Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:127/23.1 BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:09/08/2023
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
FUTSAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
TIPO SANCIONATÓRIO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Sumário:I. São requisitos essenciais destas providências cautelares:
a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e
b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

II. A aplicação de sanção disciplinar sem o preenchimento de todos os elementos objectivos do tipo de ilícito disciplinar envolve ilegalidade por violação de lei.

III. Das regras da interpretação jurídica resulta que o artigo 203.º, n.º 1, do RDFPF exige que o agredido se encontre, no momento da agressão, no “terreno de jogo” ou na “zona técnica”, não podendo aí incluir-se as bancadas (estas integram o conceito de “complexo desportivo”).

IV. Verificado, também, o requisito do periculum in mora, na vertente de situação de facto consumado (impossibilidade de a equipa jogar no seu estádio no próximo jogo de Futsal agendado), não se podendo concluir que o decretamento da providência seja susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC), deve a providência requerida ser deferida.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão
(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

S ……………………, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 4.09.2023, contra a Federação Portuguesa de Futebol uma acção de impugnação com requerimento de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto impugnado, materializado no acórdão proferido em 25.08.2023 pelo Pleno do Conselho de Disciplina, Secção Não Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol, que no âmbito do processo disciplinar nº ………../20……, condenou o arguido, ora Requerente “na sanção global de realização de 1 jogo à porta fechada e multa de 12,5 UC, correspondente a €1275 (mil duzentos e setenta e cinco euros,” por ter praticado, no jogo oficial nº……………, disputado no dia 25.08.2022, entre o S....... Clube de Portugal e o S …………., a contar para a Supertaça de Futsal Placard, as infracções previstas e sancionadas nos artigos 203.º e 209.º, ambos do RDLPFP.

Termina pedindo o decretamento da medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida na parte em que aplica ao Requerente uma sanção de realização de um jogo à porta fechada.

Juntou 31 documentos, procuração forense e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente, que a decisão suspendenda é ilegal por não verificação dos elementos do tipo do ilícito disciplinar previsto no art. 203.º, n.º 1, do RDPFP, dado que resultou, inclusive, provado que a alegada agressão a agente desportivo não ocorreu no terreno de jogo ou na zona técnica, mas numa bancada. E aquilo que se retira dessa norma é que apenas se consideram abrangidos pela sua previsão os casos de agressão a agentes desportivos que, no momento da agressão, permaneçam no terreno de jogo ou na zona técnica.

A título subsidiário, sustenta a invalidade da decisão sancionatória por falta de suporte probatório, já que, de acordo com a sua alegação, foi condenado por factos que não foram presenciados nem pelo delegado da FPF nem pela PSP, sendo os relatórios sustentados “na informação do assistente de recinto desportivo”, o que tem como consequência a cessação da presunção da veracidade de tais documentos: Ademais, “nem quem supostamente lhes transmitiu essa informação confirmou ter sido agredido por adeptos do requerente na bancada afecta ao clube”, razão pela qual os “aludidos relatórios, pelo menos nessa parte, não podem servir de meio de prova nos termos da aplicação conjunta do artigo 220.º n.º 1 do RDFPF e do artigo 129.º n.º 1 do Código de Processo Penal.

Sustenta, ainda, que a decisão impugnada não encerra em si qualquer facto que impute subjectivamente a agressão do assistente de recinto desportivo (ARD) ao ora requerente, dado que materialidade levada aos “ pontos 17 e 18 dos factos provados da decisão recorrida não assentam em verdadeiros factos, mas tão só e exclusivamente naquilo que se ouviu dizer.“ Nem é admissível recorrer a formulações de caracter genérico e conclusivo como a que resulta da afirmação de que a “demonstração da factualidade de índole subjectiva vertida nos factos provados 21), 22) e 23), que representa o estado psíquico atinente ao preenchimento dos elementos subjectivos dos tipos de infracção disciplinar em causa, decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo, à luz das regras da lógica e da experiência comum” , incorrendo, assim, em flagrante violação dos princípios da culpa, da presunção de inocência e da responsabilidade pessoal previstos nos artigos 2.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 15.º do RDFP.

Alega, também e no que se reporta à providência cautelar, que a decisão de suspensão por um jogo tem prejuízos de cariz patrimonial que se traduzem na perda de receitas e no incumprimento de acordos de patrocínio, bem como danos não patrimoniais que “derivam do impacto público fortemente negativo da execução da sanção, causador de danos gravosos e de impossível reparação aos seus direitos à imagem, à reputação e ao bom nome e ao seu direito à presunção de inocência”. E, além disso, de “um específico e irreparável dano desportivo consubstanciado na inevitável ausência do usual apoio massivo dos seus adeptos, o que, por conseguinte, prejudicará animicamente a sua equipa”.

Por fim, vem alegado que o decretamento da providência não causa qualquer prejuízo à requerida.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 5.09.2023, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

“(…)

«Texto no original»

No presente caso vem invocada pelo Exmo. Senhor Presidente do TAD a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra).

Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjectivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a preclusão da tutela efectiva do direito invocado, terá que concluir-se que está preenchido o requisito de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul.



III. Da dispensa da audição da Requerida e dos requerimentos probatórios

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias e não pode ser legalmente encurtado, é susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar. Sendo que o jogo abrangido pela presente providência, que o ora Requerente identifica, ocorrerá no próximo dia 9 de Setembro (Sábado).

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária dos documentos juntos, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.



IV. Da instância

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.


V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) Realizou-se no dia 23 de Setembro de 2022, o jogo oficialmente identificado pelo n.º …………….., a contar para a Supertaça de Futsal Placar, disputado entre o S …………… e o S .,…………...

b) Do relatório elaborado pelo delegado da FPF consta, designadamente, o seguinte:

(…)

Aos 2m57 da 2ªparte um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S………. . e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...), entoaram em conjunto as seguintes palavras: «S……….., S…….., S…….., filhos da puta, S……, filhos da puta S………….».

Aos 12m04 da 2ªparte, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S …………. e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...), dirigindo-se inequivocamente ao jogador A……., da equipa do S………, após a sua expulsão, proferiram repetidamente: "Ó A….. vai pró caralho". Em resposta, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S……. e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...) responderam em uníssono. "Filhos da puta...filhos da puta..."

(…)

A primeira parte do prolongamento do jogo iniciou com 7 minutos de atraso, devido a uma assistência médica ocorrida na bancada onde se encontravam os adeptos do S……….., segundo fui informado pelos ARD. No seguimento desta situação, adeptos do S………não entendendo o que se passava, insurgiram-se contra os ARD agredindo-os. A pronta intervenção da PSP cessou a situação e tomou conta da ocorrência. Após esta intervenção ficaram reunidas as condições de segurança para retomar o jogo.

Fui informado pela equipa de segurança no final do jogo, que 10 cadeiras da bancada destinada aos adeptos do S ……….. e 18 cadeiras da bancada destinada aos adeptos do S ………….. se encontravam danificadas (fotos em anexo).” (cfr. requerimento de acesso ao link dos documentos – fls. doc. 47 SITAF).

b) Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de 30.09.2022, foi ordenada a instauração e subsequente remessa à Comissão de Instrutores da FPF de processo disciplinar contra os ali arguidos S ………………. e o S …………….., pelos factos descritos supra (idem).

c) Nesse processo - nº ………../20… -, o instrutor designado elaborou acusação em 13.08.2023, a qual foi submetida à apreciação do Sr. Inquiridor, tendo o mesmo aderido, no próprio dia, à mesma (idem).

d) Por acórdão proferido em 25.08.2023 pelo Pleno do Conselho de Disciplina, Secção Não Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol, foi decidido julgar parcialmente procedente a acusação deduzida e, em consequência: a) condenar o arguido S ……………., pela prática da infracção prevista e sancionada pelo art. 203.º do RDFPF, nas sanções de realização de 1jogo à porta fechada e multa de 10 UC, correspondente a EUR 1.020,00 (mil e vinte euros), e, pela prática da infracção disciplinar prevista e sancionada pelo art. 209.º do RDFPF, em multa de 2,5 UC, correspondente a EUR 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros); sanções que cumuladas perfazem a sanção global de realização de 1 jogo à porta fechada e multa de 12,5 UC, correspondente a EUR 1.275,00 (mil duzentos e setenta e cinco euros) (idem).

e) Do acórdão supra, consta como factualidade provada a seguinte:

“Analisada e valorada, à luz das regras da experiência e livre convicção, toda a prova produzida nos autos, com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1) O arguidos encontravam-se inscritos, na época desportiva ……/20…., na Supertaça de Futsal Placard, prova organizada pela FPF.
2) À data dos factos, em sede de cadastro disciplinar, o S......., por referência à Supertaça de Futsal Placard, apresentava averbada a prática de uma infracção prevista e sancionada pelo art. 205.º e de uma infração prevista e sancionada pelo art. 209.º, ambos do RDFPF, na época desportiva 2019/2020.
3) À data dos factos, em sede de cadastro disciplinar, o B....., por referência à Supertaça de Futsal Placard, apresentava averbada a prática de uma infracção prevista e sancionada pelo art. 209.º do RDFPF, na época desportiva 2019/2020.
4) No dia 25 de setembro de 2022, pelas 17:00 horas, no Centro Desportivo de Matosinhos, realizou-se o jogo oficial n.º 500.00.001, disputado entre o S....... e o B....., a contar para Supertaça de Futsal Placard.
5) A equipa de arbitragem presente no jogo era composta pelos seguintes elementos: árbitro principal C …………….., 2.º árbitro E ………………, 3.º árbitro F ………………, cronometrista T ………………., e árbitro assistente de reserva R …………….
6) O jogo contou com a presença do delegado da FPF S ……………
7) O jogo contou com a presença de 110 agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP).
8) Estiveram presentes no jogo aproximadamente 3077 espectadores.
9) O tempo regulamentar terminou com o resultado de 4-4, tendo o S....... vencido o jogo no desempate por grandes penalidades por 3-1.
10) Aos 7:39 minutos da primeira parte do jogo, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada ao B..... e identificados por envergarem adereços desse clube, como camisolas e cachecóis, deflagraram uma tocha de cor vermelha na bancada, a qual gerou um incêndio que foi rapidamente extinto pelosARD através da utilização de um extintor do recinto desportivo.
11) Em consequência da deflagração da referida tocha ficaram danificadas quatro cadeiras do Centro Desportivo de ………….
12) Ademais, na segunda parte do jogo, foram deflagradas outras duas tochas pelo mesmo conjunto de adeptos, que se encontravam na bancada destinada ao B..... e identificados por adereços do clube, como camisolas e cachecóis, uma aos 15:28 minutos e outra aos 17:49 minutos.
13) Aos 12:04 minutos da segunda parte, em resposta a insultos dirigidos por adeptos do S....... ao agente desportivo do B..... A …………., os adeptos, que se encontravam na bancada destinada ao B..... e identificados por adereços do clube, como camisolas e cachecóis, responderam em uníssono: “Filhos da puta…Filhos da puta…”.
14) Durante o jogo, os adeptos do B....., identificados por adereços do clube, como camisolas e cachecóis, danificaram um total 18 cadeiras do Centro Desportivo de …………, todas elas localizadas na bancada destinada a estes adeptos.
15) Os adeptos do S......., encontrando-se na bancada que lhes estava destinada e identificados por adereços do clube, como camisolas e cachecóis, aos 02:57 minutos da segunda parte do jogo, proferiram conjuntamente e em cântico o seguinte: “S.., S.., S.., filhos da puta, S.., filhos da puta, S..”.
16) Os adeptos do S......., aos 12:04 minutos segundos da segunda parte, dirigindo-se inequivocamente ao jogador do B..... A ……….., após a sua expulsão, proferiram repetidamente: “Ó A....., vai pró caralho”.
17) No período que mediou entre o fim do tempo regulamentar de jogo e o início do prolongamento, adeptos do S......., identificados por se encontrarem na bancada afeta a este clube e envergarem adereços do clube, agrediram, na bancada, o ARD J …….., pertencente à empresa de segurança ……., atingindo-o com violência com um soco na cara e diversos pontapés.
18) A PSP teve de intervir para fazer cessar a referida agressão, que provocou ao ARD J....... .... dor moderada no lado direito da face e na zona superior da cabeça, mas que não lhe provocou qualquer escoriação ou hematoma visível, e na sequência da qual o mesmo recebeu assistência médica.
19) O prolongamento do jogo teve início com 7 minutos de atraso.
20) Os adeptos do S......., identificados por adereços do clube, como camisolas e cachecóis, danificaram um total 10 cadeiras do Centro Desportivo de Matosinhos, todas elas localizadas na bancada destinada a estes adeptos.
21) Os arguidos, enquanto clubes qualificados para disputar competição oficial organizada pela FPF, bem sabiam que sobre si impendia, nomeadamente, o dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos, sendo sua obrigação evitar ou prevenir comportamentos antidesportivos dos seus adeptos.
22) O B....., ao não ter evitado/prevenido, ou sequer tentado evitar/prevenir, que os seus agentes desportivos adotassem as condutas descritas, o que podia e devia ter feito, não agiu com o cuidado e diligência a que está regulamentarmente obrigado, violando – de forma censurável – o dever de evitar, prevenir e repudiar comportamentos antidesportivos, nomeadamente ameaçadores da ordem e dos valores desportivos, o que redunda no incumprimento do dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos previsto pelo ordeN.....nto jus-disciplinar desportivo.
23) O S......., ao não ter evitado/prevenido, ou sequer tentado evitar/prevenir, que os seus agentes desportivos adotassem as condutas descritas, o que podia e devia ter feito, não agiu com o cuidado e diligência a que está regulamentarmente obrigado, violando – de forma censurável – o dever de evitar, prevenir e repudiar comportamentos antidesportivos, nomeadamente ameaçadores da ordem e dos valores desportivos, o que redunda no incumprimento do dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos previsto pelo ordeN.....nto jus-disciplinar desportivo.
§3. Factos não provados
37. Analisada e valorada a prova produzida nos autos, resultaram como não provados, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos:
1) Na sequência da agressão ao ARD J ……….. houve necessidade de lhe prestar assistência médica.
2) O atraso de 7 minutos no início do prolongamento do jogo deveu-se à agressão ao ARD J …….”

f) E a motivação da decisão sobre a matéria de facto exarada no mesmo acórdão é a seguinte:

39. Concretizando, o facto provado 1) decorre dos detalhes de inscrição dos arguidos na FPF (fls. 38, 39, 59 e 60), bem como da ficha do jogo dos autos (fls. 5 a 7). Os factos provados 2) e 3) resultam dos cadastros disciplinares do S....... (fls. 40 a 58) e do B..... (fls. 61 a 86) na FPF. Os factos provados 4) e 5) assentam na ficha do jogo dos autos (fls. 5 a 7). O facto provado 6) sustenta-se no relatório do delegado da FPF que acompanhou o jogo (fls. 14 a 16). Os factos provados 7), 8) e 9) decorrem da ficha do jogo dos autos (fls. 5 a 7), resultando o último deles também do vídeo da transmissão televisiva do jogo pelo Canal 11 (fls. 102).

40. Os factos provados 10), 11), 12), 13) e 14) assentam no relatado pelo delegado da FPF presente no jogo no respetivo relatório de ocorrências (fls. 14 a 16): “Aos 7m39 da 1ª parte, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S…...... e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...) deflagraram uma tocha de cor vermelha. Tal gerou um pequeno incêndio, rapidamente extinto pelos ARD. Para tal, utilizaram um extintor [...]. Quatro cadeiras ficaram danificadas em resultado desta ocorrência [...]. Aos 15m28 e 17m49 da 2ª parte, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S ………. e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...) deflagraram uma tocha de cor vermelha em cada momento, após os golos da sua equipa”. Aos 12m04 da 2ª parte, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S....... CP e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...), dirigindo-se inequivocamente ao jogador A ….., da equipa do SL B....., após a sua expulsão proferiram repetidamente: “Ó A..... vai pró caralho”. Em resposta, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S …..... e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...) responderam em uníssono. “Filhos da puta... Filhos da puta...” [...]

Fui informado pela equipa de segurança no final do jogo, que [...] 18 cadeiras da bancada destinada aos adeptos do S…...... se encontravam danificadas”. Do relatório de policiamento desportivo elaborado pela PSP, por seu turno consta o seguinte a este respeito (fls. 99 a 101): “17h20 – Minuto 08, da 1.ª Parte, 1 Tocha deflagrada no sector dos N… N..... B...... [...] 17h22 – utilização de um extintor no sector dos NN, pelos ARD,s a fim de apagar pequeno foco de incêndio provocado pela deflagração da tocha. [...] 18h44 – Minuto 15,30, da 2.ª Parte, 1 Tocha deflagrada no sector dos N… N..... B..... [...] 18h48 – Minuto 18 da 2.ª Parte, 1 Tocha deflagrada no sector dos N… N..... B.....”. Os factos provados 11) e 14) encontram igualmente respaldo nas fotografias anexas ao relatório do delegado da FPF (fls. 17 a 22).

41. Os factos provados 15) e 16) sustentam-se igualmente no relatório de ocorrências do delegado da FPF (fls. 14 a 16), segundo o qual “[a]os 2m57 da 2ª parte um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S....... CP e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...) entoaram em conjunto as seguintes palavras: “S.., S.., S.., filhos da puta, S.., filhos da puta S..””, e “[a]os 12m04 da 2ª parte, um conjunto de adeptos que se encontravam na bancada destinada à equipa do S....... CP e identificados por adereços do clube (camisolas, cachecóis...), dirigindo-se inequivocamente ao jogador A..... .... da equipa do SL B....., após a sua expulsão, proferiram repetidamente: “Ó A..... vai pró caralho”.

42. Os factos provados 17) e 18) decorrem também do relatório de ocorrências do delegado da FPF (fls. 14 a 16), onde consta que “adeptos do S....... CP [...] insurgiram-se contra os ARD agredindo-os”, e que “[a] pronta intervenção da PSP cessou a situação e tomou conta da ocorrência”. Resultam também os factos em causa do relatório de policiamento desportivo (fls. 99 a 101), no qual consta: “18h59 – alteração de ordem no sector dos GOA do SCP, entre elementos da J............ L............ e ARD,s. Situação reposta pela intervenção do efetivo Policial”.

Encontra ainda a factualidade em causa sustento nos esclarecimentos prestados pela PSP, por mensagem de correio eletrónico, no dia 7 de julho de 2023 (fls. 112 a 115): “Após términus do tempo regulamentar de jogo, durante o intervalo para o início do tempo de prolongamento, fui abordado por J …………, ARD da Empresa ………, a informar que momentos antes tinha sido agredido com uma cabeçada por um indivíduo do sexo masculino e com um pontapé na cabeça por outro enquanto terceiros (todos desconhecidos) lhe arrancaram o cartão de vigilante que tinha aposto ao peito, tendo as agressões sido repelidas devido à sua capacidade de defesa e terminado com a intervenção de outros colegas de profissão [...]. Afirma que, da agressão física que foi alvo sente dor moderada na face do lado direito e zona superior da cabeça, não apresentando qualquer escoriação ou hematoma visível, pelo que rejeita de momento, qualquer assistência médica bem como, apesar de aconselhado, prescindiu de receber tratamento hospitalar especializado, junto de Unidade de Saúde”. De resto, estes factos foram confirmados pelo próprio ARD agredido, J ………. (fls. 120), que disse ter sido agredido entre o final da segunda parte o início do prolongamento, com um soco na cara e vários pontapés, e ter recebido assistência médica.

(…)

44. O facto provado 20) sustenta-se no relatório de ocorrências do delegado da FPF presente no jogo (fls. 14 a 16), onde consta: “Fui informado pela equipa de segurança no final do jogo, que 10 cadeiras da bancada destinada aos adeptos do S....... CP [...] se encontravam danificadas”. Além disso, o facto em causa é corroborado pelas fotografias anexas ao referido relatório (fls. 17 a 22).

45. A demonstração da factualidade de índole subjetiva vertida nos factos provados 21), 22) e 23), que representa o estado psíquico atinente ao preenchimento dos elementos subjetivos dos tipos de infração disciplinar em causa, decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo, à luz das regras da lógica e da experiência comum.

46. Quanto ao facto não provado 1), o mesmo decorre da ausência de prova que, de forma suficientemente escorada e para além de qualquer dúvida razoável, o sustente. Com efeito, a equipa de arbitragem, na ficha de jogo, justifica o atraso no reinício do jogo após o final da segunda parte (ou seja, o atraso no início do prolongamento) com “a indicação do delegado da FPF” (fls. 5 a 7). O delegado da FPF, por seu turno, começou por escrever no respetivo relatório de ocorrências (fls. 14 a 16): “A primeira parte do prolongamento do jogo iniciou com 7 minutos de atraso, devido a uma assistência médica ocorrida na bancada onde se encontravam os adeptos do S....... CP, segundo fui informado pelos ARD” – só depois mencionou a agressão ao ARD J……, após ter deixado claro que a demora no reinício do jogo se ficou a dever à assistência médica ocorrida na bancada. É certo que o delegado relatou que após a intervenção da PSP para fazer cessar a agressão ao ARD J....... ...., “ficaram reunidas as condições de segurança para retomar o jogo”, donde se poderia extrair que foi essa agressão a determinar o atraso no reinício do jogo. Não obstante, em face do que primeiro foi relatado a esse respeito pelo delegado da FPF – que os “7 minutos de atraso” no início do prolongamento se ficaram a dever a uma assistência médica ocorrida na bancada, é de afastar tal interpretação. De resto, é de concluir que a assistência médica causa não foi a do ARD J....... .... – primeiro porque, nos termos do referido relatório, a respetiva agressão ocorreu “[n]o seguimento desta situação”, e depois porque, segundo o próprio, respondendo ao Sr. Instrutor em sede de inquirição (fls. 120), a assistência médica a que recorreu foi com os bombeiros e apenas por precaução, após indicação do seu supervisor. O ARD J....... .... disse ainda achar que a interrupção do jogo durante 7 minutos (entre o final da segunda parte e o início do intervalo) não se deveu à agressão de que foi vítima. Além disso, o vídeo da transmissão televisiva pelo Canal 11 do jogo dos autos (fls. 102) é esclarecedor a este respeito, mostrando que a assistência médica em curso na bancada nesse momento em que o jogo se encontrava interrompido – entre o final da segunda parte e o início do prolongamento – foi a um adepto e não ao ARD posteriormente agredido, que disse, aliás, em sede de inquirição, que se encontrava “bem”.

g) Encontra-se agendado um jogo da Liga Placard 2023/2024 para o próximo dia 9 de Setembro, pelas 21:30, a realizar no recinto do Requerente, entre as equipas do S………. e do S ………. (calendário desportivo da Liga Placard e doc. 32 junto).

Nada mais vindo alegado, de facto, nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

A título preliminar importa deixar esclarecido que aqui vem sindicado o acórdão proferido em 25.08.2023 pelo Pleno do Conselho de Disciplina, Secção Não Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol na parte em decidiu condenar o arguido, ora requerente, na sanção cumulada de realização de 1 jogo à porta fechada e de multa de EUR 1.275,00, por ter praticado, no jogo oficial n.º …………, disputado no dia 25.08.2022, a contar para a Supertaça de Futsal Placard, as infracções previstas e punidas nos artigos 203.º e 209.º, ambos do RDLPFP.

Sucede que o pedido formulado na providência cautelar se esgota, como expressamente delimitado pelo Requerente, no decretamento da “medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida na parte em que aplica ao requerente uma sanção de realização de um jogo à porta fechada”.

Donde, por força do princípio do dispositivo, ocupar-nos-emos da apreciação do mérito da providência, tendo presente exclusivamente o pedido concretamente formulado: a sanção disciplinar decorrente da infracção disciplinar prevista e punida pelo art. 203.º, n.º 1, do RDFPF que estatui a condenação do arguido na realização de 1 a 3 jogos à porta fechada.

Vejamos então.

V.ii.i Do decretamento das providências cautelares

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB; idem, a decisão de 17.12.2021, proc. n.º 155/21.0BCLSB, a decisão de 20.01.2023, proc. n.º 17/23.7BCLSB) e a decisão de 10.02.2023, proc. n.º 29/23.0BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência, a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar pela providência já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

E como sempre por nós foi feito anteriormente e aqui se reitera, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a acção principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

V.ii.ii Do fumus boni juris

O fumus boni juris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo.

No caso concreto, o Requerente alega, a título principal, nos termos que melhor constam da p.i., que a sanção que lhe foi aplicada de realização de um jogo à parta fechada é ilegal.

Em síntese, neste capítulo, nos termos da sua alegação:

“(…) o artigo 203° n.° 1 do RDFPF estabelece que “o clube cujo adepto agrida fisicamente agente desportivo ou pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou na zona técnica é sancionado com realização de 1 a 3 jogos à porta fechada e cumulativamente com multa entre 10 e 20 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento.”

10. Aquilo que se retira da norma transcrita, portanto, é que apenas se consideram abrangidas pela sua previsão os casos de agressão a agentes desportivos que, no momento da agressão, permaneçam no terreno de jogo ou na zona técnica.

11. Não bastando, como tal, que seja cometida uma agressão contra um agente desportivo para desencadear a aplicação da norma punitiva prevista no artigo 203.° do RDFPF.

12. Nesse sentido, este Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do processo n.º 12/2020, esclareceu de modo claro e peremptório que o adequado preenchimento dos elementos do tipo do artigo 203° do RDFPF exige e implica que o agente desportivo agredido se encontre, no momento da agressão, no terreno do jogo ou na zona técnica.

(…)

Sublinhe-se que o que vem de dizer-se relativamente à concatenação sistemática entre os artigos 203.°, n.° 1, e 207.°, n.° 1, do RDFPF em matéria de agressões consideradas menos graves, pode/deve replicar-se, mutatis mutandis, agora em matéria de agressões consideradas de maior gravidade (em si mesmas ou nos seus efeitos), relativamente à concatenação sistemática entre os artigos 195. °, 197. °, 200. °e 201.° do mesmo RDFPF”.

14. Eis, com roda a clareza, os elementos da interpretação da lei consignados no artigo 9.º do Código Civil: gramatical, histórico, sistemático e teleológico, todos eles conduzindo à inevitável conclusão de que o artigo 203° do RDFPF exige que o agente desportivo agredido se encontre, no momento da agressão, no terreno do jogo ou na zona técnica.

15. De facto, se assim não fosse, não seria possível compreender por que razão o legislador regulamentar haveria de omitir a referência ao “acesso” a tais zonas, alargar o âmbito do artigo 207.° do RDFPF na alteração regulamentar operada na época desportiva 2018/2019 de forma a abranger as agressões a agentes desportivos presentes no complexo desportivo ou consagrar a absurda solução de, perante a mesma conduta típica, deixar à discricionariedade do julgador disciplinar a decisão de arbitrariamente a punir com sanção de realização de jogos à porta fechada (artigo 203.° do RDFPF) ou de simples multa (artigo 207.° do RDFPF).

16. E tanto assim é que o entendimento propugnado pelo Tribunal Arbitral do Desporto no processo n.º 12/2020 foi sucessiva e exaustivamente sufragado pelos tribunais superiores, tendo o Supremo Tribunal Administrativo concluído que “o acórdão recorrido (como antes o TAD) terá ajuizado corretamente que no art. 203º. RDFPF se tipificam apenas as condutas perpetradas contra determinadas pessoas que, no momento da prática do ilícito, se encontram nas zonas do recinto desportivo mencionadas naquele preceito, estando fundamentado, através de um discurso consistente e plausível” (acórdão de 15 de Junho de 2023, processo n.° 09/23.6BCLSB) (realce adicionado).

17. A tudo isto, por fim, acresce a agravante de a mesma interpretação ter já sido implicitamente subscrita pelo próprio Conselho de Disciplinar em casos semelhantes ao presente, de que são exemplo as decisões tiradas no processo n.° 60/2021/2022, no processo n.° 162-2021/2022, ou no processo sumário n.º 5150 da época desportiva 2022/2023.

(…)

19. É que a agressão supostamente cometida, conforme descrito na matéria de facto da decisão recorrida (ponto 17), terá ocorrido numa das bancadas do recinto desportivo:

“No período que mediou entre o fim do tempo regulamentar de jogo e o início do prolongamento, adeptos do S....... identificados por se encontrarem na bancada afeta a este clube e envergarem adereços do clube, agrediram, na bancada, o NRD J....... ...., pertencente à empresa de segurança ……, atingindo-o com violência com um soco na cara e diversos pontapés.”

20. E não, como exige o artigo 203.º do RDFPF, no terreno de jogo ou na zona técnica.

21. Pois que, conforme resulta da regulamentação aplicável ao caso concreto, o terreno de jogo compreende “a superfície onde se desenrola o jogo de futebol, incluindo as zonas de protecção definidas de acordo com os regulamentos aplicáveis à respectiva competição ” (alínea oo) do artigo 4.º do RDFPF) e a zona técnica corresponde somente à zona situada entre as linhas exteriores da superfície de jogo e a área de ligação entre a superfície de jogo e os balneários situada entre as linhas na área representada no anexo, a zona de corredores de acesso à superfície de jogo, aos balneários dos Clubes e da equipa de arbitragem, os balneários dos clubes e da equipa de arbitragem e a zona representada no anexo I ao Regulamento da Supertaça Placard …../20… (alínea rr) do artigo 4.º do RDFPF e artigo 21.° do último regulamento citado):

(…)

22. Assim sendo, considerando que o agente desportivo não foi agredido no terreno de jogo nem na zona técnica do recinto desportivo, é forçoso concluir, com o apoio do sentido decisório firmado pela jurisprudência do Tribunal Arbitral do Desporto, do Tribunal Central Administrativo Sul e do próprio Supremo Tribunal Administrativo, que os elementos típicos pressupostos pela infracção disciplinar prevista no artigo 203.º do RDFPF não se encontram preenchidos.

23. Devendo, por conseguinte, o requerente ser absolvido da prática do referido ilícito disciplinar e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada juntamente com as sanções aplicadas, designadamente a que puniu o requerente com a realização de um jogo à porta fechada;

24. sob pena de se incorrer em grosseira violação dos artigos 2º, 18º n.º 2 e 29.º da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 3º, 8.º e 9.º do Código do Procedimento Administrativo, do artigo 1º do Código Penal, do artigo 53.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas e dos artigos 7.º e 15.º do RDFPF.

(…).”

Na decisão suspendenda entendeu-se, ao que aqui releva, que:

“(…)

Deste modo, atentando, na primeira imputação lançada em sede de acusação sobre o S......., note-se que, para que se preencha a facti species da infração disciplinar prevista no art. 197.º do RDFPF, é necessário que o adepto de um clube agrida fisicamente um agente desportivo ou pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou na zona entre as linhas exteriores do terreno de jogo e a entrada nos balneários, de forma a determinar justificadamente o árbitro a atrasar o início ou reinício de jogo oficial ou a interromper a sua realização por período superior a 5 minutos.

65. Ora, recuperando os factos dados como provados e não provados nos autos, note-se, desde logo, que resultou provado que adeptos do S....... agrediram um ARD. No entanto, não resultou provado nos autos que o atraso no reinício do jogo depois do final da segunda parte (ou seja, o atraso no início do prolongamento) tenha acontecido por causa dessa agressão.

66. Assim, não constituindo a agressão ocorrida a razão para o atraso no reinício do jogo, não se encontram preenchidos todos os elementos do tipo previsto no art. 197.º, n.º 1 do RDFPF. Todavia, ainda que soçobre a imputação aí ancorada, certo é que, no vertente caso, a respeito da agressão pelos adeptos do S....... ao ARD J....... ...., se veem preenchidos todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do art. 203.º do RDFPF, que estabelece que “[o] clube cujo adepto agrida fisicamente agente desportivo ou pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou na zona técnica é sancionado com realização de 1 a 3 jogos à porta fechada e cumulativamente com multa entre 10 e 20 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento”. Note-se, pois, que os ARD são agentes desportivos, à luz do que dispõe o art. 4.º, al. b) do RDFPF, pelo que a conduta em apreço consubstancia um agressão física a um agente desportivo, para efeitos do preenchimento do tipo previsto no referido art. 203.º do RDFPF.

67. Note-se, antes de prosseguir, que, mesmo que se admitisse que tal conclusão configura, quanto a essa conduta, uma alteração da qualificação jurídica, tal possibilidade, à luz do que estabelece o artigo 245.º, n.º 4 do RDFPF, não se encontra vedada ao CDSNP, antes se lhe impõe. Na verdade, atento o sufrágio também afirmado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 035737, de 18/02/1998, “[a] nova qualificação jurídica dos factos, decorrente do abandono do enquadramento mais gravoso constante da acusação, determinado pelo acórdão anulatório, não impõe uma nova audiência do arguido se não houver qualquer alteração e muito menos substancial, do elenco dos factos censuráveis mas apenas da sua qualificação jurídica, assim se mantendo o novo acto sancionador estritamente dentro dos parâmetros enunciados na acusação” (18). Deste modo, pode o CDSNP proceder à alteração da qualificação jurídica, não sendo necessária prévia audiência do arguido (19).

68. Aqui chegados, considerando os factos provados 17), 21) e 23), é de concluir que se encontram preenchidos todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo da infração prevista e sancionada pelo art. 203.º do RDFPF”.

Ora, esta fundamentação está numa relação de clara discordância com a materialidade provada, prefigurando-se – aliás, com grau de elevada probabilidade - a existência de erro na subsunção normativa efectuada e, portanto, de erro de julgamento.

Com efeito, vem provado em 17. do probatório fixado na decisão impugnada que: “[n]o período que mediou entre o fim do tempo regulamentar de jogo e o início do prolongamento, adeptos do S......., identificados por se encontrarem na bancada afeta a este clube e envergarem adereços do clube, agrediram, na bancada, o ARD J....... ...., pertencente à empresa de segurança 2045, atingindo-o com violência com um soco na cara e diversos pontapés [sublinhado nosso].

Ou seja, não existe controvérsia relativamente ao local em que ocorreu a agressão dada como provada: uma bancada.

Isto assente, temos que o art. 203.º, n.º 1, do RDFPF tem a seguinte redacção:


Artigo 203.º

Ofensas corporais a agente desportivo


1. O clube cujo adepto agrida fisicamente agente desportivo ou pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou na zona técnica é sancionado com realização de 1 a 3 jogos à porta fechada e cumulativamente com multa entre 10 e 20 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento.

São, portanto, elementos (objectivos) descritivos deste tipo sancionatório: i) a existência de uma agressão física; ii) de agente desportivo ou outra pessoa autorizada; iii) no terreno de jogo ou na zona técnica.

Ora, por terreno de jogo entende-se, de acordo com a definição constante no art. 4.º, al. oo) do RDFPF:a superfície onde se desenrola o jogo de futebol, incluindo as zonas de proteção definidas de acordo com os regulamentos aplicáveis à respetiva competição”. E por zona técnica:área determinada em conformidade com o regulamento da respetiva competição” (al. rr) do mesmo artigo).

Aliás, é o próprio acórdão do Conselho de Disciplina que afirma que “para que se preencha a facti species da infração disciplinar prevista no art. 197.º do RDFPF, é necessário que o adepto de um clube agrida fisicamente um agente desportivo ou pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou na zona entre as linhas exteriores do terreno de jogo e a entrada nos balneários” (v. supra).

Donde, tendo a agressão dada como provada ocorrido numa bancada e não no “terreno de jogo” ou “zona técnica”, não podemos dar como integralmente preenchidos os elementos objectivos descritivos do tipo sancionatório previsto no art. 203.º, n.º 1, do RDFPF. Isto é, a conduta em questão não vem descrita na norma sancionatória, a qual, no seu tatbaestand, não tipifica essa conduta como integradora do ilícito disciplinar de referência. Em suma, o comportamento descrito na factualidade assente, não integra o elemento objectivo do tipo na norma sancionatória.

O que determina a impossibilidade legal de aplicação da estatuição normativa correspondente, com a consequente invalidade da sanção aplicada ao Requerente.

É certo que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a sublinhar que a exigência de determinabilidade do tipo que predomina no direito criminal não tem que ter a mesma rigidez e a mesma densidade no domínio contraordenacional. Diz-se no Acórdão n.º 41/2004 que a “Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes»; e nos Acórdãos n.os 397/2012 e 466/12 conclui-se que «não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal”.

Na doutrina, no mesmo sentido, como por nós já referido na decisão de 20.01.2023, proc. n.º 17/23.7BCLSB, poderá consultar-se, por todos, PAULO VEIGA E MOURA e CÁTIA ARRIMAR , que abordam a questão da seguinte forma: “Em sede disciplinar, não obstante funcionar igualmente o princípio da legalidade, “não é possível afirmar que as exigências de tipicidade valham com o mesmo rigor que em sede criminal (v., neste sentido, o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 229/2012), pelo que vem-se entendendo que a infracção é atípica, resultando da ‘…violação ou ofensa de deveres reportados à função ou ao interesse do serviço’.// A indeterminação legal da infracção decorre, por isso, da natureza da repressão disciplinar, a qual, para ser eficaz, necessita da flexibilidade indispensável para se adaptar às diversas possíveis formas de manifestação do comportamento desviante (v., neste sentido, Roger bonnard, Précis de Droit Administratif, 1935, pág. 395).

Contudo, esta “tipicidade atípica” só será constitucionalmente aceitável se a descrição dos deveres for efectuada com suficiente precisão e mediante preceitos normativos que permitam antecipadamente aferir, com elevado grau de certeza, quais os concretos comportamentos que constituem infracção disciplinar e quais as sanções aplicáveis (v., neste sentido, Juan Manuel Trayter, Manual Disciplinario de los Funcionarios Públicos, Marcial Pons, 1992, pág. 153).

A essência do comportamento antijurídico e proibido há-de resultar perceptível da norma disciplinar incriminadora, o que não invalida que a mesma se apresente como uma norma em branco […] ou que remeta para a Administração ou para a jurisprudência o preenchimento de algum dos seus elementos essenciais […].

Porém, em ambos os casos o núcleo fundamental da proibição ou da ilicitude há-de-resultar da descrição do dever ou da norma incriminadora, de tal forma que a integração dada pela norma para que se remete terá que assumir uma natureza meramente quantitativa e não qualitativa. Já nos parece que a atipicidade será constitucionalmente ilícita, representando uma violação do princípio da legalidade da Administração, quando a norma incriminadora não permita antecipar com alguma probabilidade de certeza a amplitude e os limites do dever funcional”.

Mas mesmo considerando que em sede disciplinar o princípio da tipicidade é atenuado (face ao direito penal), certo é que não obtemos resultado diferente por via de um exercício interpretativo.

Repare-se, que a assim não se entender ocorreria uma sobreposição com o ilícito disciplinar previsto e punido no art. 201.º do RDFPF, esse sim respeitante a ofensas corporais graves a agente desportivo “presente no complexo desportivo ou nos limites exteriores ao complexo desportivo.

O mesmo sucedendo, de modo ainda mais evidente, com o ilícito disciplinar previsto e punido no art. 207.º, n.º 12, do mesmo RDFPF que sanciona as “ofensas corporais a agente desportivo presente no complexo desportivo ou nos limites exteriores ao complexo desportivo” [“1. O clube cujo adepto agrida fisicamente pessoa presente no complexo desportivo ou nos limites exteriores ao complexo desportivo no exercício de funções relacionadas direta ou indiretamente com a ocorrência de jogo oficial é sancionado com multa entre 5 e 50 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra disposição deste Regulamento”].

Ou seja, a conclusão por nós tirada está, não apenas assente no elemento literal da norma – a letra da lei - vertida no citado art. 203.º do RDFPF, que a acolhe gramaticalmente, como de acordo com os ditames da interpretação sistemática, quando conjugada com estes artigos 201.º e 207.º do mesmo Regulamento.

Esta posição está, por outro lado, também acobertada jurisprudencialmente pelo acórdão deste TCA Sul de 13.04.2023, que assim decidiu, a qual foi sufragada pelo STA no acórdão de 15.06.2023, proc. n.º 9/23.6BCLSB que não admitiu o recurso de revista interposto. Neste último aresto afirmou-se que: “[n]ão se justifica a admissão de revista se tudo indica, no juízo sumário que a esta Formação de apreciação preliminar cabe realizar, que o acórdão recorrido (como antes o TAD) terá ajuizado correctamente que no art. 203º RDFPF se tipificam apenas as condutas perpetradas contra determinadas pessoas que, no momento da prática do ilícito, se encontram nas zonas do recinto desportivo mencionadas naquele preceito, estando fundamentado, através de um discurso consistente e plausível, quanto a essa questão submetida pela Recorrente à sua apreciação [sublinhado nosso].

Aliás, importa referir, que já o TAD no seu acórdão de 17.10.2022, no proc. n.º 12/2020, dando resposta precisamente a esta questão, havia concluído que:

“(…) a questão que se coloca (sendo objeto constante da discussão entre as Partes, seja em sede do procedimento disciplinar sub judice, seja em sede da presente ação arbitral) é a de saber se a correta hermenêutica jurídica daquela norma do artigo 203.º, n.º 1, do RDFPF, apesar da sua ambígua redação, não exigirá que o adequado preenchimento dos elementos do tipo respetivo implique que a agressão física do “agente desportivo ou pessoa autorizada a permanecer no terreno de jogo ou na zona técnica” só possa dar-se por verificado caso o agredido se encontre, no momento da agressão, no terreno de jogo ou na zona técnica.

E a resposta deste Colégio Arbitral a tal questão só pode ser inequivocamente afirmativa, por ser uma opção perfeitamente compatível com o elemento literal da norma (porventura até a melhor opção gramatical), por ser a opção teleologicamente mais adequada à gravidade do sancionamento previsto para ofensas corporais em si mesmas não tipificadas como graves e, last but not least, por ser a única opção sistematicamente compatível com aquela outra infração disciplinar prevista e sancionada no artigo 207.º, n.º 1, do RDFPF, pois não faria qualquer sentido prever o sancionamento (menos gravoso) de agressões (também não graves) de agentes desportivos presentes no complexo desportivo ou nos limites exteriores ao complexo desportivo se a norma do artigo 203.º, n.º 1, do RDFPF não tivesse sido concebida e não fosse interpretada como uma mais rigorosa delimitação espacial (…)”.

Nestes termos, num juízo de prognose de summaria cognitio, terá que concluir-se pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente, pois que se afigura como provável, no processo principal, a absolvição da Demandante do cometimento da infracção prevista e punida no artigo 203.º, n.º 1, do RDFPF. Ou seja, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

V.ii.iii Do periculum in mora

Isto estabelecido, vejamos agora se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se detecta é que o periculum in mora alegado funda-se, como se disse já, no que deriva da aplicação de 1 jogo à porta fechada, concretamente nos efeitos dessa sanção a nível patrimonial e a nível desportivo. Neste ponto evidencia a Requerente que a execução imediata da sanção causará danos irreparáveis a nível patrimonial e a nível desportivo.

Alega, neste ponto, que:

“ (…) conquanto se conceda que a sanção de multa aplicada ao requerente não se reveste das características necessárias para preencher os pressupostos do requisito do periculum in mora - afinal, será sempre possível ressarcir o requerente das quantias eventualmente despendidas acrescidas de juros -, o mesmo não se pode afirmar relativamente à sanção de realização de um jogo à porta fechada que foi imposta ao requerente.

(…)

Ou seja, em virtude da sanção que lhe foi aplicada, o requerente será ilegalmente impedido de jogar o primeiro jogo da época sem a presença e o apoio dos seus adeptos, prejudicando a sua equipa a nível desportivo e afectando a sua imagem e confiança junto do público em geral e dos seus adeptos em especial, bem como de colher os proveitos económicos inerentes à organização do jogo.

Desde logo, no próximo jogo da Liga Placard 2023/2024, agendado para o próximo dia 9 de Setembro de 2023, pelas 19:00 horas, frente à equipa da Braga, um dos seus maiores rivais e que, como tal, se revela de capital importância para as aspirações desportivas do requerente.

Em causa estão, em maior medida, prejuízos imateriais e morais, por sua natureza irreparáveis, mesmo em caso de procedência da acção, sendo a suspensão da eficácia da decisão impugnada a única forma de o requerente de os evitar.

O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).

Ora, de acordo com o probatório, existindo a realização de um jogo já no próximo dia 9 do corrente, em conjugação com as regras da experiência, é incontornável que a aplicação da sanção comporta uma lesão grave e dificilmente reparável. O cenário de aplicação imediata da sanção disciplinar de realização de 1 jogo à porta fechada tem como consequência os danos invocados, que vão para além da inexistência de receitas de bilhética, os quais, constituem, em si, um prejuízo grave e de difícil reparação.

Para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso o Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA; também a nossa decisão de 20.01.2023, proc. n.º17/23.7BCLSB ).

Deste modo, tudo ponderado, na situação concreta em análise e no que respeita à sanção de suspensão de funções, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.

V.ii.iv Do requisito da proporcionalidade

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao tribunal verificar se o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC). Isto é, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos.

O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Ora, certo é que não vislumbramos que o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva; o que é consequência “natural”, aliás, do provimento da medida cautelar (cfr. as nossas decisões de 7.02.2022, proc. n.º 34/22.4BCLSB, e de 20.01.2023, proc. n.º17/23.7BCLSB).

Com efeito, não se antevê que a não execução imediata da sanção seja susceptível de afectar, e muito menos de modo grave, a esfera jurídica da Requerida e dos valores que a mesma defende no processo. Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que sempre não seria o caso, dado que, a ser confirmada na acção principal a sanção aplicada – o que, nesta fase, não se afigura como provável -, nada obstará à efectiva aplicação desta (apenas o seria num momento temporalmente posterior).

Pelo que, tudo visto, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).

Nada mais, nesta sede, cumpre apreciar.



VI. Decisão

Pelo exposto decide-se:

- Julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da sanção aplicada, na parte que condena o Requerente na realização de um jogo à porta fechada.

Custas da responsabilidade do Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 8 de Setembro de 2023

Pedro Marchão Marques
Juiz presidente