Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:34/09.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:- IRC
- MÉTODOS INDIRECTOS
- FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E MATERIAL
- RIT – DOCUMENTO AUTÊNTICO; FORÇA PROBATÓRIA
Sumário:1. A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

2. No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

3. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

4. No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.

5. O método presuntivo eleito mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.

6. O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção e decisão de revisão, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.

7. Concluindo-se que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de ser processualmente valorada contra recorrente, ou seja, contra a parte onerada com a prova.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

J…, LDA., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2003 e 2004 e respectivos juros compensatórios, no montante global de 62.817,80 euros.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
a) De acordo com o disposto nos art.ºs 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC [ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT)], 76.º, n.ºs 3, 87.º e 88.º da LGT, não podem considerar-se como julgamento de facto considerações tecidas na elaboração do juízo de subsunção ou de integração dos factos (antes não julgados como provados) ao direito plausível.

b) Sem prescindir, ao contrário do decidido na sentença recorrida, verifica-se que as liquidações impugnadas sofrem ainda da ilegalidade da falta/insuficiência de fundamentação, pois não externam, num discurso expresso e contextual que dê a conhecer a um destinatário normal colocado no plano do concreto contribuinte, quais as razões porque optou pelo critério constante do relatório em detrimento de outros e bem assim não explicitou o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.

c) Sendo que, no caso tal explicação/fundamentação ainda mais se justificava se atentarmos no discurso da AT: “Sendo que nos termos da alínea i) do n.º 1 do art.º 90º da LGT e em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da mesma por métodos indirectos poderá ter em conta as aquisições de enfeites utilizados na decoração de bolos de noiva e baptizados…”. Mas poderá ter em conta porquê? Porque razão ou razões?

d) Acresce que ao mobilizar a al. d) do art.º 88º da LGT, inexiste qualquer fundamentação que dê a conhecer porque razão ou razões existe manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços ou quais os factos identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada, não se sabendo mesmo qual a parte da norma se quis utilizar, se a primeira se a segunda, sendo irrelevante que o Tribunal consiga enquadrar fundamentos invocados pela ATA sem que esta expressamente os tenha referido.

e) Sendo o contencioso tributário um contencioso de mera anulação e não constitutivo de efeitos tributários, cabe ao contribuinte apenas demonstrar o erro dos pressupostos de facto ou de direito considerados pela administração de que o acto possa sofrer, não interessando que o acto tributário pudesse ser praticado à luz de um outro quadro de facto ou de outras normas jurídicas ou de um outro entendimento das normas jurídicas, o que é o mesmo, não invocados pela administração para a sua prática.

f) Fazer dos enfeites dos bolos (noivos, cegonhas, bebés) um critério presuntivo, se não fosse acarretar consequências económicas para a recorrente, é risível, sabendo-se, porque é facto notório, que tais enfeites são levados pelos noivos, familiares, padrinhos…, não é colocado no caso dos casamentos um único enfeite, existem enfeites que se deterioram…, sendo que o facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (A. dos Reis, CPC Anot., 3.°-259 e ss.; Castro Mendes, Do conceito de prova, págs. 711 e ss., com grandes desenvolvimentos; Vaz Serra, Provas, em BMJ, 110.°- 61 e ss.).

g) Não se vislumbra qualquer relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.

h) A validade técnica do critério exige que o universo dos factores-base de conformação do critério assumido pela administração seja idêntico ou próximo daquele a que a situação investigada se reporta, o que no caso não se verifica, atendendo à própria matéria de facto dada como assente.

i) O critério que foi utilizado para os anos de 2003 e 2004 com reflexos para o referente a 2005 e 2006, não levou em consideração toda a actividade exercida pela impugnante e, consequentemente é desconforme, sendo tal desconformidade grotesca e pitoresca quando no apuramento da matéria colectável presumida foram incluídos serviços de lavandaria e mais engraçado as vendas de tabaco, estas com margem de comercialização praticamente tabelada.

j) Foram violadas as seguintes normas: art.ºs 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC [ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT)], 76.º, n.ºs 3, 77º, 87.º, 88.º e 90º da LGT.

Termos em que, sempre contando com o douto saber e independência dos Senhores Juízes Desembargadores, deve ser dado provimento ao recurso, com as legais consequências, assim se fazendo a devida JUSTIÇA!»

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
Assim, nos termos do artigo 639º do Código de Processo Civil:

a) São objeto dos presentes autos as liquidações adicionais de IRC/2003 e 2004.

b) A fazenda pública acompanha a bondade e justeza da douta sentença em apreço, a qual se faz acompanhar de abundante legislação, doutrina e jurisprudência a sufragar a mesma.

c) Começando pela correção técnica, a impugnante/recorrente não lhe faz qualquer referência expressa, pelo que a aceita, o que se requer.

d) No que respeita à invocação de erro nos pressupostos para o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indiretos, a impugnante não alega ou demonstra factos concretos que permitam colocar em causa um único dos fundamentos que conduziram à inelutabilidade da aplicação dos métodos indiretos, os quais, quer de “per si”, quer em concatenação, se revelam contundentes.

e) Quanto à alegação de errónea quantificação da matéria coletável, a impugnante, para além de continuar a não alegar nem demonstrar factos concretos que permitam evidenciar o erro ou o excesso na quantificação alcançada, nas suas alegações de recurso não faz qualquer referência ou alusão à prova testemunhal realizada em audiência de discussão e julgamento, a qual se revelou importante no sentido de corroborar de forma indelével a prova documental carreada.

f) A não alusão pela impugnante à prova testemunhal realizada, aceitando-a, tornará as suas alegações, já desertas de factos concretos que permitam evidenciar o erro ou o excesso na quantificação alcançada, ainda mais inócuas, inúteis ou completamente ocas.

g) Tal como evidenciado na douta sentença: “Por outro lado, a Impugnante não alegou nem demonstrou factos concretos que permitissem evidenciar o erro ou o excesso na quantificação alcançada. Limitou-se a alegar generalidades e factos conclusivos como, por exemplo, que os enfeites são bens facilmente perecíveis, além de não serem bens essenciais à sua atividade, podendo haver eventos em que são utilizados mais de que um enfeite. Segundo o referido na audiência de discussão e julgamento pelas Sra. Inspetoras, os enfeites eram feitos de porcelana, ou seja, não são bens perecíveis ou facilmente deterioráveis embora possa haver perdas. Acresce que, neste âmbito, a Administração Tributária teve o cuidado de não contabilizar nove enfeites que foram devolvidos pela nota de crédito n.º 6, bem como o enfeite utilizado no casamento dos noivos da C… e L… e que, segundo o Sr. J…, não foi faturado por se tratar do casamento da sua neta (cfr. pág. 12 do relatório de inspeção tributária). Por outro lado, como resulta dos anexos I e II, a Impugnante optava por adquirir poucas quantidades de enfeites várias vezes, o que sugere uma utilização quase imediata ou a breve prazo dos referidos enfeites. Ainda relativamente às alegadas perdas (que não se encontravam refletidas na contabilidade), as Sras. Inspetoras referiram que em momento algum, no decurso da ação de inspeção, o sujeito passivo alegou perdas nos enfeites. Também não o fez no âmbito do direito de audição (que não exerceu) nem no pedido de revisão da matéria tributável. Quanto à ocorrência de eventos em que são utilizados mais de que um enfeite (v.g. casamento e batizado em simultâneo) por um lado, tal a suceder será a exceção e não a regra e, por outro, a Impugnante não indicou especificamente que no casamento que teve lugar em tal dia, também se realizou um batizado, ou que em determinado evento (casamento ou batizado) foram usados mais do que um enfeite, sendo que a ausência de prova é em seu desfavor. Em face do exposto, improcede também por aqui a presente impugnação”.

h) Também, tal como evidenciado à saciedade pelo tribunal “a quo”, em análise ao iter procedimental levado a cabo pela administração tributária, soçobra a alegação de falta de fundamentação, nunca concretizada.

i) Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica douta decisão em preço.

Por todo o exposto e sempre confiando no douto suprimento de V.Exªs, deve, pois, ser negado provimento ao recurso mantendo-se na ordem jurídica douta decisão em apreço.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão a dirimir reconduz-se, no essencial, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que as correcções efectuadas em sede inspectiva com recurso a métodos indirectos estão formal e materialmente fundamentadas, não tendo a impugnante logrado fazer prova do erro ou manifesto excesso de quantificação.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:

1. A Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda, a qual incidiu sobre os exercícios económicos de 2003, 2004, 2005 e 2006, em sede de IRC e IVA. – cfr. fls. 3 do processo administrativo apenso.

2. No âmbito da referida ação de inspeção e através de ofício de 24.09.2007, foi a Impugnante notificada do projeto de relatório de inspeção para exercer o direito de audição. – cfr. fls. 24 do processo administrativo apenso aos autos.

3. A Impugnante não exerceu o seu direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção. – cfr. fls. 24 do processo administrativo apenso aos autos.

4. Em 17.10.20071 foi elaborado o relatório final de inspeção tributária, do qual consta,
com relevância para os presentes autos, o seguinte:

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5. Através do ofício n.º 31948, remetido por carta registada com aviso de receção, foi a
Impugnante notificada do relatório de inspeção tributária, bem como do ato de
fixação do lucro tributável, referente aos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007. –
cfr. fls. 33/35 do processo administrativo apenso aos autos.

6. Em 30.11.2007, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável,
nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 48/60 do processo
administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. - cfr. fls.
47 e ss. do processo administrativo apenso aos autos.

7. Em 07.01.2008 realizou-se a reunião entre os peritos do sujeito passivo e da Administração Tributária, tendo sido lavrada a ata n.º 9, cujo teor se tem por reproduzido. - cfr. fls. 37/38 do processo administrativo apenso aos autos.

8. Não tendo havido acordo entre os peritos, cada um deles elaborou os respetivos pareceres de fls. 39/42 e fls. 43 do processo administrativo apenso

9. Em 14.01.2008, o Sr. Diretor de Finanças da Guarda proferiu decisão com o seguinte teor:



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(cfr. fls. 44/46 do processo administrativo apenso aos autos).

8. Na sequência da ação inspetiva, foram emitidas as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, e respetivos compensatórios, no montante global de 62.817,80 €. – cfr. fls. 3 e 4 do processo de reclamação graciosa apenso.

9. A Impugnante, não se conformando, em 30.07.2008, deduziu reclamação graciosa das liquidações a que alude o ponto anterior, nos termos e com os fundamentos de fls. 6/16 do processo de reclamação graciosa apenso.

10. Foi emitida a informação de n.º 3…, cujo teor se dá por reproduzido. – cfr. fls. do processo de reclamação graciosa apenso.

11. Em 04.12.2008, foi emitido o projeto de despacho de indeferimento pelo Sr. Diretor de Finanças. – cfr. fls. do processo de reclamação graciosa apenso.

12. Através do ofício n.º 2…, datado de 04.12.2008, remetido por carta registada com aviso de receção, foi a Impugnante notificada, na pessoa do seu mandatário judicial, para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de decisão referido no ponto anterior. – cfr. fls. do processo de reclamação graciosa apenso.

13. A Impugnante não exerceu o direito de audição.

14. Por despacho datado de 23.12.2008, o Sr. Diretor de Finanças indeferiu a reclamação graciosa. – cfr. fls. do processo de reclamação graciosa apenso.

3.2. Factos não provados:
Para além dos supra referidos, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente os elencados sob os artigos 64.º, 71.º, 129.º, 131.º e 132.º da petição inicial.

Motivação da matéria de facto dada como provada:
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.

Para a formação da convicção do Tribunal também contribuíram os depoimentos isentos e credíveis de O… e P…, Inspetoras Tributárias, que levaram a cabo o procedimento inspetivo à sociedade impugnante e que, no essencial, relataram o que constava do relatório de inspeção tributária, que faz parte do procedimento administrativo apenso.

O Tribunal não valorou o depoimento de T…, encarregue da contabilidade da nova empresa fundada pelo Sr. J…, na medida em que o contato com a sociedade aqui impugnante foi praticamente nulo restringindo-se a contatos com os Srs. Inspetores aquando da realização da inspeção. Atendendo às razões de ciência, o seu conhecimento é apenas documental e meramente indireto, resultante da realidade que lhe é descrita no âmbito da atual empresa.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como ilustram o probatório e os autos, a impugnante, ora recorrente, foi sujeita a um procedimento inspectivo abrangendo, nomeadamente e entre o mais, o IRC e os exercícios de 2003 e 2004, no seguimento do qual foram efectuadas correcções ao lucro tributável com recurso a métodos indirectos.

A sentença recorrida validou as correcções da administração tributária, com o que se não conforma a recorrente, apontando à sentença erro de julgamento na medida em que, a seu ver, as correcções levadas a efeito não estão formal e materialmente fundamentadas, questionado ainda e também a força probatória que a sentença conferiu ao relatório de inspecção tributária, que não isenta o tribunal de elaborar um juízo crítico (que não foi feito) sobre a factualidade nele vertida e as ilações de facto que a AT extraiu dessa mesma factualidade.

Debruçando-nos já sobre a força probatória do Relatório de Inspecção Tributária, como é evidente, ao socorrer-se do RIT a sentença não incorreu em erro de facto: a sentença reproduziu parte do RIT, dando como adquirido para os autos factos que dele constam.

E deu-os como adquiridos porque o RIT não foi impugnado validamente.

O RIT é um documento que, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra (cf. artigo 76.º, n.º 1, da LGT).

Trata-se de um tipo de documento autêntico (cf. artigo 363.º, n.º 2, do Cód. Civil), com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei (através da arguição da sua falsidade – artigo 372.º, n.º 1, do Cód. Civil), no que concerne aos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

Como resulta de mera leitura da petição inicial da impugnação, a recorrente não impugnou eficazmente a valia probatória do RIT, tendo-se limitado a discordar do juízo conclusivo dos inspectores quanto à necessidade de recorrer à avaliação indirecta e quanto à bondade da escolha do método de quantificação (que viria a merecer juízo concordante da sentença), mas sem colocar em causa a autenticidade daquilo que refere como tendo sido praticado pelo funcionário que o elaborou, ou seja, tudo o que, segundo o documento, é produto do respectivo funcionário documentador, produto esse que se tem de considerar como exacto (cf. artigo 371.º, n.º 1, 1.ª parte, do Cód. Civil).

Por conseguinte, ao apoiar-se no RIT a sentença deu como verificados os factos que dele constam. Não há, pois, qualquer divergência entre os factos considerados e a realidade que permita afirmar a existência de erro de facto – vd., neste mesmo sentido, o ac. deste TCAS, de 09/07/2020, tirado no proc.º862/06.8BELSB.

Prosseguindo na apreciação das demais questões colocadas, passemos a conhecer da invocada falta de fundamentação das correcções efectuadas com recurso a métodos indirectos.

Em causa está o IRC dos exercícios de 2003 e 2004.

Nos termos do art.º54.º do CIRC (à data vigente), “A determinação do lucro tributável por métodos indirectos, salvo em caso de aplicação do regime simplificado, e sem prejuízo do disposto no n.º11 do artigo anterior, é efectuada pelo director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, e baseia-se em todos os elementos que a administração tributária disponha, de acordo com o art.º90.º da lei geral tributária e demais normas legais aplicáveis”.

Por outro lado, estabelece o n.º1 do art.º77.º da LGT, que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Dispõe o nº2 daquele preceito que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Tratando-se de tributação por métodos indirectos, a lei impõe especiais requisitos de fundamentação, dispondo o n.º4 do art.º77.º da LGT que “A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir reiteradamente que “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o “bonus pater familiae” de que fala o art.º487º nº2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto” – vd. Acórdãos daquele alto tribunal, de 12/03/2014, proc.º01674/13; de 23/04/2014, proc.º01690/13; de 09/09/2015, proc.º01173/14.

Ora, analisado o RIT, aliás transcrito no segmento pertinente no ponto 4. do probatório, logo se constata que estão explicitadas de modo claro, congruente e acessível a um homem médio, as razões factuais e jurídicas do recurso a métodos indirectos, bem como os critérios e cálculos dos valores corrigidos.

Como se apreende do RIT, “o S.P. foi notificado em 8/8/2007 para exibição dos elementos de escrita a seguir discriminados, não o tendo feito:
Ano de 2003
a) Inventário de início e fim de exercício (31/12/2002 e 31/12/2003);
b) Diário n.º 52 e documentos de suporte;
c) Documentos de transporte (Guia de transporte ou documento equivalente) emitidos;
d) Livros selados e demais elementos de escrita.
Ano de 2004
a) Inventário de fim de exercício (31/12/2004);
b) Diário n.º 52 e documentos de suporte;
c) Documentos de transporte (Guia de transporte ou documento equivalente) emitidos;
d) Balancete Analítico de fim de exercício;
e) Diários de contas mensais;
f) Extractos de contas;
g) Livros selados e demais elementos de escrita.
(…)
Tal comportamento impossibilitou a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Em face do referido, a presunção de veracidade dos elementos declarativos e o conceito de escrita regularmente organizada encontra-se cessado por falta de apresentação dos elementos para os quais foi notificado, não permitindo apurar e controlar clara e inequivocamente o lucro tributável.
A acrescer a este facto, existem indícios de que os elementos declarados não correspondem aos proveitos efectivos, não reflectem todas as operações realizadas pelo S.P., levando a uma omissão de proveitos, a saber:
a) Foram identificadas compras regulares de enfeites decorativos de bolos (…). Comparando estas comoras com os eventos facturados detectou-se uma discrepância entre a quantidade de figuras compradas e o número de proveitos contabilizados referentes a esses eventos [casamentos e baptizados]
(…)”.

Mais adiante, no RIT, consigna-se: “…propõe-se, de acordo com a al. b) do art.º 87.º e al. a), b) e d) do art.º 88.º, ambos da LGT…, a aplicação de métodos indirectos no apuramento da matéria tributável…conforme disposto nos artigos 54.º do CIRC…e i) do n.º1 do art.90.º da LGT”.

Prossegue o RIT com a explicitação da quantificação da omissão de prestações de serviços – que apurou pela diferença entre o número de enfeites de casamentos e baptizados adquiridos pela impugnante e eventos desse tipo facturados pela impugnante com relação aos anos de 2003 e 2004 – e da valorização dessa quantificação [“…procedeu-se ao levantamento dos proveitos contabilizados segundo os eventos efectuados, assim obteve-se para cada evento (casamento/ baptizado) o número de pessoas (adultos e crianças) e o valor facturado, de forma a obter-se o número e preço médio facturado por casamento e baptizado (…)”]

Por outro lado, no despacho de 14/01/2008, de fixação da matéria tributável o Sr. Director de Finanças da Guarda remete expressamente para os fundamentos do relatório, quer quanto à decisão do recurso a métodos indirectos, quer quanto aos critérios de quantificação e valorização das omissões ali propostos pela inspecção tributária.

Não se verifica, pois, no procedimento, qualquer vício formal invalidante das liquidações impugnadas, improcedendo este segmento do recurso.

Outrossim, não se conforma a Recorrente com a sentença na medida em que validou a decisão da AT de lançar mão dos métodos indirectos no apuramento do lucro tributável. Vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

O regime da avaliação indirecta é apenas aplicável quando não for possível proceder à avaliação directa, ou com base na contabilidade (art.º85.º, n.º1 da LGT).

Os casos em que é possível à AT recorrer à avaliação indirecta no IRC estão taxativamente previstos nas alíneas a) a f), do art.º87.º da LGT, por remissão expressa do art.º52.º, n.º1, do CIRC.

A avaliação indirecta, nos termos da alínea b), daquele art.º87.º da LGT, em que se apoiou de direito a decisão correctiva, pode efectuar-se em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável de qualquer imposto”.

Estabelece o art.º88.º da LGT que “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a)……………….;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c)………………;
d)………………”.

Por seu lado, estabelece o n.º2 do art.º52.º do CIRC que “O atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como a sua não exibição imediata, a que se refere o artigo 88.º da lei geral tributária, só dá lugar à aplicação de métodos indirectos após o decurso do prazo fixado para a sua regularização ou apresentação sem que se mostre cumprida a obrigação”.

Acrescenta o n.º3 daquele preceito que “O prazo a que se refere o número anterior não deve ser inferior a 5 nem superior a 30 dias e não prejudica a aplicação da sanção que corresponder à infracção eventualmente praticada”.

Regressando aos autos menciona o RIT (a fls.5 do apenso) que a impugnante foi notificada na pessoa do seu sócio-gerente, em 8/8/2007, para, em 21/8/2007, proceder à exibição dos elementos de contabilidade em falta, o que não veio a fazer.

E que em deslocação às instalações da sede se tentou aceder ao registo informático da contabilidade, tendo sido dito por uma colaboradora que faltavam vários registos, mapas de apuramento e os inventários e que confrontado o sócio-gerente A… com a situação, “este responde que o computador tinha apanhado um vírus” (vd. RIT, fls.6 do apenso).

Não alega a Recorrente e, menos demonstra, que tenha cumprido, no prazo conferido, a obrigação de apresentação dos documentos solicitados pela inspecção tributária.

Está assim preenchido o pressuposto da “recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos” previsto no art.º88.º, alínea b) da LGT, enquanto motivo da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, legitimadora do recurso à avaliação indirecta.

Com efeito, se o contribuinte não exibe os elementos de contabilidade e escrita legalmente obrigatórios que lhe são solicitados, fica necessariamente comprometida a possibilidade de avaliação do seu lucro tributável com base na contabilidade, preconizada no art.º17.º do CIRC.

Note-se que a impugnante também não alega, substanciando, que não obstante a enunciada falta de suporte documental das operações e de relato financeiro, sempre era possível à Administração tributária determinar a sua matéria tributável por via directa, com base em outros elementos credíveis, da sua própria contabilidade ou de terceiros.

A decisão de recurso a métodos indirectos, no caso em apreço, não merece, pois, qualquer censura, não se vendo como poderia a AT, no contexto factual descrito, actuar diferentemente.

No que respeita ao critério eleito pela AT para proceder à determinação da matéria tributável relativa aos anos de 2003 e 2004 aqui em causa – descrito e concretizado no ponto V do relatório da inspecção, transcrito no ponto 4. do probatório e que consistiu em estimar a omissão de prestações de serviços com base na diferença apurada entre os enfeites de casamento e baptizado adquiridos e os eventos facturados e sua valorização a partir do número de pessoas/ preço médio facturado por evento – entendemos que não está a AT impedida de a ele recorrer, pois que o n.°1 do art.º 90.° da Lei Geral Tributária não tem carácter taxativo e o método escolhido mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados assim como procurou ter em conta os dados conhecidos relativos à actividade da contribuinte naqueles mesmos anos.

Daí que não seja correcto afirmar-se que a AT não teve em conta a situação específica da recorrente, pois basta atentar no que a esse respeito se diz no relatório da inspecção e transcrito no probatório.

A pretensão da recorrente de questionar o método de determinação indirecta da matéria tributável (cf. conclusão c) do recurso) não pode colher, pois que cabe à AT, dentro dos limites da lei, eleger aquele que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a AT e o sujeito passivo. Assim, o método adoptado pela AT para a determinação da matéria tributável, não é nem inadmissível nem se mostra, em abstracto, ostensivamente inadequado

Poderá conduzir, contudo, a um excesso na quantificação da matéria colectável apurada, sendo que, quando assim seja e se o pretender, cabe ao contribuinte o ónus da prova do excesso da quantificação.

Com efeito, dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.

Ora, o que se verifica é que nenhum facto consta do probatório que permita concluir pelo excesso de quantificação da matéria tributável.

De facto, a impugnante, ora recorrente, preocupou-se mais em tentar descredibilizar o método de quantificação escolhido pela AT (cf. conclusão f) do recurso) do que em evidenciar factos concretos partindo dos quais o Tribunal pudesse concluir, num juízo de normalidade assente em regras da experiência comum, pelo manifesto, notório ou ostensivo erro ou excesso de quantificação da matéria tributável.

O recurso está, pois, condenado ao fracasso, sendo de confirmar a sentença recorrida por não padecer dos vícios que lhe são apontados.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha