Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:42/18.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO - TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:É geradora de nulidade a falta de indicação separada da matéria de facto não provada da matéria de facto provada e das respectivas fundamentações.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
1.1. As partes
C.........., S.A., inconformada com a decisão do Tribunal Arbitral, proferida no Processo n° 343/2017-T CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral que apresentou contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, veio interpor a presente impugnação jurisdicional
*
1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª Na sequência do procedimento de inspecção tributaria que teve inicio com as ordens de serviço 0120160.... e 0120160...., referente aos exercícios de 2013 e 2014, a ora Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributaria no qual constam (com referência ao exercício de 2013) correcções de Índole aritmética matéria colectável da Impugnante, em cede de IRC, no montante de 734.464,96€.
2.ª Nos termos constantes do relatório de inspecção, as correcções propostas pela Autoridade Tributária, no montante global supra indicado, tiveram por base as duas seguintes situações:
a. Não dedutibilidade de gastos, relacionados com encargos financeiros suportados pela Impugnante;
b. Variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido do exercício.
3.ª Da análise ao relatório de inspecção (páginas 13 e 14) constam os seguintes factos, determinantes da não aceitação, por parte da AT, da dedutibilidade dos gastos de financiamento suportados pela ora Impugnante:
"No caso concreto, verifica-se que a sociedade incorporante, a C........., S.A., N/PC 510 .........., suportou encargos financeiros relativos ao empréstimo que assumiu (empréstimo este contraído pela sociedade incorporada, a C........., S.A. NIPC 509.........), o qual não se destinou a exploração da sociedade incorporada, mas antes a realização de financiamentos gratuitos a sua subsidiária, C.......... SGPS, S.A. (sublinhado e negrito nosso)
Em face do referido, não se vislumbrou pois, ate 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (sublinhado e negrito nosso)
Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem na incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto.
A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos a sua subsidiária, os quais se encontram relevados contabilisticamente na conta 79.. — Ganhos de financiamento concedido a subsidiarias (...) Por essa razão, não sendo propostas correcções ao exercício de 2014." (sublinhado e negrito nosso)
4.ª Mantendo exactamente a mesma linha de argumentação, na resposta apresentada pela AT no pedido arbitral, podemos ler (páginas 10 e 11):
"Assim, em face do disposto no Art. 23.9 do C/RC, conclui-se pois que apenas podendo ser aceites fiscalmente os juros de capitais alheios aplicados na exploração da empresa, e que sejam naturalmente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto.
No caso concreto, verifica-se que a sociedade incorporante, a C........., S.A., NIPC 510 ........., suportou encargos financeiros relativos ao empréstimo que assumiu (empréstimo este contraído pela sociedade incorporada, a C........., S.A. NIPC 509 .........), o qual não se destinou a exploração da sociedade incorporada, mas antes a realização de financiamentos gratuitos a sua subsidiaria, C......... SGPS, S.A.
Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante, pelo facto de a primeira se ter endividado perante a banca (divida assumida posteriormente pela sociedade incorporante) e suportado (incorporante e incorporada) avultados encargos financeiros.
Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem no incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto."
5.ª Da análise aos excertos supra transcritos, quer do relatório de inspecção tributaria quer da resposta deduzida pela AT no âmbito do pedido arbitral, resulta manifestamente claro que o motivo que esteve na base das correcções efectuadas pela AT a matéria colectável da ora Impugnante assenta, unicamente, no alegado caracter gratuito (no entender da administração fiscal) dos financiamentos concedidos pela sociedade a sua participada.
6.ª Partido desta premissa, entendeu a AT que tais financiamentos (por serem gratuitos) não contribuíram para a realização de rendimentos sujeitos a imposto (ate 31.12.2013), motivo pelo qual lhes foi negada a dedutibilidade fiscal, a luz do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção em vigor ate 31/12/2013.
7.ª Esta posição da Administração fiscal é, alias, corroborada pela aceitação fiscal dos gastos suportados com o mesmo financiamento a partir de 01.01.2014, data em que a sociedade financiadora passou a cobrar juros a sua participada (em virtude de ter cessado o período de carência previsto no financiamento concedido).
8.ª No dia 12 de Março de 2010 a sociedade C.........., S.A, com o NIPC 509 ......... celebrou com o Banco .......... S.A (B...) um contrato de financiamento, nos termos do qual o B.......... lhe emprestou o montante de 6.000.000,00€ (seis milhões de euros), o qual se destinou a ser integralmente utilizado no pagamento das responsabilidades de uma sociedade do Grupo, detida a 100% pela mutuária (por via de um contrato de suprimentos).
9.ª No final do ano de 2013, na sequência de uma operação de fusão por incorporação, a totalidade dos activos e passivos, direitos e obrigações da sociedade matéria foram transferidos para a esfera da ora Impugnante com efeitos retroactivos a data de 05.04.2013, o que determinou que a divida inicialmente contraída pela sociedade incorporada passou a estar contabilizada na esfera da sociedade incorporante, ora Impugnante.
10.ª Nos termos do contrato de suprimentos, as partes acordaram que o capital mutuado teria um período de carência de juros ate 31 de Dezembro de 2013, ou seja de dois anos, findo o qual seria remunerado a uma taxa de juro equivalente taxa "Euribor" a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais.
11.ª Com base no exposto, e tendo em conta a fundamentação da AT, constante do relatório de inspecção, para a não aceitação fiscal dos gastos de financiamento, o foco da ora Impugnante foi o rebater o referido fundamento, demonstrando que, ao contrario do entendido pela AT, o financiamento em questão não era gratuito mas sim de oneroso.
12.ª A este propósito, pode-se ler no pedido de pronúncia arbitral:
Com efeito, nos termos do disposto na clausula 2.º do contrato de suprimentos, com a epigrafe de "remuneração" resulta que:
"O capital mutuado terá um período de carência de juros ate 31 de Dezembro de 2013.
Apos o período de carência inicial, o capital mutuado será remunerado a uma taxa de juro equivalente a taxa "Euribor" a 6 (seis) meses, acrescida de 5,00 (cinco) pontos percentuais, juros estes que serão capitalizados até a data do respectivo pagamento e do reembolso do suprimento ou até à sua eventual conversão (...)."
Donde resulta que as quantias emprestadas a sociedade C.......... SGPS tinham (e tem) caracter oneroso, estando contratualmente previsto um período inicial de carência, após o qual o capital mutuado vence juros a taxa acordada.
Juros esses que, a partir de 1 de Janeiro de 2014, começaram a ser cobrados sociedade subsidiária, conforme a própria AT constatou no âmbito da acção inspectiva realizada: "A partir de 01.01.2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos a sua subsidiária, os quais se encontram relevados contabilisticamente na conta 79.. — Ganhos de financiamento concedido a subsidiárias, sendo que o valor contabilizado no exercício de 2014 totalizou 208.300,70€." (pagina 12 do projecto de relatório de inspecção tributaria).
Ora, o facto de, no âmbito do contrato de suprimentos celebrado, as partes terem estipulado um período de carência de juros inicial nunca poderá ser interpretado como uma qualquer forma de conceder um financiamento de forma gratuita, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributaria.
Desde logo porque a carência no pagamento de juros, durante um determinado período de tempo, teve impacto na taxa de juro contratada para os períodos posteriores, que foi agravada por forma a reflectir os juros que não foram recebidos pela entidade mutuante durante o referido período de carência.
Alias, regra geral, quanto major for o período de carência major será o agravamento dos juros a pagar posteriormente pela entidade mutuaria que acabara, no global por pagar, pelo menos, o mesmo montante de juros que pagaria na ausência da estipulação de um período de carência mas desta feita condensados num período de tempo mais curto.
Por outro lado, note-se que a previsão deste período de carência esta totalmente em consonância com a fragilidade do situação financeira do entidade mutuária, a qual foi determinante da necessidade de esta se financiar através da sociedade sua accionista.
Donde resulta que, os custos contabilizados pela Requerente com os juros suportados na sequência do empréstimo bancário identificado em cima, não podem deixar de ser considerados como dedutíveis para efeitos fiscais por serem indispensáveis a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, ou seja, os juros cobrados pela Requerente a sociedade mutuaria.
13.ª Assim, em suma, parece-nos manifestamente claro que o facto em discussão e que esteve na base da divergência de posições entre a AT a Impugnante, determinando pedido de constituição de tribunal arbitral, era a natureza gratuita/onerosa do contrato de suprimentos em questão.
14.ª Com efeito, não obstante a Impugnante não ser indiferente às inúmeras questões interpretativas que o artigo 23.9 do CIRC pode suscitar e que tem estado na base de consideráveis litígios entre os contribuintes e a administração fiscal, entendeu a Impugnante não ser necessário, neste caso, enveredar por grandes considerações a tal respeito já que, no caso concreto, o único facto em discussão era o de saber se tal financiamento era gratuito ou oneroso. Apenas desta qualificação dependia, na óptica da AT, a aceitação, ou não, da dedutibilidade dos gastos de financiamento.
15.ª No que a esta matéria diz respeito, podemos ler na decisão arbitral (página 14): "O Tribunal reconhece a natureza onerosa do contrato celebrado pela sua incorporada com a C......... SGPS e que originaram os encargos suportados pela Requerente. Esta natureza ficou provada nos autos e para a relevância da mesma a Requerente procedeu a ampla citação jurisprudencial."(sublinhado nosso)
16.ª Ora, analisando o excerto da decisão arbitral supra transcrito a luz dos factos constantes quer do relatório de inspecção tributária, que fundamenta o acto de liquidação em crise, quer do pedido arbitral e respectiva resposta apresentada pela AT, seriamos forçados a concluir pela procedência (pelo menos no que a esta parte diz respeito) do pedido arbitral apresentado pela ora Impugnante.
17.ª Com efeito, ao considerar como provada a natureza onerosa do contrato de suprimentos, o Tribunal Arbitral teria forçosamente que ter concluído pela procedência, no que a este ponto diz respeito, do pedido arbitral o que determinaria a anulação, ainda que parcial, da liquidação efectuada pela AT. Repita-se que, o único diferendo entre a AT e a Impugnante e que foi colocado à apreciação do tribunal arbitral prendia-se exactamente com a questão de saber se contrato de suprimentos tinha natureza gratuita ou onerosa, uma vez que desta conclusão dependia a respectiva aceitação fiscal.
18.ª Sucede que o Tribunal Arbitral não se limitou a analisar e decidir a questão que lhe foi colocada, motivo pelo qual se considera ter violado o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.
19.ª Com efeito, se prosseguirmos na análise da decisão arbitral, concluímos que o motivo pelo qual o tribunal indeferiu a pretensão da Impugnante, se prende com o facto de o tribunal ter entendido não ter ficado provada a "imprescindibilidade do contrato para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, requisito igualmente necessário para a valoração da dedutibilidade, conforme o disposto no identificado art. 23.º, n.º 1, c) do CIRC."
20.ª "Embora haja que admitir — como unanimemente o tem feito a jurisprudência dos Tribunais Administrativos Superiores — que a atribuição de imprescindibilidade não contém uma natureza unívoca, antes tem de ser verificada casuisticamente, o certo e que no caso em apreciação nos autos o tribunal entende, que ela não se verifica face ao objecto social do Requerente (prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; prestação de serviços de consultoria a criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas, prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte as operações e ao negócio, e compra, exploração, promoção, oneração e venda de imoveis) não se estando perante um encargo imprescindível, quer para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, quer para a manutenção da fonte produtora."
21.ª Com base no disposto no artigo 28.º n.º 1 alínea c) do RJAT, constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral a pronúncia indevida, conceito este que, embora potencialmente mais abrangente, encontra também expressão na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC) e no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
22.ª A propósito do artigo 660.º n.º 2 do CPC, Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 125.º do CPPT refere que "O que se proíbe naquele art. 660º, n.º 2, do CPC e que se conheça de «questões» não suscitadas. Não se deve confundir «questões» com «argumentos». Quanto a argumentos o tribunal não esta limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar as questões que tenham sido suscitadas" (sublinhado nosso)
23.ª Analisando a decisão arbitral e todas as fases que precederam a mesma, concluímos que, em momento algum, quer da fase procedimental quer da fase processual, a AT colocou em causa que os gastos cuja dedutibilidade a ora Impugnante reclamou, não fossem imprescindíveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Aliás, tais requisitos foram considerados provados pela AT que, se assim não fosse, nunca teria aceite a dedutibilidade dos mesmos a partir de 01.01.2014.
24.ª Assim, a única questão em discussão e sobre a qual, AT e Impugnante estavam em desacordo, era a de saber se o contrato de suprimentos, que motivou o financiamento bancário contraído pela Impugnante, era gratuito ou oneroso. Até ao momento em que não foram pagos juros, devido ao período de carência previsto no contrato, a AT entendeu estarmos perante um contrato gratuito e, por oposição, a partir do momento em que terminou o referido período de carência e começaram a ser pagos juros, a AT entendeu estarmos perante um contrato oneroso, susceptível de contribuir para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto e, por esse motivo, aceitou a dedutibilidade fiscal dos custos inerentes ao mesmo.
25.ª Saliente-se que, num contencioso de mera anulação como é o caso das impugnações judiciais/pedidos arbitrais, é com base na fundamentação que consta do acto de liquidação (neste caso vertida no relatório de inspecção) que deve ser apreciada a legalidade do mesmo, não podendo o tribunal vir a decidir pela procedência/improcedência da acção com base em questões não colocadas à sua apreciação.
26.ª Nos ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa "haverá também excesso de pronúncia se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto a causa de pedir, violando a regra da identidade da causa de pedir julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vicio não invocado." (anotação ao artigo 125.º do CPPT, pagina 366, Volume II, 6.ª edição).
27.ª Ao decidir da forma exposta, o tribunal arbitral pronunciou-se sobre questões que, por não estarem em litígio, estavam fora do âmbito dos poderes de cognição do tribunal arbitral, estando por este motivo a decisão arbitral afectada por vício de pronúncia indevida, o que devera determinar a sua anulação.
28.ª Sem prejuízo do exposto, nos termos do previsto na alínea a) do artigo 16.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria (RJAT): «Constituem princípios do processo arbitral: a) o contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida as partes de se pronunciarem sabre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo».
29.ª A relevância conferida ao princípio do contraditório enquanto princípio basilar da arbitragem tributaria é ainda reforçada pelo facto de a violação deste constituir um dos escassos fundamentos de impugnação da decisão arbitral, nos termos da alínea d) do artigo 28.º do RJAT.
30.ª Efectivamente, conforme explica Carla Castelo Trindade, em anotação ao artigo 16.º do RJAT, que «Cabe ao tribunal arbitral assegurar que as partes é conferida a possibilidade de se pronunciarem sobre todas as questões de facto ou de direito suscitadas no processo que poderão, obviamente, influenciar a decisão final relativamente a questão controvertida. Estão protegidos pelo princípio do contraditório quer a Administração Tributaria, quer o contribuinte, sendo que, no decorrer do processo arbitral dever-lhes-á ser concedido o direito de se pronunciarem, caso entendam conveniente, sobre qualquer questão que, no entender do tribunal, possa vir a influenciar a sua posição na decisão final. (...) A concretização deste principio é especialmente relevante, desde logo se se tiver em consideração que, como se verá, todo o processo arbitral se baseia numa lógica de livre condução do processo e, consequentemente, de grande informalidade. Assim, e independentemente de se tratar de um processo cuja tramitação é definida pelo próprio tribunal, deverá ser sempre assegurado às partes o direito de se pronunciarem sobre todas as questões, assumam elas a natureza de questões de facto ou de questões de direito, sob pena de ser impugnável a decisão arbitral (...)» (cf. Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria Anotado, Almedina, 2016, p. 364).
31.ª Pelo que, ao decidir com base numa questão, relativamente a qual a Impugnante não teve oportunidade de se pronunciar e que nunca foi suscitada por nenhuma das partes, o Tribunal Arbitral violou o princípio do contraditório, previsto nos artigos 16.º do RJAT e 3.º do CPC, padecendo a decisão arbitral do vício de nulidade (cf. n.º 1 do artigo 195.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
32.ª No que diz respeito às variações patrimoniais positivas, reproduzimos o entendimento da Autoridade Tributaria vertido no relatório de inspecção:
"Em contrapartida, dado o diferencial verificado entre o valor efectivamente pago pela empresa, 1.029.999,00€ e o montante total dos créditos, 1.651.667,00€ foram creditadas, para além da conta 1.. — Depósitos a Ordem, as seguintes contas:
conta 78.. — Outros rendimentos e ganhos, a qual consubstancia um ganho para a empresa pelo facto de esta não ter pago ao accionista o crédito por ele detido na sociedade, sob a forma de suprimentos;
conta 5.. — Outras variações patrimoniais, a qual consubstancia uma variação patrimonial positiva, no montante de 521.668,00€, pelo facto de a empresa ter pago ao accionista o montante de 1.029.999,00€ por créditos por ele detidos, sob a forma de prestações suplementares (como tal contabilizada numa conta da classe 5 — Capitais), no montante total de 1.551.667,00€.
Em face do referido, fica claramente evidenciado que ambas as operações consubstanciam um ganho efectivo para a empresa;
Não obstante, apenas a operação relativa aos suprimentos influenciou de forma positiva o resultado fiscal apurado no exercício, dada a sua contabilização na conta 78.. — outros rendimentos e ganhos;
De facto, o diferencial de 521.668,00€ verificado entre o montante pago ao accionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado correctamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido. (sublinhado nosso)
Da situação em análise resulta pois um efectivo incremento do património da empresa, no montante de 521.668,00€, não sendo aplicável a mesma qualquer das excepções à tributação previstas nas alíneas a) a c) do artigo 21.º do CIRC."
33.ª Esta linha de linha argumentação encontra-se igualmente vertida, quer na resposta apresentada pela AT no âmbito do pedido arbitral quer nas suas alegacões finais.
34.ª Da análise aos excertos supra transcritos, resulta evidente que o motivo que esteve na base das correcções efectuadas pela AT se prende com o entendimento segundo o qual a variag.ao patrimonial positiva registada pela Impugnante não se encontra excluída de tributação à luz do artigo 21.º do CIRC.
35.ª No dia 12 de Agosto de 2013 foi celebrado um contrato de compra e venda, nos termos do qual a ora Impugnante adquiriu ao sócio D.......... os direitos de crédito, por prestações acessórias e suprimentos, no montante de 1.551.667,00€ e 100.000,00€, respectivamente, que aquele detinha sobre a sociedade C......... (509 .........).
36.ª Como contrapartida dos créditos cedidos, a ora Impugnante pagou ao mencionado sócio a quantia global de 1.029.999,00€ (um milhão e vinte e nove mil novecentos e noventa e nove euros), montante inferior ao valor nominal dos créditos cedidos (1.651.667,00€).
37.ª Na página 15 do relatório de inspecção consta a seguinte tabela, onde se encontram descriminados os lançamentos contabilísticos realizados pela Impugnante na sequência da operação de aquisição de créditos:
(“texto integral no original; imagem”)


38.ª Se analisarmos os lançamentos supra descritos, a luz dos efeitos retroactivos produzidos pela fusão concluímos que, a data da aquisição dos créditos a ora Impugnante já tinha incorporado a C.......... (509 .........) e, como tal, tudo se passou como se a Impugnante estivesse a adquirir os seus próprios créditos por prestações suplementares e suprimentos o que determinou a extinção destes, por débito das contas 53... e 253..., respectivamente.
39.ª No caso sub judice, estamos perante prestações suplementares que, enquanto instrumentos de capital próprio, se encontram excluídas de tributação de acordo com os termos previstos no artigo transcrito.
40.ª De acordo com a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 27 são considerados instrumentos de capital próprio quaisquer contratos que evidenciem um interesse residual do seu titular nos activos de uma entidade, após a dedução de todos os seus passivos.
41.ª Assim, incluem-se no capital próprio as acções (e quotas) emitidas pela própria sociedade, as prestações suplementares e, devido ao caracter residual desta categoria, quaisquer outros instrumentos financeiros (ou as suas componentes) que não se enquadrem na definição de "passivo financeiro".
42.ª Os instrumentos de capital próprio podem originar variações patrimoniais em várias situações (ex: realização e reembolso de prestações suplementares, ganhos ou perdas na aquisição e alienação de acções próprias) sendo que, regra geral, as mesmas estarão sempre excluídas do lucro tributável ao abrigo do citado artigo.
43.ª Tal como decorre dos excertos das peças processuais supra transcritas, resulta evidente que a questão jurídica relativamente à qual as partes estavam em desacordo e que determinou, num primeiro momento, as correcções a matéria colectável da Impugnante e, num segundo momento, o pedido de constituição de tribunal arbitral, radica unicamente em saber se, a variação patrimonial positiva contabilizada pela Impugnante se encontra, ou não, excluída de tributação à luz do artigo 21.º do CIRC.
44.ª Na página 18 da decisão arbitral podemos ler:
"A AT procedeu a uma correcção ao lucro tributável em virtude de a Requerente ter beneficiado de uma variação patrimonial positiva derivada do pagamento das prestações acessórias de que era titular o accionista D........... Com efeito, este era credor do montante de € 1.551.667,00, mas a Requerente pagou unicamente 1.029.999,00."
"Conforme resulta do contrato de compra e venda que a Requerente fez juntar ao seu pedido de pronúncia arbitral estamos, precisamente, na presença de prestações acessórias e a doutrina é unanime em esclarecer que as prestações acessórias, sendo reembolsáveis, como é o caso, devem ser contabilizadas como passivo e não como capital próprio. Pelo que a contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00, como variações de capital próprio, não está correta e nem sequer estamos em presença de uma VPP não reflectida no RLE e muito menos excluída da tributação."
«É que a obrigação de devolver as prestações acessórias reembolsáveis deverá ser contabilizada numa conta do passivo. A obrigação de restituir é do presente (não futura) e a sua liquidação exigirá uma saída de recursos do património da sociedade. É um ato semelhante ao que ocorre num empréstimo. Não tem efeitos sobre o capital próprio, nem se lhe podendo aplicar a exclusão para efeitos de formação do lucro tributável prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º do CIRC, em que a Requerente assenta a sua pretensão.»
45.ª Analisando a decisão arbitral em paralelo com o conteúdo das peças processuais apresentadas pelas partes, concluímos que a mesma decide a questão da exclusão (ou não) de tributação das variações patrimoniais positivas, com base numa questão que nunca foi colocada em causa pelas partes.
46.ª Com efeito, em momento algum, a contabilização da aquisição de prestações suplementares efectuada pela Impugnante foi alvo de discussão entre as partes, tendo a AT concluído pela sua correcta contabilização como capitais próprios.
47.ª Assim, tal como decorre das peças processuais apresentadas pelas partes — nomeadamente, Pedido de Pronúncia Arbitral, Resposta e Alegacões escritas —, a questão jurídica acometida e discutida em Tribunal pressupôs sempre a qualificação das prestações suplementares como capital próprio (e, como tal, contabilizadas no capital próprio e não no passivo).
48.ª De facto, essa mesma qualificação integra o relatório final de inspecção precedente ao acto tributário posto em crise, integrando a fundamentação do mesmo. Essa qualificação como instrumento de capital próprio nunca foi contestada quer pela Requerente, quer pela Requerida, motivo pelo qual não pode o Tribunal Arbitral proceder à requalificação das prestações suplementares como passivo, uma vez que tal análise está fora dos seus poderes de cognição.
49.ª Note-se que, as prestações acessórias em causa foram sujeitas ao regime das prestações suplementares, tal como que é permitido a luz da legislação societária, situação que a AT constatou à data da realização do procedimento de inspecção, motivo pelo qual, não só não questionou o enquadramento feito pela Impugnante (como capitais próprios) como aliás corroborou o mesmo (pagina 15 da resposta da AT).
50.ª Por este motivo, não pode o Tribunal Arbitral, sob pena de tal actuação determinar a nulidade da decisão proferida, vir decidir o tema em discussão com base numa questão que nunca esteve em discussão, por ser pacificamente aceite por ambas as partes.
51.ª Questão semelhante foi analisada na decisão arbitral n.º 106/2015-T, proferida em 28.10.2015, tendo o tribunal concluído que o sentido da decisão poderia ser diverso caso: " a AT tivesse alegado e demonstrado, que o ADT com a Holanda permite, no caso concreto, neutralizar a tributação, e, por conseguinte, fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais. Não tendo isso acontecido, todavia, não cumprirá ao Tribunal, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, averiguar tais factos". (sublinhado nosso)
52.ª Ao proceder da forma exposta, a decisão arbitral incorreu, mais uma vez, em pronúncia indevida, motivo pelo qual devera ser anulada ao abrigo do artigo 28.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
53ª Finalmente, cumpre ainda referir que, a acrescer ao supra exposto, entende a Impugnante que decisão arbitral se encontra igualmente ferida do vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, previsto no artigo 28.º n.º 1 alínea a) do RJAT e 125.º n.º 1 do CPPT.
54.ª Conforme vem sendo entendido uniformemente pelo STA, só se verifica tal nulidade quando ocorra uma falta absoluta de fundamentação (Ac. STA n.º 0540/08 de 03.12.2008).
55.ª "Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º do CPC". (actualmente 615.º do CPC) — Alberto dos Reis, Código de Processo civil Anotado, Vol. V, pagina 140.
56.ª Relativamente à matéria de facto, a nulidade em questão abrange (para alem da falta do exame critico das provas) a falta de discriminação dos factos provados e dos factos não provados, conforme previsto no n.º 2 do artigo 123.º do CPPT. Trata-se de exigência suplementar, a da discriminação a matéria de facto não provada, que não encontra reflexo no processo civil. Assim, no contencioso tributário, a falta de discriminação da matéria de facto não provada é equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º do CPPT. (neste sentido vide Jorge Lopes de Sousa, em comentário ao artigo 125.º do CPPT no Código de Procedimento e de Processo Tribuário anotado, Vol. II, pagina 358)
57.ª Retomando a análise da decisão arbitral constatamos que, para além da questão elencada acima (qualificação das prestações suplementares como instrumento de capital próprio ou passivo) e que, de acordo com a interpretação da Impugnante, constitui pronúncia indevida, motivo pelo qual não pode ser utilizada para fundamentar o indeferimento da pretensão da Impugnante, os únicos dois "argumentos" adicionais em que a decisão arbitral se baseia para concluir pela não aplicação, ao caso, da exclusão de tributação prevista no artigo 21.º do CIRC, são os seguintes:
"Mas ainda que se estivesse perante uma prestação suplementar, cuja restituição se traduzisse numa operação sobre o capital próprio, o reembolso definitivo de uma prestação suplementar por montante inferior ao seu valor seria equivalente a uma desoneração ou perdão a favor da sociedade. E essas VPP não são excluídas para efeitos do lucro tributável nos termos do art. 21.º do CIRC.
A Requerente alega também que a data da compra e venda das prestações acessórias de D.......... (12.08.2013) a C........., S.A. encontrava-se já incorporada na requerente, pelo que tudo se passou como se a requerente estivesse a adquirir os seus próprios créditos o que determinou a extinção destes. Não tem, porem razão. Antes da referida compra e venda, o titular de tais créditos era unicamente D.......... e não a Requerente, e nem se entenderia como esta pagaria € 1.029.999,00 a título de contrapartida por direitos que já lhe pertencessem."
58.ª Relativamente ao primeiro dos "argumentos" transcritos, não entende a Impugnante, salvo o devido respeito, como é que o mesmo tem aplicação ao presente caso uma vez que, não houve, no caso, qualquer reembolso de prestação suplementar por montante inferior ao seu valor. Motivo pelo qual não se compreende a inclusão desta menção na decisão, nem tao pouco a comparação de tal situação com uma desoneração ou perdão de divida.
59.ª O que aconteceu no caso concreto foi a aquisição, por parte da Impugnante, de créditos que o sócio D.......... detinha noutra sociedade. Aquisição esta que, foi realizada abaixo do seu valor nominal. Motivo pelo qual, terá inevitavelmente que se concluir pela ausência absoluta de fundamentação da decisão arbitral no que a este ponto diz respeito. Com efeito, ao fundamentar a decisão com base num argumento que não tem qualquer conexão com a realidade dos factos, não pode tal situação deixar de ser interpretada como equivalendo a uma total ausência de fundamentação.
60.ª Da mesma forma que, também, do segundo dos argumentos transcritos não consegue a Impugnante retirar qualquer conclusão quanto aos fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da decisão arbitral. Note-se que, a situação factual da Impugnante era algo complexa uma vez que englobava uma operação de fusão com efeitos retroactivos e uma aquisição de créditos envolvendo sempre as mesmas entidades, mas em momentos distintos no tempo, situação esta que não se compagina com uma fundamentação (ou total ausência dela) como a transcrita acima: "Antes da referida compra e venda, o titular de tais créditos era unicamente D.......... e não a Requerente, e nem se entenderia como esta pagaria € 1.029.999,00 a título de contrapartida por direitos que já lhe pertencessem."
61.ª Note-se que, a exigência da especificação dos fundamentos de facto e de direito destina-se a salvaguardar que as partes ficam esclarecidas sobre os motivos da decisão, o que é manifestamente impossível fazer neste caso, já que a decisão arbitral não é minimamente elucidativa das razoes que levaram o tribunal arbitral a decidir da forma como decidiu (não só em termos factuais como jurídicos).
62.ª Motivo pelo qual se considera que a decisão arbitral esta ferida da nulidade de falta de fundamentação, prevista no artigo 28.º n.º 1 alínea a) do RJAT, devendo por isso ser anulada.
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A impugnada, Autoridade Tributária e Aduaneira, formulou, nas suas contra-alegações, as seguintes conclusões:
1.ª Vem a então Requerente impugnar a decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), imputando a referida decisão os vícios de:
I. Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
II. Pronúncia indevida, e
III. Violação do princípio do contraditório
2.ª Em sentido contrario, entende a Impugnada que a decisão arbitral não enferma dos alegados vícios, pelos motivos que, seguidamente, se elencam.
3.ª Contrariamente ao que argumenta a impugnante, o tribunal arbitral revelou o sentido da sua decisão, perfeitamente sustentado quer de facto, quer de direito, não se vislumbrando, qualquer falta de especificação conforme alegado.
4.ª Daqui resulta cristalinamente a perfeita subsunção dos factos, que o tribunal entendeu relevantes para a resolução do litígio, ao direito, não se vislumbrando qualquer falta de especificação dos mesmos.
5.ª Na verdade, a Impugnante não logra demonstrar, nas alegacões que para o efeito produziu, de que forma e que a douta decisão arbitral padece dos vícios de cariz processual que lhe são imputados.
6.ª Com efeito, e desde logo, o que resulta das conclusões de impugnação é que a Impugnante diverge do entendimento fáctico e jurídico em que assentou a decisão arbitral.
7.ª Todo o processo de fundamentação conduz logicamente ao que foi decidido.
8.ª O vício apontado de oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre, nas palavras utilizadas no douto Acórdão do TCAS, proferido no processo n.° 05946/12, em 05-03-­2015 «quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente».
9.ª Constitui jurisprudência assente desse TCA Sul (ver, por todos, o Acórdão prolatada no processo 08065/14, em 03-05-2015) que:
«II - A insuficiência, mediocridade ou inadequação dos fundamentos de facto e direito são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão, mas não acarretam a nulidade da sentença por falta de fundamentação dos fundamentos de facto e de direito por esta pressupor a total ausência daqueles fundamentos.
III - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verificar-se-á sempre que a conclusão extraída pelo julgador for totalmente divergente ou oposta aquela a que necessariamente conduziria o raciocinio que imediatamente a antecedeu.»
10.ª A este propósito e sem necessidade de mais delongas chama-se a colação o teor do Acórdão do TCA Sul, de 2015-09-24 proferido no processo 08131/14:
«Ora, o invocado pela Impugnante situa-se no âmbito de uma insuficiência da fundamentação, ou seja, na sua perspectiva a decisão arbitral deveria ter-se pronunciado pormenorizadamente sobre todos os factos, sobre toda a prova feita, tendo sido absolutamente omissa quanto a alguns desses factos.
Sucede que, tal como supra referido, apenas a absoluta falta de especificação de facto conduz a nulidade da decisão, e não a falta de justificação de alguns dos seus fundamentos, pois quer a insuficiência, quer a mediocridade da motivação apenas afecta o valor doutrinal da decisão arbitral, mas não conduz a sua nulidade.
Como já referimos, o invocado pela Impugnante não reveste contornos que possam sequer sustentar a nulidade da sentença por falta de especificação de facto, pois da análise da decisão arbitral resulta que não se verifica uma falta absoluta de motivação. Com efeito, no ponto 11.1. da decisão arbitral enunciam-se 12 "factos dados como provados" e no ponto 11.2 refere-se expressamente a propósito da existência de factos não provados que "com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados", e no ponto 11.3. ainda que sinteticamente faz-se uma "fundamentação da matéria de facto provada e não provada" Ademais, na parte III da decisão arbitral reservada ao direito, motiva-se de igual modo a decisão fazendo apelo a matéria de facto vertida no ponto 11.1. Ou seja, encontra-se suficientemente motivada a decisão.
Assim sendo, e sem mais considerações por desnecessárias, e manifesto que não se verifica a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, pelo que improcede a impugnação, quanto ao fundamento previsto na alínea a), do n.° 1, do art. 28.° do RJAT.
11.ª Termos em que, em razão do exposto, improcede o argumento da Impugnante por não se verificar, notoriamente, qualquer falta de especificação quer de facto quer de direito que fundamentam a decisão.
I. Pelo exposto, não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.° 1 do art. 28.° do RJAT.
12.ª Quanto a alegada pronúncia indevida e violação do príncipio do contraditório
13.ª Também aqui decaem as pretensões da Impugnante.
14.ª Quanto ao vício de pronúncia indevida (alínea c) do n.° 1 do art. 28.° do RJAT), invoca, também em síntese, que o tribunal pronunciou-se sobre questões que, por não estarem em litigio, estavam fora do âmbito dos seus poderes de cognição, estando por este motivo a decisão arbitral afectada por vicio de pronúncia indevida
15.ª Conforme dispõe o n.° 1 do art. 125.° do CPPT constitui causa de nulidade da sentença "a pronúncia sobre questões que não deva conhecer".
16.ª "Verifica-se a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se nesta se conhece questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.°, n.° 1, do CPPT)." — Acórdão do STA de 06/08/2014, proc.n.° 0742/14.
17.ª Há que sublinhar que o excesso de pronúncia refere-se a questões e não a argumentos, pois quanto a argumentos o tribunal não este limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas (nesse sentido, vide, Ac. do STA de 17/09/2014, proc. n.° 0936/14, e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, Vol. II, 6.° Ed., Áreas Editora, 2011, p. 366).
18.ª Sucede que, in casu, não se verifica o invocado excesso de pronúncia.
19.ª Nessa medida, também não foi violado o princípio do contraditório.
20.ª Conforme resulta da alínea a) do art. 16.° do RJAT o contraditório é assegurado através da faculdade das partes se pronunciarem sobres questões de facto ou de direito suscitadas no processo, e a igualdade das partes a assegurada através do reconhecimento de mesmo estatuto a ambas as partes no exercício das faculdades e dos meios de defesa.
21.ª Deste modo, não haverá violação do principio do contraditório se a Impugnante tiver sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre as questões de facto ou de direito suscitadas no processo, e não haverá violação do principio da igualdade das partes se a Impugnante tiver sido reconhecido o mesmo estatuto que a Requerente no exercício das faculdades e dos mesmos meios de defesa.
22.ª Deste modo, não haverá violação do principio do contraditório se a Impugnante tiver sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre as questões de facto ou de direito suscitadas no processo, e não haverá violação do principio da igualdade das partes se a Impugnante tiver sido reconhecido o mesmo estatuto que a Requerente no exercício das faculdades e dos mesmos meios de defesa.
23ª Aplicando o supra exposto ao caso dos autos, facilmente se conclui que não se trata de questão nova que não tivesse sido anteriormente suscitada no processo, e que, portanto, cumprisse conferir o direito ao contraditório, tratando-se outrossim de questão fulcral e determinante para a apreciação e consequente decisão da matéria em apreço.
24.ª Acresce-se que o Tribunal para apurar da legalidade da correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributaria e posta em causa pela aqui Impugnante, relacionada com a tributação de uma variação patrimonial positiva originada pelo pagamento de prestações acessórias por montante inferior ao valor pelo qual estavam contabilizadas, tinha que se pronunciar sobre a qualificação das prestações acessórias em causa.
25.ª A Requerente contestou a correcção em causa, contudo o Tribunal não lhe deu razão,
26.ª A decisão ora impugnada e expressiva e contundente no que a esta questão diz respeito.
27.ª Para além do mais, conforme escreve Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário - anotado e comentado, Vol. II, 6.° Ed., Áreas Editora, 2011, p. 366 "[a] tomada em consideração, para a resolução de questões colocadas pelas partes, de factos não alegados de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente (erro na fixação da matéria de facto) não constitui uma nulidade de sentença mas uma violação do principio do dispositivo, enunciado no art. 264.° do CPC, de que emana a regra da proibição de o juiz se servir de factos não alegados pelas partes (arts. 264.°, n.° 1, e 664.° do CPC. Assim, a violação desta regra consubstanciara erro de julgamento.".
28.ª Pelo exposto, não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea c) e d) do n.° 1 do art. 28.° do RJAT, e deste modo, a Impugnação da decisão arbitral não merece provimento.
29.ª Pelo que falecem na Integra todos os argumentos da Impugnante que tenta, embora em vão, aquilo que lhe e vedado pelo Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, i. e., um recurso de mérito.
30.ª Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão arbitral para o Tribunal Central Administrativo consistem na impugnação de tal decisão, nos termos do artigo 27.° do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.°, n.° 1, do RJAT, os quais se reportam a situações formais, de competência ou procedimentais, que como plenamente demostrado, não se verificam na decisão em apreciação.
31.ª Pelo que devera a impugnante conformar-se com a decisão de mérito proferida, na impossibilidade de obter a sua anulação pelas razoes aduzidas, uma vez que estas deverão ser julgadas totalmente improcedentes.
32.ª Falecendo integralmente os argumentos esgrimidos pela Impugnante em prol da ambicionada anulação da decisão arbitral, deve a presente impugnação improceder, assim se fazendo Justiça
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não se pronunciou.
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1.2. Questões a decidir
As questões a dirimir são as seguintes:
a) Apreciar, a título de questão prévia, a conformidade das conclusões ao respectivo regime legal
b) Averiguar se ocorre excesso de pronúncia no acórdão impugnado;
c) Se houve violação do princípio do contraditório.
d) Se ocorre nulidade do acórdão por falta de especificação dos fundamentos de factos e de direito.
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2. Fundamentação
2.1. De facto
Por não ter sido impugnada a matéria de facto, remete-se, ao abrigo do artigo 666.º, nº 3, do CPC, para os termos do acórdão impugnado.
Adita-se, no entanto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, os seguintes factos com interesse para a decisão:
a. O pedido formulado na petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do pedido de pronúncia arbitral tem a seguinte redacção:
“Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se constituição de tribunal arbitral para pronúncia sobre o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 201683.......... no valor de €31.071,42, com data limite de pagamento de 24.02.2017, por violação do disposto nos artigos 18.º, 21.º e 23.º, todos do Código de IRC”
b. O artigo 44.º da petição referida na alínea anterior tem a seguinte redacão:
Com base nos factos supra expostos e considerações a propósito tecidas, entende a Requerente que os gastos por si suportados com o financiamento da actividade da sua subsidiaria devem ser considerados como aplicados na exploração da empresa para efeitos do disposto no artigo 23.º do CIRC, não só pelo caracter oneroso do contrato de suprimentos bem como pelo facto de ser incontornável que ao agir nos termos expostos a Requerente esta, ainda que por via da sua subsidiaria, a prosseguir a sua actividade empresarial cujo fim ultimo consiste na obtenção de lucro.
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2.2. De Direito
2.2.1. Questão prévia
Seguindo de perto o que se escreveu no recente acórdão de 25-06-2019, proc.º n.º15/19.5BCLSB, deste tribunal e formação, dir-se-á que nos termos do artigo 639.º, n.º 1, do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão. De harmonia com o n.º 2 deste artigo, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o nº 2 do artigo 639º, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afectada.
Por seu lado, a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso [artigo 641.º, n.º 2, al. b), do CPC].
Como refere Abrantes Geraldes, a absoluta omissão das conclusões equivale, na petição inicial, à falta de indicação do pedido, que tem o efeito gerador da ineptidão desta peça. Por isso, a absoluta falta de conclusões determina a rejeição do recurso, “sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação”.
No caso presente a extensão das conclusões é idêntica à extensão das alegações. E embora aquelas não sejam uma mera repetição destas, certo é que não constituem uma proposição sintética das alegações, não o seu remate lógico, mas em bom rigor uma reprodução do que nelas foi afirmado.
Isto é, não foi feito qualquer esforço de sintetização que legitime classificar as denominadas conclusões como verdadeiras conclusões.
Todavia, como a exigência legal das conclusões visa facilitar ao tribunal ad quem a inteligibilidade do recurso ou, melhor dizendo, a apreensibilidade do respectivo objecto, não sendo as questões que a recorrente coloca especialmente complexas nem dificilmente apreensíveis, não se justifica exercitar o convite ao aperfeiçoamento (artigo 639º, n.º 3, do CPC).
Em face do exposto, conclui-se pela desnecessidade do convite ao aperfeiçoamento, tanto mais que as conclusões das contra-alegações da impugnada sofrem também de um vício de inteligibilidade (repetição de conclusões), que obrigou a algum esforço de decifração, mas também sem que se justifique o convite ao aperfeiçoamento.
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2.2.2. Do mérito da impugnação
2.2.2.1 – Do excesso de pronúncia
A impugnante arguiu a nulidade do acórdão impugnado com fundamento, para além do mais, em excesso de pronúncia e violação do princípio do contraditório.
Constitui entendimento pacífico que o objecto do processo se define a partir de duas realidades: causa de pedir e pedido. A primeira, segundo Antunes Varela (1) e Manuel de Andrade (2) , consubstancia-se no facto concreto invocado que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo autor. Para Alberto dos Reis é a fonte do direito invocado, o facto ou o acto concreto de que, no entender do autor, o direito procede (3).
A nossa lei processual civil consagrou no citado n.º 1 do artigo 5.º a teoria da substanciação, que obriga à indicação concreta da causa de pedir, no sentido da exigência de especificação do acto ou facto gerador do direito, isto é, como escreve o Professor J. Alberto dos Reis (4) , o autor, na petição inicial, para além de formular o pedido «tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou o acto de que, no seu entender, o direito procede».
Nos processos impugnatórios de actos tributários, a causa de pedir pode ser simples ou complexa, consoante se tenha uma visão objectiva ou subjectiva do contencioso tributário. Numa perspectiva objectivista pura, bastaria a mera invocação do acto para preencher a causa de pedir, porque cabe sempre ao tribunal tributário aferir da legalidade da Administração no caso concreto. Já numa perspectiva subjectivista não basta a mera invocação do acto, já que este, por si só, não constitui o objeto do processo, mas sim quando conexionado com os efeitos lesivos que projecta na esfera dos direitos dos particulares.
Não é líquido que o contencioso tributário português tenha um acentuado pendor objectivista ou subjectivista. Há elementos que parecem apontar no primeiro sentido, designadamente o princípio do inquisitório e da busca da verdade material (5), bem como a predominância de outros valores como a capacidade contributiva, o respeito pela propriedade privada, pela liberdade de gestão empresarial, etc..
A favor de uma visão subjectivista pode invocar-se o artigo 124.º do CPPT, que prevê uma apreciação dos vícios, quer de conhecimento oficioso, quer dependentes da arguição pelo particular, sempre em favor da tutela da posição deste [cfr. als. a) e b) do n.º 2].
Temos por seguro, por isso, que a tese ecléctica é que melhor responde a esta questão, sendo inquestionável, face ao referido artigo 124.º do CPPT, que não basta a mera alegação do acto para preencher a causa de pedir em contencioso tributário. É necessário, também, que se invoque a causa da sua invalidade, que constitui o elemento que desencadeia a discordância do particular, por ser inconcebível que alguém impugne um acto que repute desfavorável se o considerar válido in tottum.
E assim é também porque, da aplicação dos princípios do processo civil ao processo tributário, permitida e imposta pelo artigo 2.º do CPPT, resulta que nas acções constitutivas, aquelas através das quais se pretende uma alteração na ordem jurídica [cfr. artigo 10.º, n.º 3, al. c), do CPC], a causa de pedir “é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido» (art. 481.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPC).
Donde, haverem tantas causas de pedir quantos actos e vícios invocados, como decorre linearmente do artigo 99.º, n.º 1, da LGT, que estabelece, como premissa da decisão judicial, a alegação fáctica das partes, só assim não sendo quando o conhecimento oficioso é permitido. Esta norma deve, aliás, ser interpretada à luz do artigo 5.º, n.º 1, do CPC, que consagra o princípio da substanciação, segundo o qual recai sobre o interessado o ónus alegar os factos constitutivos de seu direito, ónus que, de resto, ressalta do segundo segmento do artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, que referindo-se aos vícios arguidos (do acto), implicitamente impede que o tribunal se pronuncie sobre os vícios que, não sendo de conhecimento oficioso, não foram arguidos.
Por conseguinte e em suma, dir-se-á que no contencioso tributário é ónus do interessado arguir os vícios do acto que lhe aproveitem, sob pena de, mesmo que existam, o tribunal deles não possa conhecer.
O que legitima uma visão da causa de pedir complexa, assente no acto impugnado e nos respectivos vícios.
Por conseguinte, no contencioso tributário o princípio ius novit curia deve ser encarado cum grano salis, visto que, não obstante e em princípio o tribunal não estar limitado pelas alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), será necessário que a aplicação, pelo tribunal, de uma norma invalidante de um determinado acto resulte de um poder legal ou, pelo menos, da referência ao seu conteúdo material feita pelo interessado.
Nesta óptica a pretensão da recorrente está manifestamente votada ao insucesso.
Segundo a sua tese ao tribunal apenas foi pedido que reconhecesse a natureza onerosa do contrato de suprimentos; mas não é isso que se colhe da leitura da petição relativo ao pedido de pronúncia arbitral, designadamente do seu artigo 44.º que se refere não só à questão da onerosidade mas também à imprescindibilidade dos custos, que claramente ressalta da passagem “pelo facto de ser incontornável que ao agir nos termos expostos a Requerente esta, ainda que por via da sua subsidiaria, a prosseguir a sua actividade empresarial cujo fim ultimo consiste na obtenção de lucro”. Dizer isto ou dizer que o contrato de suprimento era indispensável à realização dos proveitos é a mesma coisa.
Aliás, o último parágrafo da conclusão 4.ª das alegações da impugnante é elucidativo: “Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem no incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto.". Esta expressa referência à resposta da AT mostra que carece de fundamento a alegação de que a questão da indispensabilidade dos custos não foi suscitada pelas partes.
Por outro lado, ao pedir a anulação do acto com fundamento na “violação do disposto nos artigos 18.º, 21.º e 23.º, todos do Código de IRC”, a impugnante legitimou o tribunal arbitral a sindicar, na pesrpectiva do artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, a legalidade do acto em toda a extensão abrangida por estas normas.
Donde não constituir nenhuma surpresa que o tribunal tenha considerado que o acto era lícito, por não ter sido demonstrada a imprescindibilidade dos custos, ainda que tenha concordado com a tese da impugante, de que o contrato de suprimento era oneroso.
E por isso, não constituindo nenhuma decisão surpresa, nem sendo questão que não tenha sido colocada pelas parte, carece de fundamento afirmar-se que o acórdão violou o princípio do contraditório [cfr. artigo 16.º, al. a), do RJAT].
Saber se o tribunal arbitral errou ou não neste juízo quanto à indispensabilidade dos custos é questão que nos está subtraída, visto que os erros de julgamento da decisão arbitral apenas podem ser sindicados pelo STA (cfr. artigo 25.º, n.º 2, do RJAT). Por isso, uma boa parte dos esforços da impugnante traduzidas na elaboração de muitas das extensas concluões que apresentou se perfilem como vãos, visto que são inócuas na perspectiva dos poderes de cognição deste tribunal.
Por outro lado, lendo o acórdão impugnado não se concluiu que tenha ocorrido uma preterição de fundamentação jurídica capaz de alicerçar o juízo de censura que a impugnante lhe assaca a este nível; nem tão pouco a impugnante demonstra cabalmente no que apelida de conclusões essa falta de fundamentação, visto que se limita – aparentemente, a fazer equivaler o excesso de pronúncia à falta de fundamentação, o que não é bem a mesma coisa.
Quanto às prestações acessórias e suprimentos, adquiridas ao sócio D.........., é logo no artigo 5.º da inicial do pedido de pronúncia arbitral que a recortente se lhe alude. Prossegue a abordagem a essa questão nos artigos 46.º e seguintes da inicial, pelo que, concatenando o alegado nesta peça com o amplo pedido formulado a final, legitimou o tribunal arbitral a conhecer de tal questão nos termos em que o fez.
Para além disso, o entendimento de que essas prestações deveriam ter sido contabilizadas numa conta de passivo não constitui uma questão mas um mero argumento tendente a demonstrar que, na perspectiva do tribunal arbitral, não concorreram para a formação do lucro tributável.
Poderá o tribunal arbitral ter incorrido em erro de julgamento, mas para a apreciação deste erro não é, repete-se, este o tribunal competente; mas não parece que tenha incorrido em excesso de pronúncia.
Em resumo, improcede a impugnação no que concerne ao vício de pronúncia indevida da decisão impugnada.
2.2.2.2 – Da falta de discriminação da matéria de facto não provada e da motivação
No plano factual alega a impugnante que o acórdão não especificou os factos não provados, o que corresponde à verdade. Com efeito, o probatório do acórdão limita-se aos factos provados. Não são indicados os factos não provados nem a motivação quanto à materia considerada provada.
Decorre do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi do artigo 2.º do CPPT, e ao processo arbitral tributário em razão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A exigência de fundamentação das sentenças e despachos judiciais resulta do comando constitucional previsto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, que impõe que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, norma esta densificada no artigo 158.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer questão controvertida devem ser sempre fundamentadas.
A fundamentação tem por objectivo essencial permitir o escrutínio do iter cognoscitivo e decisório do julgador, e expressasse através do conjunto de razões, de facto e ou de direito, em que se baseia a decisão.
É opinião pacífica que este vício só se verifica em face da absoluta falta dos fundamentos de facto ou de direito. Isto é, os fundamentos deficientes, incompletos, medíocres, obscuros ou errados podem gerar erro de julgamento mas não nulidade.
Decorre do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do CPPT, que o julgador “discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”. Na economia do preceito, o vocábulo discriminará significa diferenciar, distinguir, destrinçar, discernir, separar, especificar. Não há, pois, qualquer dúvida de que esta norma impõe a enunciação, descrição ou exposição dos factos que o julgador considera provados e dos factos que julga não provados.
A mera indicação dos factos provados não satisfaz a exigência legal de fundamentação factual da sentença, visto que o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, estabelece um dever declarativo que abrange os factos provados e não provados, tendo em vista possibilitar que a decisão seja a foto fiel da realidade histórica apreendida para os autos.
Não sendo curial exigir uma descrição textual e exaustiva de cada facto, parece que a simples remissão para os factos alegados, considerados não provados, será em princípio suficiente para possibilitar a sindicância da decisão, nos termos já referidos, como resulta, aliás, da aplicação dos critérios de interpretação plasmados no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.
O problema é que o acórdão em causa é de todo omisso a qualquer referência à matéria de facto não provada. Nem a essa matéria nem à motivação (fundamentação relativa à matéria de facto) que conduziu a que fossem dados como provados os “factos” elencados como tal.
Não é possível, tão-pouco, com base nos factos considerados “com interesse para a boa decisão da causa”, exercitar um raciocínio excludente a partir dos considerados provados, simplesmente porque se desconhece quais os factos que foram cogitados como tendo tal interesse.
Ou seja, é de todo impossível identificar no acórdão os factos não provados porque não é possível saber, em primeiro lugar, quais os factos com interesse para a boa decisão da causa que foram tidos em mente.
Por outro lado e como já se disse, o acórdão carece em absoluto de falta de motivação relativamente à matéria de facto.
Padece, pois, de vícios que importa dissecar.
O art.º 125.º, n.º 1, do CPPT enumera as causas de nulidade da sentença no processo tributário, em que os fundamentos desse vício são assim apresentados:
(i) Falta de assinatura do juiz;
(ii) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão
(iii) Oposição dos fundamentos com a decisão;
(iv) Omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Com excepção do primeiro fundamento, a lei processual tributária não permite a correcção oficiosa das irregularidades. Contudo, sendo a lei processual civil aplicável subsidiariamente ao processo tributário nos termos do art.º 2.º, al. e), do CPPT, parece que nenhum obstáculo se levanta à aplicação do regime de supressão das nulidades, previsto no art.º 617.º do CPC.
A nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando legal que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
No caso em apreço, ocorrem duas nulidades: uma por absoluta falta de indicação dos factos não provados, outra por absoluta falta de motivação.
Concluindo, verificando-se as nulidades de absoluta falta de especificação dos factos não provados e absoluta falta de motivação da matéria de facto, há que declarar nulo o acórdão impugnado, nos termos dos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, als. c) e d), do RJAT, por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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2.2.2.3. Da nulidade por falta de fundamentação de direito
A impugnante alega também que o acórdão impugnado padece de falta de fundamentação de direito, e fazendo também equivaler a fundamentação exarada, porque descontextualizada com as questões suscitadas, à falta de fundamentação.
Para além do acórdão estar viciado quanto à fundamentação de facto, o que tanto basta para decretar a sua nulidade, apreciar a eventual falta de fundamentação de direito quando se desconhece o acervo dos factos não provados pode conduzir a emitir um juízo errado porque incidente sobre uma base factual que este tribunal desconhece em toda a sua amplitude.
Razão pela qual se considera que o conhecimento da questão suscitada deve considerar-se prejudicado em decorrência da procedência da precedente questão.
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3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam os juízes da 1.ª Subsecção da Secção de Contencioso do TCA Sul em conceder provimento à impugnação e, em consequência, declarar a nulidade da decisão arbitral.
Custas pela impugnada.
D.n.
Lisboa, 2019-07-11
__________________________________________(Benjamim Barbosa, relator)
__________________________________________(Ana Pinhol)
__________________________________________(Isabel Fernandes)


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(1) Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1985, p. 245.
(2) Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1979, p. 322.
(3) Comentário ao Código de Processo Civil, II Vol., Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1945, p. 375
(4) Ibd., p. 370
(5) Cfr. artigo 99.º da LGT