Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 623/14.0BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | IVA MÉTODOS INDIRETOS INIMPUGNABILIDADE DO ATO PEDIDO DE REVISÃO |
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Sumário: | I. A impugnabilidade de uma liquidação de impostos emitida por recurso a métodos indiretos de determinação da matéria coletável depende da prévia apresentação do pedido de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, quando o sujeito passivo pretenda sindicar o erro sobre os pressupostos ou o erro na quantificação. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acórdão I. RELATÓRIO M. – S., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 10.03.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato, na impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), referentes ao ano de 2009. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “A) – Na p.i. a recorrente invocou como causa de pedir a “errónea contabilização do CMVMC de 2009”, a qual, no entanto, não foi objeto de conhecimento pela douta sentença recorrida, fato que configura nulidade de sentença. B) - Com efeito, na p.i. a recorrente invocou que se dedica à suinicultura, tendo nas suas explorações dois tipos de animais, a saber: animais reprodutores que fazem parte do seu ativo imobilizado e as respetivas recrias que figuram no ativo da empresa como mercadorias, tendo alegado que no CMVMC de 2009 na quantia de € 635.677,12 estava incluída a verba de € 123.644,36, relativa ao custo da farinha consumida pelas reprodutoras e que o CMVMC de 2009 relativo às recrias perfaz apenas a quantia de € 512.032,76. C) - Com efeito, a causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2009” tem a natureza de uma questão técnica pura e nessa medida não está sujeita ao regime previsto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT. D) - Por um lado, trata-se de uma componente essencial de determinação do resultado fiscal através do regime de contabilidade organizada, cuja fórmula se decompõe nomeadamente do seguinte modo: o resultado líquido apura-se pela subtração aos proveitos dos custos, sendo que dos custos fazem nomeadamente parte o custo das matérias-primas vendidas e consumidas. E) - Por outro lado, a aplicação de métodos indiretos não implicou no caso da recorrente qualquer desqualificação do referido CMVMC tal como assim melhor resulta da leitura do relatório de inspeção no âmbito do qual foi utilizada a aplicação dos métodos indiretos. F) - Por último, importa referir que a recorrente formula o pedido de anulação da liquidação do IVA de 2009 nos termos e com os fundamentos apresentados na p.i., mais concretamente o pedido formulado pela recorrente consiste na anulação do IVA na parte em que foi utilizado o CMVMC de € 635.677,12 quando apenas poderia ter sido utilizado o CMVMC de € 512.032,76, em 2009. G) - Do exposto resulta que a causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2009” constitui matéria que está fora do âmbito de aplicação do regime de obrigatoriedade de reclamação prévia dos métodos indiretos e como tal deveria ter sido conhecida pelo Tribunal “a quo”. S) - A douta decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 117º do CPPT e 86º, nº 5 e 91º e seguintes da LGT. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a baixa do processo para julgamento da causa de pedir designada por “errónea contabilização do CMVMC de 2009”. A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não contra-alegou. Foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos quais, por decisão sumária de 09.09.2021, o mesmo se declarou incompetente em razão da hierarquia, ordenando a sua remessa a este TCAS. Neste TCAS, os autos foram a vista do Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) A sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia? b) Há erro de julgamento, em virtude de a causa de pedir não exigir a prévia apresentação do pedido de revisão previsto no art.º 91.º da Lei Geral Tributária (LGT)?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1) No dia 31 de outubro de 2012, M. S., Lda., ora impugnante, recebeu o ofício n.º 5718, datado de 30 de outubro de 2012, remetido pela Direção de Finanças de Leiria, por correio registado com aviso de receção (com a referência alfanumérica “RC …97 9 PT”), comunicando-lhe o relatório de inspeção tributária das ordens de serviço OI201200392/3 e a decisão de fixação da matéria tributável e imposto, apurados por métodos indiretos, referentes, entre outros, ao IVA do ano de 2009 – cfr. ofício, registo CTT e aviso de receção de fls. 55 a 58 do 1.º volume do processo administrativo (PA), e documento 1 junto com a p.i., de fls. 13 a 33 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 2) A impugnante remeteu à Direção de Finanças de Leiria, por correio registado em 03 de dezembro de 2012 (referência alfanumérica “RC…708PT”), o pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos, através de mandatário – cfr. requerimento, envelope e registo CTT, de fls. 39 a 53 do 1.º volume do PA, e documento 2 junto com a p.i., de fls. 34 a 44 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 3) O pedido de revisão referido na alínea anterior foi indeferido por intempestividade, através de despacho do Diretor de Finanças proferido no dia 19 de dezembro de 2012 – cfr. documento 3 junto com a p.i., de fls. 45 a 47 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Com relevância para a decisão da exceção, inexistem factos não provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes não só dos presentes autos, mas também do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal. A documentação em questão não foi objeto de impugnação nem sequer de reparo por quaisquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, sendo, por isso, aqui aplicável o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei””.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia Entende, desde logo, a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, porquanto a errónea contabilização do custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC) de 2009, alegada, não foi apreciada pelo Tribunal a quo. Vejamos. Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC]. As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes (exceto se o conhecimento de umas resultar prejudicado pelo conhecimento de outras) ou as que sejam de conhecimento oficioso. In casu, não se verifica a mencionada nulidade, porquanto, atenta a posição do Tribunal a quo, no sentido da inimpugnabilidade do ato, resultaria prejudicada a apreciação de quaisquer outras questões – sem prejuízo de poder comportar erro de julgamento, o que será aferido infra. Como tal, nesta parte não assiste razão à Recorrente.
III.B. Do erro de julgamento, quanto à inimpugnabilidade do ato Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que a “errónea contabilização do CMVMC de 2009” constitui matéria que está fora do âmbito de aplicação do regime de obrigatoriedade de reclamação prévia dos métodos indiretos. Vejamos. A determinação da matéria coletável, por parte da administração tributária (AT), pode ser feita direta ou indiretamente, como resulta do art.º 81.º da LGT, nos termos do qual: “1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”. Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que: “1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação. 2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”. Centrando-nos na avaliação indireta, a mesma deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT. Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quando haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz sobretudo pericial. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. Desde já se adiante que não assiste razão à Recorrente. Com efeito, é certo que a circunstância de não ser apresentado um pedido de revisão, nos casos de aplicação de métodos indiretos, não implica a impossibilidade de impugnação da liquidação dali resultante, conquanto sejam apenas invocados vícios que não contendam com os pressupostos do recurso àquela metodologia de determinação da matéria coletável (v.g. falta de fundamentação, incompetência). No entanto, se os vícios invocados em sede de impugnação judicial forem erro nos pressupostos ou erro na quantificação da matéria coletável, é condição de impugnabilidade das liquidações a existência de pedido de revisão da matéria coletável. Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.06.2012 (Processo: 0165/12): “O nº 5 do artigo 86º da LGT estabelece que «em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei»; de igual modo, o nº 1 do artigo 117º do CPPT prescreve que « (…) a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria colectável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria colectável». (…) [A] revisão administrativa da matéria colectável só é um preliminar indispensável da impugnação judicial da liquidação nos casos de errónea quantificação da matéria colectável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável. Nestes casos, a revisão administrativa funciona como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos. Como refere Casalta Nabais, «guiando-se estes por critérios de natureza essencialmente técnica, compreende-se que antes de a sua legalidade ser questionada e discutida nos tribunais, sejam os mesmos objecto de apreciação e decisão por órgãos de natureza técnica constituídos por peritos. Pois estes, para além de poderem levar a cabo uma tutela mais ampla ao contribuinte, encontram-se também em melhores condições técnicas do que os tribunais para uma primeira apreciação da legalidade da determinação da matéria colectável por métodos indirectos» (cfr. in Justiça Administrativa, nº 17, pág. 44). Se a falta do pressuposto processual inominado previsto naquelas normas implica que o tribunal não possa conhecer a invalidade do acto tributário fundada em “erro na quantificação da matéria colectável” e “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos”, então não está vedado que conheça da invalidade fundada em ilegalidades de espécie diferente. É que, na estrutura do acto tributário, aqueles são momentos autónomos que abstractamente se podem separar dos demais. O acto tributário, como qualquer outro acto administrativo, pode decompor-se em vários “elementos” ou “momentos”, sem que a lesão de uns possa afectar ou influir na perfeição dos outros, embora suficiente para o invalidar. Apesar de consolidada a aplicação de métodos indirectos e a quantificação da matéria tributável, ainda que seja por falta de revisão, isso não significa que o acto esteja impecável quanto aos demais momentos em que se abstractamente se pode decompor. A ilegalidade pode impor-se em virtude da afectação de elementos subjectivos, objectivos ou formais, que nada tenham a ver com os pressupostos que determinaram a avaliação indirecta ou com a quantificação da matéria colectável”. Ora, in casu, o alegado pela Recorrente, atinente à errónea contabilização do CMVMC, configura-se como um vício concernente à quantificação do imposto, por via da aplicação, a seu ver, incorretamente feita dos métodos indiretos. Assim, não tendo havido prévio pedido de revisão, condição de conhecimento dos vícios de erro sobre os pressupostos e erro na quantificação, bem andou o Tribunal a quo na sua decisão. No mesmo sentido e em situação em tudo idêntica à presente, já se pronunciou este TCAS, em Acórdão de 30.09.2021 (Processo: 624/14.9BELRA). Como tal, não assiste razão in totum à Recorrente.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 13 de julho de 2023 (Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) |