Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:138/04.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
CUSTOS
PROVA
Sumário:
I. A circunstância de um determinado custo estar suportado por documentos de origem interna não conduz, sem mais, à sua desconsideração enquanto tal, sendo admissível a sua demonstração através de outros meios de prova, designadamente prova testemunhal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.09.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por F….. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o ato tributário de correções ao lucro tributável do exercício de 1994.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela ora Recorrida que condenou a Fazenda Pública à aceitação dos custos incorridos com o projeto Ucrânia, quando na realidade a contabilidade da ora Impugnante não espelha, nos termos dos artigos 23.º e 41.º do CIRC, nomeadamente a comprovação adequada e exigível, por prova documental e consequentemente sua indispensabilidade.

B. A fundamentação da sentença recorrida assenta em síntese no seguinte entendimento:

No caso em análise, os fornecedores ou prestadores dos serviços a que se referem as despesas de representação são entidades não residentes (país terceiro), que não se encontra obrigada ao disposto na nossa legislação nacional.

A AT Portuguesa não pode impor condições a sujeitos passivos de outros países, nestas situações terão que ser aceites os documentos emitidos, no pressuposto de que estes cumprem o disposto na legislação vigente no país de residência do sujeito passivo emitente do documento.

Assim, não pode a AT portuguesa considerar as despesas de representação como não devidamente documentadas com fundamento na legislação nacional, pois, os correspondentes documentos foram emitidos com base na legislação da Ucrânia.

Esta argumentação vale para todos os custos impugnados que foram desconsiderados com base na legislação portuguesa, pois era à luz da legislação Ucrânia que deveriam ser aferidos.”

C. No caso em apreço está em discussão, a saber, se as correções realizadas pela Inspeção Tributária, no âmbito da correção ao lucro tributável da Impugnante, relativamente ao ano de 1994 sobre as despesas de representação (€3.381,62), as ajudas de custo (€8.261,11) e os custos com as viagens (€3.221,95), no presente caso e no valor global de €14.864,68, estão documentadas e comprovadas de acordo com o ordenamento jurídico fiscal nacional.

D. Analisando o que foi considerado no documento de correção, que se transcreve “-Não aceite como custo a verba de 677954.00 contabilizada na rúbrica de despesas de representação (doc. n.º 5851 de 31/12/94). A referida verba não se encontra devidamente documentada pelo que não foi aceite para efeitos fiscais de acordo com a alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do C.I.R.C.

“- A empresa contabilizou igualmente na referida conta deslocações e estadas a verba de 1656204.00 referente a ajudas de custo processadas ao Dr. G….. – constatou-se que este beneficiário não faz parte dos quadros da empresa, sendo trabalhador independente (categoria B). Verificou-se adicionalmente que se trata de um custo não devidamente comprovado por documentação apropriada, sendo corrigido para efeitos fiscais de acordo com o artigo 23.º e alínea h n.º 1 do artigo 41.º ambos do código do I.R.C (doc n.º 5867 de 31/12).

– Não foi aceite como custo a verba de 645942.00 (documentos nos 1043-99310.00; 1046 -119592.00;1115-71155.00;1407-71155.00;1428-71155.00;3650-71125.00;4132-71225.00; 4135 - 71225.00) referentes a viagens efetuadas por G….. e P…. que não fazem parte dos quadros da empresa, sendo trabalhadores independentes (categoria B). A referida verba foi corrigida para efeitos fiscais de acordo com a alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do C.I.R.C.

E. E que mesmo após o direito de audição por parte da Impugnante, se manteve para todos os legais efeitos, conforme consta no relatório: quanto à verba n.º 2, isto é, relativamente às despesas de representação, o valor de €3.381,62 (Esc.: 677.954$00) o próprio documento de suporte refere despesas não documentadas; e relativamente às verbas n.º 4 e 5 referentes a deslocações e estadas, no valor de €8.261,11 + €3.221,95 (Esc.:1.656.204$00+645.942$00) afere que “a exposição da contribuinte em nada vem alterar as correções propostas pois tratam-se de despesas não devidamente documentadas para além de serem processadas a favor de advogados que não fazem parte dos quadros da empresa.”

F. Portanto, tendo resultado que a Impugnante, em sede de impugnação veio colocar em crise a correção efetuada pela inspeção tributária, mas que no fundo, de acordo com a legislação portuguesa não consegue, nem conseguiu estabelecer um nexo de causalidade entre as despesas que pretendeu levar a custos fiscais e que não comprova, como tenham sido realizadas para a obtenção dos proveitos ou da manutenção da fonte produtora.

G. Sendo um ónus que caberá à Impugnante e não estando devidamente comprovado, deverá a sentença, nesta senda, ser substituída por outra, que considere que se encontram bem efetuadas todas as correções em crise, julgando totalmente improcedente o pedido efetuado pela Impugnante.

H. Conforme entendimento preconizado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no proc. 08592/15 de 31 de março de 2016: “Perante a invocação da existência de custo não documentado por parte da Fazenda Pública, compete à impugnante alegar e demonstrar a efectividade do custo ou os factos concretos que comprovem a inexistência do mesmo, recuperando, assim, a fidedignidade e a presunção de veracidade da declaração prestada através da sua contabilidade (artigo 75.º/1, da LGT). Este ónus no caso não foi observado.”

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

A) Previamente, verifica-se que a Recorrente não identifica (i) os concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, (ii) o sentido com que, no entender da Recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ou a norma jurídica que, no entendimento da Recorrente, devia ter sido aplicada.

B) A Recorrente não coloca em causa nenhum dos factos provados da Douta Sentença recorrida referidos nos parágrafos S) a GG), e, perante os mesmos, a Douta Sentença só poderia ter concluído, como concluiu, que a Recorrida fez prova dos custos em questão e da sua causalidade para a obtenção dos seus proveitos,

C) Sendo que a realidade desses custos decorre directamente, entre outros, dos factos provados elencados nos parágrafos S), T), Y) e DD) dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida.

D) Pelo que, bem andou a Douta Sentença recorrida ao considerar, perante estes factos, que as referidas despesas são reais e que foram incorridas com deslocações e estadias no âmbito de um projecto que decorreu, nomeadamente, na Ucrânia, não procedendo as Conclusões F. e H. das alegações de recurso da Recorrente.

E) É ainda patente que a ora Recorrida demonstrou cabalmente a essencialidade destas despesas para a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e a manutenção da sua fonte produtora, como expressamente decorre dos Parágrafos S) e X) dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida

F) Resulta, ainda, amplamente da matéria de facto dada como provada a relação destas despesas com os proveitos registados pela Recorrida, designadamente pelo facto de as mesmas terem sido refacturadas [Cfr. parágrafos Z), BB), FF) e GG) dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida], pelo que se conclui que “Tais custos revelaram-se essenciais aos proveitos da Impugnante” [Parágrafo AA) dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida];

G) Em conclusão, no que diz respeito à matéria de facto, é patente que a Douta Sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento, retratando fielmente a realidade em apreciação nos autos.

H) Paralelamente, também não ocorreu qualquer erro de julgamento de Direito na Douta Sentença recorrida.

I) Relativamente ao art.º 23.º do Código do IRC, a Douta Sentença recorrida não parece oferecer quaisquer dúvidas quanto ao sentido em que interpreta esta norma, já que, atentos os factos dados por provados, a interpretação que decorre da Douta Sentença recorrida, perfeitamente pacífica e sem qualquer elemento controverso, é no sentido de se concluir que, estando em causa despesas relacionadas com um projecto específico no qual a Recorrida esteve envolvida, as mesmas são, naturalmente, custos dedutíveis para efeitos fiscais.

J) Esta conclusão – dedutibilidade dos custos na esfera da Recorrida – não é posta em causa pelo facto de parte dos mesmos terem sido realizados por colaboradores da Recorrida, porquanto “tais custos foram apenas contabilizados como custos da Impugnante e não dos próprios Advogados, na medida em que as viagens e estadas foram efetuadas por expressa indicação e no exclusivo interesse da Impugnante” [Parágrafo DD) dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida].

K) Acresce que, todas estas despesas foram inclusivamente refacturadas [Cfr. parágrafos Z), BB), FF) e GG) dos Factos Provados da Douta Sentença recorrida], pelo que a sua relação com os proveitos da Recorrida não poderia ser mais directa!

L) Neste contexto, soçobram completamente as Conclusões F., G. e H. das alegações da Recorrente.

M) Relativamente à interpretação e aplicação do art.º 41.º, n.º 1, alínea h) do Código do IRC, importa recordar que, em momento algum a Administração Fiscal justifica, fundamenta ou descreve, de que modo tais despesas se subsumem a esta norma, já que a Administração Fiscal terá, aparentemente, concluído que as despesas em causa corresponderiam a “encargos não devidamente documentados”, embora não explique porquê.

N) A Douta Sentença recorrida considera que o juízo quanto a uma determinada despesa não se encontrar devidamente documentada não pode ser feito de forma simplista através da aferição se um determinado documento cumpre os requisitos da legislação portuguesa, quando não foi emitido por entidade portuguesa que se encontrava sujeita a essa legislação.

O) Ora, a Douta Sentença recorrida mais não fez do que aderir à doutrina que dimana da pacífica Jurisprudência sobre este assunto, de que não se pode considerar que um determinado custo não se encontra devidamente documentado apenas porque não se cumprem certos requisitos formais: “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.” (Cfr. o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 05-07-2012 no processo n.º 0658/11, disponível em http://www.dgsi.pt).

P) No caso concreto, este entendimento é ainda mais flagrante na medida em que, por um lado, a Administração Fiscal nada diz a respeito dos fundamentos para essa alegada irregularidade e, por outro lado, estando em causa documentos emitidos no estrangeiro, a exigência de requisitos formais específicos da legislação portuguesa ainda seria mais desconcertante.

Q) Finalmente, a Recorrida parece confundir despesas não documentadas - aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico - com despesas não devidamente documentadas - aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação.

R) As despesas não devidamente documentadas mas não confidenciais, são susceptíveis de sobre elas ser produzida outro tipo de prova, designadamente a prova testemunhal para prova do bem fundado do seu lançamento na contabilidade;

S) Assim, constando expressamente do relatório da inspecção tributária - Documento 1 da p.i. - bem como das respectivas alegações da Recorrida e da matéria de facto provada constante dos parágrafos C), D) e E) da Douta Sentença recorrida os documentos de suporte a estas despesas, é impossível não concluir que, em qualquer caso, a admitir-se uma deficiência concreta dessa documentação, a mesma poderia sempre ser complementada, como o foi, pela prova testemunhal produzida.

T) Pelo que bem andou a Douta Sentença recorrida ao decidir pela ilegalidade das correcções efectuadas pela Administração Fiscal a respeito das despesas incorridas com o projecto na Ucrânia, motivo pelo qual deve a Douta Sentença recorrida ser mantida in totum!

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, deverá o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida na integralidade a Douta Sentença recorrida que julgou parcialmente procedente a impugnação.

Assim se fazendo JUSTIÇA”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:
a) Há erro de julgamento, na medida em que não foi estabelecido um nexo de causalidade entre as despesas controvertidas, não comprovadas, e a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante apresentou a Declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 1994 (fato não controvertido).

B) A referida declaração foi objeto de análise interna, tendo sido introduzidas correções ao lucro tributável para o exercício de 1994 no montante de Esc. 26.725.065$00, i.e., € 133.304,06 (cento e trinta e três mil, trezentos e quatro euros e seis cêntimos) (conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI).

C) Despesas de Representação:

«Não foi aceite como custo a verba de 677954.00 contabilizada na rúbrica de despesas de representação (doc. n.º 5851 de 31/12/94). A referida verba não se encontrava devidamente documentada pelo que não foi aceite para efeitos fiscais de acordo com a alínea h) do n.º 1, do artigo 41.º do CIRC.»

(conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI)

D) Ajudas de Custo:

“A empresa contabilizou igualmente na referida conta de “Deslocações e estadas a verba de 1.656.204.00 referente a ajudas de custo processadas ao Dr. G….. – constatou-se que este não faz parte dos quadros da empresa, sendo trabalhador independente (categoria B). Verificou-se adicionalmente que se trata de um custo não devidamente comprovado por documentação apropriada, sendo corrigido para efeitos fiscais de acordo com o artigo 23.º e alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º ambos do CIRC.»

(conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI)

E) Custos com Viagens:

«- Não foi aceite como custo a verba de 645 942.00 (…) referente a viagens efetuadas por G….. e P….., que não fazem parte dos quadros da empresa, sendo trabalhadores independentes (categoria B). A referida verba foi corrigida para efeitos fiscais de acordo com a alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.»

(conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI)

F) Cheques Auto.

«A Empresa contabilizou na conta 622 – Deslocações e Estadas a verba de 6885.000.00 referente a cheques auto – senhas de gasolina adquiridas junto do Banco Pinto & Sotto Maior (documentos n.ºs 213 de 31/01 – 500.000.00; 899 de 31/03 – 635.000.00; 1070 de 20/04 – 560.000.00; 1591 de 31-05 – 610.000.00; 2545 de 31/07 – 585.000.00; 2735 de 31/07 - 585.000.00; 5048 de 30/11 – 535.000.00; 5438 de 31/12,- 560.000.00. A empresa ao adquirir os cheques auto ao Banco não incorre nesse momento num custo, verificando-se apenas a troca de meios de pagamento. Assim, o talão passado pela entidade bancária não serve como documento justificativo do custo para efeitos fiscais - Pela conjugação da alínea a) do n.º 3 do artigo 98.º com o n.º 3 do artigo 18.º ambos do Código do IRC, foi a referida verba corrigida para efeitos fiscais.»

(conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI)

G) A Impugnante foi notificada para se pronunciar sobre as projetadas correções e exerceu o direito de audição.

H) A AT, em apreciação dos argumentos da Impugnante elaborou a seguinte informação:

«Nos termos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60° do Regime Complementar da Inspeção Tributária (RCIT), o sujeito passivo usou do direito de audição, pronunciando-se por escrito, conforme exposição em anexo " de 7 fls. Sobre o mesmo, cumpre-nos informar o seguinte:

1 . Relativamente à verba n° 1 (esc. 1650.000$00 referente à Caução do Imóvel sito na Rua .....) e verba n° 6 (esc. 6.507 000S00 referente a Trabalhos Prestados por –J…..) o contribuinte não contesta, a correção efetuada pela Administração Fiscal (A.F.).

2 - No que respeita à verba n° 3 (esc. 6.885 000$00 cheques de gasolina) entendemos que não há lugar a quaisquer alterações à correção anteriormente efetuada, dado que o talão passado pela entidade bancária não serve como documento justificativo de quaisquer encargos visto estes não se terem «efetivado nesse momento. Correção efetuada de acordo com a alínea a) do n° 3 do artigo 98° conjugado com o n° 3 do artigo 18.º ambos do Código do I.R.C.

3 - Quanto à verba n° 7 (esc. 8.702.965$00 referente a viaturas da contribuinte) a exposição apresentada em nada altera a correção efetuada, pois a mesma o teve por base a Portaria 83/94 em que limita a uma unidade por sócio de sociedade de profissionais sujeita ao Regime de Transparência Fiscal o número de veículos.

4 - Quanto à verba n° 2 (esc 677.954$00 relativa a despesas de representação) é o próprio documento de suporte que refere “despesas não documentadas”.

5 - Relativamente às verbas n° 4 e 5 (esc. 1.656.204$00 referente a deslocações e estadas e esc. 645.942$00 referente a viagens) a exposição do contribuinte em nada vem alterar as correções anteriormente propostas pois tratam-se de despesas não devidamente documentadas para além de serem processadas a favor de advogados que não fazem parte dos quadros da empresa.

6 – Face ao exposto, as correções contidas no relatório inicial, devem manter-se.

À consideração superior.»

(conforme resulta do documento n.º 1, junto com a PI)

I) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 23 do processo de reclamação graciosa em apenso.

J) A Impugnante foi notificada das correções ao lucro tributável em 4/11/1999 (fls. 42 do processo de reclamação graciosa em apenso)

K) A Impugnante presentou reclamação graciosa em 20/01/2000 (fls. 42 do processo de reclamação graciosa em apenso)

L) Em apreciação da reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior foi elaborada a informação de fls. 42 a 45 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

M) Com interesse para a decisão, resulta da informação a que se refere a alínea anterior:

«5- DESCRIÇÃO DOS FACTOS

5.1. Na sequência de uma análise interna à Declaração Modelo 22 do exercício de 1994, os Serviços de Inspeção Tributária procederam às correções que de seguida se discriminam e que se traduziram num acréscimo de 133.304,06 € (26.725.065$) ao Lucro Tributável declarado (fls. 19 a 21):

«(…)2. Não foi aceite como custo fiscal o “montante de 3.381,62 € (677.954$), de despesas de representação, por não estarem devidamente documentadas (al. h) do n° 1 do art. 41° do CIRC);

3. Foi contabilizada na conta “62222 - Deslocações e estadas”, a verba de 34.342,24 € (6.885.000$), referente a cheques auto adquiridos ao Banco Pinto & Sotto Mayor. Por se tratarem de meios de pagamento, os cheques auto só são aceites como custo fiscal quando acompanhados dos justificativos da sua utilização em aquisição de combustíveis (art. 98°, n° 3, conjugado com o art. 18°, n°3 do CIRC);

4. Na mesma conta 62222 foram contabilizados 8.261,11 € (1.656.204$) de ajudas de custo processadas ao Dr. G…... Constatou-se que além de aquele não ser colaborador da empresa, a documentação de suporte não era adequada (al. h) do n° 1 do art. 41° do CIRC);

5. Os custos de viagens dos Drs. G….. e P….., no montante de 3.221,95 € (645.942$) não foram aceites para efeitos fiscais por aqueles profissionais não fazerem parte dos quadros da empresa (al. h) do n° 1 do art. 41° do CIRC); (…)

5.2. A Reclamante aceitou as correções 1 e 6 no âmbito do Direito de audição prévia (fls. 3 e 24) e a correção 7 já na petição da presente Reclamação (fls. 3, ponto 6). Quanto às outras verbas, alega o seguinte:

• As correções 2., 4. e 5. respeitam a custos ligados a “um projeto comunitário de apoio à República da Ucrânia, no contexto dos chamados Projetos TACIS, comparticipados por várias entidades de países da União Europeia, consistindo em trabalhos de natureza técnica conducentes à elaboração de um Projeto de Código de Investimento Estrangeiro para aquele país” (fls. 4, ponto 8).

A Administração Fiscal considerou indevidamente documentados os custos em que a sociedade incorreu com deslocações necessárias a Kiev e esta não compreende a sua não aceitação, uma vez que:

- com as condições sociais, políticas e económicas que se viviam ao tempo na Ucrânia e dado não existirem quaisquer elementos de controle, não havia o hábito de emissão de faturas (fls. 4, ponto 10);

- o disposto no art. 35° do CIVA não se aplica a entidades residentes fora do território nacional (fls. 6, ponto 16)

- o ratio custos/proveitos deste projeto é excelente (fls. 5, pontos 12 e 13) os valores daquelas verbas foram analisados e reembolsados pela L….., empresa luxemburguesa que procedeu aos pagamentos, em geral, dos montantes relacionados com o referido projeto (fls. 5, ponto 15)

Relativamente às verbas 4 e 5, refere ainda que elas respeitam a advogados que não faziam parte dos quadros da empresa mas trabalhavam como colaboradores, em regime de trabalho independente, por força do disposto no Estatuto da Ordem dos Advogados e que as mesmas não foram consideradas como custo nas Declarações de Rendimentos daqueles (fls. 7, pontos 20 e 21 e fls. 7 e 8, pontos 23 e 24).

• Quanto aos cheques auto (verba 3), embora reconheça que o melhor suporte para os contabilizar como custos seriam as faturas/recibos emitidos pelos postos de abastecimento de combustível, não se conforma com a sua não aceitação, porque:

- o procedimento adotado apenas visou a simplificação administrativa (fls. 8, ponto 28);

- tratou-se de uma operação fiscalmente neutra, que não implicou duplicação de custos na contabilidade da Reclamante (fls. 8, ponto 29);

- se deve ter em consideração que eram 25 os advogados que, deslocando-se por todo o país, colaboravam, em regime de exclusividade, com a empresa (fls. 9, ponto 30).;

- a empresa agiu em completa e total boa fé, assim como tantas outras no mesmo período (fls. 9, ponto 31);

- comparando o valor destas despesas com a faturação e com os valores médios despendidos nesta atividade profissional, poderá considerar-se bastante razoável e credível (fls. 9, ponto 32).

6- PARECER

Analisamos cada uma daquelas alegações pela mesma ordem:

• No que respeita à verba 2., a reclamante não apresentou qualquer comprovativo que permita confirmar o alegado nem aferir da indispensabilidade desses custos para a obtenção dos proveitos que lhe estão diretamente ligados (art. 23° do CIRC), pelo que continuamos a considerar que se encontram indevidamente documentados (art. 41°, n° 1, al. h) do CIRC).

• Relativamente às verbas 4. e 5., reafirma-se que as despesas efetuadas por profissionais em regime de trabalho independente nunca são considerados como custo fiscalmente aceite, nos termos da alínea h) do n° 1 do art. 41° do CIRC, nas entidades a quem prestam serviços, uma vez que são encargos da sua atividade, para efeitos de IRS. Acresce ainda que as despesas das verbas 2., 4. e 5., como a própria reclamante refere no ponto 15 da petição (fls. 15) e reafirma mais concretamente para as verbas 4. e 5., no ponto 22 (fls. 7), foram reembolsadas pela L….., empresa responsável pelos pagamentos ligados ao projeto Ucrânia. Assim sendo, essas despesas representam custos para a L….. e não para a Reclamante, pelo que não será de as aceitar também em sede de reclamação.

• Quanto aos cheques auto (verba 3.), importa referir o seguinte:

Ao adquirir os cheques auto, o adquirente procede apenas a uma troca de meios de pagamento mas não incorre em nenhum custo. O custo só se materializa no momento da troca desses cheques, ao efetuar consumos.

Na verdade, os cheques auto representam efetivamente dinheiro, uma vez que podem ser trocados, não só para abastecimento de combustíveis, mas também em qualquer outro tipo de aquisição, em estabelecimentos que os aceitam. Inclusivamente, podem os seus portadores, no momento da aquisição de combustíveis nos postos de abastecimento, solicitar parte do cheque em combustível e parte em dinheiro.

É por isso fundamental que exista outra prova documental que não a sua compra, para que se possa aferir do tipo de custo em que se traduziu e da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos da empresa (art. 23° do CIRC).

Por tudo o que atrás ficou dito, afigura-se-me não ser de reconhecer as pretensões da reclamante.

7- CONCLUSÃO E PROPOSTA DE DECISÃO

Em face do exposto se conclui que a reclamação não merece deferimento, mantendo-se os valores corrigidos pela Inspeção para a sociedade, e consequentemente as Liquidações adicionais aos respetivos sócios.

À consideração superior.

Direção de Finanças de Lisboa, em 2003/07/10

N) A Impugnante exerceu o direito de audição.

M) Em apreciação dos argumentos da Impugnante foi elaborada a informação de fls. 79 e 80 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

O) Com interesse para a decisão resulta da informação referida:

Tendo sido notificada em 2003/08/20 do projeto de decisão de fls. 42 a 45 dos presentes autos, vem a reclamante, no exercício do direito de audição prévia previsto no art° 60° da Lei Geral Tributária (LGT) alegar o seguinte:

1- ELEMENTOS SUSCITADOS PELA RECLAMANTE NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA DE FLS. 54 A 59

A reclamante discorda da decisão de indeferimento proposta, mas não acrescenta qualquer elemento novo àqueles que apresentara por altura da petição. No entanto, alega que:

a) “não deixa de registar que a Administração Fiscal (AF) deixou cair a objeção conexa com o alegado não cumprimento das disposições do art. 35º do ClVA (ponto 3, fls. 56);

b) quanto à não aceitação das verbas 2. 4. e 5., afirma que a AF a justifica com base em dois argumentos: “com o facto de algumas destas despesas identificarem dois advogados em regime de trabalho independente e, ainda, com o facto de a L….., entidade pagadora deste Projeto ter “reembolsado” as referidas despesas.” (ponto 2, fls. 55). Relativamente ao primeiro facto invocado, volta a mencionar as mesmas razões apresentadas na petição, pelo que nos escusamos de as reproduzir.

No que respeita ao segundo, esclarece que as verbas pagas pela L….. foram consideradas rendimento da sociedade e contabilizadas numa conta de proveitos (al. e) do ponto 5, fls. 56).

c) Quanto à não aceitação da verba 3., dá por reproduzido o alegado na petição original, (ponto 7°, fls. 58).

2- PARECER

Esclarecemos as alegações apresentadas pela reclamante, pela mesma ordem do ponto anterior:

a) Em nenhum dos documentos constantes dos autos (Auto de notícia, fls. 11 a 15, DC 22, fls. 19 a 21, Direito de audição, fls. 23 a 25 e projeto de decisão da Reclamação Graciosa, fls. 42 a 45), a AF faz referência ao art. 35° do CIVA. A alusão a este artigo é feita na petição, pela própria reclamante (ponto 17, fls. 6);

b) Aceita-se que o nosso comentário final, no que se refere ao relacionamento das despesas com a L….., face ao agora exposto, em sede do exercício do direito de audição, não tenha validade substancial na análise do mérito do pedido. No entanto, tal não obsta a que se mantenha a não aceitação das verbas 2., 4. e 5. pelas outras razões invocadas no projeto de decisão:

• quanto à verba 2., além do que é mencionado, o próprio documento de suporte ao lançamento contabilístico (Doc. 58.51, de 31/12/1994) refere “despesas não documentadas” (ponto 4 da Informação final da Inspeção, fls. 25);

• no que se refere às verbas 4. e 5., mantem-se o que foi dito relativamente à aceitação de despesas efetuadas por profissionais independentes, que devem repercutir as suas despesas nos recibos de honorários.

c) Relativamente aos cheques auto, uma vez que não há qualquer elemento novo que permita inverter o sentido da decisão, mantem-se a correção, com os fundamentos anteriormente apresentados.

3- CONCLUSÃO e PROPOSTA DE DECISÃO

Em face do exposto, reiteramos a opinião de não ser de atender à pretensão da Reclamante, indeferindo-se a Reclamação. Em consequência, mantêm-se também as liquidações adicionais aos respetivos sócios.

À Consideração Superior

Direção de Finanças de Lisboa, em 12/11/2003»

P) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 79 do processo de reclamação graciosa em apenso, que aqui se dão por reproduzidos.

Q) A Impugnante foi notificada da decisão a que se refere a alínea anterior em 15/12/2003, conforme resulta de fls. 79 do processo de reclamação graciosa em apenso.

R) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 05/01/2004 (conforme resulta de fls. 6).

S) As correções referidas nas alíneas a), b) e c) do Artigo 6.° prendem-se com despesas relativas a um projeto comunitário de apoio à República da Ucrânia comparticipado por várias entidades de países da União Europeia e consistindo em trabalhos de natureza técnico-jurídica conducentes à elaboração de um Código de Investimento Estrangeiro para aquele país (depoimentos das testemunhas).

T) Este trabalhou implicou a manutenção, por longos períodos de tempo, de um advogado em Bruxelas, cidade onde se encontrava centralizada a operação, bem como inúmeras deslocações a Kiev para encontros e reuniões com responsáveis políticos e administrativos da Ucrânia, com vista a recolher a informação necessária à elaboração do referido projeto (depoimentos das testemunhas).

U) A Ucrânia tinha peculiares condições sociais, políticas e económicas, naquela altura, por todos conhecidos; trata-se de um país em formação, resultante do desmembramento da União Soviética e efetuando uma difícil transição, após 60 anos de uma economia de estatizada e rigidamente planificada, para uma economia de mercado absolutamente desprovida de elementos de controle e de hábitos de contabilização e/ou emissão de faturas (depoimentos das testemunhas).

V) Acresce ainda a carência e regulamentação legal da atividade económica na Ucrânia, aliás evidenciadas pela própria natureza do trabalho prestado: elaboração de legislação (depoimentos das testemunhas).

W) No âmbito de um trabalho que se queria célere, foi impossível apresentar documentos de suporte contabilístico com as formalidades que porventura a Administração Fiscal poderia exigir para os mesmos documentos emitidos por Impugnantes portugueses (depoimentos das testemunhas).

X) Os proveitos relativos a este projeto, no total de Esc. 34.840.227$00, i.e, € 173.782,32, foram integralmente contabilizados pela Impugnante e que todos os custos relativos ao mesmo projeto, no total de Esc. 15.676.891 $60, i.e., € 78.196,01, foram igualmente contabilizados em centro de custos autónomo, do qual fazem parte as verbas ora rejeitadas como custo pela Administração Fiscal (depoimentos das testemunhas).

Y) Não foi possível obter faturas que respeitem a legislação portuguesa no que se refere a táxis e outros meios de transporte em Kiev (depoimentos das testemunhas).

Z) A entidade que posteriormente foi faturada pelos custos incorridos – L….., entidade gestora de todo o Projeto - aceitou os mesmos, reconhecendo, como a Administração Fiscal tacitamente o faz, a sua efetividade (depoimentos das testemunhas).

AA) Tais custos revelaram-se essenciais aos proveitos da Impugnante (depoimentos das testemunhas).

BB) A referida L….. aceitou aqueles custos, a Impugnante refaturou-os e, por isso, seus rendimentos foram superiores que, na ausência de tais custos, seriam inferiores (depoimentos das testemunhas).

CC) Os Advogados Senhores Drs. G….. e P….. exerciam a sua atividade profissional prestando exclusivamente serviços à ora Impugnante (depoimentos das testemunhas).

DD) Os custos por estes suportados foram apenas contabilizados como custos da Impugnante e não dos próprios Advogados, na medida em que as viagens e estadas foram efetuadas por expressa indicação e no exclusivo interesse da Impugnante (depoimentos das testemunhas).

EE) Os custos da operação tinham que ser indicados pela Impugnante ao grupo que coordenava este Projeto, não se vislumbra como é que a Impugnante poderia imputar aos referidos Advogados a realização de tais despesas (depoimentos das testemunhas).

FF) A entidade que posteriormente foi faturada por estes mesmos custos - L….. - aceitou e reconheceu os mesmos, admitindo a sua refaturação pela Impugnante (depoimentos das testemunhas).

GG) Mas neste caso, através de uma fatura que aumentou os proveitos da Impugnante (depoimentos das testemunhas)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão dos fatos invocados não se provou que a Impugnante tenha utilizado dos cheques autos na aquisição de combustíveis, pese embora a referência genérica nesse sentido pelas 1.º e 2.º testemunhas”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como do depoimento das testemunhas, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A testemunha V….. referiu que atualmente é sócio da Impugnante, embora o não fosse à data dos factos. No ano de 1994 o depoente exercia a sua atividade de advogado em escritório independente e tinha uma avença com a F…... Participou em nome e por conta da Impugnante no projeto Ucrânia em nome e por conta da Impugnante. O projeto Ucrânia (PU) era suportado pela União Europeia (EU). Os advogados portugueses estavam debaixo do chapéu da Impugnante e havia juristas de outras nacionalidades. Da parte da Impugnante havia duas pessoas que estavam a acompanhar permanentemente o PU que era um dos sócios da Impugnante o Dr. R….. o Dr. P….. que era colaborador da Impugnante e o Dr. G….. que era um colaborador a título permanente e o depoente. Era obrigatória a presença permanente de um advogado da Impugnante em Bruxelas. No âmbito da avença parcial o depoente acompanhou deslocou-se algumas vezes à Ucrânia.

A testemunha J….. era e é atualmente técnico oficial de contas da Impugnante.

A testemunha G….. esclareceu que há cerca de 15 anos que só presta serviços para a Impugnante, inicialmente como advogado e atualmente como sócio. Quando entrou para o escritório da Impugnante não assinou propriamente um contrato de trabalho, mas sempre entendeu a Impugnante como a sua entidade patronal, pois, nunca passou um recibo verde que não fosse do escritório, tinha o seu local de trabalho exclusivamente no escritório, recebia instruções dos sócios do escritório, a única razão pelo qual não se considerava trabalhador era para preservar a autonomia técnica enquanto advogado. Recebia instruções relativamente aos assuntos que lhe eram entregues, mas não relativamente à forma de os resolver. Recebia a remuneração, as ajudas de custo e as despesas extra e a Impugnante ficava com o resultado do seu trabalho”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração[1].

Nesse seguimento, é a seguinte a redação do facto S) referido em II.A:

S) As correções referidas nas alíneas a), b) e c) do Artigo 6.° da petição inicial prendem-se com despesas relativas a um projeto comunitário de apoio à República da Ucrânia comparticipado por várias entidades de países da União Europeia e consistindo em trabalhos de natureza técnico-jurídica conducentes à elaboração de um Código de Investimento Estrangeiro para aquele país (depoimentos das testemunhas).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que não foi estabelecido um nexo de causalidade entre as despesas em causa, não comprovadas, e a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora.

Vejamos então.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”[2].

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal[3].

Como referido por António Moura Portugal[4], “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 42.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados ou encargos confidenciais.

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”[5].

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal)[6], abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à administração tributária (AT) o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade[7], sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição[8].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, a AT procedeu a correções, relacionadas com projeto desenvolvido na Ucrânia, concretamente, como resulta da fundamentação constante da DC 22:
a) Valor de 677.954$00, contabilizado na rubrica despesas de representação (documento n.º 5851, de 31.12.1994), por não se considerar devidamente documentado;
b) Valor de 1.656.204$00, relativo a ajudas de custo processadas a G….. (documento n.º 5867, de 31.12.1994), trabalhador independente, custo não devidamente comprovado;
c) Valor de 645.942$00, relativo a custos com viagens (documentos n.ºs 1043, 1046, 1115, 1407, 1428, 3650, 4132, 4135, de 31.12.1994), porque relacionado com duas pessoas que não fazem parte do quadro da empresa, sendo trabalhadores independentes.

Portanto, globalmente a AT considerou estar-se perante despesas indevidamente documentadas, ainda que tenha feito tal afirmação de forma conclusiva, sem que fosse cabalmente apreensível o percurso cognitivo percorrido que conduziu a tal conclusão, tal como refere a Recorrida.

Por outro lado, não se trata aqui de despesas não documentadas, porquanto, como resulta da própria DC 22, estão identificados os documentos, ainda que de natureza interna, que estiveram na base da correção contabilística. Não altera esse entendimento a circunstância de ser aposta no documento interno elaborado pela Recorrida, relativo ao valor de 677.954$00, a menção “despesas não documentadas”, porquanto, como se alcança de todo o contexto factual, tal decorre de se tratar de despesas em relação às quais não foi possível obter um documento externo de suporte, designadamente pelos motivos atinentes às concretas circunstâncias por que passava a Ucrânia à época. No entanto, ainda que não constassem os mencionados documentos externos, existiam documentos internos e, logo, não se trata de despesa não documentada. Ademais, sempre se refira que foram apresentados pela Recorrida alguns documentos de origem externa, emitidos por entidades não residentes em Portugal, aos quais a AT não faz a mínima menção, mas que não podem deixar de ser relevados enquanto tal, ainda que possam não ter todas as caraterísticas das faturas exigidas na legislação portuguesa (o que, como referido pelo Tribunal a quo, não pode, tout court, motivar a desconsideração de um custo, porquanto há que ter em conta a particularidade atinente a cada um dos países onde se situam as entidades emitentes, o que nem sequer foi abordado pela AT).

É ainda de salientar, tal como refere a Recorrida, que nunca a AT pôs em causa a efetividade destes custos.

Como já referido supra, a circunstância de um determinado custo estar suportado por documentos de origem interna não conduz, sem mais, à sua desconsideração enquanto tal, sendo admissível a sua demonstração através de outros meios de prova, designadamente prova testemunhal.

Assim, e globalmente, refira-se que ficou provado que os custos em causa respeitaram a despesas relativas a um projeto comunitário de apoio à Ucrânia, consistindo em trabalhos de natureza técnico-jurídica conducentes à elaboração de um Código de Investimento Estrangeiro para aquele país [cfr. facto S)]. Ficou ainda provado que tal trabalho implicou a manutenção, por longos períodos de tempo, de um advogado em Bruxelas e diversas deslocações a Kiev, para encontros e reuniões com responsáveis políticos e administrativos da Ucrânia [cfr. facto T)]. Ficou ademais provado que a concreta situação por que passava a Ucrânia à época continha ainda limitações, em termos de sistemas de contabilização ou emissão de faturas [cfr. facto U)], o que condicionou a apresentação de documentos que eventualmente a AT considerasse mais adequados [cfr. factos W) e Y)].

Por outro lado, ficou provado que todos os custos do projeto foram contabilizados em centro de custos autónomo [cfr. facto X)], tendo os mesmos sido refaturados à entidade gestora do projeto, que os aceitou e reconheceu a sua efetividade [cfr. factos Z), BB) e FF)].

Ficou ainda provado que G….. e P….. exerciam a sua atividade profissional exclusivamente junto da Recorrida e que todas as viagens e estadas efetuadas foram por expressa indicação e no exclusivo interesse da Recorrida [cfr. factos CC) e DD)].

Ora, atentando na decisão proferida sobre a matéria de facto, que não foi posta em causa pela Recorrente, como menciona a Recorrida, decorre que ficou provado, de um lado, a indispensabilidade dos custos em causa e, de outro, a sua efetividade, tendo sido supridas, através da prova testemunhal produzida, as limitações decorrentes da prova documental, não assistindo razão à Recorrente quanto defende que a comprovação exigível é exclusivamente documental.

Refira-se ainda que não é pelo facto de os advogados G….. e P….. não terem um vínculo de trabalho dependente com a Recorrida que leva a que se altere o nosso entendimento. Com efeito, desde logo, por imposição legal, os advogados que integrem uma sociedade de advogados e exerçam a atividade profissional exclusivamente no seu âmbito, não podem ter um vínculo de trabalho dependente. Por outro lado, e ainda que se reconheça que a classificação como “ajudas de custo” tem, em abstrato, relação com o vínculo laboral do trabalhador (ainda que à época tal não fosse claro do que decorre do CIRC), tal classificação não é de molde a afastar o que resultou provado, porquanto há que atentar na natureza do custo em causa, na sua substância. Ora, a Recorrida suportou custos relacionados com as deslocações e estadas dos seus colaboradores, no âmbito do projeto em causa, cuja efetividade resultou provada, colaboradores esses que, aliás, exerciam a sua função junto da Recorrida em regime de exclusividade e realizaram tais deslocações por expressa indicação e no exclusivo interesse da Recorrida. Assim, independentemente do seu enquadramento jurídico (que sempre se configuraria como despesas de representação), as despesas em causa relacionaram-se com as deslocações e estadas no âmbito do projeto relativo à Ucrânia, efetuadas pelos mencionados colaboradores e por indicação da Recorrida, foram custos efetivos suportados pela Recorrida, pelo que devem ser admitidos enquanto tal.

Em suma, face à prova produzida foram supridas as insuficiências documentais referidas pela AT, concluindo-se pela efetividade e pela indispensabilidade dos custos em causa, custos esses, aliás, refaturados pela Recorrida e, como tal, tributados também a título de proveitos.

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de julho de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Vital Lopes)


_________________
[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[2] Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
[3] Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
[4] A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
[6] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
[7] V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
[8] Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).