Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:396/20.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
SEGURO DE VIDA
PRÉMIO PAGO PELA ENTIDADE PATRONAL
CONCEITO DE RESGATE ANTECIPADO
Sumário:I - De acordo com o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A).
II - Nos termos da mesma norma legal, a incidência mantém-se ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação.
III - Para efeitos da norma de incidência não relevam as situações de resgate que tenham ocorrido nas condições permitidas pelo contrato de seguro na modalidade escolhida na data de adesão, pressupostos que no caso se verificam.
IV - A aplicação do regime transitório previsto no art.º 28.º, n.º4 da Lei 2/92 de 9 de Março, exige que a pessoa segura, no caso o impugnante/ recorrente, demonstre que a sua adesão ao contrato de seguro de grupo gerador dos rendimentos tributáveis na categoria E do IRS se fez em data anterior a 1 de Janeiro de 1991, padecendo de deficit instrutório a sentença que, com preclusão do dever do inquisitório, deu por não provado tal facto.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

C…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de retenção na fonte que lhe foi efectuada pela sociedade G… – Seguros de Vida, S.A., referente a rendimentos das Categorias A e E de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e a subsequente decisão de reclamação graciosa, alegando conclusivamente o seguinte:
«










».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deverá improceder, mantendo-se o julgado, por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar se a sentença fez correcta interpretação e aplicação ao caso concreto da norma do art.º 2.º, n.º3 alínea b) do CIRS, na redacção então vigente.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»





».

B.DE DIREITO

Constata-se dos autos e do probatório que com relação ao ano de 2018, foram declaradas retenções na fonte no valor de EUR.163.103,94 sobre rendimentos de trabalho dependente do impugnante (EUR.448.125,00).

O impugnante, ora recorrente, pretende o reembolso das retenções efectuadas pela G…, no valor de EUR.81.404,57, no seguimento de um pedido de resgate no âmbito de um contrato de seguro que tinha por tomador a TAP – AIR PORTUGAL.

Aquele valor de retenções, como se alcança dos documentos de quitação dos resgates (pontos 5 e 6 do probatório), respeita à componente capital efectuada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS e à componente rendimento, efectuada ao abrigo do n.º 3 do art.º 6.º do mesmo CIRS.

O contrato de seguro em causa foi celebrado em 31/12/1990 e continha, entre outras reproduzidas no ponto 1 do probatório, a seguinte cláusula: «f) DATA DE VENCIMENTO DO CERTIFICADO INDIVIDUAL – 1.º dia do trimestre seguinte ao da data em que a Pessoa Segura atinge os 60 ou 65 anos, consoante a opção efectuada na data de adesão ao contrato».

Como consta do ponto 7. do probatório e se alcança de cópia do respectivo documento de identificação junto ao processo instrutor (doc. 3 junto à reclamação graciosa), a data de nascimento do impugnante, ora recorrente, é 26/05/1953.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema. Estabelecem os artigos 2.º e 5.º do CIRS, nos segmentos relevantes para os autos:
«Artigo 2.º
Rendimentos da categoria A
1 - Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular, provenientes de:

a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;
b) (…)

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente:

1) (…)

2) (…).

3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, bem como as que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, sejam por estes objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade, ou, em qualquer caso, de recebimento em capital, mesmo que estejam reunidos os requisitos exigidos pelos sistemas de segurança social obrigatórios aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou esta se tiver verificado;

4) (…)»
«Artigo 5.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 – (…)

3 - Consideram-se ainda rendimentos de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo 'Vida' e os respectivos prémios pagos ou importâncias investidas, bem como a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade por fundos de pensões ou no âmbito de outros regimes complementares de segurança social, incluindo os disponibilizados por associações mutualistas, e as respectivas contribuições pagas, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes, quando o montante dos prémios, importâncias ou contribuições pagos na primeira metade da vigência dos contratos representar pelo menos 35 % da totalidade daqueles:

a) São excluídos da tributação um quinto do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem após cinco e antes de oito anos de vigência do contrato;

b) São excluídos da tributação três quintos do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem depois dos primeiros oito anos de vigência do contrato.».

Como se disse, as retenções respeitam a deduções efectuadas pela categoria A no que respeita ao capital e pela categoria E no que respeita ao rendimento.

Sabemos que a questão do resgate antecipado do seguro de vida constituído a favor dos pilotos de aviação da TAP pela SPAC (posteriormente substituída pela TAP) e a sua sujeição a tributação em sede de IRS, tem vindo a ser colocada aos tribunais em modos e formas processuais diferenciadas, o que tem levado, também à obtenção de respostas dispares, porém, do ponto de vista substantivo, a jurisprudência das instâncias é pacifica e tem decidido em linha com o ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/11/2017, tirado no proc.º 0195/16.

Ora, como se deixou consignado nesse aresto do alto tribunal, «De acordo com o ponto 3 da alínea b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS (na redacção vigente ao tempo), as importâncias despendidas pela entidade patronal com a constituição a favor dos seus trabalhadores de seguros de vida, se estes forem objecto de resgate antecipado pelos beneficiários são considerados rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação (categoria A). Nos termos da mesma norma legal, a incidência mantém-se ainda que os beneficiários, à data do resgate antecipado, reúnam os requisitos legais para passarem à situação de reforma ou se encontrem, efectivamente, nessa situação».

Ora, no caso em análise, não ocorreu qualquer resgate antecipado, porquanto, à data do resgate (15/10/2018), já a pessoa segura, ora recorrente, havia completado 65 anos de idade (ponto 7. do probatório), que era a idade mais elevada fixada no certificado individual de seguro como data de vencimento, independentemente da opção efectuada pela pessoa segura, tornando irrelevante para a qualificação jurídica dos rendimentos em causa, designadamente o seu enquadramento na norma de incidência real, que não tenha sido produzida prova relativamente à opção efectuada pelo recorrente na data de adesão quanto à data de vencimento do certificado individual.

A qualificação dos rendimentos em causa como sujeitos à norma de incidência do art.º 2.º, n.º 3 alínea b), subalínea 3 do CIRS, enferma de erro nos pressupostos e a sentença que validou o entendimento da administração tributária enferma de erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica neste segmento.

No que em particular respeita aos rendimentos tributados pela categoria E do IRS, cumprirá indagar se a prova dos autos permite afirmar que os mesmos se encontram excluídos da tributação. Vejamos então.

Na redacção do Decreto-Lei n.º 267/91, de 6 de Agosto, dispunha o art.º 6.º do CIRS, sob a epígrafe «Rendimentos da categoria E:
1 - Consideram-se rendimentos de capitais:
a) (…)

2 - Considera-se ainda rendimento de capitais a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, vencimento ou adiantamento de apólices de seguros de vida e os respectivos prémios pagos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes quando o montante de prémios pagos na primeira metade da vigência do contrato representar pelo menos 35% da totalidade dos prémios pagos:

a) É excluída da tributação metade do rendimento se o resgate, o vencimento ou adiantamento ocorrerem entre os cinco e os sete primeiros anos de vigência do contrato;

b) É excluída da tributação a totalidade do rendimento se o resgate, o vencimento ou adiantamento ocorrerem depois dos primeiros sete anos de vigência do contrato».

O art.º 28.º, n.º 4 da Lei n.º 2/92, de 9 de Março (Aprova o Orçamento do Estado para 1992), veio estabelecer o seguinte: «O disposto no n.º 2 do artigo 6.º do Código do IRS, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 267/91, de 6 de Agosto, produz efeitos desde 1 de Janeiro de 1992, aplicando-se somente aos rendimentos auferidos na sequência de contratos celebrados a partir de 1 de Janeiro de 1991.».

Mostram os autos que o contrato de seguro de grupo titulado pela apólice n.º 4... foi celebrado em 31/12/1990 (ponto 1. do probatório); no entanto, não resultou provada a data em que o impugnante/ recorrente passou a beneficiar do contrato de seguro titulado por aquela apólice, sendo certo que se a sua adesão ao seguro de grupo se fez em data posterior a 1 de Janeiro de 1991, nenhum direito ou expectativa de facto ou jurídica merecedora de tutela é sustentável quanto à aplicação do regime transitório previsto naquele art.º 28.º, n.º4 da Lei 2/92, de 9 de Março.

Sucede que, convergindo embora neste entendimento, a sentença deu por não provada a data em que o impugnante aderiu à apólice em causa, sem efectuar qualquer diligência probatória visando o esclarecimento desse facto.

Ora, tal actuação, como alega o recorrente, afronta o disposto no art.º 13.º, n.º1 do CPPT, segundo o qual, «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer».

E sendo o facto a demonstrar pertinente ao tema em discussão, não podia o Mmº. Juiz a quo dar por não provado esse decisivo facto com preclusão do inquisitório a que está vinculado, até porque na perspectiva do impugnante, expressada na P.I., a data relevante para aproveitamento do regime transitório é a data de celebração do seguro do grupo, referenciada a 31/12/1990 e não aquela em que o impugnante, ora recorrente, aderiu à apólice em causa e, por conseguinte, é compreensível que não se tenha proposto fazer a prova desse facto, que não alegou (cf. art.º 423/1 do CPC).

É, pois, mister que os autos regressem à 1.ª instância para que se apure a data em que o impugnante passou a beneficiar do seguro de grupo a que respeita a apólice n.º 4... e, após se profira decisão conforme quanto à tributação do rendimento retido pela seguradora nos termos do n.º 3 do art.º 5.º do CIRS, como rendimento da categoria E do imposto, julgando-se o demais de acordo com a solução jurídica preconizada neste acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para instrução complementar e prolação de nova sentença de acordo com a solução jurídica preconizada no acórdão.

Sem custas.


Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024


_______________________________
Vital Lopes



________________________________
Ana Cristina de Carvalho



________________________________
Luísa Soares