Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:715/20.7 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
INDEFERIMENTO TÁCITO
Sumário:I - A caducidade do direito de ação tem de ser aferida considerando o ato que o impugnante indica como sendo o ato impugnado.
II - Formando-se indeferimento tácito de uma reclamação graciosa, é considerando tal ficção jurídica que deve ser contado o prazo de impugnação, independentemente do mérito da pretensão do contribuinte vertida nessa mesma reclamação graciosa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

M… (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 27.12.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual se julgou verificada a caducidade do direito de ação e, em consequência, se absolveu a Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) da instância.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1º-A douta sentença considerou procedência da exceção dilatória de caducidade de direto da ação, e, em consequência, foi a Impugnação judicial apresentada improcedente;

2º-Contudo, a douta sentença não andou bem;

3º-Relativamente ao Exercício de 2014, a Impugnante apresentou um recurso hierárquico da decisão do indeferimento parcial da reclamação graciosa em 6 de Setembro de 2019, tendo a mesma sido notificada da referida decisão em 7 de Agosto de 2019;.

4º-A decisão do recurso hierárquico apresentado pela Impugnante, deveria ter sido emitida e comunicada à impugnante no prazo de 60 dias (artigo nº5 do artigo 66º do CPPT).

5º-O Recurso Hierárquico é um meio legitimo para qualquer contribuinte reagir das decisões do Órgão de administração e o mesmo tem de ser apresentado no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato.

6º-Este recurso Hierárquico apresentado pela impugnante relativo à liquidação de 2014, foi apresentado pela Impugnante em 6/09/19 e rececionado pela AT confirmação dos serviços por email de 11/09/19 (cfr. Documentos 4 e 5, que se juntam)

7º- Após essa data, nunca a Impugnante obteve qualquer reação até à apresentação da reclamação graciosa das liquidações em 5/03/20, por parte da Autoridade Tributária sobre o conteúdo ou efeitos do Recurso Hierárquico apresentado.

8º-O Recurso Hierárquico foi sempre ignorado pela AT e o que consubstancia uma omissão de ato administrativo (nº 1 do artº 69º do Código de Processo nos Tribunais administrativos).

9º- A Autoridade Tributária preteriu formalidades essenciais na defesa da Impugnante, nomeadamente na emissão de uma liquidação referente ao ano de 2014, sem a concessão do prazo para a sua reclamação.

10º - As liquidações de 2014 e 2015 tiveram um tratamento fiscal e administrativo diferenciado e sem respeitar os direitos de defesa da Impugnante. O tratamento idêntico é exigível visto que versam ambas sobre o mesmo tributo e é só pela aplicação da lei, do CIRS que se repartem forçosamente os rendimentos, por exercícios distintos.

11º Ambas as liquidações derivavam de liquidação que continha erros por parte da AT e tendo sido ela mesma a autora das declarações ficais do ano de 2014 e posteriormente de 2015, da Impugnante. As declarações foram impostas pela AT e efémeras de erros na aplicação da lei, do CIRS, sendo ilegais;

12º Requer-se que a liquidação de 2014 seja anulada com base nos artigos 66º a 71º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002). Nomeadamente o nº 1 do Artº 69º do Código de Processo nos Tribunais administrativos). Tudo conforme a douta jurisprudência, acórdão - http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/36924E6B063ACEE28025808E0
05BFD30
.

(…)

Caso se venha a decidir emitir uma nova liquidação, a impugnante terá que ter todos os direitos de defesa.

13º- Tanto a reclamação graciosa como a impugnação do seu indeferimento tácito foram tempestivas como atrás provado.

14º-Ou seja no caso em questão, o recurso hierárquico entrou a 6/09/19, o prazo de resposta/decisão pela Autoridade tributária era até 6/11/19 e a Impugnante reagiu graciosamente em 5/03/20 e judicialmente em 6/10/2020.

15º-A Impugnante reagiu nos termos do nº 1 do artº 69º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ao fundamentar nesta impugnação de indeferimento tácito, o que fundamentou no seu ponto 4 da reclamação graciosa das liquidações, ou seja, que a AT não se pronunciou acerca do recurso hierárquico, ignorando-o. Após extinto o prazo de decisão (6/11/19) notificou a impugnante das liquidações a 16/11/19 e a 16/12/19.

16 º - O prazo para intentar a reclamação e a presente ação era de um ano, desde que terminou o prazo para a AT decidir o recurso hierárquico.

Efetivamente, dispõe o n.º 1 do artigo 69.º Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de 2002):

“Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido”.

Ora dos factos resulta que o recurso hierárquico foi recebido pela AT em 6.09.2019, com prazo para decisão de 6.11.2019 e a acção de impugnação foi intentada em 6.10.2020.

O que significa que, quando foi interposta a reclamação graciosa, bem como esta ação, não tinha decorrido o prazo legal de um ano para as intentar.

É que o prazo para interpor tal ação é de um ano, após o termo do prazo do ato ilegalmente omitido.

A impugnante tinha até 6/11/20 para o reclamar ou impugnar contra omissão do ato administrativo e por isso fundamentou tanto na reclamação graciosa como nesta impugnação a omissão de decisão do recurso hierárquico, e com isso pediu a anulação da liquidação de 2014 e cobrança coerciva.

17º- Não faz sentido que a impugnante não pudesse reagir contra a ilegalidade das liquidações que além do mais também pecam quanto à omissão de decisão do recurso hierárquico por parte da Autoridade Tributária.

18º- Especificamente quanto ao Exercício de 2015:

A notificação da demonstração de liquidação de IRS de 2015, ocorreu em 16.11.2019, pese embora o documento tenha sido disponibilizado na via CTT em 29/10/19 (cfr. documentos 1 e 2, que se juntam), abria prazo para reagir à liquidação através de uma reclamação graciosa ou de impugnação judicial, tudo nos termos dos artigos 70º e 102º do CPPT;

19º-Os prazos em causa, tinham o seu início a 17.11.2019 e o seu termino a 16.03.2020 e 15.02.2020, respetivamente.

20º-A impugnante optou pela apresentação de uma reclamação graciosa para reagir à liquidação de IRS de 2015 e de 2014 e cobrança coerciva, fundamentando-se na omissão de decisão do recurso hierárquico, entre outros vícios, e na ilegalidade das liquidações que contêm erros e incumprem gravemente a lei - CIRS, pedindo assim a anulação da liquidação de 2014 e cobrança coerciva.

21º-Tendo-o feito em 05.03.2020.

22º-Ora tal data respeitou o prazo previsto no artigo 70º do CPPT. Nr. 1 - 1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º

23º-Na presente ação a Autora impugna o indeferimento tácito da sua Reclamação Graciosa, que veio contestar administrativamente os atos tributários acima identificados –liquidações referentes ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2014 e 2015 e cobrança coerciva.

24º-Só em face da ausência da resposta da reclamação graciosa é que a Impugnação usou a via da impugnação judicial.

25º-Nos termos do artigo 102.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), a impugnação deve ser apresentada dentro do prazo de 3 meses a contar desde os factos previstos no seu n.º 1.

26º-Ora, prevê a alínea d) do n.º 1 do referido artigo que a presunção do indeferimento tácito origina o direito a apresentar impugnação judicial.

27º-No caso vertente, verifica-se que a impugnante apresentou, em 5 de março de 2020 (cujo comprovativo de entrega se junta como Documento n.º 1 junto com a petição inicial), Reclamação Graciosa das liquidações supra identificadas e respetivos acertos de contas e cobrança coerciva – (cfr. Documentos n.º 2 a 4), portanto, dentro dos prazos legais de reclamação das liquidações (para o ano de 2014, contado da data limite do pagamento voluntário – 2020-01-14 e para o ano de 2015, contado da data da notificação da liquidação, ocorrida em 2019-11-16), conforme a alínea b) do número 1 do 102º CPPT.

28º-Sucede que a Administração Tributária nunca se pronunciou sobre o pedido apresentado nesta Reclamação Graciosa, ainda que a isso estivesse obrigada, tal como determina o princípio da decisão previsto no n.º 1 do artigo 56.º da Lei Geral Tributária (LGT).

29º-Mais, a decisão sobre o pedido efetuado através da Reclamação Graciosa deveria ter sido comunicada à Impugnante no prazo de 4 meses, ou seja, tal como determina o n.º 1 do artigo 57.º da LGT em conjugação com os artigos 296.º e 279.º do Código Civil – ex vi n.º 3 do mencionado artigo 57.º da LGT, até 6 de julho de 2020.

30º-Perante a ausência de decisão, formou-se – na mesma data de 6 de julho – a presunção de indeferimento tácito da decisão, por determinação do n.º 4 do artigo 57.º da LGT.

31º-Deste modo, o prazo de 3 meses termina a 6 de outubro de 2020, pelo que a presente impugnação judicial se deve considerar tempestiva.

32º-Nestes termos, deverá a Sentença ser revogada e não julgar verificada a procedência da exceção dilatória de caducidade de direto da acção, e, em consequência, terão de ser conhecidas e apreciados os pedidos da impugnação judicial.

Pelo exposto e com o douto suprimento de vossas excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, como tal, ser alterada a decisão recorrida.

Assim decidindo, far-se-á

JUSTIÇA”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a apreciar (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que a presente impugnação é tempestiva?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“a) Em 06/01/2016, o documento designado «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS» n.º 2016 00000088474, emitida com o «ID. FISCAL 123269458», relativa à liquidação n.º 2016 5000002849 e ao «ANO RENDIMENTOS 2014», consta o «VALOR A REEMBOLSAR € 25.449,85» e, além do mais, o seguinte:

«Fica V. Ex.ª notificado(a) da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado, conforme nota demonstrativa. (…)» - cfr. documento de fls. 334 a 370 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

b) Em 13/06/2016, a Impugnante remeteu por correio eletrónico, para o endereço eletrónico «sf.....@at.gov.pt» e «portal-qt@at.gov.pt», «Reclamação Graciosa IRS 2014 - Nif 1………», relativa ao período de 2014 (cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial, de fls. 59 a 66 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado), onde se lê:

«Venho pela presente apresentar reclamação graciosa da declaração em epígrafe, (…).»

c) Em 18/10/2016, deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa documento relativo a «Reclamação Graciosa IRS 2014. Audição Prévia N.º Processo 1503201604005210» - cfr. comprovativo de entrega constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 334 a 370 do SITAF;

d) Em 22/07/2019, no âmbito da «Reclamação Graciosa N.º 1503201604005210», a Chefe de Divisão exarou o seguinte despacho: «(…) defiro parcialmente o pedido da reclamante nos termos e com os fundamentos propostos. (…)» - cfr. documento constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 373 a 412 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

e) O despacho referido no ponto anterior assentou em Informação da Direção de Finanças de Lisboa, da qual consta, além do mais, o seguinte:

«22. Desta feita, deverão ser retirados os montantes da indemnização pela ilicitude do despedimento do ano em análise de 2014, correspondentes ao invés a 2015.

23. Por outras palavras, do rendimento inicialmente considerado sujeito de € 178.654,04, deverão ser retirados € 158.001,79, correspondentes ao valor da indemnização por ilicitude do despedimento, por serem respeitantes ao ano de 2015 (ano do trânsito em julgado da decisão), independentemente do ano do pagamento.

24. Em síntese, o rendimento sujeito do ano de 2014 será de €16.892,81.

III – CONCLUSÃO

Face ao exposto, atendendo aos fundamentos expostos supra, cumpre ampliar o deferimento parcial do pedido constante do objeto do projeto de decisão a conceder à reclamante.» - cfr. documento constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 373 a 412 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

f) Em 05/08/2019, foi emitida a Comunicação n.º 71112019C282873, relativa ao NIF 1……., referente ao «Assunto: Reclamação Graciosa n.º 1503201604005210 (REC 1216/16) - Liquidação IRS/2015», na qual consta, além do mais, o seguinte:

«Por instrução superior e na sequência do despacho de deferimento parcial, proferido pela chefe da Divisão de Justiça Administrativa desta Direção de Finanças datado de 2019-07-22, junto se envia a informação em anexo referente à contribuinte M…, como NIF 1……...

Os efeitos desta decisão serão repercutidos no ano apreciado de 2014.

No entanto e conforme informação prestada pela Direção de Serviços do IRS no presente procedimento, com despacho da Subdiretora Geral datado de 2019-06-25, há que ter em atenção a imputabilidade dos rendimentos em causa (indemnização pela ilicitude do despedimento) ao ano de 2015, devendo iniciar-se o respetivo procedimento de liquidação.» - cfr. documento constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 415 a 421 do SITAF;

g) Em 07/08/2019, a Impugnante recebeu o oficio n.º 17880, de 30/07/2019, por via postal sob o registo n.º RH104885968PT, referente ao «Assunto: Notificação da Decisão Final», «Tipo de Processo: Reclamação Graciosa», do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Fica por este meio notificado de que no procedimento supra identificado, em 22-07-2019 foi proferido despacho de Deferimento Parcial, (…)» - cfr. ofício constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 415 a 421 do SITAF, e comprovativo de entrega constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 422 a 447 do SITAF;

h) Em 05/09/2019, a Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão da reclamação graciosa n.º 1503201604005210 referente à liquidação do IRS de 2014 - cfr. documento constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 422 a 447 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido e não foi impugnado;

i) Em 06/09/2019, o Serviço de Finanças de Cascais 1, procedeu à abertura do procedimento de recurso hierárquico sob o n.º 1503201910000676 - cfr. documento constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 422 a 447 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido e não foi impugnado;

j) Datado de 18/10/2019, o documento designado «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS», com o n.º 2019 5005670505, relativa ao acerto de contas n.º 2019 00022943073, emitida com o «ID. FISCAL 1……..», e ao «PERIODO RENDIMENTOS 2015-01-01 a 2015-12-31», consta o «VALOR A REEMBOLSAR € 32.549,16» e, além do mais, o seguinte:

«Fica notificado(a) da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos acima identificados, conforme nota demonstrativa junta.» - cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial, de fls. 46 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

k) Em 16/11/2019, a Impugnante rececionou a Demonstração de Liquidação de IRS, com o n.º 2019 5005670505 – facto admitido por acordo – cfr. documento n.º 1, junto com a petição inicial, ponto 3., de fls. 35 do SITAF;

l) Datado de 22/11/2019, o documento designado «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS», com o n.º 2019 500 5722119, emitida com o «ID. FISCAL 123269458», relativa ao «N.º ACERTO DE CONTAS 2019 00024648147» e ao «PERIODO RENDIMENTOS 2014-01-01 a 2014-12-31», consta o «VALOR A PAGAR € 256,80» e, além do mais, o seguinte:

«Fundamentação

A liquidação efetuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetido a V. Exa. a respetiva fundamentação.

Notificação

Fica V. Exa. notificado(a) da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos acima identificados – conforme nota demonstrativa – resultante da execução da decisão proferida no processo de Reclamação Graciosa com o n.º 1503201604005210.» - cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial, de fls. 42 a 44 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

m) Datado de 27/11/2019, do documento designado «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS» consta:

- cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial, de fls. 42 a 44 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

n) Datado de 27/11/2019, do documento designado «DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS», no valor de 25.706,65 euros, com «Data limite de pagamento 2020-01-14», consta, além do mais, o seguinte:

- cfr. documento n.º 3, junto com a petição inicial, de fls. 45 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

o) Em 16/12/2019, a Impugnante rececionou a Demonstração de Liquidação de IRS, com o n.º 2019 5005722119 – facto admitido por acordo – cfr. documento n.º 1, junto com a petição inicial, ponto 1., de fls. 32 do SITAF;

p) Datado de 13/02/2020, do documento designado «CERTIDÃO DE DÍVIDA» consta, além do mais, o seguinte:

- cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial, de fls. 42 a 44 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

q) Em 05/03/2020, a Impugnante remeteu aos «Serviços Centrais da A.T. Alameda dos Oceanos na 55 Edifício Sul 1998-027 Lisboa», por correio postal, sob o registo n.º RH513985537PT, documento, do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Assunto: NIF: 1………. - Reclamação da cobrança coerciva e pedido de suspensão da mesma com base na reclamação às Liquidações oficiosas - IRS 2014 e 2015 - Acertos de contas 2019 00024648147 - nr doc. 2019 0009657119 - período -1/1/14 a 31/12/14. - e citação nr processo 1503202001041746. Notificação a 16/11/19 e 16/12/19 respetivamente e citação em 24/02/20.

Reclamação demonstração liquidação período -1/1/15 a 31/12/15 - nr acerto de contas 2019 00022943073. Reclamação da cobrança coerciva e pedido de suspensão da mesma.

(…)

Sou pela presente a pedir a suspensação/anulação da cobrança coerciva com base na seguinte reclamação graciosa que consta deste documento, dentro do prazo legal de reclamação, relativamente às liquidações/acertos de contas e citação de cobrança coerciva, acima identificados.

(…)

Mesmo sem a certidão de fundamentos que pedi e não me deram, reclamo:

1. Os acertos de contas e demonstração de liquidação de IRS 2014 entregue pela AT, via CTT em - 28/11/19 - notificação de 16/12/19, cobranças de IRS 2014 e juros - ambos extemporâneos - prazo de caducidade e de prescrição expirado - fundamentação abaixo.

2. A demonstração de liquidação de IRS e de liquidação de juros - acerto de contas com o nr compensação 201 00024648147, ID documento - 201900009657119 que originaram uma citação em 24/02/20 - nr do processo 1503202001041746 - que consequentemente se requer desde iá a sua suspensão/anulacão por não ter suporte legal.

(…)

As demonstrações acima foram-me entregues pela AT, Via CTT em 28/11/19, notificação de 16/12/19, e a citação de cobrança coerciva em 24/02/20, contudo referem-se a cobrança do valor do reembolso do IRS original de 2014, (…)

Expirados os 4 anos da declaração original de 2014 e do próprio reembolso, reclama-se:

1. Por ilegitimidade a cobrança do reembolso efectuado, respeitante a IRS 2014, pela AT, depois de 4 anos (expirou a 1/01/2019], (…)

2. Além do mencionado no ponto 1. e cumprindo o CIRS, os rendimentos deviam ter sido repartidos entre os anos de 2014 e 2015 e em ambas as liquidações, a imputar a anos anteriores, pois - 2014 e 2015 foram os anos do recebimento e do transito em julgado, respetivamente - nenhum deles foi ano em que os rendimentos tenham sido produzidos, o que foi evidenciado na graciosa que entreguei em 06/16, e toda a documentação legal que a suporta.

(…)

5. Reclamo também quaisquer outras alterações à liquidação de IRS 2015, que não sejam o deferimento do meu pedido, visto que, como cumpre assinalar, o marco temporal do facto tributário além de constituir a relação jurídica tributária e de assinalar o momento da génese da obrigação tributária tem ainda influência na contagem dos prazos de prescrição da obrigação tributária e de caducidade do direito à liquidação do tributo.

(…)

Em suma, com esta fundamentação, ficam assim reclamadas todas as liquidações e demonstrações de IRS 2014 - depois de 1/01/19 - por: 1. extinto o prazo de caducidade e de prescrição, ou seja, tanto:

A. A demonstração de liquidação IRS 2014 entregue via CTT em 28/11/19 - notificação a 16/12/19, de onde resulta um valor a pagar de € 256,80 (*) detalhe de reclamação abaixo],

B. Bem como a demonstração de liquidação de juros oficiosa - entregue via CTT em 28/11/19, notificação 16/12/19, no valor de €3.349,18 - juros compensatórios (9/02/16 a 13/11/19) - como em 2. suportado, ilegítima: 1. não tem fundamento legal, 2. Fora do prazo de caducidade e prescrição - expirou.

C. Bem como a demonstração de acerto de contas extemporâneo (Via CTT 28/11/19 - notificação a 16/12/19) - fora do prazo, pela AT resultando num valor total de €25.449,85 + (€3.092,38 - €3.349,18 = €256,80) => €25.706,65. - remetendo para cobrança coerciva com o Valor total de €25.934.14 (incluindo juros de mora e custas) D. Cobrança Coerciva - Valor total de €25.934,14 (incluindo juros de mora e custas)- notificação depois de 24/02/20 - por: 1. fora do prazo; 2. Cobrança indevida - reembolso de €25.449,85 - IRS 2014 - que foi devido; juros compensatórios sem suporte legal; restantes juros e custas consequentemente também sem suporte legal. Por o valor legitimo a reembolsar pela AT ser superior a esse e se encontrarem divergências nas liquidações oficiosas de 2014 e 2015.

3. Em relação a IRS 2015 - a liquidação de 29/10/19, notificada a 16/11/19, ainda apresenta incorrecções que foram por mim recorridas hierquicamente, contudo reclamo novamente como é de de meu direito, que o prazo também já expirou em 1/01/20 para posteriores liquidações.

4. As minhas divergências a reclamar evidenciadas na liquidação oficiosa de 2015 são as seguintes, onde descrimino abaixo os valores correctos. As restantes divergências omissas, decorrem e sucedem-se da/à aplicação das devidas taxas e consequentes cálculos;

2015

imputação a anos anteriores (7+1) = 8 anos

1. rendimento Global - 136 447,84

2. deduções especificas - 15 281,94

19. deduções à coleta 2 500,00

24. Retenções na fonte 70 259,80

26. Juros de retenção de poupança a contabilizar desde 2014 até 29/10/19

27. Sobretaxa retida na fonte 2771,69

28. Juros compensatórios - desde 2014 até integral pagamento

As liquidações efetuadas correctamente, (dentro do prazo de 4 anos) resultariam:

2014- ISENÇÃO IRS segundo Art.º 58.º CIRS

2015 - Reembolso superior a € 52.000 (…)» – cfr. documento n.º 1, junto com a petição inicial, de fls. 32 a 39 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

r) Datado de 06/03/2020, do documento designado «aviso de receção» referente ao correio postal sob o registo n.º RH513985537PT, consta, além do mais, o seguinte:

«Recebido» na «Direção de Finanças de Lisboa Divisão de Apoio Técnico e Serviços» – cfr. aviso de receção junto com o documento n.º 1, junto com a petição inicial, de fls. 32 a 39 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

s) Em 06/10/2020, a petição inicial deu entrada neste Tribunal, via SITAF - cfr. registo do SITAF;

t) Em 19/10/2020, no âmbito do recurso hierárquico sob o n.º 1503201910000676, a Chefe de Divisão proferiu o seguinte despacho:

«Concordo, pelo que, nos termos e com os fundamentos expostos, rejeito liminarmente o pedido.» - cfr. documento constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 422 a 447 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido e não foi impugnado;

u) O despacho referido no ponto anterior foi proferido na sequência da Informação P.DSIRS 4488.19, da qual consta, além do mais, o seguinte:

«(…)

A exposição em questão, na qual a requerente identifica o NIF e sob o nome de M…, mostra-se em crise relativamente ao não cumprimento dos requisitos mínimos previstos no CPA, para a sua não aceitação como recurso hierárquico, razão pela qual é a contribuinte notificada pelo of.° 2342 de 09.03.2020 - com registo ctt RF432890352PT, no sentido de serem suprimidas as irregularidades patentes na exposição interposta por forma a que a factualidade descrita pudesse ser objeto de análise e posterior decisão em cumprimento do disposto no art.° 108, n° 1 CPA, sendo que no oficio em questão foi informado que a não supressão das questões de legitimidade e irregularidades processuais á luz do disposto nos art.° 102 e segts do CPA sob pena de rejeição liminar do pedido.

Não obstante a receção do oficio tenha sido concretizada em 10.03.2020, conforme informação dos CTT relativa ao registo identificado supra, a contribuinte não veio até ao presente junto da Administração Tributária qualquer diligência no sentido de promover as correções identificadas pelos serviços por forma a poder ser o pedido apreciado (…)» - cfr. Informação constante do Processo Administrativo Instrutor, de fls. 422 a 447 do SITAF, a qual se dá por integralmente reproduzida, e não foi impugnada”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286..

Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação dos factos m), n) e p), transcritos em II.A:

m) Foi emitido documento, datado de 27/11/2019, designado «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS», do qual consta designadamente o seguinte:

«Imagem no original»

- cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial, de fls. 42 a 44 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

n) Foi emitido documento, datado de 27/11/2019, designado «DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS», no valor de 25.706,65 euros, com «Data limite de pagamento 2020-01-14», do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Imagem no original»

- cfr. documento n.º 3, junto com a petição inicial, de fls. 45 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado;

p) Foi emitido documento, datado de 13/02/2020, designado «CERTIDÃO DE DÍVIDA», do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Imagem no original»

- cfr. documento n.º 2, junto com a petição inicial, de fls. 42 a 44 do SITAF, o qual se dá por integralmente reproduzido, e não foi impugnado

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no tocante à matéria de exceção julgada procedente, na medida em que a presente impugnação é tempestiva.

Vejamos então.

Cumpre, antes de mais, atentar na factualidade relevante, in casu, a saber:

a) Foram emitidas, em nome da Recorrente, duas liquidações de IRS, relativas aos anos de 2014 e 2015;

b) A liquidação atinente ao ano de 2014 foi emitida a 06.01.2016;

c) A 13.06.2016, da liquidação em causa foi remetida, pela ora Recorrente, reclamação graciosa (RG);

d) A 22.07.2019, foi proferida decisão na RG em causa, de procedência parcial da pretensão;

e) A 07.08.2019, a Recorrente foi notificada da mencionada decisão;

f) A 05.09.2019, a Recorrente apresentou recurso hierárquico da decisão proferida em sede de reclamação graciosa;

g) Em 22.11.2019, foi emitida liquidação, onde se refere que a mesma reflete a decisão proferida em sede de reclamação graciosa;

h) A 19.10.2020, já na pendência da presente impugnação, o recurso hierárquico foi rejeitado liminarmente;

i) A liquidação de IRS atinente ao ano de 2015 foi emitida pela administração tributária (AT) em outubro de 2019, tendo sido recebida a respetiva demonstração pela Recorrente a 16.11.2019;

j) A 05.03.2020, a Recorrente apresentou, junto dos serviços da AT, documento, designado de reclamação graciosa, abrangendo as liquidações 2019 500 5722119 [referida em l)] e 2019 5005670505 [referida em j) e k)].

Vejamos então.

Antes de mais, refira-se que, de forma inequívoca, a Recorrente, nos seus articulados (quer na petição inicial, que em sede de resposta à matéria de exceção constante da contestação), fez saber aos autos que o ato impugnado imediato que pretende atacar é o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou a 05.03.2020 e que visou as liquidações 2019 500 5722119 [referida em l)] e 2019 5005670505 [referida em j)], explanando, expressamente, que não é objeto do mesmo a reclamação graciosa apresentada em julho de 2019 nem o procedimento subsequente.

Assim, refere-se na petição inicial:

“[V]em, ao abrigo do disposto no n.º 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar

IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

Do ato de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa (documento n.º 1) apresentada pela Impugnante contra:

- a liquidação adicional n.º 2019 5005722119 (Documento n.º 2), referente ao ano de 2014, conjugada com a demonstração de acerto de contas com o n.º de identificação 2019 00009657119 e de compensação n.º 2019 00024648147 (Documento n.º 3), da qual resultou um IRS a pagar de €25.706,65;

- e da liquidação n.º 2019 5005670505, de 2019-10-18 (Documento n.º 4), referente a 2015, da qual resultou um reembolso de €32.549,16.

(…)

TERMOS EM QUE,

Deve a presente impugnação proceder, por provada, sendo os atos tributários de liquidação adicional n.º 2019 5005722119, referente ao ano de 2014, conjugada com a demonstração de acerto de contas com o n.º de identificação 2019 00009657119 e de compensação n.º 2019 00024648147 e, bem assim da liquidação n.º 2019 5005670505, referente a 2015 ser anuladas, com todas as legais consequências”.

No articulado de resposta à matéria de exceção, refere a Impugnante:

5.

De facto, a Impugnante apresentou uma Reclamação Graciosa em Julho de 2019, porém, o objecto do presente processo não versa sobre esse acto tributário.

6.

Tal como indicado na petição inicial apresentada, o acto tributário cuja anulação se pretende é o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa, apresentada em 4 de Março de 2020, que veio contestar administrativamente os actos acima identificados referentes ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2014 e 2015.

7.

Ou seja, a Impugnante apresentou duas Reclamações Graciosas, uma em Julho de 2019 – que não é objecto do presente processo – e outra em 5 de Março de 2020, que têm objectos diferentes.

8.

Nestes termos, o que a Impugnante procura na presente Impugnação é a pronúncia sobre a legalidade do ato tributário identificado, bem como das respectivas liquidações nele contestadas.

9.

No caso vertente, verifica-se que a impugnante apresentou, em 5 de Março de 2020 (cujo comprovativo de entrega se juntou como Documento n.º 1), Reclamação Graciosa das liquidações supra identificadas e respetivo acerto de contas – (cfr. Documentos n.º 2 a 4 juntos à petição inicial), portanto, dentro dos prazos legais de reclamação das liquidações (para o ano de 2014, contado da data limite do pagamento voluntário – 2020-01-14 e para o ano de 2015, contado da data da notificação da liquidação, ocorrida em 2019-11-13)”.

Este é o primeiro ponto de partida a considerar, sendo, pois, irrelevante, para a apreciação da questão em causa, tudo o que respeite a procedimentos anteriores relativos à primeira liquidação de IRS de 2014 emitida.

Portanto, o que cumpre aferir é se, face à reclamação graciosa apresentada em 2020, que não foi objeto de decisão expressa, a impugnação é ou não tempestiva.

O Tribunal a quo, a este respeito, refere em síntese:

a) Em relação à liquidação 2019 500 5722119, não se pode considerar que tal documento é uma reclamação graciosa, apreciando a tempestividade da impugnação por referência à RG apresentada em 2016;

b) Em relação à liquidação 2019 5005670505, notificada a 16.11.2019, a sua impugnação direta já caducara e, ademais, a própria reclamação graciosa era intempestiva.

Não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, com o alcance que o mesmo lhe retira, para efeitos de apreciação do pressuposto da tempestividade da impugnação.

Explicitemos.

Bem ou mal, não cumpre ora apreciar, a Recorrente apresentou uma reclamação graciosa de duas liquidações emitidas em 2019, sobre a qual se formou uma presunção de indeferimento tácito.

Ora, o indeferimento tácito implica que se considere haver uma apreciação tácita da pretensão formulada pelo administrado.

Assim, e não obstante, é certo, a Recorrente, no requerimento mencionado em q), falar em reclamação da cobrança coerciva (terminologia prima facie desadequada para quem visa atacar a legalidade das liquidações), do seu teor decorre expressamente que a sua pretensão é reclamar graciosamente das mencionadas liquidações, imputando-lhes ilegalidades.

Se o alegado pela Recorrente na reclamação graciosa apresentada em 2020 tem ou não a viabilidade pretendida, trata-se de questão atinente ao respetivo mérito, designadamente no que toca à potencial inimpugnabilidade do ato ou dos atos reclamados, que, a considerar-se verificada, implica sempre audição das partes a esse respeito.

No caso, o que o Tribunal a quo fez foi descurar os termos em que deve ser interpretado o alcance do indeferimento tácito de um requerimento de reclamação graciosa e analisar os termos da caducidade do direito de ação, considerando, para 2014, um procedimento relativo a outra liquidação que a Recorrente expressamente mencionara não ser o objeto da sua pretensão e, para 2015, considerando uma intempestividade da própria reclamação graciosa.

Ora, como referimos, todo o procedimento relativo à primeira liquidação emitida para o ano de 2014 é alheio aos presentes autos, como claramente a Recorrente expressou.

Daí que, também por este motivo, seja irrelevante o alegado pela Recorrente em torno do recurso hierárquico, dado o seu objeto mediato ser uma outra liquidação, que, expressa e inequivocamente, a Recorrente refere não ser objeto da presente impugnação (cfr. requerimento de resposta à matéria de exceção).

Por outro lado, quanto à pertinência de uma eventual intempestividade de reclamação graciosa, a mesma reflete-se não em termos de aferição da caducidade do direito de impugnar, mas sim consubstanciando fundamento de eventual improcedência.

Diz-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.05.2017 (Processo: 01490/15):

“[A] matéria de facto provada na decisão recorrida resulta, de forma inequívoca, que a impugnante deduziu reclamação graciosa (…) contra o acto de liquidação (…).

Ora, não tendo a reclamação sido decidida no prazo de seis meses [à época], formou-se acto tácito de indeferimento que possibilitou a dedução de impugnação judicial, a apresentar no prazo de 90 dias [à época] contados do momento em que tal acto de indeferimento ocorreu, tudo em conformidade com o disposto nos nsº 1 e 5 do art. 57º da LGT e do art. 102º, nº 1, alínea d), do CPPT (na redacção vigente à data). E uma vez que dentro desse prazo, (…) a impugnante deduziu a presente impugnação judicial, não há como deixar de concluir pelo desacerto do julgado, não tendo ocorrido a caducidade do direito de impugnar.

Com efeito, sempre que o contribuinte opte por deduzir reclamação graciosa contra o acto de liquidação, o prazo para o impugnar judicialmente deixa de se contar da data limite para pagamento voluntário do tributo, passando a relevar a data do indeferimento (expresso ou silente) dessa reclamação - cfr., entre outros, o acórdão do STA de 12/10/2011, no processo nº 0449/11.

(…) [A] eventual intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo, a verificar-se, à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do acto (neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 2/04/2009, no processo nº 0125/09). É que, no caso de o acto já se ter firmado na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos que a lei coloca à disposição do interessado, não pode este recuperar a oportunidade perdida, retirando da dedução de uma reclamação graciosa intempestiva consequências que a estabilidade do acto sindicado já não consente.

Logo, a concluir-se pela extemporaneidade da reclamação graciosa, a posterior impugnação judicial não deve ser julgada extemporânea mas terá de improceder por inimpugnabilidade do acto e não por caducidade do direito de impugnar judicialmente como incorrectamente se julgou na decisão recorrida.(…).[v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.05.2017 (Processo: 01609/13)].

Reiteramos:

a) Foi apresentado um requerimento, designado de reclamação graciosa, pela Impugnante;

b) Sobre o mesmo não foi proferida decisão expressa;

c) O indeferimento tácito pressupõe uma decisão tácita sobre a reclamação;

d) A tempestividade da impugnação deve ser aferida considerando a data da formação de tal ficção (isto independentemente do mérito subjacente à reclamação graciosa apresentada).

Se a reclamação graciosa apresentada em 2020 não tem viabilidade ou não conduz ao resultado que a Recorrente pretende trata-se de questão que tem a ver com o mérito da sua pretensão, mas não com a tempestividade do presente meio processual.

Em suma: tendo sido apresentada reclamação graciosa das liquidações mencionadas supra e tendo-se formado indeferimento tácito, que implica a presunção de um indeferimento da pretensão requerida, há que atentar a esse valor do indeferimento tácito, que lhe é conferido pelo art.º 102.º, n.º 1, al. d). do CPPT.

Considerando esta disposição legal, o prazo de impugnação conta-se a partir da formação do tal indeferimento tácito e é de três meses.

O prazo para formação do indeferimento tácito é de 4 meses, contados de forma contínua e a partir da entrada da petição do contribuinte nos serviços competentes, nos termos do disposto no art.º 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, não sendo aqui de considerar as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, dado que a suspensão da contagem para a prática de atos pela AT não se suspendeu, apenas se suspendendo a contagem para a prática de atos pelos particulares [cfr. art.º 7.º, n.º 6, al. c), e n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março].

Como tal, o indeferimento tácito formou-se a 05.07.2020, pelo que a apresentação da impugnação judicial, a 06.10.2020, é tempestiva, atento o disposto no art.º 102.º, n.º 1, al. d) do CPPT e no art.º 279.º, al. e), do Código Civil.

Logo, assiste razão à Recorrente, devendo a sentença ser revogada e retornar os autos à primeira instância para apreciar as demais questões suscitadas e/ou as que entenda pertinente suscitar a título oficioso, se a tal nada obstar.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

b) Determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo, para apreciar as demais questões suscitadas e/ou as que entenda pertinente suscitar a título oficioso, se a tal nada obstar;

c) Sem custas;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 22 de junho de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)