Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:37/20.3BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO;
VIOLÊNCIA RECINTOS DESPORTIVOS;
CULPA;
CLUBES.
Sumário:Cai por terra qualquer esforço formativo preventivo, levado a cabo por parte dos clubes, visitante ou visitado, se aquele cessar à entrada do estádio, não sendo alvo de qualquer desenvolvimento durante e após o jogo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O S... - Futebol SAD, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 16.03.2020, proferida no âmbito do processo n.º 75/2018, que confirmou a decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que havia sancionado o Recorrente pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelo art. 182.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional 2017/18 (RD LPFP2017), por agressões de adeptos sem reflexo, e no art. 35.º, n.º 1, alíneas b), c) e o), do RCLPFP2017, e bem assim no art. 10.º, n.º 1, alíneas i) e o) do Regulamento de Prevenção da Violência (Anexo VI do RCLPFP2017)

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 50 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1. Vem o presente Recurso interposto da Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto proferida no âmbito do processo nº 65/2018 que, considerando improcedente a acção de impugnação proposta pela ora Recorrente da Decisão proferida no Recurso interposto pela Recorrente da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção Profissional, proferida sob a forma de Acórdão, a 3 de Julho de 2018, no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.° 02 - 18/19, oriundo do Processo Disciplinar n.° 62-17/18, que condenou a Recorrente pela prática de uma infracção disciplinar prevista e punida pelo n.° 2 do artigo 182.°, de uma infracção prevista e punida pelo artigo 186.° e de uma infracção prevista e punida pelo n.° 1 do artigo 187.°, todos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2017 (RD da Liga), na sanção única de multa no valor de 220 (duzentas e vinte) UC, ou seja, € 16.830,00 (dezasseis mil, oitocentos e trinta euros).

2. Compreende-se, aceita-se e promove-se a necessidade de combater o fenómeno da violência no desporto - aliás, dificilmente se encontrará sociedade desportiva em Portugal que mais faça pelo combate a este fenómeno do que aqui Recorrente (não obstante a imerecida fama que detém nesta matéria), contudo, conforme se explanará de seguida, a Decisão Recorrida efectua uma errada e ilegal aplicação do direito, distorcendo regras jurídicas e transferindo os ónus probatórios todos para a Recorrente ao invés de para a entidade com poder de sancionar, a saber, a Recorrida.

3. O Tribunal a quo valorou incorrectamente a prova produzida, quer porquanto introduziu em sede de matéria de facto provada conclusões por si extraídas, ainda para mais sem elencar em que factos alicerçam as suas conclusões.

4. Mais concretamente, conforme resulta do exposto em sede de Alegações, os factos provados n.º 7 e 8 são conclusivos e, mais grave, estão em contradição com a prova produzida, motivo pelo qual devem ser expurgados da mesma.

5. Nem a Recorrida, na Decisão Proferida pelo seu Conselho de Disciplina, nem nas suas peças processuais, nem mesmo o Aresto Recorrido oferece qualquer medida de suficiência das acções a adoptar pelos Clubes, SAD’s, SDUQs com vista a combater este fenómeno.

6. Todos os dias somos confrontados, enquanto espectadores televisivos ou leitores da imprensa escrita, com a descrição de fenómenos associados à violência no desporto, sejam confrontos, uso de pirotecnia, etc. Não se trata de um problema exclusivo da Recorrente, não se trata de um problema exclusivo da Primeira Liga, não se trata de um problema exclusivo das competições Nacionais e por aí fora. Um pouco por todo o mundo este fenómeno faz-se sentir. Podemos ignorar esse facto e transferir as responsabilidades para os Clubes, SAD’s ou SDUQs, alijando (convenientemente) as responsabilidades da Federação Portuguesa de Futebol ou do Estado.

7. É impossível chegar individualmente a todo e cada um dos adeptos presentes no Estádio (até porque se desconhece a identidade de cada um deles) sensibilizando-o para a necessidade do bom comportamento - mas, mesmo nesse caso, para a Recorrida seria insuficiente, pois o que esta sustenta, como se demonstrará, é a responsabilidade objectiva das SAD’s e SDUQ’s, ao arrepio da Lei e da Constituição.

8. Por outro lado, conforme melhor se deu conta em sede de Alegações, o Tribunal a quo não valorou correctamente a prova produzida nos Autos, nomeadamente, desconsiderou a totalidade dos documentos juntos aos Autos com o memorial de defesa e os depoimentos prestados em sede de Audiência perante o Tribunal a quo.

d) “a Arguida promove a divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio do S... a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos

e) “a Arguida desenvolve, através do seu oficial de ligação aos adeptos acções regulares de sensibilização junto dos sócios e adeptos da S... SAD para a adopção de conduta conforme ao espírito desportivo durante os espectáculos desportivos, com particular incidência nos denominados Adeptos de Risco":

f) “A Arguida adopta uma postura de colaborante e franca com as forças da autoridade, acolhendo a esmagadora maioria das solicitações por esta efectuadas, de modo a potenciar o melhor e mais seguro espetáculo desportivo possívef

g) “a arguida mantém uma postura de colaboração activa com as forças de segurança com vista à /dentificação/referenciação de comportamentos e adeptos de risco";

h) “A Arguida tem vindo a apresentar de propostas ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado do Desporto para alteração da lei de combate à violência no desporto"

i) “É preocupação permanente da S... SAD contribuir activamente para a identificação e combate dos fenómenos da violência associada ao desporto, como o comprovam a presença recente da S... SAD no amplo debate realizado na Assembleia da República sobre este tema, no qual se fez representar pelo Presidente do seu Conselho de Administração, L..., pelo seu Director de Segurança, R..., e pelo seu Oficial de Ligação aos Adeptos, N..., numa manifestação pública clara de preocupação com este fenómeno"',

j) “a Arguida mantém sistema de videovigilância de som e imagem com mais de 400 câmaras; sistema esse que é superior a todos os demais instalados nos restantes estádios das competições profissionais

k) “a Arguida adopta medidas de controlo e vigilância, e de acesso e permanência no recinto com recurso, em média, a mais de 400 assistentes de recinto desportivo, número superior ao presente nos demais estádios das competições profissionais

l) “a Arguida dispõe de caixa de segurança destinada a adeptos das equipas visitantes, num investimento aproximado de 350.000,00€, instalada, em 2011, de forma pioneira em Portugal.

m) “A Arguida recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços da Unidade Cinotécnica do Grupo de Operações Especiais da PSP para detecção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, antes da abertura de portas

n) “a Arguida criou um conjunto de medidas com vista a assegurar o enquadramento familiar, designadamente através da criação da denominada bancada família, a qual possui um sistema de ingressos com preçário mais favorável e um conjunto de animações especificas, mais incidentes no público mais jovem":

o) “a Arguida criou condições para o bom ambiente e a sã convivência entre adeptos, nomeadamente um espaço reservado para o convívio, denominado, fan zone, dotado de animações, venda de produtos alimentares e actividades múltiplas":

p) “a Arguida prestou toda a informação relevante as forças de segurança

q) “as medidas referidas supra são realizadas antes de todos os jogos disputados pela Arguida, incluindo o jogo em causa nos presentes Autos".

10. Nos termos do artigo 79.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), a todos deve ser assegurado o direito à cultura física e ao desporto, incumbindo ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.

11. No mesmo sentido, prescreve o artigo 3.° da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (constante da Lei n.° 5/2007, de 16 de Janeiro - LBAFD) que “a actividade desportiva é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espirito desportivo da verdade desportiva e da formação integra de todos os participantes” (n.º1) e, bem assim, que “incumbe ao Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação" (n.° 2).

12. E é natural que assim seja na medida em que é ao Estado e à Polícia, em primeira linha, que compete garantir a segurança interna do país, nomeadamente de pessoas e bens - cfr. o n.° 1 do art. 272.°, da CRP; função essa que, obviamente, inclui a esfera desportiva (cfr. o n.° 2 do artigo 79.°, da CRP e n.° 2 do artigo 3.° da LBAFD).

13. Complementarmente, por razões compreensíveis, é consabido que, para além da responsabilidade do Estado, no quadro do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, impedem sobre o organizador da competição, os promotores dos espectáculos desportivos e os proprietários dos recintos deveres de formação e de vigilância sobre adeptos, de modo a evitar o recurso por parte destes a práticas antidesportivas. Esses deveres estão plasmados, designadamente, na Lei n.° 39/2009, de 30 de Julho (Lei do Combate à Violência, ao Racismo, à Xenofobia e à Intolerância nos Espectáculos Desportivos), no Regulamento de Competições da LPFP (em particular, no Anexo VI) e no Regulamento Disciplinar.

14. No entanto, como é evidente, esse combate está longe de estar ganho, como o reconhece o Estado, que se prepara para rever a Lei do Combate à Violência associada ao Desporto, e tem sido reconhecido pelo Presidente da Federação Portuguesa de Futebol e pelo Presidente da Liga.

15. Disso exemplo são os comportamentos dos adeptos dos clubes dentro dos estádios e fora deles, traduzidos na invasão ao Centro de Treinos dos árbitros, na Maia, na invasão da Academia de um clube, em Alcochete, e nas ameaças e insultos dirigidos a árbitros, que motivaram até a ida do Presidente da Federação Portuguesa de Futebol à Assembleia da República;

16. Factos e infractores esses que continuam por punir.

17. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, resulta do quadro legal e regulamentar acima descrito que, compete, primacialmente, ao promotor do espectáculo desportivo, ou seja, ao clube visitado (no caso, a S... - Futebol, SAD.) a responsabilidade pela manutenção da ordem e da segurança no interior do recinto desportivo, bem como garantir o cumprimento de todas as regras e condições de acesso e de permanência de espectadores no recinto [cfr., entre outros, artigos 6o, b) e g), do Regulamento de Prevenção da Violência - Anexo VI do RC LPFP).

18. Neste quadro regulamentar, constatando a existência de distúrbios no interior do recinto desportivo (nos pontos de acesso à bancada), impendia sobre a S... - Futebol, SAD. e as forças de segurança a responsabilidade de, no cumprimento dos seus deveres legais e regulamentares, despoletarem os meios necessários à supressão do fenómeno de violência, identificação e detenção dos seus agentes. Ora, constatado o Auto de Notícia em que se sustenta os presentes Autos, constata-se que não foram identificados quaisquer adeptos, não obstante a intervenção da força de policiamento desportivo. Ora, não tem a Recorrente o poder e o direito de deter qualquer indivíduo. Mais, mesmo que o tivesse, não tem meios para tal.

19. No campo da responsabilidade dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, a ilicitude radica, sobretudo, no incumprimento dos deveres legais e regulamentares de prevenção e o combate à violência, numa dupla perspectiva:

a) deveres in formando, que impendem sobre todos os clubes, traduzidos na obrigatoriedade de realizar acções de formação, campanhas e adoptar medidas que promovam e incentivem a ética e o espírito desportivo, de modo a dissuadir os adeptos de comportamentos violentos ou antidesportivos - deveres que recaem sobre todos os clubes, independentemente da posição que assumam no jogo, seja de clube visitante, seja de clube visitado; e;

b) deveres in vigilando, relacionados com a segurança, e a manutenção da ordem e da disciplina nos recintos desportivos, que recaem prima facie sobre o promotor do espectáculo desportivo por ser ele quem tem o domínio do facto; dito de outra forma, a possibilidade de, através da acção conjunta das forças públicas de segurança que fazem o policiamento do recinto e dos assistentes de recinto desportivo, procederem a revistas, impedirem os espectadores de praticarem actos de indisciplina ou, se for caso disso, de expulsarem-nos do recinto.

20. Naturalmente que, pese embora todos os esforços desenvolvidos, é impossível assegurar, em toda e qualquer circunstância, o integral cumprimento das regras éticas e do espírito desportivo por parte de sócios, adeptos e ou simpatizantes, seja da equipa visitada, seja da equipa visitante, até porque, como é do conhecimento geral, embora ocorridos no contexto do fenómeno desportivo, por vezes, os comportamentos de violência ou desrespeito entre agentes não têm qualquer relação com a disputa clubística, encontrando- se, sim, relacionados com a problemática mais vasta da violência, da agressividade e da falta de respeito que, infelizmente, é transversal à vida em sociedade.

21. Tem sido sempre preocupação da Recorrente contribuir activamente para a identificação e combate dos fenómenos da violência associada ao desporto, como o comprovam as acções e campanhas acima descritas e que o Acórdão Recorrido deveria ter dado como provadas, atenta a prova produzida.

22. No entanto, como se viu, tais tarefas, que a S... SAD cumpre à exaustão, no âmbito do tal “trabalho ongoing", como referiu o seu OLA no depoimento prestado, coordenadas pelo “polícia do clube”, o seu Director de Segurança, integram-se e dependem de um trabalho vasto que é também, primeiramente, responsabilidade do próprio Estado, das forças de segurança, das famílias e das escolas.

23. As condutas em causa nos presentes Autos constituem crime, competindo as forças da Autoridade, in casu, a PSP a repressão de tais comportamentos.

24. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, mais do que ao clube visitante e aos OLA, as obrigações e competências em matéria de prevenção da violência e segurança pertencem às forças de segurança pública, aos delegados da LPFP, aos ARD’s e ao clube visitado, na qualidade de promotor do espectáculo, nomeadamente na pessoa do seu coordenador de segurança.

25. A Recorrente teve o cuidado de afixar no Estádio de A... cartazes a apelar aos adeptos para um comportamento desportivo e tolerante, como teve a diligência de se fazer acompanhar pelo seu Director de Segurança e pelo OLA, que, à porta do Estádio, como costuma sempre fazer, foi sensibilizando novamente os adeptos para a necessidade de comportamento ordeiro.

26. A Recorrente, na qualidade de clube visitante, no cumprimento dos seus deveres de prevenção da violência e da disciplina, mais não poderia fazer como forma de prevenir os comportamentos verificados do que incentivar e promover junto dos seus adeptos acções e iniciativas para sensibilizar para o espírito ético desportivo e para o fair play, além de assegurar, como também o fez, acção de esforço conjunto com as forças de segurança para criar condições acrescidas de segurança para os adeptos, nomeadamente, acompanhando-se do seu Oficial de Ligação aos Adeptos e do seu Director de Segurança Substituto; facto que deveria, salvo o devido respeito, ter sido dado como provado.

27. Não está, in casu, na disposição da Recorrente intervir ou mobilizar meios no interior do recinto desportivo visitado.

28. Conforme se afirmou em sede de Alegações, os adeptos em causa são dotados de livre arbítrio, sendo, pois, livres de acatar, ou não, as indicações da Recorrente no que concerne ao seu comportamento.

29. O Regulamento Disciplinar acolhe, em sede disciplinar, o princípio geral da culpa, informador do direito penal e do direito sancionatório em geral, numa dupla dimensão: unullum crimen sine culpa" e “nulla poena sine culpa". O princípio da culpa prefigura-se, indubitavelmente, como pedra basilar do edifício jurídico- penal e do direito disciplinar, com expressa consagração no artigo 13° do Código Penal (CP) e inequívoco reconhecimento no artigo 17.°, 1, do RD LPFP. Daí decorre que a culpa é pressuposto da infracção e concomitantemente limite da pena, podendo a infracção considerar-se cometida a título de dolo ou negligência.

30. Uma leitura atenta da Decisão Recorrida (aliás, na senda da Decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol) leva a concluir que a Recorrente não se presume inocente. Aliás, é, neste particular, impressivo que no Aresto do Conselho de Disciplina e no Aresto ora Recorrido, as conclusões escamoteadas entre os factos tenham como suporte probatório a “convicção fundada nas regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade". Tal afirmação, por si só, afasta a presunção de inocência. A Recorrente, pelo menos a Recorrente, mas, eventualmente, todas as SAD’s/SDUQ’s, Clubes se presumem culpados pois, segundo juízos de normalidade de razoabilidade incumprem as regras. A Decisão ora Reclamada é mais hábil neste aspecto pois procura ser mais subtil com a imputação de uma responsabilidade verdadeiramente objectiva.

31. A respeito desta matéria urge chamar à colação o Voto de Vencido proferido pelo Juiz-Árbitro Dr. Tiago Rodrigues Bastos no Acórdão ora recorrido, o qual se dá por integralmente reproduzido, bem como os vários Votos de Vencido já proferidos no âmbito de outros processos julgados pelo Tribunal a quo, concretamente, os lavrados nos Processos n.05 60/2017 (Declaração de Voto do Juiz-Árbitro Dr. Tiago Rodrigues Bastos), 65/2018 {idem), 74/2018 (Declaração de Voto do Juiz-Árbitro Dr. Abílio Almeida Morgado) e 94/2018 (Declaração de Voto Juiz-Árbitro Dr. Tiago Rodrigues Bastos e respectivo Acórdão Arbitral).

32. E, bem assim, por exemplo, os Acórdãos desse Tribunal nos processos n.™ 89/19.9BCLSB de 07/11/2019 e 04/19.0BCLSB de 10/12/2019 e. n.° 74/19.0BCLSB.

33. Em face do princípio da presunção de inocência, não pode ocorrer qualquer inversão do ónus da prova nesta matéria.

34. Os relatórios dos árbitros, dos delegados e do policiamento, são, absolutamente, omissos no que diz respeito ao cumprimento dos deveres de formação e vigilância por parte da Recorrente, pelo que os mesmos (sob pena de enveredarmos pela responsabilidade objectiva) nunca podem fazer fé relativamente a essa matéria e deles nunca se poderá extrair, ao contrário do que pretende e afirma a Recorrida, o incumprimento desses deveres, ou seja, a presunção de veracidade de que esses relatórios gozam só pode incidir sobre factos stricto sensu, isto é, sobre a realidade que foi directamente percepcionada ou apurada pelos autores desses relatórios, mas já não sobre as informações que, muito embora constem desses mesmos relatórios, tenham resultado de presunções feitas por aqueles.

35. A afirmação de que as condutas em apreço (agressões a adeptos) foram perpetradas por alegados adeptos da ora Recorrente, situados Sector A09 da Bancada A e que nessa bancada se encontravam adeptos afectos à Recorrente, não é (objectivamente) uma constatação de um facto apreensível pela mera observação, mas apenas uma mera suposição, tanto mais que desses relatórios não consta qualquer informação adicional que suporte tal suposição, desde logo, a identificação da(s) pessoa(s) que perpetraram tais condutas ou qualquer elemento que pudesse contribuir para essa identificação — por exemplo, a localização do exacto lugar em que tal (ou tais) pessoa(s) se encontrava(m) — pois, como se sabe, os lugares são todos numerados — ou, no mínimo, a descrição dessa(s) pessoa(s).

36. Uma vez que os verdadeiros autores das agressões não foram identificados (ou sequer descritos ou localizados), tarefa que competia às forças de segurança pública, é impossível para a Recorrente — objetivamente impossível — contrariar essa presunção, pois não consegue demonstrar, mesmo que o quisesse, que determinada pessoa (não identificada) não é seu adepto. Donde, neste caso, a presunção judicial contra a Recorrente (de que os autores materiais da deflagração e/ou arremesso dos engenhos pirotécnicos eram seus adeptos) nunca poderia valer.

37. Impunha-se assim ao Acusador a tarefa de identificar, de forma clara e precisa, quais os concretos deveres legais e regulamentares violados pela Recorrente que terão dado causa, segundo defende, aos comportamentos antidesportivos dos adeptos, porém, ao invés de identificar claramente quais os deveres alegadamente violados por parte da Recorrente, o Instrutor, mais uma vez, limitou-se a “despejar" na Acusação todas as normas legais e regulamentares que impõem deveres sobre os clubes em matéria de fair play, acesso de espectadores ao recinto desportivo, condições de permanência de espectadores no recinto desportivo, deveres dos promotores dos espectáculos desportivos, etc...

38. Curiosamente, tanto o Acórdão proferido pela Recorrida como o Aresto ora em crise são completamente omissos, não concretizando nem o concreto dever violado nem a modalidade da culpa, violando, deste modo, o artigo 233°, 2, do RD LPFP com consequente violação do direito de defesa previsto no artigo 32 °, n.° 10, da CRP e artigo 13.°, d), do RD LPFP, a Acusação deverá ser considerada nula com todas as consequências legais e regulamentares, bem como o Acórdão recorrido que nela se baseou.

39. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, porventura compreendendo a fragilidade da argumentação do primeiro Acórdão e procurando salvar o (ir)racional nela contido, o Acórdão proferido peia Recorrida acrescenta que o Oficial de Ligação aos Adeptos da S... SAD podia e devia estar na bancada junto dos adeptos para identificar os infractores e permitir que o S... pudesse punir os seus sócios pelos comportamentos por aqueles adeptos alegadamente praticados.

40. Importa recordar, em primeiro lugar, que o jogo aqui em causa foi disputado pela Recorrente na condição de equipa visitante, ou seja, no Estado de A..., que é a “casa" da S... - Futebol, SAD (vide o ponto 1dos factos provados), pelo que o sistema de videovigilância utilizado pertence à mencionada da S... - Futebol, SAD e as imagens através dele obtidas, estando sujeitas às regras aplicáveis à protecção de dados pessoais, apenas podem ser disponibiiizadas às autoridades judiciais, forças públicas de segurança e ou ao organizador da competição para fins de perseguição de condutas disciplinar, contraordenacional e criminalmente relevantes, nos termos previstos pelo artigo 18.° da Lei n.° 39/2009.-

41. Não obstante, poderiam e deveriam as forças da Autoridade ter requisitado tais imagens e a organizadora do evento desportivo estava vinculada a fornecê-las às referidas Autoridades.

42. É manifesto que as medidas socioeducativas implementadas pelos clubes, quaisquer que eles sejam - esta não é uma questão que afecte em exclusivo a Recorrente - poderão não ser suficientes para impedir a verificação de comportamentos ilícitos. Apenas um ingénuo argumentaria em contrário.

43. Daí que a presença das forças de segurança seja essencial para garantir o decurso do evento desportivo em condições de segurança.

44. Os alegados autores das agressões foram associados à Recorrente por utilizarem adereços com as cores da Recorrente. Não foram, porém, identificados pelos respectivos nomes pelas forças públicas de segurança, não se sabendo, pois, quem são nem tão-pouco se têm filiação clubística, isto é, se são ou não associados do S.... É até legítimo questionar se serão mesmo adeptos da Recorrente.

45. Exigir a um indivíduo - no caso, o OLA - que identifique os autores de agressões entre milhares de adeptos é argumento absolutamente destituído de qualquer lógica ou razão, sobretudo quando as forças públicas de segurança, presentes em número superior à centena e munidos de um conjunto de poderes e prerrogativas inacessíveis ao comum dos cidadãos, foram incapazes de o fazer.

46. Na verdade, não é realista exigir que o Oficial de Ligação aos Adeptos possa, sozinho, estar presente no local, identificando adeptos. Note-se que as forças da autoridade intervieram para cessar as agressões. Nesse momento, tiveram oportunidade de identificar os agentes das agressões. Porventura não o terão logrado fazer. Tiveram, igualmente, oportunidade para deter os referidos prevaricadores (note-se que a conduta encetada constitui crime) e identificá-los posteriormente com recurso aos elementos de identificação civil cujo porte é obrigatório por lei. Eventualmente, não sendo estes possuidores de tal documento, poderiam o OLA ou outro responsável da Recorrente ser chamado a identificar o cidadão detido nos termos acima identificados. Ainda que tal não fosse possível, poderia ter sido solicitado à Recorrente dados de identificação de determinado cidadão, de que esta disponha, pedido esse que seria, como se demonstrou atendido.

47. O OLA, por força do disposto no artigo 60°, 3, do Regulamento de Competições da Liga, deve estar colocado na zona onde a ficha técnica do estádio o manda estar. E a zona não é aquela. Mas competia à Recorrida (ou ao Tribunal a quo, entendendo tratar-se de um facto relevante para a boa decisão da causa) determinar qual era. O que a Recorrente não pode é deixar de cumprir as normas regulamentares.

48. Não se trata, pois de uma falta de “autorização" do clube visitado (como se de um acto de benevolência se tratasse), mas sim de uma proibição regulamentar que não pode ser desvalorizada em favor da aplicação de uma sanção.

49. Conforme se demonstrou em sede de Alegações a presença do OLA não acarreta consigo qualquer efeito dissuasor.

50. Não obstante os múltiplos contactos desenvolvidos pela Recorrente, directamente (redes sociais, site, email, etc...) e através do seu OLA, os adeptos podem, ou não, acatar a mensagem que lhes é passada e conformarem a sua conduta com ela.

51. Já quanto a medidas repressivas, sempre se dirá que não se sabe quem foram os autores dos actos ilícitos. E, nessa medida, não se pode punir quem se desconhece.

52. Não obstante a realização de acções preventivas e de formação relativamente ao jogo em causa, cumpre referir que os deveres in formando não se esgotam em acções relativas a um jogo, sendo, outrossim, um processo contínuo e ininterrupto, daí que não possam ser desconsideradas as acções continuas a que aludem as testemunhas.

53. Antes de cada evento desportivo, a Recorrente articula com as forças de segurança as medidas de segurança a implementar. Antes das deslocações, informa as forças de segurança do número e tipologia de adeptos que se deslocará ao estádio visitado, enfim, todas as medidas já elencadas no presente Recurso e que ora se dão por reproduzidas.

54. No entanto, perante a prova de factos que manifestamente demonstram que a Recorrente tomou medidas para que os espectadores que pudessem ser considerados seus adeptos não adoptassem comportamentos incorretos, o detentor do poder disciplinar (e o julgador) estava obrigado a fundamentar porque é que tais factos não eram de molde a criar a dúvida sobre a culpa da Recorrente, não podendo constituir a mera ocorrência de um resultado a única justificação, sob pena de não passarem de palavras vãs e sem conteúdo, as afirmações de que ao clube cabe apenas lançar a dúvida no espírito do julgador sobre a sua culpa, demonstrando que alguma coisa fez para evitar o resultado. Com efeito, foi isso que a demandante fez e o tribunal ignorou!

55. No que diz respeito ao registo disciplinar da Recorrente, em primeiro lugar, há um facto que resulta claro da análise do registo disciplinar da Recorrente: não ocorrem infracções em todos os jogos. Em segundo lugar, quando existem infracções, o tipo de infracção praticado não é sempre o mesmo. Em terceiro lugar, a gravidade das infrações praticadas não reveste a mesma gravidade.

56. Em nenhum outro processo existem agressões a adeptos do S... ou de qualquer outra equipa, o que faz deste caso único!!!

57. No jogo em causa estavam cerca de dois mil, quinhentos e vinte adeptos (grosso modo, a lotação dos sectores identificados nos Autos). Desses, cerca de 20 a 25 adeptos, alegadamente da Recorrente, adoptaram comportamentos ilegais. Estamos a falar de 0,99% (zero virgula noventa e nove por cento) dos adeptos presentes! Menos de 1% (um por cento) dos adeptos presentes... Uma análise séria destes dados, os quais são conhecidos do Tribunal, implicaria sempre uma conclusão diversa, pois que se de um universo alargado de adeptos, um número inferior a 1 % dos mesmos adopta comportamentos ilícitos, não se pode, com seriedade, afirmar que existe uma “atitude omissiva e passiva da Demandante".

58. A Recorrente lança mão com frequência de um conjunto de mecanismos sócio-educativos com vista a prevenir este tipo de comportamentos. Conforme se demonstrou nos presentes Autos, a Recorrente nada mais pode fazer nesta matéria, não obstante procurar sempre evoluir, importar “as boas práticas do estrangeiro” como referiu a testemunha N..., Note-se que toda a tese da Recorrida e do Aresto Recorrido assenta num posicionamento proibido do Oficial de Ligação aos Adeptos, olvidando por completo o disposto no artigo 60.° n.° 3 do Regulamento de Competições da Liga Portuguesa de Futebol Profissional...

59. A interpretação normativa consagrada pelo Supremo Tribunal Administrativo, vertida no ponto 71 supra é manifestamente inconstitucional. Inconstitucionalidade essa que, desde já, se argui, com os fundamentos melhor enunciados no presente Recurso. Não obstante, sempre se dirá que a Recorrente demonstrou nos Autos ter feito o suficiente para evitar os factos em causa, o que, infelizmente, não se verificou possível.

60. Pelo predito e em suma, não há quaisquer factos concretos que permitam inferir que a Recorrente não cumpriu os deveres objectivos de cuidado a que estava obrigada, pelo que, não tendo violado os seus deveres nem agido com culpa, nunca lhe poderia ser assacada qualquer responsabilidade disciplinar.

61. Os adeptos em causa nos Autos não se encontram correctamente identificados, não permitindo, conforme melhor explanado em sede de Alegações, uma concreta associação à Recorrente.(…)»

A Recorrida, FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, contra-alegou, tendo concluído como se segue – cfr. fls. 161 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1. O presente Recurso foi interposto pela Recorrente do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, datado de 16 de março de 2020, que confirmou a decisão, do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de sancionar a ora Recorrente pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos artigos pelos artigos 172.º, n.º 1 e 182.º, n.º 2, do RDLPFP e dos deveres previstos nos artigo 35º, n.º 1, alíneas b), c) e o), do RCLPFP, e bem assim no artigo 109, n.º 1, alíneas i) e o) do RCLPFP Regulamento de Prevenção da Violência (Anexo VI do RCLPFP2017);

2. Em causa nos presentes autos está o comportamento incorreto dos adeptos da S... e a responsabilização desta sociedade anónima desportiva por violação de deveres a que estava adstrita de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos.

3. São deveres dos clubes assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição, bastando que os clubes cumpram com deveres previstos nos referidos diplomas;

4. Admitir, como faz a Recorrente, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos - ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão - é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;

5. Sinteticamente, de acordo com o relatório de policiamento desportivo das forças policiais e com os esclarecimentos adicionais prestados pelas referidas forças, os adeptos da Recorrente, forçando uma saída de emergência e com esse intuito, dirigiram- se a adeptos do S..., agredindo-os indiscriminadamente. A Recorrente não coloca em causa que estes factos aconteceram, coloca em causa, sim, que tenham sido adeptos da S... os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas.

6. Com efeito, entende a Recorrente que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório elaborado pela equipa de arbitragem, do relatório elaborado pelos Delegados da LPFP e do Relatório de Policiamento Desportivo da PSP) que a Recorrente violou deveres de formação, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como se sabe, não é possível.

7. Assim, os Relatório de Policiamento Desportivo, atento o seu conteúdo, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrente nos casos concretos. Ademais, há que ter em conta que existe uma presunção legal de veracidade do conteúdo de tal documento;

8. Neste particular, os relatórios das forças policiais, por serem exarados por "autoridade pública" ou "oficial público", no exercício público das "respetivas funções" (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (art.º 363.º, n.º 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369.º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. art.º 371.º, n.º 1 do Código Civil);

9. E é, precisamente, esta presunção de veracidade que, inscrevendo-se nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere um valor probatório reforçado aos relatórios lavrados pelas forças policiais relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.

10. Isto não significa que tais relatórios contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos mesmos, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres.

11. Tal não significa que quem acusa não tenha o ónus de provar. Trata-se de abalar uma convicção gerada por documentos que beneficiam de uma especial força probatória.

12. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova, colocando em causa aquela veracidade. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil.

13. Quanto à questão de saber se a ora recorrida pode ser responsabilizada a título de culpa por esses comportamentos, mais uma vez, nenhuma crítica há a fazer à decisão do Conselho de Disciplina e do Tribunal a quo;

14. Do conteúdo do Relatório de Policiamento Desportivo, é possível extrair, desde logo, diretamente duas conclusões: (i) que a Recorrente incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes da Recorrente, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos;

15. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos da Recorrente e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório das forças policiais, os quais têm presunção legal de veracidade. Posteriormente, o clube pode fazer prova que contrarie estas evidências, porém, no caso concreto, tal não aconteceu;

16. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 730/95, diz claramente que "o processo disciplinar que se manda instaurar (...) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)"

17. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STA proferido no âmbito do recurso n.º 297/18, interposto da decisão do TCA Sul tirada no processo n.º 144/17.OBCLSB que, dando provimento ao recurso de revista, diz que é lícito o uso das presunções judiciais e que cabe ao clube apresentar prova que contrarie a presunção de veracidade dos relatórios, o que no caso, não sucedeu;

18. Neste sentido, sublinhe-se que decorre de forma claríssima da Regulamentação aplicável que os clubes e sociedades desportivas podem (e devem) impedir comportamentos como os sub judice através do cumprimento dos deveres in formando e in vigilando dos seus adeptos, em especial, do cumprimento dos deveres estatuídos no artigo 35.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e o) 1, 3 e 5, do RCLPFP e no artigo 6.º do respetivo Anexo VI (Regulamento de Prevenção da Violência);

19. Ao contrário do que afirma a Recorrente, em sede sancionatória o “arguido" não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.

20. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios dos Delegados da LPFP, pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assacada pudesse ser de outra entidade que não da Recorrente. Isto mesmo entendeu, e bem, o Tribunal a quo.

21. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo do Relatório de Policiamento Desportivo, cabia à Recorrente demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrente nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede;

22. A Requerente alega apenas que leva a cabo algumas acções de sensibilização, mas afirma que o seu dever de acompanhamento dos respectivos adeptos cessa no momento da revista dos mesmos par entrada em estádio de um eventual adversário e que a partir desse momento, a responsabilidade passa a ser da equipa adversária, promotora do espectáculo, das forças policiais, do Estado nunca da Recorrente;

23. Isto sem prejuízo de, como bem apelida a Recorrente, o jogo dos autos ser um jogo de alto risco, que colocava frente a frente as equipas de futebol do S... e do S..., mas entende a Recorrente que nenhum responsabilidade tem de acompanhar os seus adeptos, monitoriza-los, por forma a prevenir, reprimir e sancionar eventuais comportamentos desviantes, como aliás, é sua responsabilidade e dever nos termos das normas legais e regulamentares que se aplicaram;

24. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrente, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrente e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos.

25. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com nenhum princípio constitucional, tal como o princípio da presunção de inocência ou o princípio da culpa, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos;

26. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto, por várias outras ocasiões, já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado pela Recorrente, assim como o STA por dezassete vezes em sede de recurso de revista.

27. Carece de fundamento a alegação de que a norma dos artigos 172.º e 182.º são inconstitucionais, porquanto o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou em matéria em tudo idêntica, defendendo a responsabilidade subjetiva neste âmbito, o que se revela conforme à CRP.

28. Com efeito, dúvidas não nos suscitam, como, de resto, tão-pouco as teve o Conselho de Disciplina e o Tribunal Arbitral do Desporto, que, atendendo à factualidade provada, se encontram preenchidos os tipos disciplinares p. e p. pelos artigos 172.º e 182.º do RD da LPFP.

29. O TAD apenas poderia alterara sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.

30. A tese sufragada pela Recorrente é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, como aliás voltou a acontecer na semana de preparação das presentes alegações, conforme supra se refere, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência;

31. Mais se dirá que a alegação de que existe matéria dada como provada no acórdão recorrido que e trata de matéria conclusiva ou de direito não colhe, porquanto como supra se demonstra, toda a factualidade dada como provada está demonstrada e justificada pelo Tribunal a quo;

32. Acresce que a alegação da Recorrente de que há matéria dada como provada que não consta no Acórdão recorrido não colhe, porquanto, como supra se expõe, ora se trata de matéria que não foi demonstrada provada, ao contrário do alegado, ou é matéria irrelevante para os presentes autos, ou ambas, dependendo do segmento de factualidade em questão;

33. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação da Recorrente pela infração p. p. pelos artigos 172.º e 182.º, do RD da LPFP.(…).»

Neste tribunal, o DMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos, atento o caráter urgente dos autos, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida incorreu em i) erro de julgamento de facto e de direito por inexistência de prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por seus sócios ou simpatizantes e, bem assim, ii) em erro de julgamento de facto e de direito por inexistência de prova suficiente de que tais condutas resultaram de um comportamento culposo do Recorrente.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da decisão recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
1. No dia 05.05.2018 realizou-se o jogo oficialmente identificado sob o n.º 13302, a contar para a 33.º jornada da Liga NOS, e que opôs a S... - Futebol SAD à S... - Futebol SAD.
2. Durante o período de retenção de adeptos no predito jogo, adeptos afectos à Arguida, que se encontravam no Sector AO9 da Bancada A, forçaram e abriram a porta de evacuação pela escada 4 e agrediram, indiscriminadamente, adeptos do S... - Futebol, SAD, que por ali desciam, obrigando ao uso da força por parte da Polícia de Segurança Pública, não tendo das mesmas resultado lesões.
3. No final do jogo, pelas 23.00 horas, nas escadas de acesso ao exterior do sector A13, no momento em que a força policial se encontrava a efectuar uma linha de contenção, cerca de 20/25 adeptos afetos à Arguida, depois de abrirem uma das portas de emergência, agrediram adeptos do S... - Futebol, SAD, não havendo registo de lesões.
4. Os sectores A09 e A11 da bancada A e os sectores B07, B09, B11 e B13 da Bancada B, estavam exclusivamente afetos aos adeptos da Arguida.
5. A Arguida tem desenvolvido acções de prevenção e sensibilização nas áreas da ética no desporto, da violência, do racismo, da xenofobia e da intolerância nos espectáculos, designadamente através de divulgação sonora antes dos jogos realizados no Estádio do S... a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos, da afixação de cartazes no seu estádio e em estádios em que joga como visitante ou de meios audiovisuais como é o caso da campanha publicitária da "Fundação B..." com o mote "Todas as crianças têm direito à educação, independentemente da cor, crença ou clube".
6. No jogo oficialmente identificado sob o n.º 13302, a Arguida fez-se acompanhar do Director de Segurança, do Director de Segurança Adjunto e do Oficial de Ligação aos Adeptos.
7. Não obstante tais comportamentos descritos em 2) e 3) serem proibidos pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, a Arguida não fez tudo o que estava ao seu alcance para que se não concretizassem.- conclusivo, cfr. melhor explicitaremos infra.
8. A Arguida agiu, assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, ao não cumprir com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de o realizar. – conclusivo, cfr. melhor explicitaremos infra.
9. A Arguida, na presente época desportiva, apresenta antecedentes disciplinares.
***
B.) Motivação da decisão sobre a matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova carreada para os autos, documental e testemunhal em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da sua livre apreciação da prova, seguindo as regras do processo penal (art.s 127.º Código Processo Penal) com as garantias daí resultantes para ao arguido, nomeadamente o princípio da presunção da inocência e do princípio in dúbio pro reo.
Assim,
• o facto 1.) é assumido pela Demandante e decorre do relatório do árbitro (fls 3-7 do PD 83-17/18), relatório do Delegado (fls 8-12 do PD 83-17/18) e relatório de Policiamento desportivo (fls 16-25 do PD 83-17/18).

«Imagem no original»

• O facto 4.) dá-se provado pelo conjunto da seguinte prova: do relatório de policiamento desportivo (fls 16-15 do PD 83-17/18), bem como pelos esclarecimentos adicionais prestados {fls 57-59 do PD 83-17/18 do RHI). Também a testemunha P..., à data dos factos Comandante da 3.1 Divisão Policial do Comando Metropolitano de Lisboa, confirmou tal facto no seu depoimento presencial.
• O facto 5.) resulta provado pelos documentos (fotos) juntos a fls 103-127 do PD 83- 17/18, bem como pelo vídeo promocional da ''Fundação B..." junto aos autos e as notícias de imprensa juntas a fls 213 e 214 do PD 83-17/18. A testemunha H..., Directora executiva da LPFP, confirmou que nos jogos em casa é usual a Demandante fazer uso dos écrans gigantes e lançar alertas para o bom comportamento dos adeptos. Também os depoimentos das testemunhas N... (OLA da Demandante) e de P... (Director de Segurança-Adjunto da Demandada) foram no mesmo sentido.
• O facto 6.) resulta provado pelo relatório do Delegado {fls 8-12 do PD 83-17/18), pela ficha técnica do clube visitante (fls 14-15 do PD 83-17/18), bem como pelos depoimentos das testemunhas N... (OLA da Demandada) e P... (Director de Segurança-Adjunto da Demandada).
Os factos 7,) e 8.). resultam da convicção formada por recurso às regras de experiência e juízos de normalidade e razoabilidade.
• O facto 9) resulta do cadastro disciplinar da Demandada (fls. 95-102 do PD 83-17/18).
Decidiu-se, ainda, suprimir o segmento "que tenham sido denunciadas", presente nos pontos 2.) e 3.) tal como tinham sido dados provado no acórdão recorrido. Ou há registo de lesões, ou não há.» (negritos e sublinhados nossos).

II.2. DE DIREITO

i) Do erro de julgamento de facto e de direito imputados à decisão recorrida por inexistência de prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócios ou simpatizantes do Recorrente.

Com relevância para a decisão do presente recurso, atentemos, antes de mais, no disposto no art. 182.º do RDLPFP2017:

«Artigo 182.º

Agressões graves a espectadores e outros intervenientes

1. O clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma coletiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de um e o máximo de dois jogos e, acessoriamente, na sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC.

2. Se a agressão prevista no número anterior não causar lesão de especial gravidade, o clube é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC

Atentemos também ao regime, quer das medidas preventivas para evitar manifestações de violência, quer de incentivo ao fair-play, a que os clubes estão obrigados a assegurar e promover, conjugado com o anexo VI do referido regulamento, que decorre, designadamente, do art. 35.º do RCLPFP:

«Artigo 35.º

Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e Incentivo ao fair-play

«1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:

(…)

b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;

c) aplicar medidas sancionatórios aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública. Impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;

(…)

o) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…)»

E, bem assim, do art. 10.º do mesmo regulamento:

«Artigo 10 º

Permanência dos espetadores no recinto desportivo

1. São condições de permanência dos espetadores no recinto desportivo:

(...)

o) não praticar atos violentos, ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou entoar cânticos, de caráter racistas ou xenófobo, ou que, de qualquer modo, incitem à violência, ao racismo ou à xenofobia, à intolerância ou a qualquer forma de discriminação ou que traduzam manifestações de ideologia política

Sendo que, em causa está uma responsabilidade subjetiva, assente na verificação da sua culpa, também por imposição constitucional – cf. art. 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A questão controvertida neste recurso, porém, não é nova.

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem dado, sobre a mesma, uma resposta de forma uniforme e reiterada, no sentido de que «a presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 02.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo» (1).

Em acórdão de 21.02.2019, proferido no P. 0033/18.0BCLSB, e que aqui seguiremos de perto, o STA alicerça a citada e supra transcrita conclusão, nas considerações seguintes:

«(…) 51. O conceito de «infração disciplinar» mostra-se definido no n.º 1 do art. 17.º do referido RD ali se preceituando que se considera «infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável», elencando-se nos seus arts. 29.º e 30.º o leque de sanções disciplinares [principais e acessórias] e quais aquelas que são aplicáveis aos clubes.

52. Resulta, por sua vez, do capítulo IV do RD/LPFP-2017 o elenco de infrações disciplinares, prevendo-se na sua secção I as «infrações específicas dos clubes», as quais podem ser «muito graves» [cfr. subsecção I, arts. 62.º a 83.º], «graves» [cfr. subsecção II, arts. 84.º a 118.º] e «leves» [cfr. subsecção III, arts. 119.º a 127.º], seguindo-se depois as infrações de dirigentes, de jogadores, de delegados dos clubes e dos treinadores, e na secção VI o regime das «infrações dos espectadores», resultando enunciado no art. 172.º, como princípio geral, o de que os «clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial» [n.º 1] e de que «[s]em prejuízo do acima estabelecido, no que concerne única e exclusivamente ao autocarro oficial da equipa visitante, o clube visitado será responsabilizado pelos danos causados em consequência dos atos dos seus sócios e simpatizantes praticados nas vias públicas de acesso ao complexo desportivo» [n.º 2] [sublinhado nosso].

53. Também as «infrações dos espectadores» se mostram qualificadas como podendo ser «muito graves» [cfr. subsecção II, arts. 173.º a 178.º], «graves» [cfr. subsecção III, arts. 179.º a 184.º] e «leves» [cfr. subsecção IV, arts. 185.º a 187.º], estipulando-se, no que releva para o litígio, no seu art. 187.º, respeitante a «comportamento incorreto do público», que «[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos: a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC; b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC» [n.º 1].

54. Decorre, por outro lado, do art. 34.º do RC/LPFP-2017, relativo à segurança e utilização dos espaços de acesso público, que os «clubes estão obrigados a elaborar um regulamento de segurança e utilização dos espaços de acesso ao público relativo ao estádio por cada um utilizado na condição de visitado e cuja execução deve ser concertada com as forças de segurança, a ANPC e os serviços de emergência médica e a Liga» [n.º 1], e que tal regulamento deverá conter, designadamente, medidas relativas à «a) separação física dos adeptos, reservando-lhes zonas distintas, nas competições desportivas consideradas de risco elevado; … d) instalação ou montagem de anéis de segurança e adoção obrigatória de sistemas de controlo de acesso, de modo a impedir a introdução de objetos ou substâncias proibidas ou suscetíveis de possibilitar ou gerar atos de violência, nos termos previstos na lei» [n.º 2].

55. Resulta do art. 35.º do mesmo RC que «[e]m matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes: a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança; b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados; c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto; (…) f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo; (…) k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de julho; l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos; (…) o) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…) s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos» [n.º 1], e que «[p]ara efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da Lei n.º 39/2009 (…) e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objetos, substâncias e materiais suscetíveis de possibilitar atos de violência, designadamente: (…) f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis» [n.º 2], sendo que «[p]ara além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objetos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objetos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução (…) material produtor de fogo-de-artifício ou objetos similares, e quaisquer outros suscetíveis de possibilitar a prática de atos de violência» [n.º 6] [sublinhados nossos].

56. E quanto aos regulamentos de prevenção da violência [cfr. art. 36.º daquele RC] a matéria surge regulada nos referidos RD/LPFP e no anexo VI ao RC/LPFP [o RPV/RC/LPFP - adotado ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 05.º da Lei n.º 39/2009 (cfr. art. 02.º do mesmo RPV - «norma habilitante»)], extraindo-se do seu art. 04.º que «[c]ompete à Liga e aos seus associados, incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes ao desporto e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de violência, racismo, xenofobia e intolerância nas competições e nos jogos que lhes compete organizar», constituindo deveres do «promotor do espetáculo desportivo» [no caso os «clubes» - cfr. art. 05.º, al. h), do referido RPV], no que aqui ora releva, os de «(…) b) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança; c) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados; (…) l) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009 (…); m) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube, associação ou sociedade desportiva participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos; p) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…) t) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos; u) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis» [cfr. art. 06.º do mesmo Regulamento].

57. Constituem, por último, condições de acesso dos espetadores ao recinto desportivo definidas no art. 09.º do referido Regulamento, nomeadamente, o: «f) não entoar cânticos racistas ou xenófobos ou que incitem à violência; (…) l) consentir na revista pessoal e de bens, de prevenção e segurança, com o objetivo de detetar e/ou impedir a entrada ou existência de objetos ou substâncias proibidos ou suscetíveis de possibilitar atos de violência; m) não transportar ou trazer consigo objetos, materiais ou substâncias suscetíveis de constituir uma ameaça à segurança, perturbar o processo do jogo, impedir ou dificultar a visibilidade dos outros espetadores, causar danos a pessoas ou bens e/ou gerar ou possibilitar atos de violência, nomeadamente: (…) vi. substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; vii. latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis», sendo que o acesso e permanência dos grupos organizados de adeptos [cfr. art. 11.º] se mostra disciplinado pelo estabelecido, nomeadamente, no art. 09.º, sendo sempre obrigatória a revista pessoal aos mesmos e seus bens.

58. Encerrando-se aqui o elencar do quadro normativo tido por pertinente para a análise do litígio temos que a previsão do ilícito desportivo disciplinar em questão, no caso o inserto no art. 187.º do RD/LPFP-2017, mostra-se clara e perfeitamente integrada naquilo que, por um lado, são os deveres legais e regulamentares atrás aludidos e que nesta matéria impendem, nomeadamente, sobre os clubes e sociedades desportivas, e, por outro lado, no que, mais vastamente, constituem os objetivos e os fins da política de combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e desportivismo, prevenindo a eclosão e reprimindo a existência ou a manifestação de tais fenómenos.

59. Através da previsão do referido ilícito desportivo disciplinar visa-se a prossecução e realização daqueles objetivos e fins, prevenindo e reprimindo os comportamentos e as condutas que nele se mostram tipificados e que são atentatórios e desconformes com aqueles objetivos e fins, fazendo responder clubes e sociedades desportivas por tais condutas e comportamentos incorretos, tidos pelo público aos mesmos afeto ou simpatizante, enquanto reveladores da inobservância por estes, por ação ou por omissão, do que constituem os seus deveres legais e regulamentares gerais e especiais constantes dos comandos normativos atrás convocados.

60. Na formulação do que constitui o tipo de ilícito disciplinar inserto no art. 187.º do RD/LPFP-2017 e do que, em decorrência, se exige para o seu preenchimento em concreto, estão subjacentes, tão-só, as condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorretos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube/sociedade desportiva e pelos quais os mesmos respondem, porquanto decorrentes ou fruto do que constitui o incumprimento pelos mesmos, por ação ou omissão, do dever in vigilando que têm sobre as suas claques e adeptos, nomeadamente e no que releva para a discussão objeto dos autos sub specie, de que houve alguma falha no dever de revista dos adeptos, no dever de revista do estádio, no dever de controlar os adeptos dentro do estádio, no dever de demover os adeptos de praticarem ou desenvolverem tal tipo de comportamentos e condutas.

61. Ora no caso vertente inexiste, por não aportado aos autos, um qualquer elemento densificador e revelador do cumprimento por parte da demandante dos deveres a que está subordinada no que respeita aos deveres de formação, controlo e vigilância do comportamento dos seus adeptos e espectadores, bem sabendo que estava obrigada a cuidar dos mesmos e que eram os seus adeptos que ocupavam a denominada «bancada sul», onde se verificaram as ocorrências registadas no Relatório.

62.Sobre os clubes de futebol e as respetivas sociedades desportivas, como é o caso da demandante aqui recorrida, recaem especiais deveres na assunção, tomada e implementação de efetivas medidas não apenas dissuasoras e preventivas, mas, também, repressoras, dos fenómenos de violência associada ao desporto e de falta de desportivismo, de molde a criar as condições indispensáveis para que a ordem e a segurança nos estádios de futebol português sejam uma realidade.

63. Neste contexto, ao invés do sustentado pela demandante na sua impugnação e que veio a ter acolhimento no acórdão recorrido, não estamos em face de uma qualquer situação de responsabilidade disciplinar objetiva violadora dos princípios e comandos constitucionais.

64. Com efeito, mostra-se ser in casu subjetiva a responsabilidade desportiva na vertente disciplinar da demandante aqui recorrida, já que estribada naquilo que foi uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre a mesma impendiam neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido.

65. É que se no domínio da prevenção da violência associada ao fenómeno desportivo o quadro normativo impõe deveres a um leque alargado de destinatários, nomeadamente, aos clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, é porque lhes reconhece capacidade para os cumprir e também para os violar, pelo que apurando-se a violação de deveres legalmente estabelecidos os destinatários dos mesmos serão responsáveis por essa violação.

66. Socorrendo-nos e transpondo para o caso vertente a jurisprudência do TC expendida no acórdão n.º 730/95 [consultável in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e que foi firmada no quadro da apreciação da conformidade constitucional da sanção de interdição dos estádios por comportamentos dos adeptos dos clubes prevista nos arts. 03.º a 06.º do DL n.º 270/89, de 18.08 (diploma no qual se continham medidas preventivas e punitivas de violência associada ao desporto) e 106.º do Regulamento Disciplinar da FPF], temos que os ilícitos disciplinares ou disciplinares desportivos imputados e pelos quais a demandante aqui recorrida foi sancionada resultam de «condutas ilícitas e culposas das respetivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) - condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe e que eles não cumpriram de forma capaz», «[d]everes que consubstanciam verdadeiros e novos deveres in vigilando e informando», presente que cabe a cada clube desportivo o «dever de colaborar com a Administração na manutenção da segurança nos recintos desportivos, de prevenir a violência no desporto, tomando as medidas adequadas», concluindo-se no sentido de que «[n]ão é, pois, (…) uma ideia de responsabilidade objetiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres».

67. É, por conseguinte, neste ambiente de proteção, salvaguarda e prevenção da ética desportiva, bem como do combate a manifestações de violência associada ao desporto, que incidem ou recaem sobre vários entes e entidades envolvidos, designadamente sobre os clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, um conjunto de novos deveres in vigilando e in formando e em que a inobservância destes deveres assenta não necessariamente numa valoração social, moral ou cultural da conduta do infrator, mas antes no incumprimento de uma imposição legal, sancionando-se aqueles por via da contribuição omissiva, causal ou co causal que tenha conduzido a um comportamento ou conduta dos seus adeptos.

68. Na verdade, não estamos in casu, pois, perante uma responsabilidade objetiva já que o regime previsto nos arts. 17.º, 19.º, 20.º, 127.º, 187.º, n.º 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 em articulação, nomeadamente, com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do RPV/RC/LPFP-2017 e com o que resulta do demais quadro normativo atrás convocado, observa o princípio da culpa, tanto mais que em sua decorrência apenas se sancionam os clubes de futebol ou as suas sociedades desportivas pelos comportamentos incorretos do seu público havidos em violação por aqueles dos deveres que sobre os mesmos impendiam.

69. Daí que, no contexto, o princípio constitucional da culpa, enquanto servindo, igualmente, de elemento conformador e basilar ao Estado de direito democrático, e tendo como pressuposto o de que qualquer sanção configura a reação à violação culposa de um dever de conduta, considerado socialmente relevante e que foi prévia e legalmente imposto ao agente, não se mostra minimamente infringido, tanto mais que será no quadro do processo disciplinar a instaurar [cfr. arts. 212.º e segs., 225.º e segs., do RD/LPFP-2017] que se terão de averiguar e apurar todos os elementos da infração disciplinar, permitindo, como se refere no citado acórdão do TC, que «por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)».

70. Frise-se que é na e da inobservância dos deveres de assunção da responsabilidade pela segurança do que se passe no recinto desportivo e do desenvolvimento de efetivas ações de prevenção socioeducativa que radica ou deriva a responsabilidade disciplinar desportiva em questão, dado ter sido essa conduta que permitiu ou facilitou a prática pelos seus adeptos dos atos ou comportamentos proibidos ou incorretos.

71. E que cabe aos clubes de futebol/sociedades desportivas a demonstração da realização por parte dos mesmos junto dos seus adeptos das ações e dos concretos atos destinados à observância daqueles deveres e, assim, prevenirem e eliminarem a violência, e isso sejam esses atos e ações desenvolvidos em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização.

72. Para o efeito, aportando prova demonstradora, designadamente, de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança que, ainda que não sendo imune a falhas, conduza a que estas ocorrências e condutas sejam tendencialmente banidas dos espetáculos desportivos, assumindo ou constituindo realidades de carácter excecional.

73. A previsão no quadro disciplinar do ilícito desportivo em crise mostra-se, assim, devidamente legitimada já que encontra, ou vê radicar, repousar os seus fundamentos não apenas naquilo que é a necessária prevenção, mas, também, na culpa, sancionando-se o que constitui um negligente cumprimento dos deveres supra enunciados, sem que, de harmonia com o exposto, um tal entendimento atente ou enferme de violação dos princípios da culpa e do Estado de direito, ou constitua um entorse aos direitos de defesa e a um processo equitativo, dado que assegurados e garantidos em consonância e adequação com o entendimento e interpretação fixados.

74. E também não vemos que tal entendimento e interpretação possam envolver uma pretensa violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, pois, não estamos em face da assunção duma presunção de culpa da arguida ou de regra que dispense, libere ou inverta o ónus probatório que colida com o primeiro princípio, nem, como atrás referido, no caso em presença somos confrontados com uma situação de inexistência de prova relevante de que foi cometido ilícito e de quem é o sujeito responsável à luz da prova produzida para, mercê da existência de legítima dúvida, fazer apelo ao segundo princípio.» (negritos nossos).

As considerações transcritas são plenamente aplicáveis ao caso dos autos, razão pela qual (2) imperioso se torna concluir pela não verificação do erro de julgamento de facto e de direito imputados à decisão recorrida, dado que dos autos decorre prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante do Recorrente, por duas ordens de razões:

Primeira, as infrações em apreço foram presenciadas diretamente pelas autoridades policiais, ou seja, não decorrem de uma atuação vista à distância, como decorre, designadamente quando o que está em causa é o arremesso de objetos proibidos para o campo.

Segunda, a circunstância de as práticas que deram origem às infrações em apreço terem sido presenciadas pelos agentes de autoridade, colocados que estavam entre duas áreas destinadas exclusivamente a adeptos de diferentes clubes, atribui uma particular certeza sobre estas terem sido levadas a cabo por adeptos ou simpatizantes do referido clube, mesmo que, no local, as forças de segurança ali presentes, não tenham procedido à sua identificação individualizada.

Em face do que, embora proceda a impugnação do julgamento sobre a matéria de facto, na medida em que os factos n.º 7 e 8, da matéria de facto supra, são, indubitavelmente, conclusivos e, como tal, inadmissíveis. A verdade é que, pelos mesmos fundamentos, improcede o imputado erro de julgamento de direito, tendo presente a doutrina que dimana da citada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, reforçada que está, no caso em apreço, pelos termos do Relatório Policial de jogo e posterior esclarecimento – cfr. motivação da matéria de facto, por referência ao volume 0002 do PA, fls. 22 – ponto 9 – e fls. 24 – ponto 36 – e fls. 57 a 59, respetivamente.

Nestes termos, a conclusão a tirar é que as infrações em apreço foram cometidas por sócios, ou simpatizantes do clube visitante, ora Recorrente, que assistiram ao jogo em setor específico das bancadas àquele reservado.

Tendo esta conclusão presente, conheçamos a questão seguinte.

Vejamos.

ii) Do erro de julgamento de facto e de direito imputados à decisão recorrida por inexistência de prova suficiente de que tais condutas resultaram de um comportamento culposo do Recorrente.

Alega o Recorrente que «não há quaisquer factos concretos que permitam inferir que a Recorrente não cumpriu os deveres objectivos de cuidado a que estava obrigada, pelo que, não tendo violado os seus deveres nem agido com culpa, nunca lhe poderia ser assacada qualquer responsabilidade disciplinar.» - cfr. conclusão 60 das alegações de recurso – e que se impunha ao « (…) ao Acusador a tarefa de identificar, de forma clara e precisa, quais os concretos deveres legais e regulamentares violados pela Recorrente que terão dado causa, segundo defende, aos comportamentos antidesportivos dos adeptos, porém, ao invés de identificar claramente quais os deveres alegadamente violados por parte da Recorrente, o Instrutor, mais uma vez, limitou-se a “despejar" na Acusação todas as normas legais e regulamentares que impõem deveres sobre os clubes em matéria de fair play, acesso de espectadores ao recinto desportivo, condições de permanência de espectadores no recinto desportivo, deveres dos promotores dos espectáculos desportivos, (…) Curiosamente, tanto o Acórdão proferido pela Recorrida como o Aresto ora em crise são completamente omissos, não concretizando nem o concreto dever violado nem a modalidade da culpa, violando, deste modo, o artigo 233°, 2, do RD LPFP com consequente violação do direito de defesa previsto no artigo 32 °, n.° 10, da CRP e artigo 13.°, d), do RD LPFP, a Acusação deverá ser considerada nula com todas as consequências legais e regulamentares, bem como o Acórdão recorrido que nela se baseou.» cfr. conclusões 37 e 38.

Desde já se adianta que não tem razão.

Relativamente à suscitada nulidade da acusação proferida nos autos disciplinares, verifica-se que se trata de questão nova, que não foi suscitada em sede de recurso e que, por esse motivo, não foi objeto de apreciação na decisão recorrida.

Por esse motivo, não poderá este tribunal ad quem da mesma conhecer.

Quanto à suscitada nulidade da decisão recorrida por falta de concretização do concreto dever violado, na modalidade da culpa, o que consubstanciaria uma violação do art. 233.°, n.º 2, do RD LPFP2017, com consequente violação do direito de defesa previsto no art. 32 °, n.° 10, da CRP e art. 13.°, d), do citado Regulamento, a mesma não vem concretizada e consubstanciada enquanto tal, mas sim como erro de julgamento de apreciação de facto e de direito quanto à culpa do Recorrente – cfr. decorre, desde logo dos termos das alegações de recurso apresentadas e do respetivo pedido, onde inexiste qualquer pedido de declaração de nulidade da decisão recorrida – pelo que será enquanto erro de julgamento que esta questão será globalmente apreciada.

Retomando, pois, a questão decidenda, a saber, do invocado erro de julgamento de facto e de direito imputados à decisão recorrida, por inexistência de prova suficiente de que as condutas imputadas ao Recorrente resultaram de um comportamento culposo da sua parte.

A pedra de toque centra-se na questão da prevenção e controle da violência dentro do estádio mesmo enquanto clube visitante.

No caso em apreço, o jogo a disputar era, como ambas as partes reconhecem, um jogo de grande perigo.

E sendo, como foi, um jogo de grande perigo, naturalmente que os deveres que se impõem aos clubes, na prevenção e controle da violência nos estádios não pode ficar à porta destes.

No caso, não vem questionado que tivesse existido um elevado aparato policial e que tivessem sido adotadas diversas medidas adequadas à deteção de metais e de objetos perigosos à entrada do estádio foram acionados.

Acresce que resultou provado que o Recorrente assume perante os seus sócios e adeptos uma postura preventiva, crítica e dissuasora da violência em recintos desportivos – cfr. factos n.º 5 e 6 supra. – razão pela qual se dá por não verificado o erro de julgamento de facto imputado à decisão recorrida e se indefere o pedido de aditamento de novos factos – cfr. conclusão n.º 9 das alegações de recurso – por irrelevantes, conforme explicitaremos também melhor infra, face ao concreto dever que consideraremos incumprido pelo Recorrente no caso em apreço, pois a prevenção antecipatória, passe a redundância, não basta sempre, e não bastou no caso concreto.

Na verdade, impunha-se, no caso em apreço, ao Recorrente, que - em cumprimento dos seus especiais deveres de controle e repressão da violência associada ao desporto -, nos setores das bancadas que lhe estão reservados, promovesse a presença, em numero adequado, de pessoas, vigilantes, que, perante o menor vislumbre de violência, pudessem comunicar com as forças de segurança presentes no recinto e, assim, conjugadamente, se pudesse fazer face a eventuais e previsíveis ações perigosas e/ou de violência.

Nenhum clube pode achar que os seus deveres quanto à prevenção e controle de violência terminam à porta do estádio, mesmo enquanto clube visitante, sem prejuízo dos deveres que também cabem ao clube visitado/promotor do evento e às forças de segurança.

Resulta dos autos que o Recorrente, desde logo porque não alegado, não tinha ninguém a assistir ao jogo junto dos adeptos de risco, que, como decorre da matéria de facto provada, se encontravam em setores específicos das bancadas, e nem aí permaneceu ninguém, por determinação do Recorrente, após o jogo, por forma a detetar e a prevenir possíveis comportamentos desviantes dos mesmos.

A esta asserção não obsta o facto de que, tal como alega o Recorrente, a identificação formal de indivíduos seja da competência das forças policiais presentes, pois que estão em causa deveres distintos.

É que, no caso em apreço, como vimos, não se está perante uma atuação que surgiu de uma massa pixelizada de adeptos nas bancadas, mas sim da atuação concreta de 20/25 pessoas exaltadas à saída de uma das zonas especificamente reservadas aos adeptos do Recorrente.

É nosso entendimento que os especiais deveres em apreço, se corporizam, in vigilando, pelo menos em jogos de risco, com o devido/adequado acompanhamento, presença e assistência ao jogo junto dos adeptos de risco e com os mesmos permanecendo após o jogo.

Erra o Recorrente ao argumentar que, enquanto clube visitante, a culpa recai apenas, durante o jogo, no clube promotor e nas forças de segurança, mas não tem razão.

Sobre si recai o dever de acompanhar e de vigiar os seus adeptos de risco em estádios dos adversários, durante e após o jogo.

Qualquer esforço formativo preventivo, que não é aqui questionado, cai por terra se este cessar no momento da revista à entrada do estádio, não sendo alvo de qualquer desenvolvimento durante e após o jogo.

Assim, e face a todo o exposto, improcede a alegação de que se está perante qualquer situação de responsabilidade disciplinar objetiva ou de presunção de culpa, mostrando-se apurados os factos e preenchido o tipo, na sua vertente objetiva e subjetiva, do ilícito disciplinar p.e p. no art. 182.º, n.º 2, do RDLPFP2017, sendo que o Recorrente não logrou demostrar, antes pelo contrário, pois ressalta dos autos que o seu entendimento é diverso, que, no caso concreto, tenha desenvolvido tudo o que estava ao seu alcance para evitar os comportamentos desviantes, em observação dos deveres que regularmente lhe são impostos nos termos dos citados e supra transcritos art.s 35.º, n.º l, alínea b) c) e o) RCLPFP e 10.º, alínea i) e o), do Anexo VI do RCLPFP.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 18.03.2021.


____________________________
Dora Lucas Neto

*

Ao abrigo do disposto no art. 15.º-A, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13.03, na redação que decorre do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01.05, a Relatora atesta que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) cfr. ac.s de 18.10.2018, P. 0144/17.0BCLSB, de 20.12.2018, P. 08/18.0BCLSB; de 21.02.2019, P. 0033/18.0BCLSB; de 21.03.2019, P. 075/18.6BCLSB; de 04.04.2019, P.040/18.3BCLSB e 030/18.6BCLSB; de 02.05.2019, P. 073/18.0BCLSB; de 19.06.2019, P. 01/18.2BCLSB; de 05.09.2019, P. 058/18.6BCLSB e 065/18.9BCLSB; de 16.01.2020, P. 039/19.2BCLSB; de 07.05.2020, P. 144/17.0BCLSB e 074/19.0BCLSB, de 18.06.2020, P. 42/19.2BCLSB; de 05.07.2020, P. 074/19.0BCLSB e de 19.11.2020, P. 102.19.0BCLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt
(2) Revendo, em parte, a posição assumida pela Relatora em decisões anteriores, v. 145/19.3BCSLB, de 14.05.2020, como relatora e P.102/19.0 BCSLB, de 21.11.2019, como adjunta, ambos disponíveis em www.dgsi.pt