Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:530/10.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
TRANSMISSÃO DE DIREITO REAL SOBRE IMÓVEL;
IMPUGNABILIDADE.
Sumário:1. De acordo com o disposto no n.º 7 do art. 129.º do CIRC, o procedimento de prova do preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58º-A do CIRC (ou, se não houver lugar a liquidação, condição da impugnação das correcções ao lucro tributável).

2. Se o Impugnante/Recorrente, no seguimento de notificação do resultado da avaliação do prédio transmitido, não requer a abertura do procedimento de 2.ª avaliação, não pode depois na impugnação do IRC liquidado com base naquele resultado, invocar que os elementos que serviram de base à avaliação do imóvel nenhuma aderência têm à realidade física e jurídica existente à data da transmissão.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

Massa Insolvente de C………….., S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada da liquidação de IRC do exercício de 2007.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (cf. despacho a fls.191).

Em seguimento, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A) Surgem as presentes alegações no âmbito do Recurso Interposto, ao abrigo dos normativos do CPPT da Sentença de fls. 166 e seguintes que julgou improcedente a Impugnação judicial sobre segunda avaliação efectuada pelo Serviço de Finanças de Silves não só em Matriz já extinta, como também em prédio inexistente e ainda da Imputação a IRC de 2007 do resultado da avaliação do correspondente valor patrimonial do referido Imóvel inexistente, e com o que a recorrente se não pode conformar.
B) Sendo a sociedade recorrente Insolvente e independentemente da apensação, o Administrador de Insolvência substitui a Insolvente em todas as acções cujo resultado possa influenciar o valor da massa, como é o caso presente para além do que nos termos do art. 40 n.º 1 u) do regulamento das custas processuais, a recorrente encontra-se isenta do pagamento de custas, sendo-lhe por força da lei reconhecida tal Isenção.
C) É assim o Administrador de Insolvência e a correspondente massa parte legitima com isenção de custas processuais.
D) A presente impugnação judicial tem como objecto designadamente a segunda avaliação patrimonial de imóvel já realizada em Matriz desactivada e em imóvel já demolido, na pendência da qual foram interpostas diversas execuções fiscais quando não havia, nos termos do art. 103º nº 4 do CPPT, notificação expressa judicial para ser prestada caução e por isso em desrespeito pelo disposto no art. 102.º do CPPT tendo por
isso estes autos uma importância fundamental relativamente à definição quer da própria Impugnação quer das execuções fiscais conexas e já apensadas ao processo de Insolvência.
E) Foi deduzida a presente impugnação em resultado de, por avisos registados datados de 15.07.2010 e recebidos a 21.07.2010, ter sido a recorrente sucessivamente notificada da liquidação de IRC de 2007, do valor da primeira liquidação de IRC relativa a esse ano, dos correspondentes juros de mora em relação a uma primeira liquidação ainda não definitiva e da própria segunda liquidação ascendendo o valor global das liquidações Impugnadas, com a subsunção da primeira liquidação efectuada à segunda, e sem prejuízo de não serem devidos juros de mora sobre uma liquidação ainda não definitiva ao significativo valor de €135.349,64 resultante de segunda avaliação do imóvel feita a 17.09.2008, em que, em Matriz desactivada e em Imóvel demolido, foi feita nova avaliação que atribuiu um valor patrimonial de €603.100,00.
F) E efectivamente dos factos provados na Sentença recorrida, resulta que:
a) em 19 de Janeiro de 2007 foi celebrada Escritura Publica de Compra e Venda na qual a Recorrente e, entretanto, insolvente C.........., declarou vender à sociedade M.......... Lda. pelo preço de €200.000,00 o prédio Inscrito na Matriz predial Urbana sob o art……;
b) tal prédio foi a 14.12.2007 desactivado em função de, pelo comprador, ter sido requerida a sua demolição;
c) e se é certo que a 17.01.2008 a Sociedade compradora entregou o modelo 1 de IMI relativamente quele prédio, fê-lo unicamente para regularizar o seu pedido de demolição entrado no ano fiscal em que a compra foi efectuada;
d) e só a 16.10.2008 a Insolvente foi notificada do resultado dessa segunda avaliação.
G) E certo é que conforme consta no art. 13º da Contestação da Fazenda Publica deduzida nestes autos, esta própria vem confessar que o tal art. ........º, de cuja avaliação a recorrente foi notificada a 16.10.2008 fora efectuada quando o art. ........º se encontrava desactivado por ter dado origem a um lote de terreno por demolição Inscrito na Matriz Urbana sob o art….., que por sua vez também foi desactivado por ter dado origem ao artigo Urbano …. do que é consequência directa que quando foi feita a segunda avaliação não era só a Matriz que estava desactivada como também no ano de 2008 fora inscrito na Matriz como seu sucedâneo um terreno para construção, o que pressupunha já ter ocorrido a correspondente demolição.
H) A segunda liquidação de IRC no já referido valor de €135.349,64 já compreendia o valor da primeira avaliação que, em termos de IRC o fixava em € 31.513,54 e correspondente a montante já liquidado que tinha como objecto a primeira avaliação efectuada o que constituiu fundamento para a fixação do valor do IRC independentemente do facto de a recorrente ter vendido por escritura de 19 de Janeiro de 2007, celebrada de fls. 54 verso a fls. 56 do Cartório Notarial de M.........., o prédio Urbano sito na Rua…….., em Armação de Pêra, Concelho de Silves e Inscrito na respectiva Matriz sob o art. ….a M.......... Lda., pelo preço de €200.000,00 e de esta escritura ter sido concretizada em função de contrato promessa de compra e venda celebrado em Agosto de 2006 pelo mesmo valor.
I) Ao ser realizado tal contrato de Promessa de Compra e venda pelo efectivo valor de mercado de €200.000,00 a impugnante fê-lo por um preço até significativamente alto atenta a deflação dos preços do imobiliário e a degradação do Imóvel pelo que a sujeição do IRC por um valor completamente desfasado das reais menos valias resultantes do valor patrimonial atribuído pelo Serviço de Finanças, é ilegal e sem fundamento.
J) No ano fiscal imediatamente seguinte ao da venda, ou seja a 17.09.2008 foi feita nova avaliação que atribuiu ao já referido Imóvel desactivado e demolido o valor de €603.100,00 em prédio que, conforme certidão matricial junta com a petição sob doc. Nº 7 tinha a matriz desactivada a partir de 14.12.2007, por demolição do imóvel, logo 10 meses antes da tal segunda avaliação e donde resulta a sua Ilegalidade.
L) E não poderia a recorrente notificada da avaliação requerer, nos termos dos arts. 74º e 75º do CIMI segunda avaliação, quando é certo que já não existindo prédio para avaliar, o objecto da segunda avaliação era impossível, tal como era impossível a avaliação feita pelo Serviço de Finanças em Setembro de 2008, sendo a partir de tal avaliação impossível, sem prédio e em Matriz desactivada que foi realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, o qual fez a correcção do IRC de 2007 por relatório de 22 de Abril de 2010 de onde resultou um aumento de IRC de 2007 brutal de €31.513,54 para € 135.349,64, e ainda por cima ainda agravado com juros de mora.
M) Assim, verifica-se que em termos de IRC a determinação do valor colectável que está a ser Imposto pela Fazenda Nacional à Recorrente se fundamenta:
d) já numa primeira liquidação de IRC ao arrepio das normas legais previstas em sede de CIRC para definição de matéria colectável e correspondente prova;
e) Também na segunda avaliação já com matriz desactivada e prédio demolido, com a manutenção de todos os vícios substantivos e de prova que enfermava a primeira liquidação;
f) Em ambas as avaliações e designadamente na segunda, quando esta última foi feita quando já não havia sequer imóvel para requerer segunda avaliação.

N) Por isso o que está em causa nestes autos e constitui o objecto deste recurso é estar, por um lado a ser exigido um IRC com base em critérios do CIMI não fundamentado nos normativos do imposto sobre rendimento real das pessoas colectivas e por outro a própria segunda avaliação já não ter nem objecto real, nem o sujeito tributário ser a recorrente, não podendo por isso ser utilizados os montantes resultantes das avaliações para a fixação do valor tributável em IRC e muito menos para a fixação do lucro real.
O) Mas mesmo em sede de IMI, o critério de avaliação corresponde ao acto subsequente da administração fiscal à entrega dos elementos sobre o prédio que foi vendido e caso esses elementos correspondam ao prédio transaccionado, o que não acontece no caso presente.
P) Em termos de IRC, o facto de em sede de IMI não ter sido Impugnado o valor da primeira avaliação, não significa que essa falta de impugnação seja cominatória para efeitos de rendimento dado que o que conta, em termos de actividade da sociedade e do CIRC é o efectivo valor normal de mercado acrescendo que a segunda avaliação, tão pouco por maioria de razão pode conduzir à fixação de um segundo valor patrimonial, pois foi feita em resultado de uma declaração modelo 1, entregue pelo adquirente, com vista à construção de um novo prédio, quando a matriz sobre aquele local já tinha como objecto um terreno urbano para construção e esta ultima matriz resultou da desactivação anterior da matriz do prédio vendido.
Q) E é este efectivamente o segundo fundamento do desacordo com a sentença recorrida, de não poder ser imputado como lucro da recorrente uma avaliação feita relativamente a um prédio demolido e a uma matriz desactivada e com fundamento numa modificação do prédio requerida por quem o comprou pelo valor de mercado de € 200.000,00, sendo que esse valor de mercado correspondia a um prédio degradado sem poder ser utilizado e visando a sua demolição.
R) Contrariamente ao que diz a Sentença recorrida o facto de o documento entregue pelo adquirente para a declaração de modelo 1 do IMI ter ocorrido a 17 de Janeiro de 2008, é irrelevante quando a data de segunda avaliação é de 17.09.2008, ou seja, 9 meses depois e quando a desactivação da matriz do artigo ….. correspondente ao prédio vendido, passando à natureza de terreno para construção em 14.12.2007.
S) O facto de a segunda avaliação ter sido imputada à recorrente acaba por traduzir uma dupla tributação porquanto, se o artigo ........ desactivado já não era objecto de tributação de IMI desde 2007, de acordo com o critério do art. 8.º do CIMI, estava a Fazenda Publica a tributar o adquirente pelo terreno para construção depois da demolição feita pelo mesmo e a tributar a recorrente por um prédio já demolido.
T) Esta segunda avaliação que deu origem ao empolamento erróneo do valor de IRC da recorrente, incidiu sobre um prédio já completamente novo, construído num lote de terreno inovatório sem nunca ter sido posse ou propriedade da recorrente que era tão só titular de um anterior prédio inexistente jurídica e materialmente à altura da segunda avaliação pelo que não pode a avaliação do IMI ter relevância para os lucros da matéria colectável da recorrente de acordo com o CIRC.
U) Contrariamente ao disposto no art. 1.º do CIMI em que o IMI incide sobre o valor patrimonial tributável dos imóveis, dispõe o art. 1.º do CIRC que a incidência deste imposto tem por objecto os efectivos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, concretizando o art. 3.º do mesmo diploma o que são efectivos lucros das sociedades comerciais, especificando o art. 4.º ainda do CIRC que são considerados ganhos os resultantes da transmissão onerosa de imóveis.
V) Dado que os lucros são matéria colectável e por força do art. 15º ainda do CIRC remete esta disposição para o art. 58.º-A do mesmo diploma que dispõe no seu nº 2 que, sempre que nas transmissões onerosas de Imóveis o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável, pelo que quando o art.129º do CIRC determina para os efeitos do art. 58.º-A que cabe ao sujeito passivo fazer prova de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário, não há melhor prova do que a que resulta de declarações prestadas em documento autêntico que faz prova plena dos factos que são referidos como praticados perante autoridade pública, art. 371º do CC, declarações essas que correspondem ao valor já definido no contrato promessa e que não foi sujeita a arguição de falsidade por parte da Fazenda Nacional.
X) Do art. 23.ºdo CIRC, designadamente no seu nº 1 a) que define como perdas as alienações feitas por valor inferior ao tributável determinando o art.43.º n.º 3 que o valor da contra prestação é efectivamente o valor de mercado resulta que, mesmo sem a factualidade significativa da falta de objecto da segunda avaliação as duas liquidações de IRC exigidas à recorrente são ilegais e desproporcionadas em relação aos critérios que resultam dos normativos aplicáveis em particular e no que respeita à segunda avaliação, por esta consistir numa completa violação dos critérios do art. 37º do CIMI porquanto os documentos que originaram as avaliações não têm a ver com o prédio alienado.
Z) E mesmo em termos de CIMI, a Recorrente desde Janeiro de 2007 que não era proprietária do Imóvel, dispondo o art. 8.º do CIMI que o IMI é devido pelo proprietário do prédio a 31 de Dezembro de cada ano, quando é certo que quando o adquirente deu conhecimento da transmissão onerosa para a construção do prédio em propriedade horizontal já o fez como titular da matriz para construção, estando vedado, por isso, à recorrente o direito de pedir segunda avaliação não só porque já não havia prédio para avaliar, como também porque a determinação do valor patrimonial se faz nos termos do art.38º do CIMI pelo valor base dos prédios edificados.
AA) Violou, por isso, a Sentença recorrida:
c) quanto à imputação dos valores patrimoniais a lucro tributável os arts. 1º, 4º, 15º, 23º, 43º, 58.º-A, e 129º do CIRC, bem como o art. 1º do CIMI;
d) quanto a julgar válida a segunda avaliação efectuada sem objecto os arts. 8.º, 37º, 38º, 74º e 75º do CIMI.

Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e por via dele ser revogada na totalidade a Sentença recorrida e substituída por outra que, em consequência:
a) serem declaradas inválidas e nulas e de nenhum efeito as liquidações de IRC efectuadas, sendo julgado que a mesma liquidação deverá ser corrigida e efectuada considerando-se como efectivo lucro real o valor declarado em documento autêntico pelas partes e correspondente ao valor do imóvel no mercado em que se insere;
b) mesmo que por mera hipótese se admita a primeira avaliação, realizada em 2003 como válida porque vigorava a data da compra e venda ser sempre julgada inválida a segunda avaliação realizada pretensamente no artigo ........, quer por ter sido concretizada quase um ano depois da desactivação deste artigo e da correspondente demolição o prédio o que tornava o seu objecto impossível, quer por ter sido concretizada quando esse anterior artigo fora já substituído pelo artigo ........ correspondente a um lote em construção, que por sua vez deu origem ao artigo ........ correspondente a um prédio novo em propriedade horizontal, quer ainda porque essa avaliação, de acordo com o CIMI não teve por base quaisquer elementos do prédio a avaliar que já não existia mas antes em declarações do adquirente relativamente já ao terreno e ao novo prédio construído com o que a recorrente nunca teve nada a ver
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA.

Mais requer que seja reconhecida a situação de isenção de taxa de justiça e custas da Massa Insolvente e aqui recorrente.».

Contra-alegações não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, devendo manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir ser o valor patrimonial tributável e não o valor escriturado de transmissão do imóvel o relevante para efeitos de determinação do lucro tributável; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar a correcção da AT ao lucro tributável assente em valores de avaliação do imóvel transmitido levada a efeito em momento posterior à desactivação do prédio, tendo sido efectuada quando já tinha surgido novo prédio (terreno para construção, por demolição) física e materialmente diverso do prédio transmitido pela impugnante, ora Recorrente.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual:
«
Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:

1


Em 19 de Janeiro de 2007 foi celebrada escritura pública de compra e venda na qual C.......... – ........, SA, declarou vender à sociedade M.........., Lda., p elo preço de € 200.000,00, o prédio urbano sito na Rua……., freguesia de Armação de Pêra, concelho de Silves, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ........ – cfr. fls. 16-19 dos autos.

2


Em 14 de Dezembro de 2007, o prédio inscrito na matriz predial urbana de Armação de P êra sob o artigo ........ foi desactivado – cfr. fls. 26 dos autos.
3


No dia 17 de Janeiro de 2008, M.........., Lda., entregou à Administração a declaração modelo 1 de IMI n.º …. relativa àquele prédio inscrito na matriz predial urbana de Armação de Pêra sob o artigo ........ – cfr. fls. 26 dos autos.

4


Consequentemente, o prédio inscrito na matriz predial urbana de Armação de Pêra sob o artigo ........ foi avaliado tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 603.100,00, reportado à data de 19 de Janeiro de 2007 – cfr. fls. 48-50 e 86 dos autos e 74 do apenso.

5


Em 16 de Outu bro de 2008, C.......... – ........, SA, foi notificada do resultado desta avaliação – cfr. fls. 48-50 e 86 dos autos e 73 do apenso.

6

C.......... – ........, SA, não requereu segunda avaliação – cfr. fls. 48-50 dos autos.
7



No dia 17 de Junho de 2010 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária relativo à inspecção efectuada a C.......... – ........, SA, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)

1. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à

matéria colectável (…)

Verifiquei ainda que o imóvel objecto de exploração por parte do SP foi vendido em 2007, escriturado por € 200.000,00 mas avaliado por € 603.100,00. Notificado em 2008-10-16 (anexo 1), o SP não reclamo u da avaliação, pelo que, nos termos do artigo 58º.-A do Código do IRC, o SP deveria ter considerado este valor na determinação do lucro tributável.

O SP contabilizou a venda pelo valor escriturado (extracto de conta 6941 e mapa de apuramento das mais -valias e menos -valias fiscais elaborado pelo contabilista em anexos 2 e 3), contudo ainda não entregou qualquer declaração de rendimentos para aquele exercício.
Embora tenha sido dado um prazo de mais um mês para proceder à entrega das declarações de rendimentos modelos 22 de IRC de 2007 e 2008 em falta, o SP só regularizou as declarações periódicas de IVA e não submeteu as de IRC, a que está obrigado nos termos dos artigos 109.º e 113.º do CIRC.
(…)” – cfr. fls. 70 do apenso.

8.


Consequentemente, em 1 de Julho de 2010 foi emitida a liquidação de IRC n.º ........ (acto impugnado), no valor de € 135.349,64 – cfr. fls. 12 dos autos.


II-B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO




Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como primeira questão do recurso, pretende a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento ao validar o entendimento da AT de que o lucro tributável na base da impugnada liquidação de IRC/2007 se deveria fazer através do valor patrimonial tributário do imóvel transmitido pela impugnante e não através do valor escriturado, declaradamente inferior. Vejamos o regime normativo aplicável.

À data, dispunha o art.º 58.º-A do CIRC (Redacção do DL. 287/2003, de 12 de Novembro):
«Artigo 58.º-A
Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado».

E dispunha o art.º 129.º do mesmo Código:
«Artigo 129º
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis

1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.

3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.(Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa. (Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo».

Visto o regime legal aplicável, constata-se que no caso vertente a Recorrente impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC resultante das correcções efectuadas no seguimento do procedimento de inspecção tributária, liquidação essa que decorre da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A do CIRC, sem ter previamente instaurado o procedimento previsto no artigo 129.º do CIRC para prova do preço efectivamente praticado na transmissão do imóvel, mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente.

Assim, todas as questões visando pôr em causa a diferença positiva entre o valor patrimonial definitivo e o valor escriturado de transmissão, não podem ser apreciadas na impugnação da liquidação de IRC como bem entendeu o Mmo. juiz recorrido.

Com efeito, nos termos do artº 129º, nº 7 do CIRC a impugnação judicial da liquidação de imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do estatuído no artº 58º-A, nº 2, do CIRC, ou não havendo a lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável, depende de prévia apresentação do pedido de prova do preço efectivo nas transmissões, previsto no nº 3.

Trata-se, como vem sublinhando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdãos 881/12, de 03.12.2014, 989/12, de 06.12.3013, 860/15 e 861/15 de 30.05.2018 e 806/15 de 6.11.2019) de uma condição de impugnabilidade, cuja omissão determina a inimpugnabilidade do acto tributário.

Assim, e como esclarece o Acórdão daquele alto tribunal de 3 de Dezembro de 2014 tirado no proc.º 0881/12, “a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, que é obtida através da fórmula prevista no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI, e que procura uma aproximação aos valores de mercado com vista a proporcionar maior equidade na tributação do património, tem importantes consequências a nível fiscal, designadamente a nível de tributação do rendimento, particularmente quando o valor de transacção do imóvel diverge do seu valor patrimonial tributário (VPT). Na verdade, pese embora não haja reflexos quando o valor efectivo da transmissão é maior que o valor patrimonial tributário (dado que é o valor efectivo da transmissão a base fiscal para o IMT, o IRS, e o IRC – cfr. arts. 12.º do CIMT, 31.º-A do CIRS e 58.º-A do CIRC), já assim não acontece quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente vier a ser fixado como VPT, com a agravante de que este valor patrimonial tributário definitivo pode ser apenas conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele em que a transmissão ocorreu”.

Como se afirma no referido aresto o preceito [o do n.º 1 e 2 do artigo 58.º-A do CIRC (na redacção em vigor em 2007)] tem «a natureza de norma especial anti-abuso, que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda/aquisição dos imóveis”. Por essa razão, diz-se também no aludido aresto, que aquele instrumento “só pode operar na sequência de um procedimento legal tributário que possibilite a demonstração, perante a administração tributária, que os valores das transacções praticados foram efectivamente inferiores aos valores patrimoniais tributários respectivos”, ou seja, consagra-se um expediente procedimental que assegura a possibilidade de elisão da presunção; e, para assegurar essa garantia dos contribuintes, “foi instituída a possibilidade de os sujeitos passivos exibirem elementos de prova que comprovem que o valor declarado e registado na contabilidade é o verdadeiro preço de compra (no caso do comprador) e o verdadeiro preço de venda (no caso do alienante), em conformidade com o disposto no artigo 129.º do CIRC”.

Ora, decorre da citada jurisprudência, que a tutela jurisdicional efectiva da posição jurídica do sujeito passivo do IRC é assegurada, quer através da apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efectivo mediante instauração do procedimento, previsto no n.º 3 artigo 129.º do CIRC, a qual é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis, quer no âmbito da impugnação judicial da liquidação, onde devem ser invocados, não só qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação, como também no procedimento destinado à prova do preço efectivo e onde é possível lançar mão de qualquer meio de prova admitido e que se revele adequado para a demonstração do preço efectivo, quer através de acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão.

Ponto é que ocorra prévia apresentação do pedido para demonstração do preço efectivo mediante instauração do procedimento previsto no n.º 3 artigo 129.º do CIRC, meio procedimental que, como se viu, no caso vertente a recorrente não utilizou.
Daí que se conclua que bem andou a decisão recorrida ao julgar não se verificar a aludida condição de procedibilidade prevista no aludido artº 129º, nº 3 do CIRC, o que significa que as questões relacionadas com a determinação do lucro tributável através do valor patrimonial tributário do imóvel transmitido (nomeadamente, se é esse o valor que reflecte o preço real da transmissão ou antes o valor escriturado) não são agora susceptíveis de discussão e apreciação na impugnação judicial.

A segunda questão do recurso prende-se com a invocada ilegalidade da avaliação do imóvel, avaliação essa de que resultou o valor patrimonial tributário que serviu de base à determinação do lucro tributável (603.100,00 Euros) e que teria tido lugar já depois do desaparecimento físico e jurídico da realidade transmitida, que, entretanto, dera lugar a novo artigo matricial e a nova realidade física e jurídica (terreno para construção, por demolição).

Ora, a discussão em torno de saber se a avaliação de que resultou o valor patrimonial que viria a servir de base à determinação do lucro tributável se fez com base na realidade transmitida (pré-existente) ou com base na realidade que passou a existir à data da avaliação (que no fundo se reconduz a questionar os elementos em que se baseou a avaliação) tinha de fazer-se, com oportunidade, mediante requerimento de abertura do procedimento de segunda avaliação (art.º 15.º, n.º 1 do DL 287/2003, de 12 de Dezembro e 76.º do CIMI), com eventual impugnação judicial do resultado da segunda avaliação, se contestado (art.º 77.º do CIMI e 97/1/f) do CPPT), caminho que a Recorrente não trilhou.

Tudo visto, conclui-se que a sentença recorrida não merece censura, tendo decidido em linha com a jurisprudência reiterada do STA, merecendo ser confirmada e negado provimento ao recurso.

5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Sem custas, por isenção legal da parte vencida nos termos do art.º 4.º, n.º 1 alínea u), do Regulamento das Custas Processuais (cf. fls.178 dos autos).

Lisboa, 30 de Setembro de 2020



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Vital Lopes




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Luísa Soares





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Cristina Flora