se consubstanciam como despesas de representação, tal como se encontram definidas no art°.81, n°.6, do C.l.R.C., encontrando-se por este motivo sujeitas a tributação autónoma à taxa de 6 %, conforme dispõe o art°.81, n°.3, do mesmo diploma;
f) que, em sede de I.V.A., se conclui que a empresa deduziu indevidamente imposto no montante de € 22.972,08 relativo aos custos reclassificados como despesas de representação e contabilizados na conta "62.233 - Publicidade e Propaganda", nos termos do art°.21, n°.1, al.d), do C.I.V.A., pelo que foi efectuada a respectiva correcção (cfr.documento anexo ao relatório e junto a f Is. 136 dos presentes autos);
6-Em 18/5/2004, com base no relatório de inspecção identificado nos n°s.4 e 5 supra, a A. Fiscal estruturou as liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, relativas aos anos de 2000, 2001 e 2002, no montante total de €81.609,33 e das quais surge como sujeito passivo a impugnante, tendo-se fixado o termo final do prazo de cobrança voluntária no pretérito dia 31/7/2004 (cfr. documentos juntos a fls.14 a16e19a42 dos presentes autos; informação exarada a fls.184 a 187 do processo apenso);
7-Em 30/7/2004, a sociedade impugnante procedeu ao pagamento das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios mencionadas no n°.6 supra, tudo no montante de €81.609,33 (cfr. documentos juntos a fls.43 a 71 dos presentes autos; documentos juntos a fls.156 a 182 do processo apenso; informação exarada a fls.184 a 187 do processo apenso);
8-Em 27/10/2004, a sociedade "A...- Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, S.A." apresentou junto do extinto T.A.F. de Lisboa 2 a impugnação que deu origem ao presente processo (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.1 destes autos).
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Factos não Provados
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação e objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apenso constam, nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.art°.361, do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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3. - Face à factualidade acabada de fixar, cabe agora aplicar o direito.
Assim, de acordo com as conclusões, que delimitam o perímetro recursório, a primeira questão que se suscita é a de saber se o recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve ser rejeitado como propugna o EPGA no seu douto parecer.
DE acordo com este, por força do estatuído no artigo 690.°-A do CPC, a recorrente, sob pena de rejeição do recurso, devia especificar:
1.Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
2.Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;
3.Os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta nos termos do disposto no n°2 do artigo 522-C.
Para o EPGA é manifesto que a recorrente não cumpre o referido ónus pelo que o recurso respeitante à impugnação da decisão de facto não pode deixar de ser rejeitado.
Estamos de acordo com o ponto de vista afirmado pelo Distinto PGA.
Com efeito, os recursos jurisdicionais são essencialmente de revisão, configurando um pedido de reapreciação do julgamento produzido no tribunal a quo (artº676º, nº1 do CPC) e, por isso, nas alegações de recurso, o recorrente deve invocar os fundamentos, de facto e/ou de direito, porque pede a alteração ou anulação da sentença recorrida, demonstrando o desacerto do decidido (artº690º, nº1 e 690º-A do CPC). Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA de 15-05-2007, Recurso nº01025/06 da 2 SUBSECÇÃO DO CA.
Assim, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o artº 690º-A do Cód. Proc. Civil impõe ao recorrente a obrigação de especificar ou indicar, sob pena de rejeição, quer “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” (al. a), quer os “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b).
O nº 2 do mesmo preceito legal, impõe ainda ao recorrente, também “sob pena de rejeição do recurso”, a obrigação de “proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”, no caso de “os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas”, como aconteceu na situação em apreço.
E o artº 690º-A do C.P.C., que impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, deve ser conjugado com o artº 655º do C.P.Civil, que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa. Ou seja, o art.º 690-A do C.P.C. impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa.
Conforme bem se escreveu no acórdão do S.T.A., de 19.10.2005, pº. 394/05, «este artigo deve ser conjugado com o art.º 655.º do C. P. Civil, que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.
Esta exigência decorre da circunstância do tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivas para a credibilidade das testemunhas».
É, de resto, entendimento pacífico do S.T.A., na matéria em causa, que o tribunal de recurso “só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, reapreciada a matéria de facto, for evidente a grosseira apreciação e valoração que foi feita na instância recorrida, isto pelo facto de o julgamento da 1ª instância dispor de um universo de elementos não apreensíveis na gravação que são decisivas para o processo intimo de formulação da convicção” (v. a título exemplificativo, ac. de 22.6.04, rec. 1264/03, p. 1703/02, ac. de 18/1/05).
Assentes estas considerações, vejamos, pois, a situação dos presentes autos.
É manifesto que a recorrente não indicou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida nem os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta nos termos do disposto no n°2 do artigo 522-C.
Destrate, é por demais evidente que a recorrente não cumpriu o referido ónus pelo que se rejeita o recurso respeitante à impugnação da decisão de facto.
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Vejamos, então, se a reclassificação das despesas em causa como despesas de representação feita pela AT e que a recorrente havia contabilizado nas rubricas de publicidade, trabalhos especializados alugueres e deslocações e estadas está correcta.
Na bem elaborada sentença recorrida, sustenta-se a justeza de tal correcção por fundamentos que merecem a nossa inteira concordância e que passam a excertar-se na parte que se reputa pertinente:
“Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no art°.28, n°.1, al. g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.art°s.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8a. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do IVA, igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.art°.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2a.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). A final, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2a. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr, 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2a.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2a.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, n°.2, pág.288 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos art°s.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, sendo que a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do art°.19, n°.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no art°.35, n°.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8a. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112; ac.T.CA-2a.Secção, 8/10/2002, proc.6180/02).
No entanto, devido à rigidez da lei fiscal, existem encargos que, embora classificados e contabilizados como custos, não assumem essa natureza em sede de I.R.C., tal como em sede de I.V.A., no âmbito do qual somente conferem direito a dedução os bens ou serviços adquiridos para os fins próprios da empresa. Pelo contrário, se relativamente à aquisição de certos bens ou serviços, a empresa age como consumidor final, sendo tais aquisições estranhas ao objecto social da mesma, não pode, obviamente, face a estas operações, beneficiar do regime de dedução de I.V.A. (cfr.art°.20, do C.I.V.A.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, Janeiro de 1997, pág.511; ac. ST.A.-2a.Secção, 10/11/99, rec.20365).
Por último, refira-se a matéria do ónus probatório, a qual encontra previsão normativa no art°.74, n°.1, da L. G. Tributária, sendo legalmente definido, em consonância com o art°.342, do C.Civil, que o ónus probatório dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque. Assim, caberá à A. Fiscal provar a verificação dos pressupostos da sua actuação, recaindo sobre o contribuinte a prova de que a A. Fiscal actuou em desconformidade legal. Ora, nesta sede assume relevância a presunção de veracidade das declarações ínsita no art°.75, da L. G. Tributária, norma da qual resulta que impende sobre a A. Fiscal a verificação da existência de erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que o declarado pelo sujeito passivo se afasta da matéria tributável efectiva.
"In casu", a sociedade impugnante alega, antes de mais, que as despesas postas em causa pela A. Fiscal ocorreram no estrito exercício do seu negócio, assim não podendo qualificar-se como despesas de mera representação, com cariz pessoal, e antes devendo admitir-se a possibilidade de dedução de I.V.A. face às mesmas, dado que nos encontramos perante custos com carácter estritamente profissional e que correspondem a um consumo final, em virtude do que termina pugnando pela anulação dos actos tributários objecto do processo.
A Fazenda Pública fundamenta os actos tributários em exame na factualidade constante das diversas alíneas do n°.5, da matéria de facto supra exarada, para onde se remete.
Na análise do presente fundamento do recurso, haverá, antes de mais, que saber se os custos postos em causa pela A. Fiscal se devem, ou não, enquadrar como despesas de representação.
O P.O.C., aprovado pelo Decreto-Lei n.° 410/89, de 21 de Novembro, inclui no Capítulo 11 "Código de Contas" a conta "62221 - Fornecimentos e serviços externos - Despesas de representação", sem, contudo, especificar o seu conteúdo no Capítulo 12 "Notas Explicativas", pelo que o POC é insuficiente para se aferir dos factos patrimoniais susceptíveis de originar a movimentação dessa conta.
De acordo com o anterior art°.37, al.a), do Código da Contribuição Industrial (C.C.l.), as despesas de representação não se consideravam como custos ou perdas do exercício, sendo escrituradas a qualquer título e ainda que devidamente documentadas, na parte em que a Direcção Geral das Contribuições e Impostos as reputasse de exageradas.
Face ao regime previsto no citado art°.37, al.a), do C. C. Industrial, a doutrina definia as despesas de representação como aquelas que visavam custear as deslocações dos gerentes das empresas ou os seus representantes, sempre que tais deslocações fossem ao serviço das mesmas e devendo ser devidamente documentadas para serem consideradas custos pela Administração Fiscal (cfr.Prof. Raul Dória e António Álvaro Dória, Dicionário Prático de Comércio e Contabilidade, Livraria Cruz-Braga, 3a. edição, 1975, l volume, pág.489).
O Código do I.R.C., aprovado pelo Dec.lei 442-B/88, de 30/11, na redacção originária do art°.41, n°.1, al.g), passou a determinar que as despesas de representação não são custos fiscais, sendo escrituradas a qualquer título, na parte em que a Direcção Geral dos Impostos as repute exageradas.
Em qualquer dos normativos mencionados o "quantum" das despesas de representação não se encontrava vertido na lei e dependia da subjectividade de interpretação da D.G.l. Deste modo, o quantitativo das despesas de representação que não era aceite fiscalmente sujeitava-se ao poder discricionário da Administração Fiscal, podendo o sujeito passivo recorrer hierarquicamente para o Ministro das Finanças, no caso de não concordar com a decisão da D.G.l.
Com a Lei 39-B/94, de 27/12 (Lei do OE/95), regime em vigor a partir de 1/1/1995, o art°.41, n°.1, al. g), do C.I.R.C., passou a não considerar como custo fiscal as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%. Com esta alteração legislativa, a quantificação em 20% da não consideração como custo fiscal das despesas de representação, o legislador visou resolver os ditos problemas subjectivos inerentes ao critério de razoabilidade a analisar pela Administração Fiscal.
Como já referimos, o P.O.C, não conceptualiza as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o art°.41, n°.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Posteriormente, o art°.41, n°.5, da Lei 3-B/2000, de 4/4 (OE/2000), veio revogar, além do mais, o art°.41, n°s.3 e 4, do C.I.R.C., integrando essas despesas no art°.4, do dec-lei 192/90, de 9/6, mais estabelecendo, no seu n°.3, que as despesas de representação são tributadas autonomamente em I.R.S. ou I.R.C., consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.
Depois, a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro (a designada "Lei da Reforma Fiscal"), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, no seu art°.6, aditou o art°.69-A, ao C.I.R.C., sendo que no n°.3 deste novo preceito, passam a ser tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação. Por último, através do dec.lei 198/2001, de 3/7, que procedeu à renumeração dos artigos do C.I.R.C., a tributação autónoma das despesas de representação passou a ser incluída no art°.81, n°.3, do mesmo diploma, mantendo-se a taxa de tributação autónoma em 20%. Desta forma, é assegurada uma maior receita fiscal em l.R.C., pois que a tributação autónoma de tais despesas se caracteriza pelo facto de a empresa pagar imposto, independentemente da obtenção de lucro ou prejuízo fiscal.
De qualquer forma, apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado art°.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5a.edição, 1996, pag.346).
Ainda no que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no actual art°.81, n°.7, do C.I.R.C. (cfr. anteriormente o art°.4, n°.6, do dec.lei 192/90, de 9/6), devem considerar-se actualmente como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Ora, da análise da matéria de facto provada (cfr.n°s.3 e 5, ais.a), c) e e), da matéria de facto provada), deve concluir-se que nos encontramos perante gastos efectuados com pessoas estranhas à empresa ou por representantes desta, que se consubstanciam como despesas de representação, em sede de I.R.C.
No que diz respeito ao I.V.A., em conformidade com o princípio fundamental inerente ao sistema do I.V.A. consagrado no art°.17, da Sexta Directiva I.V.A. (cfr.Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977) o legislador estabeleceu uma distinção fundamental entre as despesas que revestem carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional ou objecto do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversões ou as despesas de representação do direito à dedução do I.V.A., assim nos surgindo o art°.21, n°.1, do C.I.V.A. (versão em vigor nos anos de 2000, 2001 e 2002 - cfr.art°.12, do C.Civil), preceito em que se consagravam diversas alíneas com exclusões ao direito à dedução de imposto. Especificamente no que se refere ao art°.21, n°.1, alis. c) e d), do C.I.V.A., consagrava a lei a não possibilidade de dedução de imposto no que se refere a despesas de transporte e viagens de negócio do sujeito passivo de imposto e do seu pessoal, incluindo portagens, tal como as respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções. Encontramo-nos perante custos não indispensáveis à actividade empresarial que não dão direito à dedução de I.V.A. neles contido, nestes se incluindo as despesas de representação e estada (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 21/6/2000, rec.24252; ac.S.TA.-2a.Secção, 2/5/2007, rec.1137/06; ac.T.C.A.Sul-2a. Secção, 15/7/2009, proc.2516/08; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do l.D.E.F.F., n°.1, 2a.edição, Almedina, 2005, pág.160 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, 1997, pág.523 e seg.).
Ora, consistindo os custos postos em causa pela A. Fiscal despesas de representação, enquadram-se as mesmas no citado art°.21, n°.1, ai.d), do C.I.V.A., pelo que estava excluído o direito à dedução de imposto incidente sobre tais despesas e por parte da sociedade impugnante.
No mesmo sentido vai, de resto, a constatação de que os custos em causa no presente processo, as referidas despesas de representação, não se enquadram na previsão de nenhuma das alíneas do art°.21, n°.2, do C.I.V.A., norma que consagra excepções ao princípio da não dedução de imposto, excepções estas que levam em consideração a especificidade dos custos no mesmo preceito previstos tendo em conta a sua natureza e a afectação a fins empresariais, assim não se podendo concluir que não se verifica a exclusão do direito à dedução de I.V.A. relativamente aos mesmos custos (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, 1997, pág.524).
Mais se dirá que não vislumbra o Tribunal que as liquidações ora impugnadas sejam ilegais, devido a violação de preceitos imperativos da ordem fiscal e de princípios estruturantes do sistema tributário nacional, como defende a sociedade recorrente, recaindo sobre si o ónus da prova dos factos invocados (cfr.art°.342, n°.1, do C.Civil; art°.74, n°.1, da L.G.T.).
Por último, refira-se a desnecessidade de análise do pedido subsidiário formulado pela impugnante de devolução, com juros, do montante das liquidações pago, devido a nexo de prejudicialidade (cfr.art°.660, n°.2, do C.P. Civil).”
Em reforço argumentativo, adite-se que, efectivamente, nos termos do disposto no artigo 87°/1 do CIRC se consideram despesas de representação, nomeadamente os encargos suportados com recepções refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no Pais ou estrangeiro a clientes e fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
E patenteia o probatório nos seus pontos 4 e 5 (cfr,, também, fls. 257/291 do apenso PAT), que as ajuizadas despesas se conectam com viagens, estadias, refeições, bebidas e tabaco espectáculos e ofertas a terceiros, por isso se devendo enquadrar, sem reservas, no conceito de despesas de representação nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 81°/7 do CIRC.
E tais despesas devem enquadrar-se, indubitavelmente, no estatuído no artigo 21.0/1/d) do CIVA, o que retira à recorrente o direito à dedução do respectivo IVA.
Na senda do douto parecer do EPGA, evoca-se aqui o ponto de vista professado no parecer emitido a fls. 297 do PAT segundo o qual «a exclusão do direito à dedução o artigo 21° do Código do IVA na aquisição de bens e serviços aí referidos assenta na particular natureza que os torna facilmente desviáveis para consumos particulares, isto é, de carácter não empresarial ou profissional.
Trata-se de uma delimitação expressa das exclusões do direito à dedução que é de aplicação geral, independentemente de as despesas aí previstas concorrerem ou não para a realização de operações tributáveis".
É pressuposto fundamental do direito à dedução do IVA que os bens serviços estejam directamente relacionados com o exercício da actividade do contribuinte (artigo 20° do CIVA), o que acarreta a exclusão do direito à dedução o IVA contido nas despesas referidas no artigo 21°/1 do CIVA que são as despesas que não têm um carácter estritamente profissional, tais como as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Isso mesmo decorre do sistema de deduções ínsito no CIVA como bem se demonstrou na sentença, pois, de acordo com o disposto no artigo 19.º do CIVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no artigo 20.º do mesmo CIVA, sendo pressuposto do direito à dedução que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o exercício da sua actividade.
E é por isso que se exclui do direito à dedução o imposto contido nas despesas referidas no n.º1 do artigo 21.º do CIVA, que são as já assinaladas despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.
Nesse sentido, cfr. o Acórdão do STA, 2ª Secção, de 02-05-2007, tirado no recurso nº 01137/06.
Essa conclusão é, de resto, imposta pelos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo preceito em que se estatui que não se verificará a exclusão do direito à dedução no caso de despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos, dormitórios e similares.
Visto que as despesas em causa nos autos se relacionam com viagens, estadias, refeições, bebidas e tabaco espectáculos e ofertas a terceiros, o imposto está excluído do direito à dedução, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.
In casu estamos, pois, perante despesas de representação enquadráveis no artigo 21.°/1/d) do CIVA e, como tal, a recorrente não tem direito à dedução do respectivo IVA, pelo que as correcções efectuadas não merecem qualquer censura, bem andando a sentença recorrida ao manter na ordem jurídica os actos tributários sindicados.
*
4. - Nestes termos, e com tais fundamentos, acordam os Juízes do 2º Juízo, 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, em conferência, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 29.06.2010
(Gomes Correia)
(Magda Geraldes)
(Aníbal Ferraz)