Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02718/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/03/2009
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
LESÃO IRREPARAVEL
ELEMENTOS CONTABILISTICOS
ÂMBITO DO RECURSO
Sumário:1.O Tribunal de recurso apenas julga questões que, não sendo de conhecimento oficioso, tenham sido submetidas à apreciação do Tribunal recorrido;
2. A alegação de que a alteração do regime de tributação acarreta "... prejuízos ífc difícil reparação senão mesmo irreparáveis ..." na medida em que, no momento de prolação de decisão final na acção principal, esta carecerá de qualquer efeito útil, por impossibilidade de reposição da situação anterior, preenche o requisito de invocação de "lesão irreparável", plasmado no art.° 147.°do CPPT;
3. A circunstância de um contribuinte se encontrar englobado no regime simplificado de tributação não o dispensa de conservar os documentos contabilísticos relevantes, como decorrência do dever de cooperação para com a AT a que se encontra adstrito, na revelação da sua real situação fiscal, designadamente para efeitos de verificação/ manutenção dos pressupostos do regime de tributação;
4. A falta de tais elementos contabilísticos, sendo imputável ao contribuinte, quando se venha a revelar prejudicial, é insusceptível de consubstanciar "lesão irreparável", para efeitos do estatuído no art.° 147.° do CPPT;
5. A providência de intimação para um comportamento tem como pressuposto a evidência do direito do requerente;
6. A actuação do juiz, de forma complementar e subsidiária da parte, em obediência ao princípio "pró actione", na convolação de meio processual tem como pressuposto a existência de meio alternativo que seja adequado à finalidade pretendida, enquanto forma de protecção judicial efectiva do requerente, por um lado, e conforme à actuação processual desenvolvida por este, por outro.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- M…………., com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão constante de fls. 112 a 129, inclusive, dos autos e que lhe indeferiu o decretamento das providências cautelares requeridas de “(…)suspensão de eficácia, em acumulação com a intimação para um comportamento ou outra providência considerada adequada, do acto do Director-Geral dos Impostos que procedeu à alteração do seu regime dos rendimentos profissionais (…)” dela veio interpor o presente recurso apresentando, e após convite para o efeito, as seguintes conclusões;

I. A permanência no regime simplificado depende do preenchimento dos pressupostos do n.º 6 do art. 28.º do CIRS, a saber (i) não ultrapassar em mais de 25% o limite do n.º 2 do art. 28.º num único ano, ii) não ultrapassar aquele limite em dois anos consecutivos);

II. Verificados estes pressupostos, o contribuinte tem direito a ver prorrogado o regime simplificado, segundo a interpretação do n.º 6 do art. 28.º conjugado com o seu n.º 5, segundo o qual o período de permanência no regime simplificado é de três anos, “prorrogável” por iguais períodos;

III. Ao usar a expressão “prorrogável”, significa que para o legislador não está em causa um novo período (ao qual seria aplicável o n.º 2 do art. 28.º do CIRS) mas a mera continuação do anterior;

IV. No caso em apreço, a A. reúne os requisitos do referido art. 28.º, n.º 6, porquanto, no triénio que terminou em 2006, o seu rendimento da categoria B, foi o seguinte: . - 2004 - € 372,40; . - 2005 - € 31.040,00; . - 2006 - € 100.757,80

V. O que significa que a A. tinha direito a ver prorrogado, de forma automática, o regime simplifcado;

VI. Nesta sequência, o R. actuou ilegalmente quando, de forma unilateral e sem notificar sequer a A., procedeu à alteração do regime de rendimentos profissionais, sujeitando-o ao regime da contabilidade organizada;

VII. A comunicação da Direcção-Geral de Impostos com o aviso para correcção da declaração, com a entrega do Anexo C, consubstancia recusa de validação da declaração de rendimentos devidamente entregue em tempo oportuno, e tem implícito o acto de alteração do regime de rendimentos profissionais da A.;

VIII. No contexto apontado, o acto lesivo, que constitui objecto das providências requeridas, é o acto do Director-Geral (implícito, na medida em que nunca foi notificado, mas que está subjacente à alteração do regime dos rendimentos), pois foi este que determinou a passagem da A. do regime simplificado (onde tem direito a permanecer) para o regime da contabilidade organizada;

IX. Por outro lado, só a manutenção transitória na situação em que a A. estaria sem a prática do acto ilegal (mudança do regime de rendimentos) é susceptível de garantir-lhe o direito à tutela judicial efectiva;

X. Perante este quadro, a medida cautelar mais adequada é a suspensão judicial de eficácia prevista no art. 112.º, n.º 2, al. a) do CPTA, aplicável por força do disposto no art. 2.º, al. c), do CPPT, conjugado com o direito à tutela judicial efectiva constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP;

XI. De outro modo, a sentença favorável no âmbito da acção principal não terá utilidade, porque já terão decorrido os três anos em que a A. é obrigada a manter-se no regime de contabilidade organizada, por força do acto ilegal;

XII. Não é adequada nenhuma providência prevista no CPPT porque estas estão pré-ordenadas à impugnação do acto tributário de liquidação que, por ter conteúdo pecuniário, goza de um regime especial, não sendo, este o tipo de acto em causa na presente providência cautelar;

XIII. Além do mais, a situação da A. não ficaria cabalmente garantida sem que, a título provisório, o R, seja condenado a aceitar a declaração de rendimentos por si apresentada em 20 de Maio de 2008;

XIV. Todavia, se o Tribunal entendia que as providências não eram adequadas, devia ter ele próprio adoptado as que achasse correctas, por força do direito à tutela judicial efectiva, no sentido, aliás, do requerido pela A.;

XV. A alteração do regime dos rendimentos profissionais é por si só um acto lesivo na medida em que não é necessário esperar pela liquidação para se saber que a A. vai pagar mais imposto, porque i) a A. não fez o arquivo das despesas decorrentes da sua actividade, porque a isso não estava obrigada; ii) A A. não irá usufruir da presunção de que 30% do seu rendimento é considerado despesa, o que implica que todo o seu rendimento seja visto como lucro, e iii) terá que contratar um Técnico Oficial de Contas para tratar da sua contabilidade; iv) terá que mobilizar as poupanças e recorrer a empréstimo;

XVI. Isto significa que o R. vai liquidar o imposto da A., em relação ao ano de 2007, como já liquidou, com base numa contabilidade que não reflecte a realidade económica da A., em matéria de custos;

XVII. E o mesmo irá acontecer em relação ao ano de 2008 e no ano seguinte;

XVIII. A irreversibilidade da situação e o prejuízo económico daí decorrente constituem factos notórios em relação aos anos de 2007 e 2008;

XIX. Tal situação vai ter impacto negativo na situação económica da A. que se vê obrigada a recorrer a empréstimo bancário, com as inerentes despesas ou a mobilizar poupanças que estão investidas, o que a significa que a situação não é reparável nem por equivalente;

XX. Estes prejuízos derivam essencialmente da alteração em si mesmo do regime de tributação dos rendimentos, que constitui, repete-se, o acto lesivo na situação em apreço;

XXI. Não colhe o argumento de que o eventual prejuízo será reparável porquanto a liquidação é susceptível de impugnação judicial;

XXII. Porquanto, o que se pretende assegurar, até à obtenção de sentença final, é o direito que assiste à A. de permanecer no regime simplificado;

XXIII. Direito que não é assegurado com a impugnação da liquidação, ainda que a mesma tenha efeito suspensivo, dado que este apenas tem como virtualidade garantir que a A. não seja obrigada a pagar logo a totalidade do imposto, desde que preste caução;

XXIV. A douta sentença recorrida não fez uso correcto dos pressupostos das providências cautelares porque a ponderação dos interesses em presença propende de forma inequívoca para a concessão das providências requeridas, dado que a Administração Fiscal em nada é prejudicada pela procedência das mesmas, uma vez que sendo o acto praticado manifestamente ilegal não há interesse público que o justifique;

XXV. Além disso, se o R. vier a ter ganho de causa na impugnação judicial, será fácil repor a situação através do cálculo do imposto que a A. deveria ter pago, segundo o regime da contabilidade organizada, incluindo os respectivos juros de mora, o que não acontece na situação oposta;

XXVI. Com efeito, a proceder a acção principal, como tudo indica que irá acontecer, quando for proferida sentença final daqui a três quatro anos, no mínimo, ela não terá, repete-se, qualquer efeito útil porque sendo a A. obrigada a permanecer no regime de contabilidade organizada, não é possível a reposição da situação anterior em que estaria sem a prática do acto ilegal (integração no regime simplificado);

XXVII. Por tudo o que vai exposto, deve ser decretada a suspensão da eficácia do despacho do R. e condená-lo a validar, a título provisório, a declaração de rendimentos apresentada pela A. em 20 de Maio de 2008, e provisoriamente aceite.

- Contra-alegou o recorrido Ministério das Finanças, pugnando, ao que aqui releva, pela manutenção do julgado, nos termos do seguinte quadro conclusivo;

A. Não assiste razão à recorrente quando acusa a sentença do Tribunal “a quo”, de ter decidido incorrectamente quando entendeu que não estavam reunidos, na presente acção, os requisitos legais exigidos para poder aceitar os meios cautelares requeridos.

B. Quanto à forma do articulado de alegações, este não cumpre os requisitos previstos no art..º 685-A do CPC, quanto ao ónus de alegar e formular conclusões, devendo pois a recorrente proceder á sua reformulação, sob pena de o presente recurso, nos termos do n.º 2 do art.º 685.ºC dever ser totalmente indeferido.

C. Quanto à questão principal a decidir, deverá entender-se que não estão reunidos os pressupostos de nenhuma das providências cautelares, não havendo lugar à suspensão da eficácia prevista no art.º 112.º do CPTA, em cumulação com a providência de intimação para um comportamento, prevista no art.º 147.º do CPPT.

D. Existe na verdade erro na forma de processo utilizado pela então requerente, importando na anulação dos actos que não possam ser aproveitados, por terem sido usados ambos os procedimentos em simultâneo, quando as providências cautelares a favor dos contribuintes, como é o caso, estão reguladas no art.º 147.º do CPPT, por força do estatuído no seu n.º 6.

E. O CPTA, em matéria tributária, é de aplicação supletiva e só se aplicam quando existe falta de regulamentação no CPPT, atento o disposto no art.º 2.º, alínea c) do CPPT.

F. Existe efectivamente regulamentação adequada e suficiente em matéria de providências cautelares, o que implica que qual seja a providência requerida, pode sempre ser declarada, desde que seja invocado e devidamente provado o receio de uma lesão irreparável causada pela administração tributária, como resulta do n.º 6 do art.º 147.º do CPPT.

G. Por isso, para requerer a suspensão de um acto potencialmente lesivo, terá sempre a recorrente de invocar e provar o receio de uma lesão irreparável.

H. A recorrente ao preencher os requisitos de aplicação tendo em vista o decretar da suspensão de eficácia prevista no CPTA, omitiu tanto a invocação, como também a prova dos pressupostos de aplicação de intimação para um comportamento, não tendo nunca alegado nenhum facto demonstrativo de uma lesão irreparável.

I. Não pode compensar esta omissão em sede de recurso, aditando de modo extemporâneo e por isso mesmo inaceitável, um ponto B) ao seu recurso, com factos novos e cujo título é Quanto ao fundado receio de uma lesão irreparável, quando na sua petição inicial nunca invocou, muito menos provou, um tipo de prejuízo que sequer se assemelhasse.

J. É na petição inicial que se fixa o objecto da acção judicial, através da exposição dos factos e das razões de direito que servem de fundamento à acção, conforme vem previsto no art.º 467.º do CPC e o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, tal como vem previsto no art.º 264.º do CPC, que consagra o princípio dispositivo;

K. Não se pode considerar a existência de uma lesão irreparável, uma vez que a haver liquidação decorrente da entrega do Anexo Modelo C, esta pode sempre ser impugnada nos termos da lei, bem como pode ser posta em causa a comunicação referente às obrigações declarativas, nos termos do art.º 54.º do CPPT.

L. Quanto à existência de prejuízo irreparável, a sua alegação ex novo, em sede de recurso, é totalmente inaceitável: não tendo invocado em tempo o requisito ínsito naquele normativo, muito menos o preencheu com matéria idónea a afastar a necessária lesão irreparável a que aquele artigo se refere, estando por isso o Tribunal “ad quem” impedido de apreciar o preenchimento (necessário) daquele requisito de que depende a admissão da providência.

M. Falecem totalmente os critérios de decisão do próprio pedido, determinando o seu indeferimento, uma vez que o facto de ser ter alterado o regime de tributação, não equivale a provar e invocar a existência de uma lesão irreparável.

N. Constituindo a alteração do regime um mero acto interlocutório da decisão final de eventual liquidação de impostos, tal só daria lugar a uma reclamação.

O. Não colhe o argumento de que não dispõe de quaisquer documentos que suportem despesas efectuadas, uma vez que independentemente do regime em que se encontra, tem obrigações contabilísticas.

P. Não é imputável à sentença recorrida, nem à Administração Fiscal, o facto de a contabilidade não reflectir a realidade económica em matéria de custos.

Q. Mas, mesmo um eventual prejuízo económico não é de todo irreparável, porque sempre assiste ao contribuinte o direito de reclamar de uma liquidação, quando esta se vier a produzir, através de processo de impugnação previsto no CPPT, onde poderá discutir a legalidade da interpretação feita pela entidade recorrida sobre os números 2 e 6 do art.º 28.º do CIRS, e inclusivamente, por mera hipótese académica, poderá ser-lhe devolvida, com juros, toda e qualquer importância decorrente da alteração ilegal do regime contributivo.

R. Não tendo a recorrente alegado nem provado a existência de prejuízo irreparável na petição inicial, não pode agora valer-se da sua condição de facto notório para se ver dispensada de tal ónus.

S. E quanto ao facto de o Tribunal não se ter pronunciado sobre o preenchimento dos requisitos legais do CPTA, por manifestamente não tinha de o fazer, uma vez que através da decisão tomada, o seu conhecimento se encontrava irremediavelmente prejudicado.

T. Não é também admissível que a Autora queira fazer recair sobre o Tribunal “a quo”, as consequências das suas omissões, ao alegar, que teve o cuidado de pedir ao Tribunal que adaptasse estas ou outras que, no seu alto critério, melhor se adequassem à situação, tal como lhe é exigido pelo direito à tutela judicial efectiva.

U. Não só esta formulação deveria acarretar a ineptidão da petição inicial, ou pelo menos a sua deficiência, como vem transferir para o Tribunal, de modo inaceitável e em absoluto violador do princípio da paridade das partes, a responsabilidade de decidir sobre aquilo que mais lhe convém, contrariando o princípio do dispositivo.

V. Não existe qualquer erro de interpretação e de aplicação dos preceitos legais, nem qualquer postergação do direito à tutela judicial efectiva, na medida em que não cabe aos órgãos judiciais suprirem as insuficiências das partes, no que toca à forma e à delimitação do objecto do processo, cuja escolha (e inerente responsabilidade) cabia à Autora.

W. Sobe a questão do art.º 28.º do CIRS, não existe qualquer ilegalidade por erro manifesto na interpretação e aplicação do n.º 6 do art.º 28.º do CIRS, uma vez que se aplica à recorrente o seu n.º 2 e não o seu n.º 6.

X. A inclusão da requerente no regime de determinação de rendimentos profissionais com base na contabilidade organizada, foi feita ope legis e reflecte a correcta interpretação e aplicação da lei em vigor.

Y. Não ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no período de tributação imediatamente anterior, tenham ultrapassado qualquer dos limites do n.º 2 do art.º 28.º nem ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que tenham optado pela determinação do rendimento com base na contabilidade.

Z. Pelo que a prorrogação do regime simplificado de tributação (para o período de tributação seguinte) apenas se opera caso não ocorram quaisquer destas situações.

AA. Tendo a requerente declarado no exercício de 2006, € 100.757,80 de rendimentos brutos, ultrapassou o limite constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 28.º, durante o último período de permanência no regime simplificado, ou seja, no triénio, 2004-2006, pelo que ficou automaticamente integrada, no ano de 2007, no regime de determinação dos rendimentos profissionais com base na contabilidade organizada.



BB. Não é por isso aplicável à situação da requerente, a norma constante do n.º 6 do art.º 28.º do CIRS, que trata de questão diversa da regulada nos normativos citados: rege as situações em que cessa a aplicação do regime simplificado, estando este a decorrer e não quando está findo o triénio, como ocorreu com a recorrente.

CC. Por isso mesmo, este normativo não lhe é aplicável, mas sim o n.º 2 do mesmo art.º 28.º, uma vez que em 2007 estava findo o período de tributação em causa e por isso não lhe podia ser aplicável o regime estabelecido no n.º 6, com base no resultado verificado no exercício de 2006, inexistindo direito de opção.

DD. Não pode assim ser a entidade recorrida condenada a validar a título provisório, a declaração apresentada pela requerente em 20 de Maio sem o anexo C relativo ao regime de contabilidade organizada, por manifesta impossibilidade legal, uma vez que a mudança do regime decorre expressamente da norma, tendo um mero efeito ope legis.


EE. Devendo por tudo o que dito, indeferidas as medidas cautelares requeridas pela recorrente, tal como foi decidido na sentença do Tribunal “a quo”.

- O EMMP, junto deste tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 224/225, para que se faz expressa remessa, pronunciando-se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

- Em 2009JAN19 veio, a recorrente, apresentar o requerimento que constitui fls. 26 e 227, esgrimindo com a LOEstado para 2009, na medida em que procedeu á alteração do n.º 6, do art.º 28.º do CIRS, sustentando que tal alteração se insere na linha argumentativa que expendeu no recurso e que tal alteração tem natureza interpretativa; Pelas razões que, adiante se aportarão, entendeu-se não ser caso de dar conhecimento de tal requerimento á parte contrária.

*****


- Com dispensa de vistos vêm, os autos, à conferência, para decisão.

- A decisão recorrida, com suporte nos elementos carreados para os autos, deu por provada a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). No dia 20/05/2008, a requerente apresentou, via Internet, a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao exercício de 2007;

B). Em 28/05/2008, a requerente enviou ao Sr. Director-Geral dos Impostos o requerimento cuja cópia consta de fls. 40 a 42 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido;

C). A Direcção-Geral dos Impostos enviou à requerente a carta cuja cópia consta de fls. 44 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, dando-lhe conta de que havia sido detectado um erro na declaração, referida em A)., consubstanciado no facto de não ter sido entregue o anexo C, concedendo-lhe, para a respectiva correcção, o prazo de 30 dias.

D). Datado de 05/06/2008, a requerente dirigiu ao Sr. Director geral dos Impostos, ao abrigo do art.º 37.º do CPPT, o requerimento cuja cópia consta de fls. 45 e 46 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, através do qual pediu, com referência à carta referida em C), que lhe fosse passada certidão da qual constasse a fundamentação legalmente exigida e a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado;

E). A requerente deduziu pedido de intimação para passagem de certidão contra o Sr. Director Geral dos Impostos, com os fundamentos que constam do articulado cuja cópia consta de fls. 47 a 49 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, meio processual esse que corre termos neste Tribunal com o n.º …../08;

F). No da 30/06/2008, a requerente apresentou, via Internet, a correcção referida em C);

G). O requerimento inicial dos presentes autos, deu entrada, neste Tribunal, em 09/07/2008;

H). No dia 11/07/2008, deu entrada neste Tribunal, a petição inicial do processo de impugnação judicial apenso, que corre termos com o n.º …../08, no qual a ora requerente e ali impugnante pede a anulação do acto do Director-Geral dos Impostos que procedeu á alteração do seu regime de rendimentos, enquadrando-o no regime de contabilidade organizada, e que seja ordenada a validação da declaração de rendimentos, referida em A)..

*****

- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Como é sobejamente sabido o âmbito e o objecto dos recursos jurisdicionais balizam-se pelas respectivas conclusões, não podendo o tribunal de recurso tomar em consideração quaisquer questões que, a ele, tenham sido submetidas pelos recorrentes se e na medida em que essas questões, não sendo de conhecimento oficioso, não tenham sido submetidas ao tribunal recorrido, isto é e como de forma sintética tem sido reafirmado pela jurisprudência, o tribunal de recurso está inibido de conhecer de questões novas.

- No caso vertente o Mm.º juiz recorrido julgou improcedente o presente processo cautelar, no entendimento de que, ainda que admitindo a possibilidade de cumulação do pedido de suspensão de eficácia de acto, ao abrigo do art.º 112.º e ss. do CPTA, com o de intimação para a um comportamento, regulamentado no art.º 147.º do CPPT, sempre será de considerar o primeiro como subsidiário do segundo o que implica que quem solicite providência cautelar ao seu abrigo esteja vinculado, além do mais, a invocar e a provar o fundado receio de uma lesão irreparável se aquela não vier a ser decretada.

- Ora, para o Mm.º juiz recorrido, a recorrente não invocou, no articulado inicial, nem provou, tal fundado receio de lesão irreparável, sendo que a alteração do regime de tributação da recorrente (do simplificado para o de contabilidade organizada) não consubstancia, em si mesmo, um prejuízo e, muito menos, irreparável, aqui fazendo ancorar o sentido decisório da sentença em crise.

- A nosso modo de ver a afirmação de que a recorrente não esgrimiu, no seu articulado inicial, com o fundado receio de uma lesão irreparável, não tem aderência à realidade.

- Na realidade, no art.ºs 70 e ss. de tal peça processual, a recorrente sustentou que a manutenção da alteração do seu regime de tributação, de simplificado para de contabilidade organizada lhe acarreta “(…) prejuízos de difícil reparação senão mesmo irreparáveis (…)”, afirmando, na sequência, que a manter-se tal alteração, quando vier a ser proferida decisão final na acção principal, dentro de 3 ou 4 anos na melhor das hipóteses, ela não terá qualquer efeito útil por impossibilidade de reposição da situação anterior, consubstanciando, assim, uma “(…) situação irrepetível (…), concluindo que “A irreversibilidade da situação é já bem evidente em relação ao imposto relativo aos anos de 2007 e 2008”.

- Ora, se a alteração do regime de tributação da recorrente acima afirmado, for susceptível de lhe causar prejuízos, por um lado, e se esses forem impossíveis de eliminar/compensar, ainda que “a posteriori”, por impossibilidade de reconstituição fáctica que o permita, tal como nos parece ter de inferir-se da sua alegação nos referidos art.ºs da p.i., então crê-se não ser possível afirmar-se que a recorrente não esgrimiu, ou, como se diz na sentença em apreciação, “(…) não resulta invocado (…)”, com o fundado receio de uma lesão irreparável se não vierem a ser decretadas as requeridas providências.

- Questões diversas destas são as de saber, por um lado e desde logo, se os invocados prejuízos, sendo-o, são irreparáveis e, por outro e subsequentemente, a responder-se afirmativamente, se, no caso concreto, a verificação dos mesmos se encontra demonstrada.

- E, nesta sede, é que já se concorda com o decidido, isto é, mesmo admitindo a verificação do circunstancialismo em que a recorrente consubstancia os prejuízos que teme venham a concretizar-se e que elenca nos art.ºs 70.º a 91.º da p.i., crê-se que esses prejuízos não podem ser qualificados de irreparáveis.

- Vejamos porquê;

- Sintetizando o alegado nos referidos art.ºs 70.º a 91.º, ao que aqui nos importa, os prejuízos em questão, para a recorrente, consistirão no seguinte;
a) impossibilidade de re-colocação da recorrente na situação anterior, isto é, na situação de sujeita ao regime simplifcado, quando vier a ser proferida a decisão final (transitada em julgado) que lhe seja favorável na acção principal, o que ocorrerá, na melhor das hipóteses daqui a 3 ou 4 anos, como decorrência forçosa de, estar vinculada a permanecer 3 anos no regime de contabilidade organizada;
b) acresce que , como estava convencida do seu direito à permanência naquele referido regime (simplifcado) não conservou o suporte documental adequado à demonstração dos custos dos exercícios já decorridos de 2007 e 2008, segundo o regime de tributação para que transitou (contabilizada organizada);
c) na convicção do seu direito a manter-se no regime simplificado, projectou uma dívida de imposto de cerca de € 5.000, sendo que, por ausência daquela referida documentação de suporte, tal dívida ascenderá a cerca de € 12.000, o que a irá obrigar ou a recorrer a um empréstimo bancário ou a mobilizar poupanças suas que estão investidas; em qualquer dos casos, tal constituirá prejuízo irreparável “pois, para além da impossibilidade do cálculo dos juros que deixa de receber com a mobilização do capital para o pagamento do imposto, trata-se de quantias que nunca serão ressarcidas”;
d) a permanência no regime de contabilidade organizada acarreta-lhe, ainda, incómodos por a ir obrigar a “(…) perder tempo com tal tarefa burocrática, com custos incalculáveis”, obrigando-a a contratar um TOC para assinar o Anexo C, o que lhe irá causar, igualmente, um custo que não será ressarcido pela AT, ainda que esta perca a acção principal.
1. Quanto à ausência de efeito útil da procedência da acção principal;

- Desde logo cabe afirmar que, ainda que sendo conhecidos os atrasos na justiça, decorrentes das mais diversas causas que, contudo, não cabe aqui escalpelizar, não é possível vaticinar e, muito menos, afirmar com suporte em elementos de permitam um juízo de prognose prévia de forte probabilidade, que a acção principal apenas estará decidida, na melhor das hipóteses, daqui a 3 ou 4 anos.

- Como quer que seja, tal não é, sequer e a nosso ver, relevante á decisão a proferir.

- É que, dito de forma singela, se a recorrente vier a obter ganho de causa que, a final, venha a importar a ilegalidade do acto tributário de liquidação de imposto por ilegalidade, a montante, na alteração do regime de tributação a que tem direito nos termos da lei, tal só pode ter como consequência, necessária e inarredável, a eliminação da ordem jurídica (na parte afectada) desse mesmo acto tributário, sendo que a prática de outro em seu lugar, por parte da AF, admitindo a sua viabilidade por princípio, em caso de se revelar impossível de concretizar por falta de elementos que permitem a respectiva quantificação não poderá reverter desfavoravelmente contra a recorrente se e na medida em que a ausência de tais elementos lhe não sejam imputáveis e, por consequência, não possa ser acusada da ruptura do dever de cooperação que tem para com a AT e legitimadora, em última instância, do recurso ao método alternativo indirecto.

- Por outro lado, como é sobejamente sabido, o pagamento de imposto apurado em liquidação ilegal, por erros de facto ou de direito da entidade liquidadora, confere ao sujeito passivo destinatário da mesma, o direito ao recebimento a juros indemnizatórios, nos termos do que preceitua o art.º 43.º da LGT.
2. Quanto à ausência de suporte documental das despesas;

- Nesta matéria e salvo o devido respeito por entendimento em contrário, a recorrente, apesar de estar englobada no regime simplificado, não se encontra dispensada legalmente, nem tão pouco tal é do seu interesse, de e conservar documentos contabilísticos, tal como decorre, nos termos aliás referidos pela FP na sua resposta (cfr. art.º 71, a fls. 83 dos autos) constantes dos art.ºs 115.º, 116.º e 118.º do CIRS.

- Aliás esses elementos apresentam-se como examináveis pela AF no exercício do seu poder/dever de fiscalização, desde logo no sentido de aferir em casos como o vertente, da verificação/manutenção dos pressupostos de aplicação do regime simplificado nos termos do que possa ter sido declarado pelos contribuintes e em face do que preceitua o art.º 28.º do CIRS.

- Ou seja, não pode ser imputado à AF o eventual prejuízo que possa decorrer de uma conduta da recorrente que, por vontade própria, prescindiu de conservar os documentos que suportem custos incorridos, pelo que, dando de barato que a possível ocorrência dos mesmos, quer a sua natureza irreparável, tal não pode servir para suportar as pretendidas providências, na medida em que a ela, recorrente, terão, nesta vertente, de serem imputados.
3. Quanto à necessidade de recurso a empréstimo ou a mobilização de kpoupanças investidas, para pagar o excesso de imposto decorrente do regime de contabilidade organizada e à necessidade de contratação de TOC;

- Fazendo decorrer, a recorrente, o montante de imposto que tem como provável por força do regime de contabilidade organizada da circunstância de não poder demonstrar os custos em que incorreu por ter prescindido dos respectivos documentos de suporte (cfr. art.º 82.º da p.i.) é evidente que em face e como necessária consequência do que acima se afirmou a propósito de tais documentos, o apuramento final desse montante, dando de barato, por comodidade de raciocínio a sua aderência à realidade, é-lhe, também a ela e em última análise imputável, pelo que, pela mesma ordem de razões, não pode fundamentar o decretamento das providências que solicitou ao tribunal; por outro lado, está por se saber, - circunstância que não foi, tão pouco, alegada -, qual o montante de imposto que terá de pagar a mais por referência àquele que o teria de fazer se se mantivesse no mesmo regime de tributação para se se poder concluir ter de fazer um esforço suplementar, nessa medida lhe podendo causar qualquer incómodo.

- De todas as formas não se logra entender o afirmado em 87.º da p.i., ainda que o diferencial fosse o apontado pela recorrente e que tal lhe impusesse o recurso ao crédito à mobilização de poupanças investidas, na medida em que não tem, de todo, aderência á realidade a afirmada impossibilidade de cálculo dos juros que venha a deixar de receber por força da medida do resgate das poupanças que venha a fazer, sendo, que, para além dos juros indemnizatórios a que venha ter direito, nos termos acima referidos, sempre todos e quaisquer prejuízos que, demonstradamente, venha a ter de suportar por actuação da AF, serão susceptíveis de serem pedidos ao Estado.

- Ou seja e como se começou por afirmar, não se vislumbra que qualquer dos prejuízos que a recorrente aduz como consequência da alteração do seu regime de tributação assumam a natureza de irreparável, no sentido de, como diz, a recusa das requeridas providências, (ou outras substitutivas), configurem qualquer violação ao seu inegável direito a uma tutela judicial efectiva.

- “Ex abundanti”, diga-se, ainda no âmbito da requerida intimação para um comportamento, que o decretamento deste tipo de providência tem como pressuposto a evidência do direito da requerente carecido da providência, atestado pelos elementos documentais carreados para os autos pelas partes com os seus articulados,- já que a mesma não comporta fase instrutória -, pelo que “se não for possível concluir com segurança pela existência do direito ou interesse invocado terá de entender-se que este não é o meio processual adequado para a satisfação da pretensão do requerente, o que obstará á sua utilização, por força do disposto no n.º 2 deste art. 147.º.”(1); Ora, no caso vertente, crê-se, no mínimo, que essa segurança não pode ser afirmada, sendo que a linha argumentativa desenvolvida pela FP em suporte da sua actuação não pode ser liminarmente apelidada de violadora do ordenamento jurídico aplicável.

- Por fim e quanto à requerida providência de suspensão da eficácia de despacho da autoria do Sr. Director-Geral dos Impostos que ordenou a alteração do seu regime de tributação, nos supra mencionados termos (cfr., do articulado inicial, o seu cabeçalho, bem com os art.ºs 66.º e 99.º e, ainda, o pedido formulado sob a al. a)), é manifesta a sem razão da recorrente, na medida em que não foi, por aquela entidade, proferido qualquer despacho com o sentido e conteúdo que lhe é atribuído por requerente, - nos termos, aliás, suscitados pela FP, na sua resposta [cfr. art.ºs 31 e ss] -, pelo que tanto basta para concluir pelo insucesso a que estava votada a sua pretensão nesta matéria já que não é possível mandar a suspender a eficácia do (acto) que não existe; E, no que se vem de afirmar, se pode encontrar a razão para que a recorrente nunca tenha sido notificada de qualquer decisão da AF e, particularmente do Sr. Director dos Impostos, determinativo da alteração da sua inclusão no regime simplificado para o regime de contabilidade organizada.

- Por outro lado também não colhe, a nosso ver, a pretensão de que o tribunal recorrido, a entender como entendeu, adoptasse as providências que achasse correctas ao caso, pela simples circunstância de que, quando seja caso de o juiz se substituir à parte, designadamente pela convolação do meio processual, em abono do princípio de cooperação que se lhe impõe em ordem ao acatamento de outro que manda privilegiar a substância sobre a forma, é pressuposto que exista meio alternativo à finalidade pretendida e que se mostre, de um mesmo passo, como forma de protecção judicial efectiva do requerente e adequado à actuação processual desenvolvida por este último.

- Ora, no caso, crê-se assertivo, em função de tudo o que acima se referiu, que tão pouco se vislumbra qualquer providência cautelar contemplada no ordenamento jurídico, susceptível de ser decretada.

- Por tudo o exposto, conclui-se que a decisão recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados pela recorrente.
*****
- D E C I S Ã O -

- Nestes termos acordam, os juízes da secção de contencioso tributário do TCASul, em negar provimento ao recurso, assim se conformando a decisão recorrida que, nessa medida, se mantém na ordem jurídica.
- Custas pela recorrente.
09FEV03
LUCAS MARTINS
MANUEL MALHEIROS
ASCENSÃO LOPES (Com a seguinte declaração de voto:
Votei a decisão na consideração, essencial, de que o acto lesivo é o acto de liquidação do tributo. No entanto, não acompanho a fundamentação quanto à inexistência do acto que ordenou a alteração do regime de tributação ( vide fls. 18 deste acórdão) o qual existe de facto e em última análise, se efectuado automaticamente pelo sistema informático da DGSI tem de ser imputado quanto à sua autoria ao Senhor Director Geral dos Impostos.

(1) Cfr. CPPT anotado, do Cons. JLSousa, 4.ª ed., 669.