Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13709/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/03/2016
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:NACIONALIDADE; NATURALIZAÇÃO; REGISTO CRIMINAL
Sumário:i) O requisito contido na al. d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade, por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.

ii) Terá que deferir-se o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por naturalização, formulado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da LN, quando tenha ocorrido, na sequência de despacho judicial para o efeito proferido, o cancelamento no registo criminal do mesmo das condenações penais sofridas (art. s 15.º e 16.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, actualmente os art.s 11.º e 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio que revogou aquela e que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal), sendo esse o único fundamento invocado para o indeferimento do pedido
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. - Conservatória dos Registos Centrais (Recorrente), inconformado com a decisão do TAF de Sintra que julgou procedente a acção administrativa especial contra si intentada por Eduardo …………………… (Recorrido) e a condenou a proferir novo acto considerando a reabilitação judicial do ora recorrido, deferindo, em conformidade, o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização formulado.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. Tendo Eduardo ………………. sido punido pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, não reúne os requisitos objectivamente exigidos na Lei da Nacionalidade para a naturalização como português, estando a actividade da Administração vinculada à observância dos pressupostos legais exigidos;

II. A douta sentença recorrida fez uma errada interpretação do art.º 6º n.º 1, alínea d) da LN, uma vez que o facto de a pena em que o requerente foi condenado ter sido cancelada do respectivo certificado de registo criminal, passado o prazo fixado na alínea a) do n.º 1 do art.º 15º da Lei n.º 15/98, de 18 de Agosto, não implica que deixe de dever ser tida em consideração em sede de aquisição da nacionalidade por naturalização, onde o Ministro da Justiça (e quem por sua delegação ou subdelegação actue), exerce um poder que, in casu, é claramente vinculado;

Por outro lado,

III. Não podem constituir formalidades inúteis e sem objecto, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, as consultas oficiosas a entidades policiais (PJ e SEF) e à DGAJ - com acesso à transcrição da totalidade do registo criminal - impostas por lei (cfr. artigos 27º n.º 5 e alínea a) do n.º 7 do art.º 37º do RN), o que sucederia se, para o efeito, apenas se relevasse a informação criminal constante do respectivo certificado;

Assim,

IV. Secundando, como se demonstrou, a melhor doutrina e jurisprudência, a prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, constitui impedimento absoluto à concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização, independentemente de entretanto ocorrer a reabilitação do requerente da mesma.

Por isso,

V. Deve ser revogada a douta sentença recorrida, e

VI. Integralmente mantido o despacho que indeferiu a naturalização requerida.

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido na procedência do recurso.


Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter concluído pela invalidade do acto que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade por naturalização, formulado em abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade, tendo considerado a reabilitação judicial do interessado entretanto ocorrida.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) O Autor tem nacionalidade Cabo Verdiana – cfr. processo administrativo;

B) Em 10.03.2008, o ora Autor solicitou ao Ministro da Justiça, a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, a que correspondeu o Processo de nacionalidade nº 16696/08 - Acordo e PA incorporado;

C) À data do requerimento precedente o Autor residia em Portugal há mais de 6 anos e conhece suficientemente a língua portuguesa, e é maior face à lei portuguesa - acordo e fls. 14 e 125 do PA incorporado;

D) Em informação de apreciação referente ao processo de aquisição da nacionalidade do autor, proc. n.º16696/2008, datada de 22 de Abril de 2010, pode ler-se, entre o mais o seguinte (cfr. fls. 124 a 126 dos autos):

“(…)

1. O requerimento, apresentado em 10 de Março de 2008, contém todos os elementos necessários (cf. art. 18º n.º4 do RN), como se constata a fls.1 e 2 do processo, sendo a parte legítima e próprio o procedimento (cf. art. 7.º n.º 1 da LN e art. 18º n.ºs 1, 2 e 3 do RN).

2. O requerente de nacionalidade cabo-verdiana- fls. 6 -, é maior à face da lei portuguesa (art. 122º do Código Civil, 19.º n.º1 do RN e 6.º n.º1 da LN), nasceu na República de Cabo Verde, como resulta do seu assento de nascimento – fls. 3 – e reside legalmente no território português desde 18 de Janeiro de 2002, conforme certidão emitida pelo SEF aos 24 de Julho de 2008, obtida oficiosamente por esta Conservatória – fls. 22 e 23.

3. Conhece suficientemente a língua portuguesa, o que provou com certificado de habilitações emitido pela Delegação Escolar da Praia do Ministério da Educação e Ensino Superior, que, designadamente comprova que concluiu o ensino básico elementar – 4ª classe, na República de Cabo Verde – fls.5 (cfr. art. 25, n.º5 doo RN, 6.º º1 alínea c) da LN).

4. Solicitadas as informações necessárias ao SEFe à PJ, nos termos previstos no art. 27.º n.º 5 do RN, verificou-se nada constar em desabono do requerente – fls 24 e 15.

5. Não consta qualquer condenação na República de Cabo Verde, como resulta do respectivo registo criminal – fls 4.

6. No entanto, tendo sido solicitado o certificado do registo criminal português, verificou-se constar do mesmo, referência aos processos nºs 272/04.1 GBPMS e 64/06.3 PJAMD. Consequentemente, efectuaram-se diligências que permitiram a obtenção de cópias das decisões proferidas nos referidos processos, das quais consta que:

- no processo n.º272/04.1GBPMS, foi o interessado Eduardo …………………….., arguido no mesmo, condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º1 e 2 do Decreto- Lei02/98, de Janeiro, o qual é irrelevante nesta sede, atendendo à sua moldura penal abstracta ( prisão até 2 anos ou multa até 240 dias) – fls. 41 a 63;

- no processo n.º64/06.3PJAMD, foi o interessado Eduardo …………….., arguido no mesmo, condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, al. a) do Decreto-lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao referido diploma, a que corresponde uma moldura penal abstracta de prisão de 1 a 5 anos.

Assim, verifica-se não estar preenchido o requisito da não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igualou superiora três anos segundo a lei portuguesa. Sublinha-se que a lei exige a não condenação por crime a que corresponda a moldura penal referida, sendo irrelevante a pena efectivamente aplicada.

Não se encontram, assim, reunidos os requisitos para a concessão da nacionalidade portuguesa por naturalização, nos termos requeridos.

Conclusão:

Face ao exposto, entendo que deve ser indeferido o pedido do requerente Eduardo ………………, com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do .º1 do artigo 6.º da L.N., (…)”

E) O Autor foi notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia (fls.127 e 128 do PA), tendo-se pronunciado nos termos constantes de fls. 129 e 130 do PA incorporado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) Por decisão, datada de 30 de Julho de 2010, proferida pelo Vice-Presidentedo IRN, IP., foi indeferido o pedido de naturalização do autor, com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere o artigo 6º, n.º1, alínea d) da Lei da Nacionalidade (cfr. fls. 134 do PA incorporado);

G) Por ofício n.15302, datado de 03 de Agosto de 2010, da Conservatória dos Registos Centrais do Instituto dos Registos e do Notariado, o autor foi notificado da decisão de indeferimento a que se refere a alínea anterior do probatório (cfr. fls. 135 do PA incorporado);

H) Pela Conservatória dos Registos Centrais foi emitido Parecer, em 14.02.2014 (proc. nº 57295/10), constante de fls. 39-40 do processo administrativo incorporado, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no sentido de dever ser indeferido o pedido indicado em B., com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do nº 1 do artigo 6º da LN, onde se refere, designadamente:

“ (…)

2- O requerimento contém todos os elementos previstos no nº 4 do artigo 18º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa(…), encontrando-se também comprovada a verificação dos requisitos previstos nas alínea a), b) e c) do nº 1 do citado artigo 6º da LN e nº 1 do art. 19º do RN.

3- No entanto, obtido oficiosamente o certificado de registo criminal português, nos termos da alínea a) do nº 7, do artigo 37º do RN, verificou-se que dele consta ter sido o requerente condenado:

- nos autos com processo comum que correram termos no 2º Juízo Criminal Lisboa, registado sob o nº 281/05.3PFAMD, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p., pelos artigos 143º e 146º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 5.000 euros, que perfaz o total de 700,00 euros.

Ora, o crime supra referido é punível com pena de 40 dias a 4 anos de prisão ou multa de 13 a 420 dias.

4- Deste modo não se mostra, assim, preenchido um dos requisitos exigidos para a concessão da nacionalidade portuguesa, nos termos requeridos e que consiste na não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível, com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa (cf. alínea d) do nº 1 do art. 6º da LN).

Sublinha-se que, para este efeito, é determinante a moldura penal que, em abstracto, corresponde ao tipo de crime pelo qual foi condenado e não a pena, que, em concreto, tenha sido aplicada”.

I) Com data de 21.04.2014, foi elaborado PARECER, constante de fls. 40 do PA incorporado, mantendo o indeferimento, conforme Parecer indicad0o em D., tendo em conta que não se alteraram os pressupostos aí explanados, - cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J) Tendo por base o Parecer e Informação precedentes, em 05 de Maio de 2014, a Conservadora Adjunta, por subdelegação, indeferiu o pedido de naturalização formulado pelo ora A. – cfr. fls. 45 do PA incorporado;

K) Foi enviado ao ora Autor ofício de notificação do despacho antecedente, através de carta registada – cfr. fls. 103 e 105 do PA incorporado;

L) Conforme Informação do SEF prestada, em 24.07.2008, nos termos do nº 5 do art. 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, não constam dados desabonatórios sobre o ora Autor - cf. fls. 84 do PA incorporado;

M) Por Acórdão da 8ª Vara Criminal de Lisboa, transitada em julgado, em 31 de Outubro de 2007, proferido no processo nº64/06.3PJAMD, o autor foi condenado, transitado em julgado em 31.10.2007, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p., pelo art. 25ºa) do DL 15/93, de 22/1, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas ao diploma na pena de prisão de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período (cfr. fls. 99 dos autos);

N) Por despacho judicial da 8ª Vara Criminal de Lisboa, datado de 17 de Maio de 2012, a pena de prisão referida na alínea anterior do probatório, foi declarada extinta com efeitos reportados a 31/10/2009 bem como o deferido do pedido do cancelamento da decisão condenatória no certificado do registo criminal, nos termos do artigo 16.º da Lei n.º57/98, de 18 de Agosto. (cfr. fls. 27 dos autos);

O) A presente petição inicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 30.10.2012 – cf. fls. 2 dos autos.



II.2. De direito

O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente o pedido formulado pelo Autor e ora Recorrido e condenou o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. - Conservatória dos Registos Centrais (Recorrente) a proferir novo acto considerando a reabilitação judicial do ora recorrido, deferindo, em conformidade, o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização por aquele formulado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril.

Insurge-se o Recorrente contra o assim decidido, concluindo que o pedido do Recorrido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da LN, não pode proceder, uma vez que o requerente do pedido de nacionalidade foi condenado por sentença transitada em julgada pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. Sendo para o caso irrelevante o cancelamento da decisão condenatória no certificado de registo criminal.

Vejamos então.

Na sentença recorrida, para fundamentar a procedência do pedido anulatório dirigido contra o acto impugnado, escreveu-se o seguinte:

Importa, desde já, delimitar que o único fundamento invocado por parte da Autoridade Demandada para indeferir o pedido de naturalização formulado pelo Autor baseou-se no disposto na alínea d) do nº 1 do artº 6º da Lei da Nacionalidade que constituiu o motivo da decisão de indeferimento.

(…)

Da norma supra transcrita ressalta que importa aferir se o cidadão estrangeiro foi ( 1) condenado pela prática de crime punível com pena de prisão máximo igual ou superior a 3 anos, e (2) se a sentença transitou em julgado.

Ora, é exactamente a interpretação daquela alínea d) do n.º1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade que está em causa, designadamente saber se a análise de tal pressuposto deve atender à moldura penal aplicável, “abstractamente” considerada, ou à pena “concretamente” aplicada ao nacionalizando.

Sobre tal questão já o Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou por diversas vezes (cfr. acórdãos do STA 01282/13 de 20/3/2014, 662/14 de 20/11/2014 e 490/14 de 17/12/014, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt ) de como é o exemplo o Acórdão do STA, de 20/11/2013, proferido no processo n.º 0662/14, também disponível em http://www.dgsi.pt, no qual pode ler-se o seguinte:

“[…] A Lei da Nacionalidade [LN - Lei nº37/81, de 03.10, na redacção dada pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04], diz no seu artigo 6º, nº1, que «O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos: […] d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa».

Esta alínea d) da LN constitui um requisito que, cumulativamente com outros [os das alíneas a) b) e c)], vincula a Administração, de tal modo que sempre que ele não se verifique não pode ser concedida a requerida nacionalidade portuguesa «por naturalização». Esta interpretação, no sentido da estrit a vinculação, mostra-se bastante pacífica. As divergências surgem, todavia, quanto ao momento jurídico a que se deve atender para concluir que o crime é «punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa».

A tese segundo a qual se deverá atender sempre à «pena abstracta», tal como prevista no tipo legal de crime, é, no presente caso, adoptada e defendida pela entidade recorrente, a CRC. Para ela, desde que o requerente da nacionalidade portuguesa, por naturalização, tenha sido condenado, com trânsito em julgado, pela prática de crime cuja moldura penal preveja, em singular ou em alternativa com uma pena não privativa de liberdade, pena de «prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa», is so bastará para se considerar preenchida a exigência da referida alínea d) do nº1 do artigo 6º da LN.

Todavia, a tese adoptada no acórdão recorrido, […], vai no sentido de que nos casos em que a lei prevê a possibilidade de escolha, pelo juiz, entre dois tipos de pena aplicáveis, em alternativa, a um determinado tipo de crime, sendo uma a pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, e outra a pena de multa, a verificação do requisito previsto no artigo 6º, nº1 alínea d), da LN, dependerá da «esco lha» que o juiz que proferiu a condenação penal fez, ao abrigo do artigo 71º do Código Penal [CP]. Ou seja, dependerá desse juiz ter considerado o crime cometido «punível» com a pena de prisão, e não com pena de multa. E a verdade é que o acórdão recorrido se escudou em recente aresto deste Supremo Tribunal, que vai precisamente nesse sentido [AC do STA de 05.02.2013, Processo nº07612].

Cremos, porém, não ser esta a melhor interpretação e aplicação da norma aqui em causa.

3. Desde logo, o próprio teor literal. «Punível» é adjectivo verbal que aponta de forma muito clara para o genérico, abstracto, enquanto «punido» nos remete já para o mundo do concreto, do efectivamente aplicado. Era fácil ao legislador ter dito, se fosse essa a sua intenção: pela prática de crime «punido» com pena de prisão de três anos ou mais. Mas, ciente, com toda a certeza, da potencialidade significativa dos dois termos, ele optou pelo de referência abstracta, e devemos ter isso em consideração. Aliás, também a referência à lei portuguesa efectuada na parte final da alínea d) - «…pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa» - nos remete claramente, cremos, para o âmbito do tipo legal, pois é esse que preferencialmente distingue a lei pátria da lei estrangeira [artigo 9º, nº3, do Código Civil].

Também a intenção legislativa, vertida no texto legal, aponta no mesmo sentido, pois tudo leva a crer que o legislador pretendeu consagrar um critério objectivo que permitisse aferir da «suficiente conformidade» do candidato à obtenção da cidadania portuguesa, por naturalização, com os bens fundamentais relevantes para a sociedade portuguesa que pretende integrar, sendo que esses bens são, precisamente, os protegidos com penas criminais [artigo 9º, nº1, do Código Civil].

É que o artigo 6º da LN, nos nºs 1 a 4, e diferentemente do que acontece nos nºs 5 e 6, vincula a Administração a conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, àqueles que preenchem os requisitos aí previstos, e que gozam, assim, de um verdadeiro «direito à naturalização» [Rui Manuel Moura Ramos, A Renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04, RLJ nº136º, Março-Abril de 2007, nº3943, páginas 206, 207, e 213].

Esta «vinculação», se por um lado vem reforçar o peso daqueles elementos que apontam para a construção da nacionalidade como um direito fundamental, por outro lado vem exigir, ao Estado Português que estabeleça padrões razoáveis de aferição da conformidade do na turalizando com os bens jurídicos por ele protegidos segundo o padrão de «mínimo ético». E essa conformidade é aferida, sobretudo, pelo respeito manifestado pelos bens criminalmente protegidos, e não, propriamente, pela maior ou menor gravidade da conduta criminal concreta.

Temos, por conseguinte, que se a vinculação da aquisição da nacionalidade por naturalização pretende vincar o seu carácter de direito fundamental, a exigência do respeito do naturalizando pelos bens jurídicos criminalmente sancionados com «pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa», visa evitar o risco de introdução na comunidade nacional de sujeitos em relação aos quais haja fundadas razões para que o Estado não lhes queira reconhecer a condição nacional portuguesa.

4. A este respeito, é preciso ter presente que, na linha de reputados penalistas, a actividade de «escolha da pena» faz parte, já, da tarefa de encontrar a pena «concretamente cabida ao caso». Trata -se da determinação da medida da pena «em sentido amplo» [Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Coimbra Editora, 2005, II volume, página 212; Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995].

Assim, nos casos de previsão alternativa, determinar se medidas não privativas de liberdade são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime [artigo 71º do CP], não constitui uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas é fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, através de uma apreciação aturada dos elementos de prova disponíveis, se legitimará a «escolha» entre as penas detentivas e não detentivas [Adelino Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, publicação do Centro de Estudos Judiciários, páginas 237 a 240].

Fazer depender o preenchimento ou não do requisito da alínea d) em referência da «escolha» realizada pelo juiz criminal quanto à natureza da pena a aplicar ao arguido concreto, significaria não só navegar ao arrepio da intenção legislativa acima dita, mas, também, introduzir no respectivo regime jurídico um elemento de alguma subjectividade que cremos não se coadunar com a objectividade que o legislador pretendeu imprimir ao requisito em causa.

5. Temos, pois, que tanto o pertinente texto legal como a intenção detectável do legislador apontam, de forma consistente, para que a punição a que se refere a alínea d), do nº1, do artigo 6º da LN [na redacção dada pela Lei Orgânica 2/2006 de 17.04], tem a ver com a moldura penal abstracta fixada ao tipo criminal, sendo irrelevante a pena efectivamente escolhida e aplicada no caso concreto”.

Ora, face ao exposto, aderindo na íntegra ao que supra se deixou transcrito, resultando provado que o autor foi condenado, por acórdão com trânsito em julgado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, a uma pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período (cfr. alínea e) do probatório), cujo tipo legal de crime está previsto e é punível pela alínea a) do artigo 25.º, do Decreto-lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, com uma moldura penal abstracta de prisão de 1 a 5 anos, e portanto “punível com pena de prisão de máximo igualou superior a três anos, segundo a lei portuguesa ” verifica-se não se encontrar preenchido o requisito previsto na alínea d) do n.º1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, tal como bem considerou a entidade demandada ao não considerar preenchido tal pressuposto.

Relativamente ao facto provado na alínea N) do probatório, diga-se que a jurisprudência mais recente tem vindo a atender para efeitos da verificação do requisito legalmente previsto na alínea d) do n.º1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade à reabilitação judicial e legal.

Como foi decidido no Acórdão do TCA SUL, de 12.11.2015, rec. nº 12527/15, disponível in www.dgsi.pt, que acolheu a jurisprudência do STA, :

“…questão diferente prende-se com a decisão de reabilitação proferida em 14 de Maio de 2009, no Processo Gracioso de Reabilitação Judicial nº 6899/08.5TXLSB, pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, nos termos da qual foi determinado “…o cancelamento no registo criminal…das condenações sofridas nos P. 35/96.6SWLSB e 11/06.2ZFFAR” Quanto a esta matéria importa recordar o teor de recente Acórdão proferido pelo S.T.A. em 21 de Maio de 2015 no âmbito do Proc. 0129/15, do qual se transcreve o seguinte passo: (…)

“2.3.2. Atentemos agora no instituto da reabilitação. Deixando de parte as considerações históricas a seu respeito, pode afirmar-se que actualmente ocorre uma assimilação desta figura ao simples cancelamento do registo criminal. Dito de outro modo, “Do ponto de vista dos resultados práticos, equivale a reabilitação ao cancelamento do registo criminal” (vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 217. Ver ainda J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 653). A reabilitação legal ou de direito, contrariamente à reabilitação judicial e à administrativa (em que há uma indagação prévia sobre a reintegração social), opera de forma automática, impõe-se, bastando-se com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações sobre o indivíduo (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 217-8, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993,

p. 655). Ela assenta na presunção de que o indivíduo se encontra reintegrado socialmente (cfr. A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 218, nota 393). A reabilitação é um direito, um verdadeiro direito do condenado já ressocializado, susceptível de ser feito valer em juízo (vide A.M. Almeida Costa, O registo crimina l. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 214 e 223, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, p. 655). Com a reabilitação cessa o estado de perigosidade e indignidade do réu ex-condenado e deixam de se justificar as considerações de necessidade de defesa social (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, pp. 213-4). No tocante especificamente ao cancelamento do registo criminal, o mesmo pode consistir na eliminação total ou parcial das inscrições contidas nos cadastros ou, pelo menos, na sua não comunicação às entidades que, de acordo com a lei, normalmente podem aceder a essas inscrições (A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 204). Como decorre do que atrás foi exposto relativamente aos preceitos da LIC, pode determinar -se o cancelamento para certos fins ou pessoas. Pode, por exemplo, vedar-se o acesso ao registo para fins não judiciais.

Por último, diga-se que as decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou devem ser consideradas extintas, não se lhes devendo ligar quaisquer efeitos (cfr. A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, p. 378 – embora reportando-se especificamente à sua utilização como meios de prova para efeitos processuais). Isso mesmo é assinalado no parecer da Provedoria de Justiça, onde é sugerido que nada justifica um tratamento distinto em termos de utilização da informação cancelada para fins processuais e para fins de aquisição da nacionalidade (Processo R-5580/08 (A5), in www.provedor-jus.pt).

2.3.3. De forma igualmente breve, deve referir-se que a partir de 2006 a LN aligeirou as exigências ou requisitos de aquisição da nacionalidade por naturalização. Para o que agora releva, desapareceram os requisitos da idoneidade moral e civil e da suficiência dos meios de subsistência. Porventura, o legislador terá percebido que, se por um lado, o Estado tem o poder de determinar quem são os seus nacionais, por outro, as políticas da nacionalidade não devem ser discriminatórias.

2.3.4. Em síntese, tudo tem que ver com o modo como deve ser interpretada a alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LN. Ora, uma adequada interpretação deste preceito deverá ter em conta não apenas o elemento textual, como de igual forma o racional e o sistemático. O resultado interpretativo obtido – vale por dizer, a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade –, por sua vez, é o que corresponde à solução mais «rights friendly», na medida em que é o que confere mais plenitude ao direito à aquisição da nacionalidade e ao direito à reabilitação, bem assim como ao princípio da máxima efectividade.”

No caso sub judice à data em que foi indeferido o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa (em 2010), ainda não tinha sido proferida a decisão de reabilitação, que só foi tomada em 2012, ainda antes da apresentação da petição inicial, mas sem que a Entidade Demandada tivesse tido oportunidade de se pronunciar quanto a este facto superveniente (alínea O) do probatório).

Donde, a Entidade Demandada à data em que se pronunciou sobre o pedido estava efectivamente impossibilitada de ponderar tais circunstâncias. E que foram somente trazidas em sede de petição inicial.

Porém considerando que o objecto do processo de condenação à prática de acto devido (art. 66º e 71º do CPTA) é a pretensão que foi formulada pelo interessado (in casu concessão da nacionalidade portuguesa), e que a reabilitação judicial identificada na alínea O) do probatório conjugada com interpretação que tem vindo a ser realizada pela Jurisprudência para efeitos de verificação do requisito da alínea d) do art. 6º da LN, quando o requerente ainda que haja sido condenado por crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos vê essa decisão extinta por reabilitação judicial. Como é o caso do Autor.

Assim, há que condenar a Entidade Demandada a deferir o pedido, proferindo novo acto em conformidade com citada jurisprudência e tendo em conta a decisão constante da alínea O) do probatório.

E a posição assumida na sentença recorrida está correcta e espelha o entendimento da mais recente jurisprudência sobre o assunto em debate.

Como se disse no recente acórdão do STA de 15.09.2016, proc. n.º 392/16:

Ora, esta jurisprudência [e que é citada supra na sentença recorrida], que aqui também adoptamos [não desconhecendo que em tempos, estas questões eram alvo de decisões divergentes], para efeitos de decisão, nesta sede recursiva [aliás, também acolhida na íntegra no acórdão recorrido] por entendermos ser a que melhor interpreta a lei, e permite a sua aplicação de forma mais rigorosa, mostra-se perfeitamente adequada ao dissídio dos autos – no mesmo sentido cfr. o Acórdão nº 106/2016 do Tribunal Constitucional onde se decidiu «interpretar as normas da alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade portuguesa no sentido de que o impedimento de adquirir a nacionalidade portuguesa, nelas previsto, decorrente da condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, deve ter em conta a ponderação do legislador efectuada em sede de cessação da vigência da condenação penal, inscrita no registo criminal e seu cancelamento e correspondente reabilitação legal».

Com efeito, tendo em consideração a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, em 14/05/2009, que considerou o autor/recorrido readaptado, deferindo o seu pedido de reabilitação judicial e o cancelamento no registo criminal do mesmo das condenações penais sofridas [cfr. ponto 7 dos factos provados] é inequívoco que desapareceu o fundamento que obstava à concessão do seu pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa. [aqui o despacho judicial levado ao ponto N) do probatório].

Esta interpretação, ao contrário do defendido pela recorrente, parece-nos a mais adequada à letra da lei e à unidade do sistema jurídico, não vislumbrando de que forma a mesma possa lançar incertezas nos serviços, o que aliás, o mesmo também não concretiza.

E quanto à incerteza da jurisprudência, igualmente entendemos que a agora preconizada, já se pode considerar sedimentada, impedindo assim, as alegadas incertezas e indefinições.

Aliás, a posição jurisprudencial adoptada é aquela que melhor acolhe as conclusões do recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, proc. n.º 757/13 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 62, de 30.03.2016), onde se exarou, ao que aqui releva, o seguinte discurso fundamentador que aqui cumpre transcrever:

É certo que a Lei da Nacionalidade portuguesa não refere qualquer limite temporal nem prevê a situação de ter ocorrido a cessação da vigência da decisão que aplica a pena para os efeitos da aplicação dos seus artigos 6.º ou 9.º (podendo aqui contrapor -se as soluções já adotadas nos ordenamentos estrangeiros acima referidos, prevendo tanto a Lei da Cidadania italiana como o Código Civil francês que o requisito — negativo — da condenação penal não se aplica em caso de reabilitação do condenado ou cessação da vigência da decisão no registo criminal).

Como se afirmou já, é a própria Constituição que comete ao legislador a tarefa de concretizar o direito a aceder à cidadania portuguesa, resultando essa incumbência na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade portuguesa), que contém o regime desse direito fundamental.

E, como se afirmou igualmente, cabe ao legislador, nessa tarefa, a ponderação das conexões relevantes com o Estado português e os critérios que lhes presidem, resultando, do mesmo passo, a definição da comunidade nacional e a regulação do direito fundamental (pessoal) daqueles que, como in casu, a pretendem integrar — o direito à cidadania, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP.

Ora, pode considerar -se que o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa em causa resulta da conexão estabelecida pelo legislador entre a inserção do indivíduo na comunidade nacional, de acordo com a vontade por si manifestada, e uma exigência de respeito pelos bens jurídicos reputados de valiosos pelos cidadãos dessa mesma comunidade política, aos quais, através do legislador democraticamente eleito que os representa, entenderam conferir uma tutela penal (a que corresponde uma pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos) — conexão essa que a ocorrência da condenação em causa tende a infirmar — e assim correspondendo a motivo de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

Contudo, não se pode deixar de ter igualmente presente que é a mesma comunidade que, também representada pelo legislador democraticamente eleito, por via dos institutos da reabilitação (judicial ou legal) e da cessação do registo criminal das decisões condenatórias (decorrido um período temporal para tanto fixado), não permite a valoração da conduta criminosa em causa para além dos limites decorrentes da reabilitação ou da cessação da vigência das condenações no registo criminal, por imperativos decorrentes das ideias de plena integração e de ressocialização da pessoa condenada na sociedade em que se insere.

De facto, ao tempo da decisão ora recorrida, a Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, no seu artigo 15.º, previa o cancelamento definitivo de decisões que aplicaram penas, o que corresponde a uma reabilitação legal ou de direito, que tem lugar, automaticamente, e de forma irrevogável, decorrido determinado lapso de tempo, sem que, entretanto, tenha ocorrido nova condenação por crime.

Este sistema de cessação de vigência e cancelamento das decisões condenatórias foi essencialmente mantido na atual Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio), como decorre do seu artigo 11.º:

(…)

Atendendo ao exposto, da ponderação efetuada pelo legislador ordinário, no plano geral e abstrato, em duas sedes distintas — a da fixação dos critérios objetivos de que depende a aquisição da nacionalidade por efeito da vontade e a pertença à comunidade política, por um lado, e a da fixação dos prazos de que depende a cessação da vigência no registo criminal das decisões penais condenatórias e o seu cancelamento definitivo, por outro —, resulta uma aparente contradição no quadro do sistema jurídico já que sendo as ponderações, em abstrato efetuadas, de sinal contrário, a ponderação efetuada na primeira daqueles sedes tem por efeito, prima facie, neutralizar ou nulificar a ponderação efectuada na segunda.

Ora tal aparente contradição intrasistémica não pode deixar de ser resolvida de harmonia com a Constituição e com a jusfundamentalidade reconhecida pela mesma Lei Fundamental ao direito (fundamental) — e, sublinhe -se, integrado dos direitos, liberdades e garantias pessoais — em causa: o direito à nacionalidade portuguesa, previsto e tutelado pelo artigo 26.º, n.º 1 (e n.º 4) da Constituição.

Assim sendo, as normas em causa da Lei da Nacionalidade portuguesa e do Regulamento da Nacionalidade portuguesa ora sindicadas — que, no seu elemento literal, conferem relevância, para o efeito, automático, de impedir a aquisição nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, a condenação penal transitada em julgado (pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos) —, carecem, sob pena de contradição, de ser interpretadas no quadro do sistema, em conformidade com a proteção conferida pela Constituição, em consonância com o Direito internacional, ao direito jusfundamental à nacionalidade.

Esta interpretação deve ter em conta a ponderação efectuada pelo legislador democraticamente legitimado que não permite valorar a conduta criminosa para além dos limites decorrentes da cessação da vigência das decisões condenatórias no registo criminal e seu cancelamento e, assim, do instituto da reabilitação (legal) — assim resultando que esta última ponderação tem por efeito neutralizar a ponderação do legislador quanto ao fundamento subjacente à fixação do requisito objetivo (de verificação negativa) previsto nas normas ora sindicadas.

Sendo o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade em causa o resultado da ponderação, feita pelo legislador, sobre o quanto a ofensa, por via da prática de um crime, indicia o desrespeito pelos valores comunitários a que o ordenamento jurídico nacional conferiu tutela penal, as normas que prevêem tal fundamento não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com a natureza jusfundamental do direito à nacionalidade — para mais integrado na categoria de direitos, liberdades e garantias —, conferida pela Constituição de modo a levar em conta a ponderação feita pelo mesmo legislador em sede de cessação da vigência no registo criminal das decisões nele inscritas, assim correspondendo a uma reabilitação legal, sob pena de, por essa via, fazer vigorar automaticamente, para aquele efeito, o desvalor da ofensa a bens jurídicos (corporizado na condenação penal) que, por outra via, a mesma comunidade política tem já por superado. Note -se que o entendimento que leva em conta a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização foi já defendido, quanto à norma de conteúdo e finalidade em tudo semelhantes às normas ora sob escrutínio, plasmada no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade Portuguesa, na jurisprudência constante do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 21/05/2015, no Processo n.º 129/15 (disponível em www.dgsi.pt) e assim sumariada:

(…)

Assim, porque não se afiguraria constitucionalmente admissível uma interpretação das normas da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade portuguesa e da alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade portuguesa, nas versões aplicadas nos autos, que desconsiderasse a ponderação do legislador efetuada em sede de cessação da vigência da condenação penal inscrita no registo criminal e seu cancelamento e a correspondente reabilitação legal, sob pena de contradição intrasistémica, justifica-se proferir uma decisão interpretativa, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, devendo o Tribunal recorrido adotar a interpretação que se julgou conforme à Constituição e, assim, reformular a fundamentação da solução encontrada para o caso concreto ali em julgamento. [sublinhado nosso]”

Razões estas que, também aqui, determinam que a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo das normas em questão e por si invocadas estão de acordo com o quadro normativo – bloco legal - de referência. Tendo no caso concreto o tribunal procedido à sua correcta aplicação, no sentido de, evidenciando que o indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa (em 2010), ainda não tinha aproveitado da decisão de reabilitação (proferida em 2012), determinar a condenação do ora Recorrido a proferir nova decisão, levando em consideração este facto superveniente e, necessariamente, o quadro legal a que esta deve obediência.

Pelo que, improcedendo as conclusões de recurso, terá que negar-se provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O requisito contido na al. d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade, por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.

ii) Terá que deferir-se o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por naturalização, formulado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da LN, quando tenha ocorrido, na sequência de despacho judicial para o efeito proferido, o cancelamento no registo criminal do mesmo das condenações penais sofridas (art. s 15.º e 16.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, actualmente os art.s 11.º e 12.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio que revogou aquela e que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal), sendo esse o único fundamento invocado para o indeferimento do pedido.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente na totalidade nesta instância.

Lisboa, 3 de Novembro de 2016





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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos