Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12220/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/09/2015
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS.
REQUISITOS URGÊNCIA.
Sumário:
I – O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, consagrado no artigo 109º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial resguardo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem.

II – Não se verificando a situação de urgência subjacente à necessidade da referida intimação falta um seu pressuposto de admissibilidade que consubstancia a excepção dilatória inominada inadequação do meio processual.

III - Por não se mostrar preenchido um dos pressupostos legalmente exigidos para se poder instaurar a adequada acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido não é possível proceder à convolação da presente acção de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias no meio processual adequado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


Maria………………………………., com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAC de Lisboa, de 31 de Março de 2015, que julgou improcedente a presente acção de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, não intimando consequentemente o Instituto dos Registos e Notariado IP a proceder ao imediato processamento do acto de integração de registo de nascimento no registo civil português e na emissão da devida certidão, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

I. A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é um meio processual que constitui um processo autónomo e que visa dar cumprimento ao art. 20º nº 5 da CRP.

II. Como tem vindo a ser entendido pela doutrina e jurisprudência são pressupostos da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias: (1) que a providência judiciária requerida (adoção ou abstenção de uma conduta) se destine a proteger um direito, liberdade ou garantia dos previstos no Título II da Parte I da Constituição ou um direito fundamental de natureza análoga (art.º 17º da Constituição), de cariz pessoal ou patrimonial; (2) que o pedido se refira à imposição dum conduta positiva ou negativa à administração ou a particulares; e (3) não ser possível ou suficiente qualquer outro meio processual principal (ação administrativa especial ou comum), combinado com o decretamento provisório de uma providência cautelar adequada às circunstâncias do caso.

III. No caso em apreço, estamos perante um quadro que se reconduz-se, sem qualquer dificuldade, a um problema de tutela de direitos, liberdades e garantias, que aponta, em primeira linha, para o direito à cidadania e identidade pessoal, cujo exercício depende de uma atuação positiva por parte da Administração. Mas estende-se, sem grande dificuldade, a outros direitos, liberdades e garantias, ou a outros direitos subjetivos fundamentais análogos, por força da especial ligação do direito à identidade pessoal ao valor da dignidade da pessoa humana.

IV. A recorrente alegou e demonstrou o preenchimento de todos os pressupostos para o deferimento do pedido de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, tendo não só justificado a necessidade da integração do seu assento de nascimento lavrado pelas autoridades portuguesas do antigo Estado da Índia, como o fez de forma bastante concreta e compreensível para qualquer pessoa que se coloque na posição em que aquela se encontra.

V. E mesmo o que Tribunal a quo não o tenha julgado especificamente provado, pode ainda assim o Tribunal ad quem concluir com razoável segurança pela verosimilhança e probabilidade de verificação no caso concreto.

VI. Perante os factos alegados pela recorrente qualquer pessoa compreende imediatamente que i) a situação do requerente pede uma resposta definitiva e ii) urgente com vista à integração do seu assento de nascimento lavrado pelas autoridades portuguesas do Antigo Estado da Índia e, consequente, emissão da sua certidão de nascimento.

VII. Como é evidente, numa matéria fundamental como é a da cidadania e identidade não há lugar para decisões provisórias, o que aliás é reconhecido pelo próprio Tribunal a quo.

VIII. A nacionalidade e a identidade é dos direitos fundamentais mais elementares, na perspetiva de que é sobre ele que se constituem outros. Por isso é que a nacionalidade se prova pelo assento de nascimento e que é obrigatória a obtenção (e a emissão) do cartão de cidadão, o documento autêntico de identificação do cidadão nacional. Sendo a obtenção e emissão da certidão de nascimento obrigatórias para prova da nacionalidade do requerente e sendo legalmente inadmissível a emissão de uma certidão de nascimento temporária ou provisória, dificilmente se compreende que se possa sustentar que a presente intimação não é o meio processual adequado.

IX. Tendo o recorrente alegado e demonstrado todos os pressupostos da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é forçoso concluir que o presente meio processual é o adequado não se lhe impondo a demonstração de quaisquer outros factos.

X. O Tribunal a quo não justificou porque é que tal meio processual seria mais adequado do que a intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias. Além de ter dado por demonstrado o que era preciso demonstrar, tal entendimento não tem apoio nem na doutrina, nem na jurisprudência.

XI. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não se pode, desde logo, afastar o recurso a qualquer meio processual urgente e como é evidente, uma situação como a que o recorrente vive não se compadece com a tramitação de uma ação administrativa especial, nem tampouco é passível de uma “identidade provisória”.

XII. A recorrente lançar mão de uma ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido, com fundamento na violação do art. 41º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, porque tal norma não é aplicável ao pedido de transcrição de nascimento, mas apenas aos processos de atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade.

XIII. Mas, ainda que assim não se entendesse – o que não se concede, mas se pondera por mero dever de patrocínio – sempre se dirá que de acordo com a posição adotada pelo Tribunal a quo à data da propositura da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, já havia decorrido o prazo de 30 dias para análise sumária do processo e, por essa razão, podia a mesma ter sido convolada em ação administrativa especial.

XIV. A sentença recorrida viola o disposto no Decreto – Lei nº 249/77, de 14 de junho, artºs 21º nº 1 da Lei da Nacionalidade, art. 41º do Regulamento da Nacionalidade, art. 71º nº 1 do CPA, artºs 12º, 13º, 14º, 16º, 18º, 20º, 25º, 26º da CRP e art. 109º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais.”

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O Instituto dos Registos e Notariado contra – alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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Sem vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a presente acção de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, não intimando consequentemente o Instituto dos Registos e Notariado IP a proceder ao imediato processamento do acto de integração de registo de nascimento no registo civil português e na emissão da devida certidão.

Como se escreveu no Acórdão deste TCAS de 27 de Maio de 2010 in Proc. nº 06235/10: “ A admissibilidade deste meio processual [ intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias] depende dos seguintes pressupostos:
- necessidade de tutela de mérito urgente em situações de ofensa ou ameaça de ofensa a direitos, liberdades e garantias;
- impossibilidade (ou insuficiência) dessa tutela poder ser obtida em tempo útil por um dos outros meios processuais, conjugados com um procedimento cautelar, incluindo o decretamento provisório de providência cautelar, nos termos do artigo 131º do CPTA;
- impossibilidade ou impraticabilidade de utilização prévia atempada de outros meios processuais que forneçam tutela adequada para os direitos a proteger;”

No caso sub judice , a Recorrente de nacionalidade indiana requereu, em 1 de Dezembro de 2014, a transcrição do seu assento de nascimento lavrado pelas autoridades portuguesas no antigo Estado da Índia e consequente emissão de certidão de nascimento.
Ora, desde logo, da matéria fáctica dada como assente na sentença recorrida e da própria alegação da Recorrente não resultam factos que indiciem qualquer prejuízo concreto que determine que o seu pedido seja apreciado de imediato e com preferência sobre os 512 pedidos/processos que estão à sua frente no IRN.
Por conseguinte, não se mostra preenchido um dos pressupostos da intimação previsto no artigo 109º do CPTA pelo que, necessariamente, deveria constituir objecto de rejeição.
De igual modo, prevê-se na al. a) do nº 1 do artigo 67º do CPTA que pode ser pedida a condenação à prática do acto devido quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente e o dever legal de decidir, não tenha sido proferida decisão dentro do praz legalmente estabelecido.
Resulta do disposto no artigo 41º nº 1 e 2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto – Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que a Conservatória, no prazo de 30 dais contados da recepção dos pedidos, analisa-os e, se não for caso de indeferimento liminar, convida os interessados a suprir as respectivas deficiências, e, concluída a instrução do pedido de transcrição, o Conservador profere decisão, no prazo de 60 dias.
Tais prazos são contados nos termos do artigo 72º do CPA, o que, no caso sub judice, implica que, tendo a requerente pedido a transcrição do registo do seu nascimento em 1 de Dezembro de 2014, na data em que a presente acção de intimação foi instaurada, em 19 de Janeiro de 2015, ainda não haviam decorrido os prazos legalmente estabelecidos para a tomada de decisão no procedimento administrativo.
Forçoso é, pois, reconhecer, tal como ficou bem evidenciado na sentença recorrida, que não se mostra preenchido um dos pressupostos legalmente exigidos para se poder instaurar a adequada acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido pelo que não é possível proceder à convolação da presente acção no meio processual adequado.

Em conformidade com o exposto, improcedem as conclusões da alegação da Recorrente sendo de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

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Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

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Sem Custas, por isenção legal.

Lisboa, 9 de Julho de 2015.

António Vasconcelos
Catarina Jarmela
Conceição Silvestre