Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:900/11.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
CONDUTA ATIVA/PASSIVA DO SUJEITO PASSIVO
AUTOLIQUIDAÇÕES
DUPLICAÇÃO DE PAGAMENTO
Sumário:
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:I - O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.
II - Inexiste erro imputável à AT, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento ativo ou omissivo do contribuinte, e quando não estava na sua disponibilidade decidir de forma diferente.
III - Se a liquidação visada foi objeto de anulação, por reconhecida duplicação, não pode ser entendida tal conduta como motivada pela própria Impugnante, porquanto, por um lado, há que estabelecer a devida dissociação das autoliquidações, e por outro lado, porque aquando a emissão do ato de liquidação adicional impugnado a AT já estava na posse de todos os elementos que lhe permitiam aferir que para o mesmo facto tributário tinha existido o pagamento de duas liquidações.
IV - A convocação de dificuldades e constrangimentos informáticos não pode lograr efeito útil neste concreto particular, não só porque não se encontra, minimamente, demonstrada como, a Impugnante é, naturalmente, alheia aos mesmos.


1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa tendo por objeto impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento expresso do recurso hierárquico, o qual indeferiu a pretensão da “L… -Sociedade de Construções, s.a” (doravante Impugnante, ou Recorrida), de que lhe fosse reconhecido o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento da liquidação nº 2008 1680124, que lhe fora anulada em sede de reclamação graciosa.


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A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por L… – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, S.A., NIPC 5…, já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, considerou que “a Impugnante tem direito aos juros indemnizatórios peticionados pelo pagamento do montante correspondente à liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124, pois in casu se verificam todos os requisitos exigidos pelo artigo 43º, n.º 1 da LGT”. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, mais ainda entende a Fazenda Pública que a matéria de facto dada como assente na sentença é insuficiente para a boa decisão da causa, pelo deverá a mesma ser alterada.

II – O Tribunal não esteve bem na seleção da matéria de facto que considerou assente, porquanto omitiu a referência a factos provados documentalmente nos autos e que se afiguram fundamentais para a ajuizar do nexo de imputabilidade do erro em causa nos autos à atuação da administração fiscal (AF). Nesta sede, dispõe o n.º 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil aplicável ao presente recurso, que “ A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente impuserem decisão diversa”.

III – Constam dos autos, designadamente dos documentos anexos aos autos de Reclamação Graciosa, documentação bastante que comprova que:

- em 28/01/2008 a Impugnante foi notificada do resultado da avaliação patrimonial dos imóveis em causa nos autos;

- a Impugnante em 11/03/2008 solicitou junto da administração tributária o reembolso do imposto pago em 2004 nos termos do n.º 1 do art.º 47 do CIMT;

- a liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124 n.º foi emitida em 24/03/2008.

IV – Com efeito, entende a Fazenda Pública que, à luz do n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil, devem ser aditados à matéria de facto provada os factos referidos no ponto anterior, pois que estão reunidos os pressupostos para que seja ordenada a ampliação da matéria de facto tida por assente.

V – Por conseguinte, a Fazenda Pública não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa porquanto a mesma não ostenta uma incorreta aplicação do n.º1 do art.º 43º da Lei Geral Tributária (LGT) e tem na sua base um erróneo juízo sobre a atuação da administração fiscal no caso dos autos.

VI – O Tribunal a quo emitiu um juízo de censura sobre a atuação da administração fiscal considerando que a emissão da liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124 encerra um erro imputável aos seus próprios serviços, e desconsiderando que, aquando da notificação à Impugnante em 28/01/2008 do resultado da avaliação patrimonial dos imóveis em causa, a Impugnante estava já em condições de interpelar a administração tributária no sentido de, em tempo útil, evitar a emissão da liquidação adicional que viria mais tarde a ser anulada. Todavia, a Impugnante só o fez em 11/03/2008 quando, junto da administração tributária, solicitou o reembolso do imposto pago em 2004 nos termos do n.º 1 do art.º 47 do CIMT, tendo a liquidação adicional, relacionada a esta primeira liquidação, sido emitida em 24/03/2008.

VII – Desta sequência de acontecimentos flui não ser aceitável a imputação do erro aos serviços da administração fiscal (AF), na medida em que nem sequer havia decorrido duas semanas entre o pedido de reembolso do Impugnante, datado de 11/03/2008, e a emissão em 24/03/2008 da liquidação adicional entretanto revogada (mas anteriormente paga pelo Impugnante). Com efeito, atento à necessidade de informatização do procedimento tributário de liquidação dos impostos, normal é que os requerimentos apresentados pelos contribuintes junto dos serviços da AF levem um tempo razoável até serem refletidos no seu sistema informático de forma a serem levados em consideração nesse mesmo procedimento. Tendo presente o exposto, só num cenário de perfeito funcionamento da administração pública, que ignorasse as limitações humanas e os constrangimentos informáticos que esta enfrenta no seu quotidiano, seria viável considerar que a mera apresentação de um requerimento em papel junto de um serviço da AF bastaria para evitar a emissão de uma liquidação adicional informaticamente projetada para os dias seguintes.

VIII – Assim, tendo presente que os juros indemnizatórios peticionados em sede de Impugnação estão dependentes da prova da imputação do erro aos serviços da AF, e estando assente que a liquidação adicional revogada teve na sua origem um lapso do contribuinte ao promover uma primeira liquidação de IMT que não era legalmente devida, incumbia à Impugnante alegar e provar factos que permitissem formular um juízo de censura incontornável à atuação da AF que se concretizou na emissão de uma liquidação adicional entretanto revogada.

IX – Ponderado estes argumentos, fácil é de ver que mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, na medida em que considerou haver um erro imputável aos serviços materializada na emissão de liquidação adicional de IMT, legalmente não devida, a qual foi desencadeada pelo próprio contribuinte, não obstante a posterior formulação de um pedido de reembolso poucos dias antes daquela emissão, violando assim o disposto no n.º 1 do art.º 43º da LGT.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E DIRECÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“50.º

Conforme demonstrou supra, entende a Impugnante que não deve proceder a tentativa de fundamentação aduzida nas alegações de recurso da Fazenda Pública uma vez que as mesmas mais não são que uma tentativa, salvo o devido respeito, desesperada para justificar um procedimento incorreto e ilegal da Autoridade Tributária que foi responsável pela emissão, de forma pouco diligente, de duas notas de liquidação adicionais de IMT que incidiram sobre o mesmo facto tributário, não podendo pretendendo fazer querer que nada tem a ver com tal situação e que a mesma apenas teria ocorrido por única e exclusiva "culpa" da Impugnante.

51.°

Assim sendo, nenhuma razão encontra a Impugnante para que proceda o recurso apresentado, devendo o mesmo ser liminarmente recusado por manifesta falta de fundamento.

TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA SER JULGADO IMPROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

“1. A Impugnante, em 15/07/2002, celebrou contrato-promessa de compra e venda, pelo qual se comprometia a comprar o prédio urbano descrito com o n.º 0… na Conservatória de Registo Predial da Amadora e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 3… da Freguesia de Alfragide, e o prédio urbano descrito com o n.º 0… na Conservatória Registo Predial da Amadora e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 7… da Freguesia de Alfragide – cfr. doc. n.º 12 junto com a petição inicial a fls. 71 a 74 dos presentes autos.

2. Na decorrência do contrato referido em 1., a Impugnante apresentou, em 24/03/2004, declaração para liquidação do IMT devido pela transmissão dos prédios referidos em 1., no valor de 239.292,61€ - cfr. doc. n.º 13 junto com a petição inicial a fls. 79 dos presentes autos.

3. A Impugnante pagou o montante da liquidação referida em 2. – cfr. doc. n.º 13 junto com a petição inicial a fls. 79 dos presentes autos.

4. A celebração do contrato prometido referido em 1. ocorreu em 30/11/2007, sendo o mesmo notarialmente reconhecido – cfr. doc. n.º 14 junto com a petição inicial a fls. 81 a 84 dos presentes autos.

5. Na sequência da celebração do contrato referido 4., a Impugnante, em 29/11/2007 liquidou e pagou IMT por referência ao contrato referido em 4., no valor de 240.614,80€ - cfr. doc. n.º 15 junto com a petição inicial a fls. 85 a 87 dos presentes autos.

6. A Impugnante pagou o montante da liquidação referida em 5. em 29/11/2007 – cfr. doc. n.º 15 junto com a petição inicial a fls. 85 a 87 dos presentes autos.

7. Na sequência do contrato referido em 4., os prédios em causa foram alvos de avaliação para efeitos de determinação do respectivo valor patrimonial tributário – cfr. doc. n.º 17 junto com a petição inicial a fls. 89 a 92 dos presentes autos.

8. Em virtude dos resultados do procedimento de avaliação referido em 7. foram emitidas liquidações adicionais de IMT pela transmissão dos prédios referidos em 1. – cfr. docs. juntos a fls. 58 a 63 dos presentes autos.

9. Na sequência dos resultados do procedimento referido em 7. foi emitida a liquidação adicional de IMT n.º 0000001680123 com o valor de 103.410,53€ - cfr. doc. junto a fls. 58 dos presentes autos.

10. Na sequência dos resultados do procedimento referido em 7. foi emitida a liquidação adicional de IMT n.º 0000001680124 com o valor de 103.410,53€ - cfr. doc. junto a fls. 62 dos presentes autos.

11. A Impugnante pagou os montantes das liquidações de 9. e 10. – cfr. doc. junto a fls. 60 e 64 dos presentes autos.

12. A Impugnante, em 04/08/200, apresentou reclamação graciosa, onde questionou a legalidade, entre outras, da liquidação n.º 0000001680124, pedindo a sua anulação, o reembolso do montante pago a título dessa liquidação e bem assim dos respectivos e correspondentes juros indemnizatórios – cfr. fls. 3 a 19 do processo administrativo junto aos presentes autos.

13. A reclamação referida em 12. Foi alvo de informação por parte dos serviços da Autoridade Tributária com o seguinte conteúdo: “…6. Face ao exposto, verifica-se que não pode a reclamante estar a ser duplamente tributada sobre a mesma transmissão, embora em actos diferentes… 7. Assim, uma vez que foi utilizado na escritura de compra e venda o IMT pago em 2007.11.29, entendo que deverá ser este a prevalecer, sendo de anular a liquidação adicional n.º 2008 1680124, no valor de € 103.410,53, paga em 2008.05.30… 8. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, refere-se o seguinte:…Ora, no caso vertente, verifica-se que a dupla tributação surgiu pelo facto de a reclamante ter solicitado por duas vezes a liquidação de IMT para a aquisição do mesmo prédio… Pois, para a celebração da escritura de compra e venda ão deveria ter sido solicitada a liquidação de novo IMT mas sim utilizado o DUC correspondente à primeira liquidação, cabendo ao sujeito passivo fazer prova perante o notário que a tradição do imóvel correu em data anterior. Ao existirem na base de dados duas liquidações requeridas pelo contribuinte, ainda que para o mesmo artigo, o sistema vai automaticamente liquidar adicionalmente cada uma delas. Face ao exposto, e salvo melhor opinião, entendo que não estão reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios…” – cfr. fls. 89 a 91 do processo administrativo junto aos presentes autos.

14. A Impugnante foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia por referência ao projecto de decisão constante de 13. – cfr. fls. 89 e 92 e 93 do processo administrativo junto aos presentes autos.

15. A Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 94 a 109 dos presentes autos.

16. Na sequência do exercício do direito de audição prévia referido em 15., foi elaborada informação pelos serviços da Autoridade Tributária com o seguinte conteúdo: “…5.8 – Não podendo a reclamante ser duplamente tributada pela mesma transmissão, pelo que é proposto a anulação da liquidação adicional n.º 2008.1680124, da qual resultou a nota de cobrança n.º 2004.410033603, no valor de €103.410,53, e paga no dia 30 de Maio de 2008. É proposto que a reclamante deverá ser ressarcida o valor pago de €103.410,53. 5.9 – Relativamente aos juros indemnizatórios solicitados pela reclamante… 5.11 – As duas liquidações adicionais resultaram de dois pedidos ed liquidação efectuados e pagos pela agora reclamante, em tempos diferentes, resultados directos da avaliação aos imóveis transmitidos entretanto efectuada pela DGCI. Pelos factos descritos e apresentados não se afigura que tenha havido qualquer erro imputável aos serviços, que motivem o pagamento de juros indemnizatórios à reclamante. Nenhum dos pontos referidos no artigo 43º da Lei Geral Tributária e descritos pela reclamante se afigura como provados nesta situação concreta…” – cfr. fls. 112 a 114 do processo administrativo junto aos presente autos.

17. Os serviços da Autoridade Tributária notificaram novamente a Impugnante para exercer o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 111 do processo administrativo junto aos presentes autos.

18. A Impugnante não exerceu tal direito.

19. A reclamação graciosa referida em 12. foi parcialmente deferida, por despacho de 11/12/2009, tendo-se determinado a anulação da liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124 e o consequente reembolso do montante pago pela Impugnante a esse título, indeferindo o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento desta liquidação – cfr. fls. 117 a 120 do processo administrativo junto aos presentes autos.

20. A Impugnante foi notificada da decisão referida em 19. por carta registada e com aviso de recepção, aviso este que foi assinado em 15/12/2009 – cfr. fls. 121 a 123 do processo administrativo junto aos presentes autos.

21. A Impugnante apresentou, em 14/01/2010, recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa referida em 19., sustentando a ilegalidade da decisão da referida reclamação na medida em que indeferiu o pedido de pagamento de juros indemnizatórios em virtude da anulação da liquidação n.º 2008.1680124, peticionando o pagamento dos mesmos – cfr. fls. 3 a 15 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

22. O recurso referido em 21. foi alvo de informação por parte dos serviços da Autoridade Tributária com o seguinte conteúdo: “…É pois nosso entendimento, que apesar de haver erro a medida em houve duas liquidações adicionais sobre o mesmo facto tributário, a existência desse erro só se verificou porque o sujeito passivo entregou indevidamente duas declarações Mod. 1 relativas ao mesmo bem imóvel. Não poderemos pois considerar que neste caso houve erro imputável ao serviço. Nem mesmo pelo facto de, em sede de reclamação graciosa, se entender que se deveria restituir o tributo pago a mais, se pode considerar erro imputável ao serviço, porque conforme foi referido, as duas liquidações adicionais resultaram de duas declarações entregues pelo recorrente relativas ao mesmo facto tributário… Deste modo, face ao exposto e considerando que os fundamentos do presente recurso hierárquico em nada alteram o sentido da decisão proferida, somos do parecer não se verificarem razões para revogar o acto recorrido, não devendo, assim, ser dado provimento ao pedido…” – cfr. fls. 89 a 94 do processo do recurso hierárquico junto aos presentes autos.

23. O recurso hierárquico referido em 21. foi indeferido por despacho de 11/01/2011, que aderiu à fundamentação constante de 22. – cfr. fls. 86 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

24. A Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento referida em 23. por carta registada e com aviso de recepção, tendo aviso de recepção sido assinado em 01/02/2011 – cfr. fls. 95 a 97 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

25. A presente acção deu entrada em 02/05/2011.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.”


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Mais ficou consignado enquanto “motivação da decisão sobre a matéria de facto”, o seguinte: “A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo administrativo apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”

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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

9. Na sequência dos resultados do procedimento de avaliação referido em 7. foi emitida a 24 de março de 2008, liquidação adicional de IMT n.º 0000001680123 com o valor de 103.410,53€, da qual se extrata, designadamente, o seguinte:


- cfr. doc. junto a fls. 58 dos presentes autos.

10. Na sequência dos resultados do procedimento de avaliação referido em 7. foi emitida a 24 de março de 2008, a liquidação adicional de IMT n.º 0000001680124 com o valor de 103.410,53€, da qual se extrata, designadamente, o seguinte:

- cfr. doc. junto a fls. 62 dos presentes autos.


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

26. A 11 de março de 2008, a sociedade L… -Sociedade de Construções, SA, apresentou requerimento ao abrigo do artigo 47.º do CIMT, no qual descreve o pagamento evidenciado em 2), 3) e 5), e requer o reembolso do IMT pago, em 25 de março de 2004, por consubstanciar uma duplicação de pagamento (cfr. fls. 63 do processo de reclamação graciosa apenso);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial reconhecendo o direito ao pagamento de juros indemnizatórios peticionados pelo pagamento indevido da liquidação adicional de IMT n.º 2008 1680124.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

i. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:

o De facto, por ter descurado factualidade com relevo para a decisão da causa.

o Por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito ao ter decidido que se encontram reunidos os pressupostos constantes no artigo 43.º da LGT, para o pagamento dos juros indemnizatórios, na medida em que não se verifica “erro imputável aos serviços” porquanto o erro radica em conduta do próprio Impugnante, fundada na apresentação de duas declarações de autoliquidação, de IMT.

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (2-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013..

Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feitos estes considerandos, importa transpor para o caso vertente.

A Recorrente convoca, desde logo, erro de julgamento de facto, requerendo o aditamento de três factos que identifica no ponto III das suas conclusões, no entanto, e face aos considerandos de direito supra expendidos, resulta inequívoco que a mesma não cumpriu os aludidos requisitos legais na medida em que não identifica e concretiza o respetivo meio probatório, limitando-se a convocar, em bloco, o procedimento de reclamação graciosa.

De todo o modo, sempre se dirá que este Tribunal ad quem ao abrigo dos seus poderes de cognição já procedeu à alteração e ao aditamento de factos reputados de relevantes e, em parte, concatenados com essas asserções fáticas.

E por assim ser, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.


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Prosseguindo.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que inexiste o sentenciado juízo de censura sobre a atuação da AT, porquanto a liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124 não encerra um erro imputável aos serviços.

Densifica, para o efeito, que aquando da notificação do resultado da avaliação a Recorrida já se encontrava em condições de interpelar a AT no sentido de, em tempo útil, evitar a emissão da liquidação adicional que viria mais tarde a ser anulada, e a verdade é que só o fez em 11 de março de 2008, quando solicitou o reembolso do imposto pago em 2004 nos termos do n.º 1 do artigo 47 do CIMT, sendo que a aludida liquidação adicional, sub judice, foi emitida em 24 de março de 2008.

Daí que, não seja aceitável o entendimento propugnado na decisão recorrida no sentido da existência de erro imputável aos serviços, porquanto ainda não haviam decorrido duas semanas entre o pedido de reembolso do Impugnante, datado de 11 de março de 2008, e a emissão, em 24 de março de 2008, da liquidação adicional entretanto revogada, quando, ademais, existem problemas na informatização do procedimento tributário de liquidação.

Conclui, assim, que tendo a liquidação adicional revogada origem num lapso do contribuinte ao promover uma primeira liquidação de IMT que não era legalmente devida, inexiste qualquer juízo de censura à atuação da AT, donde o direito a juros indemnizatórios.

O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência relevando, desde logo, que “[nos presentes autos está especificamente em causa a emissão de liquidações adicionais de IMT emitidas oficiosamente pela Autoridade Tributária. Pelo que a emissão de tais liquidações não pode ser imputável à Impugnante, desde logo porque não foi a Impugnante quem as emitiu. Depois, como já vimos e foi factualidade adquirida pelos presentes autos, as liquidações adicionais de 9. e 10. dos factos provados incidem sobre a mesma transmissão dos mesmos prédios em momento em que a Autoridade Tributária já detinha em seu poder todos os elementos necessários para que concluísse que quando estava a emitir tais liquidações adicionais estava a empreender uma liquidação de IMT em duplicado sobre a mesma transmissão de prédios, o que é um manifesto e evidente erro de direito, tal qual a própria Autoridade Tributária reconhece ao anular a liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124. Ainda mais tendo em consideração a princípio da legalidade ao qual a Autoridade Tributária se encontra vinculada e que norteia toda a sua actuação, sendo seu fundamento e limite de actuação – artigos 266º, n.ºs 1 e 2 e 103º, n.º 2 da CRP e 8º da LGT.”

Sublinhando, assim, que “evidencia-se como erro de raciocínio a imputação da emissão das liquidações adicionais de IMT em causa nos presentes autos em duplicado à actuação da Impugnante, pois toda a arquitectura procedimental e respectivos elementos necessários à emissão de tais liquidações estiveram sempre na esfera e disponibilidade da Autoridade Tributária.”

Concluindo, para o efeito, que“[a] emissão da liquidação adicional de IMT n.º 2008.1680124 sobre a Impugnante configure uma situação de erro imputável aos serviços na acepção e para efeitos do artigo 43º, n.º 1 da LGT.”

E, de facto, não se vislumbra que o juízo de entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, na medida em que, inversamente ao propugnado pela Recorrente, existe erro imputável aos serviços, e sem que a conduta do sujeito passivo possa ser entendida como culposa, e contributiva da emissão do ato de liquidação adicional anulado, donde, obstativa ao reconhecimento dos juros indemnizatórios.

Mas, explicitemos, então, porque assim o entendemos.

Comecemos por estabelecer o respetivo enquadramento normativo.

O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.

Do teor do citado normativo, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos.

De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios:

a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.

Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (3-Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.).

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT (4-Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015.).

O entendimento jurisprudencial assenta, essencialmente, na circunstância de que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu (5-Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26.2.2014; 0481/13, de 12.3.2014; 01916/13; de 21.01.2015, 0843/14, de 21.01.2015; 0703/14, de 11.05.2016, 704/14 de 01.06. 2016.).

Note-se que para efeitos de concreta delimitação do erro imputável aos serviços entende-se que “[n]ão existe erro da administração, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento activo ou omissivo do contribuinte, designadamente disponibilizando informações incorrectas ou ocultando elementos relevantes para efeitos do apuramento da sua situação tributária (6-José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 367.)”

Ora, no caso vertente, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, a liquidação visada e objeto de anulação, por reconhecida duplicação, donde, ilegal, não pode ser entendida como conduta motivada pela própria Impugnante, na medida em que, há, desde logo, que estabelecer a devida dissociação das autoliquidações, e bem assim, porque aquando a emissão do ato de liquidação adicional impugnado a AT já estava na posse de todos os elementos que lhe permitiam aferir que para o mesmo facto tributário tinha existido o pagamento de duas liquidações, concretamente, uma em 2004 e outra em 2007.

Note-se, ademais, que para além de já se encontrar na posse e munida de todos os elementos necessários para concluir pelo pagamento duplicado de IMT, a verdade é que, a própria Impugnante, em momento prévio à emissão da liquidação adicional impugnada, ou seja, em 11 de março de 2008, apresentou requerimento no qual explicitava, precisamente, a existência de dois pagamentos para uma só operação de aquisição, requerendo o reembolso do imposto indevidamente pago.

Mas, vejamos, então, por reporte ao respetivo acervo fático dos autos.

Do probatório resulta que, a 15 de julho de 2002, a Recorrida, celebrou contrato-promessa de compra e venda, pelo qual se comprometia a comprar o prédio urbano descrito com o n.º 0… na Conservatória de Registo Predial da Amadora e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 3… da Freguesia de Alfragide, e o prédio urbano descrito com o n.º 0… na Conservatória Registo Predial da Amadora e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 7… da Freguesia de Alfragide.

Nessa decorrência, apresentou, em 24 de março de 2004, declaração para liquidação do IMT devido pela transmissão dos aludidos prédios, no valor de 239.292,61€, tendo procedido ao respetivo pagamento.

Mais resulta assente, que a outorga da celebração do contrato prometido apenas ocorreu a 30 de novembro de 2007, tendo a Recorrida liquidado e pago, novamente, o IMT por referência ao contrato definitivo, no valor de 240.614,80€.

Em resultado da outorga do aludido contrato, os prédios em causa foram objeto de procedimento de avaliação, da qual resultou o apuramento de um VPT superior ao contrato, motivando, assim, a emissão, a 24 de março de 2008, de duas liquidações adicionais de IMT, pelo valor diferencial, concretamente a liquidação adicional de IMT n.º 0000001680123 com o valor de 103.410,53€ e a liquidação adicional de IMT n.º 0000001680124 com o valor de 103.410,53€, as quais foram objeto de integral pagamento.

Dimanando, outrossim, assente que a 11 de março de 2008, a Impugnante, ora Recorrida, apresentou requerimento solicitando o reembolso de IMT ao abrigo do artigo 47.º do CIMT.

E bem assim que, a 04 de agosto de 2008, a Recorrida apresentou reclamação graciosa, onde questionou a legalidade, entre outras, da liquidação n.º 0000001680124, peticionando a sua anulação, o reembolso do montante pago e bem assim o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, a qual foi parcialmente deferida, nela se reconhecendo, de forma expressa, que a Reclamante não pode “[e]star a ser duplamente tributada sobre a mesma transmissão, embora em actos diferentes… 7. Assim, uma vez que foi utilizado na escritura de compra e venda o IMT pago em 2007.11.29, entendo que deverá ser este a prevalecer, sendo de anular a liquidação adicional n.º 2008 1680124, no valor de € 103.410,53, paga em 2008.05.30.”

Improcedendo, no entanto, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, porquanto “[a] dupla tributação surgiu pelo facto de a reclamante ter solicitado por duas vezes a liquidação de IMT para a aquisição do mesmo prédio.Pois, para a celebração da escritura de compra e venda ão deveria ter sido solicitada a liquidação de novo IMT mas sim utilizado o DUC correspondente à primeira liquidação, cabendo ao sujeito passivo fazer prova perante o notário que a tradição do imóvel correu em data anterior. Ao existirem na base de dados duas liquidações requeridas pelo contribuinte, ainda que para o mesmo artigo, o sistema vai automaticamente liquidar adicionalmente cada uma delas.”

Mais promanando assente que, na sequência da notificação do deferimento parcial de reclamação graciosa, interpôs o competente recurso hierárquico, o qual manteve o entendimento vertido na reclamação graciosa.

Ora, face ao recorte probatório dos autos, ter-se-á que secundar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, na medida em que, as liquidações adicionais incidiram sobre o mesmo facto tributário, é certo que, conforme resulta dos pontos 9) e 10), por reporte a atos de apuramento distintos, mas a verdade é que, tal permite em nada permite concluir que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu.

Note-se que, conforme bem sublinhou o Tribunal a quo, as liquidações adicionais foram emitidas na sequência do procedimento de avaliação, e face ao valor diferencial constatado entre o VPT e o valor do contrato, secundando-se, nesta conformidade, o ajuizado na decisão recorrida de que “impõe-se que se releve que no caso dos presentes autos se tratam de liquidações adicionais emitidas oficiosamente pela Autoridade Tributária. (…) Caso distinto seria se a Impugnante estivesse nos presentes autos a peticionar o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios emergente da circunstância de a mesma ter pago duas autoliquidações de IMT sobre a mesma transmissão em virtude dela própria ter apresentado duas declarações Mod. 1. Aí sim, o erro na duplicação do pagamento do IMT não seria de imputar aos serviços da Autoridade Tributária, pois aí a ilegalidade da segunda liquidação emergiria de uma conduta somente imputável ao sujeito passivo, fora do controlo da Autoridade Tributária.”

De ressalvar, ademais, que a própria apresentação do requerimento datado de 11 de março de 2008, e contrariamente ao advogado pela Recorrente, confere, justamente, legitimidade para a concessão do direito a juros indemnizatórios, na medida em que, o ato de liquidação foi emitido em data ulterior, concretamente, a 24 de março de 2008. O que significa que aquando da emissão dos atos de liquidação adicional, para além de, conforme já evidenciámos anteriormente e ora reiteramos, a AT já estar na posse de todos os elementos que permitissem concluir pela existência de pagamento em duplicado, para o mesmo facto tributário, a verdade é que, foi alertada para essa situação, pela própria, Impugnante em momento prévio e precedente à emissão das liquidações adicionais.

Em nada podendo relevar, neste e para este efeito, quaisquer dificuldades e constrangimentos informáticos, não só porque não se encontram, minimamente, demonstrados, como, a Recorrida é, naturalmente, alheia aos mesmos.

Note-se que, constitui erro imputável aos serviços, a falta do próprio serviço, particularmente, a emissão de um ato de liquidação ilegal, e por isso ilícito, legitimando, assim, a responsabilidade por juros indemnizatórios [Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário da Secção de Contencioso Tributário, processo nº 0632/14, de 21.01.2015].

Com efeito, a AT, tem deveres genéricos de atuação em conformidade com a lei (cfr. artigos 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT), o que significa, portanto, que independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços (7-Vide, neste sentido, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0477/09, de 28.10.2009, e o já citado Acórdão do Pleno do STA, proferido no processo nº 0632/14, de 21.01.2015.).

Ora, face a todo o expendido, ter-se-á de concluir que deve ser reconhecido o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios, na medida em que o ato de liquidação adicional sub judice, foi, erradamente, emitido, conforme, expressamente, reconhecido pela AT, motivando o seu pagamento indevido, em nada podendo ser convocada uma conduta ativa e atuação culposa da Recorrida para a sua concreta emissão.

Em face de tudo o que vem sendo dito, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito da Recorrida ao pagamento dos juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a liquidação impugnada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação do ato impugnado.

Destarte, tendo a sentença recorrida decidido nesse sentido, julgou com acerto e de acordo com a lei aplicável, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)

(Tânia Meireles da Cunha)