Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05948/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:A LEGITIMIDADE ENQUANTO PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE LEGITIMIDADE DA PARTE. LEI APLICÁVEL.
LEGITIMIDADE PARA A IMPUGNAÇÃO DE ACTOS TRIBUTÁRIOS DE LIQUIDAÇÃO.
ARTº.163, Nº.1, DO C.S.COMERCIAIS.
LEGITIMIDADE DOS RESPONSÁVEIS SUBSIDIÁRIOS.
ARTº.147, Nº.2, DO C.S.COMERCIAIS.
REGIME DE SOLIDARIEDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO.
Sumário:1. A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é o pressuposto processual que, traduzindo uma correcta ligação entre as partes e o objecto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade directa), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr.artº.26, nº.3, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário; artº.9, do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia. Da análise do artº.26, nº.3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objecto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura.

2. Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr.artºs.288, nº.1, al.d), 493, nº.2, e 494, al.e), todos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário), sendo tal excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr.artº.495, do C.P.Civil). A legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma.

3. Em primeira linha, no caso de impugnação de actos tributários de liquidação têm legitimidade para intervir no processo os sujeitos passivos do tributo liquidado (cfr.artº.9, nº.1, do C.P.P.Tributário).

4. A responsabilidade solidária de todos os antigos sócios pelo passivo social, ao abrigo do artº.163, nº.1, do C.S.Comerciais, tem pos pressuposto que houve activo a partilhar. Pelo contrário, se nos encontramos perante sociedade de responsabilidade limitada e, de acordo com o teor da escritura de dissolução e liquidação da mesma, inexistia activo a partilhar, nada tendo recebido na partilha, não responde o sócio pela dívida (enquanto passivo superveniente), assim não podendo tomar a posição de sujeito passivo de imposto e, consequentemente, ter legitimidade para deduzir impugnação judicial ao abrigo da norma em exame.

5. A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de contra os mesmos ter sido ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários (cfr.artº.23, nº.1, da L.G.T.; artºs.136, nº.1, e 153, nº.2, do C.P.P.T.).

6. O artº.147, nº.2, do C.S.Comerciais, estabelece um compromisso entre os interesses da Fazenda Pública e dos sócios. A existência, à data da dissolução, de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis não obsta à partilha imediata do património social, ao contrário do que sucede com a existência naquela data de dívidas de natureza fiscal já exigíveis ou de dívidas de natureza diferente da fiscal, exigíveis ou não. Em contrapartida, a responsabilidade pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis alarga-se a todos os sócios, ilimitada e solidariamente, portanto muito mais gravosamente do que o estabelecido no citado artº.163, do C.S.Comerciais, para o passivo superveniente. A A. Fiscal, desde a partilha do património social, beneficia da citada responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios. Por outro lado, o sócio que efectuar à Fazenda Pública pagamento superior à sua quota-parte goza de direito de regresso contra os outros sócios, nos termos gerais (cfr.artº.524, do C.Civil).

7. Estabelece a norma em causa (cfr.artº.147, nº.2, do C.S.C.) um regime de solidariedade passiva no que diz respeito ao pagamento das dívidas tributárias ainda não exigíveis à data da dissolução e partilha da sociedade. O regime de solidariedade substantiva tem como contra face, em termos processuais, uma situação de litisconsórcio voluntário, na qual basta a intervenção de um dos interessados para assegurar a legitimidade processual e o interesse em agir (cfr.artº.27, nº.2, do C.P.Civil; artº.517, do C.Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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JOSÉ ………………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Castelo Branco, exarada a fls.86 a 90 dos autos, através da qual julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade e de interesse em agir do recorrente, mais absolvendo a Fazenda Pública da instância, tudo no âmbito da presente impugnação tendo por objecto liquidações de I.R.C. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2007 e no montante total de € 13.007,46.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.103 a 112 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Com o presente recurso reage-se contra a douta sentença do Tribunal “a quo” que absolveu da instância a Fazenda Pública por excepção dilatória de ilegitimidade e de interesse em agir do impugnante e ora recorrente porque a dívida de imposto I.R.C. era da sociedade dissolvida e não do sócio, e contra este não foi efectuada reversão;
2-O impugnante e ora recorrente foi sócio gerente e liquidatário na dissolução da sociedade tendo procedido ao pagamento de I.R.C. lançado à sociedade, por ser o responsável pelo respectivo pagamento, nos termos do nº.1, do artº.26, da L.G.T., tendo em vista evitar que contra si corresse acção executiva (passivo superveniente) enquanto representante legal dos sócios, nos termos do nº.2, do artº.163, do C.S.C.;
3-E o aludido pagamento de I.R.C. em nome da sociedade foi efectuado com vista a evitar males maiores resultantes da inevitável reversão da dívida contra o liquidatário e ora recorrente, designadamente para acautelar o arresto, mais que certo, dos seus bens já que a extinta sociedade não tinha, nem tem quaisquer bens;
4-Todavia, o ora recorrente sempre entendeu e entende que a liquidação em causa padece de ilegalidade, motivo pelo qual deduziu impugnação judicial, de cuja sentença é objecto o presente recurso, tanto mais considera ser parte legítima e com interesse em agir, atento o disposto no nº.1, do artº.9, do C.P.P.T.;
5-Nestes termos e nos demais de Direito, requer a V. Exas. que as presentes alegações sejam admitidas, julgando o presente recurso, concedendo-lhe provimento através do reconhecimento da legitimidade do recorrente no âmbito da impugnação, revogando a sentença proferida pelo tribunal “a quo” e, em consequência, mandando-o apreciar a questão substantiva.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente manutenção da decisão recorrida (cfr.fls.148 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.150 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.87 dos autos):
1-Pelos únicos sócios da “Sociedade …………., L.da.”, José …………. e Maria ……………, foi declarada em escritura de dissolução, lavrada no Cartório Notarial de …………, em 27/11/2007, e exarada de fls.32 a fls.32 verso, do Livro 96-A, que “que tendo decidido dissolver a sociedade e não tendo a mesma qualquer activo ou passivo, encontrando-se as contas encerradas nesta data, pela presente escritura a dissolvem, para todos os efeitos legais, dando-a assim por liquidada” (cfr.cópia de escritura de dissolução de sociedade de fls.18 e 20 dos autos e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais);
2-A presente impugnação deu entrada neste TAF de Castelo Branco em 3/5/2010 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos não provados com interesse para a questão a dirimir…”.
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A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se em prova documental constante dos presentes autos, pelo que, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
3-Em 30/12/2009, a Fazenda Pública estruturou liquidação de I.R.C. e juros compensatórios, com o nº………….., relativa ao ano de 2007, no montante total de € 13.007,46 e da qual surge como sujeito passivo a “Sociedade ………………., L.da.”, com o n.i.p.c. …………………., tendo-se fixado como data limite de pagamento o dia 10/2/2010 (cfr.documentos juntos a fls.22 e 114 dos presentes autos);
4-Em 3/2/2010, foi efectuado o pagamento da liquidação identificada no nº.3 (cfr.documento junto a fls.114 dos presentes autos);
5-A p.i. que originou o presente processo foi intentada pelo recorrente José …………………, o qual alega ter sido sócio-gerente da empresa “Sociedade de …………………., L.da.” (cfr.cabeçalho da p.i. junta a fls.2 a 13 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade e de interesse em agir do recorrente, mais absolvendo a Fazenda Pública da presente instância.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em síntese e conforme aludido supra, que foi sócio gerente e liquidatário na dissolução da “Sociedade ……………………., L.da.” tendo procedido ao pagamento de I.R.C. lançado à empresa, por ser o responsável pelo respectivo pagamento, nos termos do nº.1, do artº.26, da L.G.T., tendo em vista evitar que contra si corresse acção executiva (passivo superveniente) enquanto representante legal dos sócios, nos termos do nº.2, do artº.163, do C.S.C. Que o aludido pagamento de I.R.C. em nome da sociedade foi efectuado com vista a evitar males maiores resultantes da inevitável reversão da dívida contra o liquidatário e ora recorrente, designadamente para acautelar o arresto, mais que certo, dos seus bens já que a extinta sociedade não tinha, nem tem quaisquer bens. Que entende que a liquidação em causa padece de ilegalidade, motivo pelo qual deduziu impugnação judicial, de cuja sentença é objecto o presente recurso, tanto mais que considera ser parte legítima e com interesse em agir, atento o disposto no nº.1, do artº.9, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à sentença recorrida um erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A sentença recorrida concluiu que não sendo os sócios de responsabilidade limitada responsáveis pelas dívidas da sociedade, para além do montante que receberam na partilha e, não tendo os sócios, no caso presente, recebido qualquer quantia na partilha, por já não existir activo, não têm os mencionados sócios qualquer interesse em agir nos presentes autos, porquanto as dívidas da sociedade não lhes são imputáveis, a título de responsabilidade solidária. Por outro lado, não foi alegado pelo autor que, à data da instauração dos autos, a referida dívida já havia sido revertida contra si, na qualidade de gerente e devedor subsidiário. Nestes termos, não tendo o autor, à data da entrada da impugnação em juízo, legitimidade ou ainda não possuindo interesse em agir (artºs.26, nº.1, 28, nº.1, e 288, nº.1, als.d) e e), do C.P.Civil) e, não tendo articulado factos dos quais resultem preenchidas os requisitos do artº.163, nº.1, do C.S.Comerciais, para que a presente acção possa prosseguir fazendo intervir os demais sócios como co-autores, julgou verificadas as excepções dilatórias de ilegitimidade e falta de interesse em agir do autor e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância, nos termos conjugados dos artºs.493, nº.2, e 494, al.e), do C.P.Civil.
Pelo contrário, o impugnante/recorrente defende que tem legitimidade passiva para a presente acção, dado ter efectuado o pagamento da liquidação objecto do processo, legitimidade essa que deriva das disposições conjugadas dos artºs.9, nº.1, do C.P.P. Tributário, e 163, nº.2, do C.S.Comerciais.
Vejamos quem tem razão.
A legitimidade das partes (“legitimatio ad causam”) é, simultaneamente, um dos temas mais versados e controvertidos da moderna disciplina processualista. Para isso contribuirá, não só, o facto de o recorte teórico de tal figura ser consequência de algumas opções fundamentais quanto à essência e função do direito processual, como também, o notável grau de interdependência da mesma face a outros conceitos e institutos processuais (v.g. direito de acção judicial; objecto do processo).
Na nossa ordem jurídica, a legitimidade é o pressuposto processual que, traduzindo uma correcta ligação entre as partes e o objecto da causa, as faculta para a gestão do processo. Como regra (legitimidade directa), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr.artº.26, nº.3, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário; artº.9, do C.P.P.Tributário), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia. Da análise do artº.26, nº.3, do C. P. Civil, conclui-se que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objecto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o A. a configura (cfr.ac.S.T.J., 30/10/84, B.M.J. 340, pág. 334).
Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (cfr.artºs.288, nº.1, al.d), 493, nº.2, e 494, al.e), todos do C.P.Civil, aplicáveis “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.106; Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.83 a 86), sendo tal excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr.artº.495, do C.P.Civil).
Por último, refira-se que a legitimidade das partes deve ser determinada de acordo com a lei vigente no momento em que é proferida a decisão sobre a mesma (cfr.por todos, ac.S.T.J., 14/11/94, C.J.-S.T.J., 1994, tomo III, pág.137 e seg.).
Concluindo, para ter legitimidade processual o sujeito passivo que queira impugnar determinado acto administrativo-tributário tem que demonstrar, por um lado, que é titular de um interesse na anulação, ainda que parcial, desse mesmo acto e, por outro lado, que esse interesse reúne as seguintes características: é directo, pessoal e legítimo (cfr.artº.268, nº.4, da Constituição da República; M. Caetano, Manual de D. Administrativo, Almedina, 1991, II, pág.1356; Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Lisboa, 1988, IV, pág.169; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/5/96, rec.18986; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/5/99, rec.23105; ac.S.T.A.-1ª.Secção, 22/11/2000, rec.46559).
No processo vertente o acto administrativo-tributário que é seu objecto tem por sujeito passivo a empresa “Sociedade de Exploração Agrícola Campos da Beira L.da.”, como reconhece o próprio recorrente (cfr.nº.3 do probatório).
Em primeira linha, no caso de impugnação de actos tributários de liquidação têm legitimidade para intervir no processo os sujeitos passivos do tributo liquidado (cfr.artº.9, nº.1, do C.P.P.Tributário; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.113).
As regras gerais em matéria de responsabilidade por dívidas tributárias são as de que, relativamente a dívidas próprias (devedores tributários originários), quando os pressupostos do facto tributário se verifiquem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida (cfr.artº.21, nº.1, da L.G.T.) e, relativamente a responsabilidade por dívidas de outrem, na falta de determinação em contrário, a responsabilidade é subsidiária (cfr.artº.22, nº.3, da L.G.T.).
Mais se dirá que se consagram na L.G.T. situações especiais de responsabilidade solidária, designadamente, nos casos de liquidação de sociedades de qualquer tipo (nomeadamente de responsabilidade limitada), a dos liquidatários que não comecem por satisfazer as dívidas fiscais (cfr.artº.26, nº.1, da L.G.T.). No entanto, a responsabilidade a que se refere o citado normativo depende do incumprimento de um dever funcional - a prioridade do pagamento das dívidas fiscais (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.257; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.149 e seg.). No caso concreto, a dívida em causa é superveniente à liquidação e partilha da sociedade, assim não se aplicando à mesma o regime previsto no examinado artº.26, nº.1, da L.G.T., nesta vertente.
Por outro lado, o impugnante carece de responsabilidade solidária, com os restantes sócios, pela dívida ao abrigo do artº.163, nº.1, do C.S.Comerciais, dado que nos encontramos perante sociedade de responsabilidade limitada e, de acordo com o teor da escritura de dissolução e liquidação da mesma inexistia activo a partilhar (cfr.nº.1 da matéria de facto provada). Nestes termos, nada tendo recebido na partilha, não responde pela dívida (enquanto passivo superveniente), assim não podendo tomar a posição de sujeito passivo de imposto (cfr.Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, pág.469 e seg.).
A legitimidade do impugnante poderia, igualmente, fundar-se no artº.9, nº.3, do C.P.P.Tributário, enquanto responsável subsidiário. No entanto, a legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de contra os mesmos ter sido ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários (cfr.artº.23, nº.1, da L.G.T.; artºs.136, nº.1, e 153, nº.2, do C.P.P.T.). “In casu”, o impugnante/recorrente não alegou na p.i. quaisquer factos que possam sustentar a sua legitimidade enquanto devedor subsidiário.
Por último, enquanto sócio de empresa já dissolvida pode o impugnante/recorrente fundar a sua legitimidade para a dedução da presente acção no artº.147, nº.2, do C.S. Comerciais, norma que consagra o seguinte:

Artigo 147.º
(Partilha imediata)
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 148.º, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156.º
2 - As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento.

O normativo em exame estabelece um compromisso entre os interesses da Fazenda Pública e dos sócios. A existência, à data da dissolução, de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis não obsta à partilha imediata do património social, ao contrário do que sucede com a existência naquela data de dívidas de natureza fiscal já exigíveis ou de dívidas de natureza diferente da fiscal, exigíveis ou não. Em contrapartida, a responsabilidade pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis alarga-se a todos os sócios, ilimitada e solidariamente, portanto muito mais gravosamente do que o estabelecido no citado artº.163, do C.S.Comerciais, para o passivo superveniente.
Em resumo, a A. Fiscal, desde a partilha do património social, beneficia da citada responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios. Por outro lado, o sócio que efectuar à Fazenda Pública pagamento superior à sua quota-parte goza de direito de regresso contra os outros sócios, nos termos gerais (cfr.artº.524, do C.Civil; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/12/2007, rec.835/07; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, pág.271; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.151).
Avançando, estabelece a norma em causa (cfr.artº.147, nº.2, do C.S.C.) um regime de solidariedade passiva no que diz respeito ao pagamento das dívidas tributárias ainda não exigíveis à data da dissolução e partilha da sociedade. Ora, o regime de solidariedade substantiva tem como contra face, em termos processuais, uma situação de litisconsórcio voluntário, na qual basta a intervenção de um dos interessados para assegurar a legitimidade processual e o interesse em agir (cfr.artº.27, nº.2, do C.P.Civil; artº.517, do C.Civil; Pires de Lima e Antunes Varela, C.Civil anotado, I, 3ª. edição, Coimbra Editora, 1982, pág.503; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. edição, Coimbra Editora, 1985, pág.164 e seg.).
Voltando ao caso concreto, não se verificando a ilegitimidade do impugnante/recorrente, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, deve o processo baixar à 1ª. Instância, desde logo atendendo ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Concluindo, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto nos artºs.22, nº.2, da L.G.Tributária, e 9, do C.P.P.Tributário, tal como no artº.147, nº.2, do C.S.Comerciais, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS À 1ª. INSTÂNCIA PARA CONHECIMENTO DO MÉRITO DA PRESENTE IMPUGNAÇÃO, SE NENHUMA OUTRA EXCEPÇÃO/QUESTÃO PRÉVIA A TAL OBSTAR.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)