Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09409/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
RETENÇÃO NA FONTE DE I.R.C. ENQUANTO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
CONCEITO DE ACÇÃO.
CONCEITO DE DIVIDENDOS.
DIRECTIVA 90/435/CEE, DE 23/7/1990.
PRINCÍPIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO COMUNITÁRIO NA ORDEM JURÍDICA INTERNA PORTUGUESA.
ARTº.14, Nº.3, DO C.I.R.C.
DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS POR UMA SOCIEDADE AFILIADA À SUA SOCIEDADE-MÃE.
ISENÇÃO DE RETENÇÃO NA FONTE DE I.R.C.
INTERPRETAÇÃO DA DIRECTIVA 90/435/CEE PELO T.J.U.E.
VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO RESOLUTIVA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO.
PRAZO DE DETENÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
2. Embora o I.R.C. seja considerado como um imposto periódico, a retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como sendo um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única.
3. A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social.
4. Os dividendos constituem rendimentos provenientes de acções ou outros direitos de participação em lucros, tudo reportado a sociedades de capitais, por contraposição às sociedades de pessoas.
5. A Directiva 90/435/CEE, de 23/7/1990, transposta para a ordem jurídica interna portuguesa pelo dec.lei 123/92, de 2/7, veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos entre "sociedades-mãe" e "sociedades-afiliadas" residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos.
6. O direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa).
7. O artº.14, nº.3, do C.I.R.C., resulta da transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/7/1990, pelo que aquele normativo deve respeitar o texto e espírito da Directiva, o que deverá reflectir-se na interpretação da mesma norma. O artº.5, nº.1, da Directiva determinava que: “os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25% no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte”.
8. Em consequência da interpretação dada à Directiva 90/435/CEE pelo T.J.U.E. e em ordem a assegurar a compatibilidade do direito interno com o direito comunitário, o legislador português veio clarificar, quanto ao requisito do tempo de detenção da participação para os investidores residentes na União Europeia possam beneficiar da isenção de retenção na fonte sobre os lucros distribuídos por subsidiárias portuguesas, ao abrigo da referida Directiva, que se a participação no capital à data da colocação à disposição dos lucros, for detida há menos de dois anos, não é impedimento da não sujeição, como resulta do teor do artº.75-A, nº.2, a que sucedeu o artº.89, nº.1, e o actual artº.95, nº.2, todos do C.I.R.C. Ou seja, o legislador veio admitir expressamente a possibilidade de ser requerido o reembolso do montante retido nos casos em que a participação mínima de dois anos se verifique depois da colocação à disposição dos rendimentos. Consagrou-se, assim, a possibilidade de reembolso do montante retido na fonte, decorrente da verificação da condição resolutiva do acto de liquidação - detenção da participação social por um período ininterrupto de dois anos, cujo terminus ocorra após a distribuição dos dividendos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.234 a 258 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "G..., S.L.", intentada, visando acto de liquidação de I.R.C., a título de retenção na fonte, relativo ao ano de 2008 e com o montante a pagar de € 790.000,00.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.271 a 274 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, referente ao exercício de 2008, no montante de € 790.000,00, por retenção na fonte sobre os dividendos que lhe forem pagos pela G... SA.;
2-Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, não sendo possível extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida;
3-Em 29/04/2008, a sociedade G... , S.L., ora recorrida, obteve dividendos, pagos pela sociedade G... SA, no valor de € 7.900.000,00;
4-Na decisão vertida na sentença recorrida, decidiu-se pela existência de uma discriminação entre sociedades accionistas residentes em Portugal e sociedades accionistas não residentes em Portugal, que é contrária à liberdade de estabelecimento;
5-Com o devido respeito que nos merece, que é muito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, com o doutamente decidido pelo Tribunal a quo;
6-Ressalvando, mais uma vez o devido respeito, por opinião contrária, entende a Fazenda Pública, que o douto Tribunal não atendeu às diferenças objectivas entre sociedades residentes e não residentes;
7-De forma sucinta, diga-se que a sociedade residente encontra-se inevitavelmente sujeita a impostos que abarcam a globalidade dos rendimentos auferidos em Portugal, enquanto a sociedade espanhola, apenas concorre com os rendimentos auferidos em Portugal;
8-Diga-se ainda, que a ora recorrida, tem o direito a deduzir o imposto no país de residência, apesar da douta sentença recorrida não fazer alusão a tal facto;
9-Ao contrário do doutamente decidido pelo Meritíssimo Juiz, a sociedade residente em Portugal, aquando o momento do pagamento dos dividendos à sociedade não residente, cumpriu as normas do direito português, as normas da CDT assim como, as normas do tratado da União Europeia, não agindo de forma discriminatória para com a sociedade não residente;
10-Concluímos então que não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados Membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes, como é o caso aqui em análise;
11-Assim, de molde a subsumir a situação real contida nos autos à boa decisão da causa, deverá a decisão ser corrigida de acordo com a verdade substantiva;
12-Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.279 a 295 dos autos), tendo Concluído nos seguintes termos:

Da Alegada Inexistência de Situações Objectivamente Comparáveis, Pretensamente Legitimadora do Tratamento Diferenciado Verificado

1-Os dividendos auferidos - quer por accionistas residentes em Portugal quer por accionistas residentes em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia apresentam uma inequívoca conexão comum com o sistema fiscal português: tais rendimentos encontram-se sujeitos a tributação em sede de IRC;
2-Por via disso, a situação na qual uma sociedade residente em Portugal paga dividendos a outra sociedade residente em território nacional é objectiva e inequivocamente comparável à situação na origem dos presentes autos, em que os rendimentos são pagos pela G..., S.A., sociedade residente em território português, à Recorrida na sua qualidade de accionista residente em Espanha;
3-Materialmente, tais situações não são díspares - assentando na distribuição de dividendos por sociedades afiliadas a sociedades-mães, a qual está sujeita a tributação em sede de IRC em território nacional, independentemente da residência da entidade beneficiária;
4-No âmbito do exercício da sua soberania tributária, impende sobre o Estado Português a obrigação de tratar os dividendos auferidos pela recorrida de modo equiparável aos dividendos auferidos por um accionista residente em situação análoga - ou seja, de não discriminar, tão-somente por força da localização geográfica da residência, entre accionistas residentes e não residentes perceptores de dividendos oriundos de sociedades afiliadas residentes em Portugal;
5-Essa obrigação de não discriminar implica necessariamente que também os benefícios ou vantagens de natureza fiscal atribuídos a accionistas residentes sejam concedidos nas mesmas condições a accionistas não residentes;
6-A situação da recorrida constitui um exemplo inequívoco de discriminação, por parte do Estado Português entre sociedades accionistas residentes e não residentes para efeitos fiscais em Portugal no que respeita à distribuição de dividendos, totalmente desprovida de fundamento;
7-Na situação objecto dos presentes autos, o tratamento discriminatório decorrente da legislação fiscal portuguesa assenta no facto de a dispensa de retenção na fonte dos dividendos auferidos por entidades não residentes depender de um requisito adicional não exigível às sociedades accionistas residentes em Portugal: a necessidade de verificação de um período mínimo de detenção da participação no capital social da sociedade afiliada de dois anos, ao passo que às sociedades accionistas residentes em Portugal apenas é exigível um período mínimo de detenção da participação social de um ano;
8-A partir do momento em que a recorrida, recebendo os dividendos distribuídos pela G..., S.A., se encontrava numa situação comparável à de uma qualquer outra accionista portuguesa nos termos supra expostos, deveria ter sido tratada de modo idêntico a um qualquer nacional nas mesmas condições - princípio do tratamento nacional - pelo que não deveria ter sofrido qualquer tributação em Portugal sobre esses rendimentos;
9-Contrariamente ao invocado pela recorrente em sede de alegações, não constitui argumento válido a circunstância de a retenção na fonte sofrida pela Recorrida ter como génese e fundamento a repartição de competências tributárias entre Portugal e Espanha operada pela CEDT Portugal/Espanha;
10-Com efeito, a aplicação da CEDT Portugal/Espanha não permite de todo eliminar a restrição à liberdade de estabelecimento decorrente do tratamento discriminatório operado pela legislação portuguesa relativamente à tributação dos dividendos auferidos por sociedades residentes noutros Estados-Membros vis-à-vis sociedades residentes em Portugal;
11-Perante o exposto, a exigência de um prazo de dois anos de detenção ininterrupta para aplicação da isenção de imposto prevista no artigo 14.º, n.º 3, do CIRC, na redacção do artigo 48.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, traduz uma inadmissível discriminação dos accionistas residentes noutros Estados-Membros da União Europeia - como é o caso da recorrida - face aos accionistas residentes em Portugal em situação análoga, aos quais é aplicável o artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CIRC e, por conseguinte, permitida a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos após um período de detenção de um ano, o que claramente representa uma discriminação contrária à liberdade de estabelecimento, vedada pelo artigo 43.º do TCE (actual artigo 49.º do TFUE);
12-Em consequência, carece de fundamento a posição diversa perfilhada pela recorrente em sede de alegações, devendo esse Douto Tribunal ad quem manter inalterada a pronúncia jurisdicional proferida pelo Douto Tribunal a quo.

Da Alegada Neutralização pelo Direito Interno Espanhol do Tratamento Discriminatório Conferido pelo Direito Interno Português

13-A tributação em Espanha de dividendos distribuídos por uma empresa portuguesa a um accionista aí residente é permitida pelo artigo 10.º da CEDT Portugal/Espanha. Caso tal ocorra e os dividendos hajam também sido tributados em Portugal, o artigo 23.º da CEDT Portugal/Espanha prevê o necessário mecanismo de eliminação dessa dupla tributação jurídica internacional;
14-Deste regime convencional - reflexo do método de imputação ordinária - resulta assistir a Espanha a faculdade de incluir na base tributável sobre a qual incidirá o imposto sobre o rendimento espanhol os rendimentos tributados em Portugal. Na medida em que tais rendimentos sejam tributados em Espanha, este Estado concederá uma dedução do imposto português até ao montante do imposto espanhol correspondente com vista à eliminação da dupla tributação internacional;
15-Com efeito, a CEDT Portugal/Espanha tão-somente prevê em Espanha a possibilidade de um crédito ordinário de imposto pelo IRC suportado em Portugal, o qual só existirá se e na medida em que Espanha tribute os dividendos recebidos em Portugal;
16-Em consequência, entende a recorrida reconduzir-se a tarefa de determinação da possibilidade legal de imputação no Estado da residência - Espanha - da retenção na fonte de imposto sofrida em Portugal a inequívoca matéria de direito, de conhecimento oficioso à luz do artigo 348.º do CC, a apurar em primeira linha à luz do disposto na CEDT Portugal/ Espanha e, subsequentemente, à luz do próprio Direito interno espanhol;
17-Sem embargo, ao abrigo do princípio da colaboração processual previsto no artº. 8 do CPTA, aplicável ex-vi artigos 2.º, alínea e), da LGT, e 2.º, alínea e), do CPPT, a recorrida juntou ao autos parecer jurídico da autoria do Professor FRANCISCO ALFREDO GARCÍA PRATS, perito em Direito fiscal espanhol, coadjuvando desse modo o Douto Tribunal a quo no apuramento do regime espanhol vigente no ano de 2008 e do enquadramento do caso concreto à luz do mesmo;
18-Como resulta do referido parecer jurídico, de acordo com a pertinente legislação espanhola vigente no ano de 2008 - em concreto, o artigo 21.º, n.º 1, do texto refundido da "Ley del Impuesto sobre Sociedades" ("Real Decreto Legislativo n.º 4/2004", de 5 de Março de 2004) - os dividendos recebidos de participações como a então detida pela Recorrida na G..., S.A. encontravam-se isentos de tributação em sede do imposto espanhol sobre sociedades, não havendo por isso lugar a qualquer dedução do imposto retido na fonte em Portugal aquando da respectiva distribuição, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1,alínea a), parte final, da CEDT Portugal/ Espanha;
19-Assim sendo, a CEDT Portugal/Espanha não garante a concessão em Espanha de um crédito de imposto equivalente à retenção sofrida em Portugal em termos tais que permita concluir que Portugal assegurou através da referida convenção a neutralização do tratamento discriminatório resultante das pertinentes disposições do CIRC;
20-Perante o exposto, e contrariamente ao entendimento adoptado pela recorrente, não é verdade que a recorrida tenha «direito a deduzir o imposto no país de residência» nem que «tenha suportado uma tributação mais elevada no seu conjunto», não impendendo sobre si o ónus de demonstrá-lo no âmbito dos presentes autos atenta a natureza da matéria em referência;
21-Não obstante, o Douto Tribunal a quo obteve esse conhecimento através do parecer jurídico apresentado pela recorrida ao abrigo do princípio da colaboração processual previsto no artigo 8º do CPTA, tendo decidido o pleito em conformidade e na linha da jurisprudência dos tribunais superiores proferida em situações similares, inexistindo portanto qualquer erro de julgamento;
22-No cenário - que, apesar de não se conceder, se admite por dever de patrocínio - de esse Douto Tribunal ad quem considerar reconduzir-se a discussão sub judice a matéria de facto sujeita às regras gerais do ónus da prova previstas nos artigos 74.º da LGT e 342.º do CC, entende a recorrida ainda assim continuar a carecer de fundamento a posição adoptada pela recorrente em sede de alegações;
23-Com efeito, a eventual - inexistente no caso sub judice - neutralização do tratamento discriminatório conferido pelo Direito interno português sempre seria de configurar como facto impeditivo do direito ao reembolso do imposto, cuja prova, atento o regime ínsito no artigo 342.º, n.º 2, do CC, inelutavelmente competiria aos serviços da Administração Tributária portuguesa;
24-Ora, no presente caso, em momento algum foram apresentados por tais serviços sequer indícios da existência da suposta neutralização em cuja possibilidade se alicerça o presente recurso, sendo certo que, ao abrigo do disposto no artigo 26.º da CEDT Portugal/Espanha («troca de Informações»), a Administração Tributária portuguesa tem à sua disposição um instrumento que lhe permite obter rapidamente e de forma gratuita quaisquer informações que repute pertinentes quanto ao tratamento fiscal em Espanha dos dividendos em referência, ao qual entendeu não recorrer;
25-Em consequência, por força do regime ínsito no artigo 342.º, n.º 2, do CC, sempre se dirá impender sobre a recorrente o ónus da prova da suposta neutralização do tratamento discriminatório conferido pelo Direito interno português - a qual, em momento algum, logrou satisfazer - carecendo por isso de fundamento a posição por si perfilhada em sede de alegações, devendo portanto manter-se inalterada a pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo;
26-Não obstante, no cenário desse Douto Tribunal ad quem discordar do entendimento supra, considerando impender sobre a recorrida o ónus da prova da impossibilidade de neutralização do tratamento discriminatório conferido pelo Direito interno português e, bem assim, não ter a mesma logrado satisfazê-lo em sede dos presentes autos - o que, apesar de não se conceder, se admite por dever de patrocínio, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que ordene a baixa dos autos ao Douto Tribunal a quo com vista à ampliação da matéria de facto pertinente e, consequentemente, à prolação de nova decisão;

Do Reenvio Prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

27-No cenário de reenvio previsto no artigo 267.º do TFUE - o que, apesar de não se conceder, se admite por dever de patrocínio - mais se requer a esse Douto Tribunal ad quem que, ao abrigo do princípio da colaboração processual, convide a recorrida a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, densificando esse Douto Tribunal ad quem, na notificação para o efeito, os motivos pelos quais considera insuficiente a jurisprudência comunitária existente;
28-Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não pode a pretensão da recorrente deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, tudo com as demais consequências legais, o que se requer;
29-No cenário de reenvio previsto no artigo 267.º do TFUE, mais se requer a esse Douto Tribunal ad quem que, ao abrigo do princípio da colaboração processual, convide a Recorrida a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, densificando esse Douto Tribunal ad quem, na notificação para o efeito, os motivos pelos quais considera insuficiente a jurisprudência comunitária existente.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do presente recurso (cfr.fls.307 a 309 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.242 a 244 dos autos - numeração nossa):
“Com interesse para a decisão, com base na documentação junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:
1-A sociedade impugnante, "G..., S.L.", é uma sociedade comercial residente em Espanha nos anos de 2006, 2007 e 2008 (cfr.documentos juntos a fls.37, 38, 40 e 41 dos presentes autos);
2-No período referido no número antecedente a impugnante encontrava-se sujeita ao imposto espanhol sobre o rendimento das sociedades (cfr.documentos juntos a fls.37, 38, 40 e 41 dos presentes autos);
3-Em relação aos exercícios de 1/01/2006 a 31/12/2010, a sociedade impugnante declarou, em Espanha, a detenção de 100% do capital social da “G..., S.A.”, com o n.i.p.c. … e sede em Portugal (cfr.documentos juntos a fls.37, 38 e 70 a 74 dos presentes autos);
4-Em 22/09/2006, a impugnante detinha 100% do capital social da “G..., S.A.” (cfr.documentos juntos a fls.63 a 68 dos presentes autos);
5-Em 29/04/2008, a “G..., S.A.” distribuiu à aqui impugnante dividendos no valor bruto total de € 7.900.000,00 (cfr.documentos juntos a fls.81 e 83 dos presentes autos);
6-Em 30/04/2008, foi efectuada a retenção na fonte do montante de € 790.000,00, incidente sobre a distribuição de dividendos identificada no nº.5 (cfr.documento junto a fls.37 e 38 dos presentes autos);
7-Valor esse pago pela “G..., S.A.”, em Portugal e no pretérito dia 20/5/2008 (cfr.documentos juntos a fls.85 a 87 dos presentes autos);
8-Em 30/07/2010 a aqui impugnante solicitou o reembolso de imposto retido na fonte e relativo aos dividendos pagos pela “G..., S.A.”, na parte que excedia o valor previsto na CDT celebrada entre Portugal e Espanha (cfr.documentos juntos a fls.117 a 122 do processo administrativo apenso);
9-Em 28/09/2010, foi exarado despacho, pelo Director de Serviços de Relações Internacionais da D.G.I., propondo o indeferimento do pedido referido no nº.8 (cfr. documentos juntos a fls.117 a 122 do processo administrativo apenso);
10-Em 14/10/2010, por ofício n.º …, de 30/09/2010, foi a impugnante notificada da decisão referida no ponto antecedente (cfr.documentos juntos a fls.119-verso e 120 do processo administrativo apenso);
11-Em 21/06/2011, foi exarado despacho, pelo Director de Serviços de Relações Internacionais da D.G.I., de concordância com o teor da informação n.º …/2011, com a epígrafe “Adenda à Informação n.º …/2010”, na qual se propôs o indeferimento definitivo do pedido de reembolso efectuado pela impugnante (cfr.documentos juntos a fls.117 a 119 do processo administrativo apenso);
12-Em 08/02/2012, a sociedade “G..., S.A.” declarou que o pagamento de dividendos identificado no nº.5 supra foi sujeito a retenção na fonte de IRC e que “...não obstante, na data em referência - 29 de Abril de 2008, a sócia G..., SL satisfazer os demais requisitos de aplicação da isenção de tributação então previstos no artigo 14.º, n.º 3, do Código do IRC, os dividendos colocados à disposição foram sujeitos a retenção na fonte por entender a declarante como exigível um período mínimo de detenção ininterrupta de dois anos para que houvesse lugar àquela isenção, mostrando-se cumprido naquela data apenas um ano, sete meses e sete dias dessa detenção ininterrupta...” (cfr.documento junto a fls.81 dos presentes autos);
13-Em 10/02/2012, deu entrada nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, o pedido de revisão oficiosa da liquidação do imposto de IRC no montante de € 790.000,00, a título de retenção na fonte e identificada no nº.6 supra (cfr.documento junto a fls.93 a 110 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, determinar a anulação da liquidação de I.R.C. objecto do presente processo (cfr.nºs.6 e 7 do probatório), tudo em virtude de estarem reunidos os requisitos legais da possibilidade de reembolso do montante de imposto retido na fonte, ao abrigo do artº.89, nº.1, do C.I.R.C., igualmente violando a liquidação em causa o princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artº.43, do Tratado da C.E., então em vigor, mais condenando a Fazenda Pública no pagamento do imposto retido na fonte, € 790.000,00, acrescido de juros indemnizatórios.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, não sendo possível extrair dos autos as conclusões em que se alicerça. Que se decidiu pela existência de uma discriminação entre sociedades accionistas residentes em Portugal e sociedades accionistas não residentes em Portugal, a qual é contrária à liberdade de estabelecimento. Que o Tribunal “a quo” não atendeu às diferenças objectivas entre sociedades residentes e não residentes. Que ao contrário do decidido a sociedade residente em Portugal, aquando do momento do pagamento dos dividendos à sociedade não residente, cumpriu as normas do direito português, as normas da CDT celebrada entre Portugal e Espanha, assim como as normas do tratado da União Europeia, não agindo de forma discriminatória para com a sociedade não residente. Que não existe nenhuma norma ou princípio de direito comunitário que imponha aos Estados Membros tratamento fiscal igualitário entre residentes e não residentes, quando uns e outros se encontrem em situações objectivamente diferentes, como é o caso dos autos (cfr.conclusões 1 a 11 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.115, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2008; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do exame da factualidade provada (cfr.nºs.8 a 11 do probatório), a Fazenda Pública considerou que não se encontravam reunidos os pressupostos do reembolso de imposto retido na fonte e relativo aos dividendos pagos pela “G..., S.A.” à sociedade impugnante, em virtude do que manteve a liquidação objecto dos presentes autos.
Contrariamente, o Tribunal "a quo" entendeu que estavam reunidos os requisitos legais da possibilidade de reembolso do montante de imposto retido na fonte, ao abrigo do artº.89, nº.1, do C.I.R.C., igualmente violando a liquidação em causa o princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artº.43, do Tratado da C.E., então em vigor, pelo que a liquidação em causa padece do vício de violação de lei, sendo anulável.
Vejamos quem tem razão.
Embora o I.R.C. seja considerado como um imposto periódico, a retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como sendo um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/5/2006, proc.436/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.28 e seg.).
Comecemos por abordar o conceito de acção, enquanto modalidade de título de crédito, que pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/12/2014, proc.7905/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9385/16; José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.24).
Também o conceito de dividendos como rendimentos provenientes de acções ou outros direitos de participação em lucros, tudo reportado a sociedades de capitais, por contraposição às sociedades de pessoas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9385/16; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.646 e seg.).
Deve chamar-se à colação a Directiva 90/435/CEE, de 23/7/1990, transposta para a ordem jurídica interna portuguesa pelo dec.lei 123/92, de 2/7, a qual veio instituir regras comuns em relação aos pagamentos de dividendos e outras distribuições de lucros, que se pretendem neutros do ponto de vista da concorrência, de modo a contribuir para a criação do mercado único europeu, tendo como finalidade eliminar a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos entre "sociedades-mãe" e "sociedades-afiliadas" residentes em dois Estados-Membros da União Europeia distintos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9385/16; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.497 e seg.).
E recorde-se que o direito comunitário vigora directamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do efeito directo e do primado (cfr.artº.8, nº.4, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/03/2016, proc.9167/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/06/2016, proc.9385/16; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; José Carlos Moitinho de Almeida, Direito Comunitário, A Ordem Jurídica Comunitária, As Liberdades Fundamentais na C.E.E., Centro de Publicações do Ministério da Justiça, Lisboa, 1985, pág.61 e seg.).
“In casu”, o artº.14, nº.3, do C.I.R.C., na redacção anterior à Lei 67-A/2007, de 31/12 (Lei 53-A/2006, de 29/12), dispunha o seguinte:
“(...)
3-Estão isentos de lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 15% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos.
(...)”.
Por sua vez, o artº.14, nº.3, do C.I.R.C., na redacção da Lei 67-A/2007, de 31/12, vigente em 29/04/2008, dispunha o seguinte:
“(...)
3-Estão isentos os lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidos no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, coloque à disposição da entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital social da primeira não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a € 20 000 000 e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante um ano.
(...)”.
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
O artº.14, nº.3, do C.I.R.C., resulta da transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, pelo que aquele normativo deve respeitar o texto e espírito da Directiva, o que deverá reflectir-se na interpretação da mesma norma.
O artº.5, nº.1, da Directiva determinava que: “os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade-mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25% no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte”.
Por sua vez, o artº.3, da Directiva determinava que:
“1 - Para efeitos da aplicação da presente Directiva: a) é reconhecida a qualidade de sociedade-mãe, a qualquer da sociedade de um Estado-Membro que satisfaça as condições enunciadas no artigo 2.º e que detenha no capital de uma sociedade de outro Estado-Membro, que preencha as mesmas condições, uma participação mínima de 25%; b) deve entender-se por «sociedade afiliada» a sociedade em cujo capital é detida a participação referida na alínea a).
2 - Em derrogação do n.º 1, os Estados-Membros têm a faculdade:
- de por via de acordo bilateral, satisfazer o critério da participação no capital pelo de detenção de direitos de voto;
- de não aplicar a presente Directiva às suas sociedades que não conservem, por um período ininterrupto de pelo menos dois anos, uma participação que dê direito à qualidade de sociedade-mãe, ou às sociedades em que a sociedade de outro Estado-Membro não conserve essa participação durante um período ininterrupto de pelo menos dois anos.”
O Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido que a sociedade-mãe não residente num Estado-Membro, para poder beneficiar da isenção de imposto no Estado-Membro da afiliada, não teria de deter a participação social da afiliada à data da distribuição dos lucros, por o período ininterrupto de dois anos, desde que esse período de tempo viesse efectivamente a ser posteriormente completado.
Em consequência da interpretação dada à Directiva pelo T.J.U.E. e em ordem a assegurar a compatibilidade do direito interno com o direito comunitário, o legislador português veio clarificar, quanto ao requisito do tempo de detenção da participação para os investidores residentes na União Europeia possam beneficiar da isenção de retenção na fonte sobre os lucros distribuídos por subsidiárias portuguesas, ao abrigo da referida Directiva, que se a participação no capital à data da colocação à disposição dos lucros, for detida há menos de dois anos, não é impedimento da não sujeição, como resulta do teor do artº.75-A, nº.2, a que sucedeu o artº.89, nº.1, e o actual artº.95, nº.2, todos do C.I.R.C. Ou seja, o legislador veio admitir expressamente a possibilidade de ser requerido o reembolso do montante retido nos casos em que a participação mínima de dois anos se verifique depois da colocação à disposição dos rendimentos.
Consagrou-se, assim, a possibilidade de reembolso do montante retido na fonte, decorrente da verificação da condição resolutiva do acto de liquidação - detenção da participação social por um período ininterrupto de dois anos, cujo terminus ocorra após a distribuição dos dividendos (cfr.Acórdão do Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 1996, nos Processos apensos C-283/94, C-291/94 e C-292/04 - Acórdão Denkavit; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/05/2014, rec.1458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/10/2014, rec. 415/12).
Transpondo a doutrina acabada de mencionar para a situação “sub judice”, será de considerar que à data da distribuição dos dividendos recaía sobre a “G..., S.A.” o dever de reter na fonte o imposto, por não se encontrar verificado, nesse momento, o período mínimo de 2 anos de detenção pela impugnante da participação social na mesma empresa.
Contudo, resulta do probatório (cfr.nºs.4, 5 e 12 da factualidade provada) que o período de 2 anos de detenção ininterrupta, por parte da sociedade impugnante/recorrida, da participação social da citada “G..., S.A.” veio a completar-se após a data da distribuição dos dividendos, o que determina o reembolso do montante retido, nos termos do artº.89, nº.1, do C.I.R.C., então vigente, independentemente do meio processual/ procedimental utilizado para o obter.
Verifica-se, assim, a condição resolutiva prevista naquele normativo. Ou seja, a manutenção ininterrupta da participação social por dois anos, com “terminus” após a distribuição dos dividendos, tudo conforme decidiu o Tribunal “a quo”, segmento que se confirma por esta instância judicial de controlo.
Pelo que, não tem razão o recorrente ao considerar que os requisitos da isenção de I.R.C. por retenção na fonte (benefício fiscal) não se encontram verificados, e que, consequentemente, não tem a A. Fiscal de proceder ao reembolso do montante de imposto retido, prejudicado ficando o exame do esteio da decisão recorrida incidente sobre a decidida violação, pelo acto tributário objecto do presente processo, do princípio da liberdade de estabelecimento consagrado no artº.43, do Tratado da C.E., então em vigor.
Arrematando, o acto tributário objecto dos presentes autos não pode manter-se, por enfermar do vício de violação de lei, gerador de anulabilidade, assente no desrespeito da norma constante do artº.89, nº.1, do C.I.R.C., à data vigente, mais não sendo de aplicar, no caso "sub judice", a Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), celebrada entre Portugal e a Espanha (cfr.Resolução da A.R. nº.6/95, de 28/1).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas, mantendo-se o valor do processo, para efeitos de custas, em € 275.000,00.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 29 de Setembro de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)