Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:533/22.8 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
FUNDAMENTAÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
DESTACAMENTO NO ESTRANGEIRO
Sumário:I- Ao nível dos atos tributários praticados pelo ISS, o dever de fundamentação encontra-se previsto no art.º 152.º, n.º 1, al. a), do CPA, aplicável ex vi art.º 3.º, al. c), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
II- Tendo o ISS recolhido elementos que lhe permitiram concluir que o valor pago a título de ajudas de custo respeitava a trabalho suplementar e detetado ausência de elementos documentais que permitissem confirmar o declarado pela Impugnante e estando tal raciocínio explanado de forma concreta e densificada no relatório, a correção atinente a ajudas de custo não padece de falta de fundamentação.
III- Tendo o ISS recolhido elementos que lhe permitiram concluir que o valor pago a trabalhadores destacados na Bélgica, incluindo o valor designado de ajudas de custo, não garantia a retribuição mínima do país de destino para a categoria salarial, tendo em consideração valor hora mínimo convencionalmente estabelecido na Bélgica para a categoria mais baixa na área da construção civil, e estando tal raciocínio explanado de forma concreta e densificada no relatório, a correção atinente a destacamentos não padece de falta de fundamentação.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

C……….., LDA. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 19.05.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto as liquidações oficiosas de contribuições e quotizações à Segurança Social, referentes ao período compreendido entre novembro de 2017 e outubro de 2021.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A) – Discorda a recorrente da douta sentença recorrida, que incorreu em erro de julgamento, com consequências na interpretação e aplicação das normas de direito.

B) – Quanto às ajudas de custo, o teor do relatório de inspeção e dos respetivos mapas de apuramento não é consentâneo com os elementos recolhidos na inspeção, ou dito de outra forma, as conclusões extraídas estão em contradição e ou não estão estribados em elementos factuais.

C) – Do relatório consta que durante a inspeção foram recolhidos “registos de assiduidade (…) nos quais os trabalhadores registam o dia, o local da obra, o cliente, a tarefa e as horas de entrada e saída”, pelo que a inexistência dos “mapas” não é motivo para considerar as ajudas de custo pagas como remuneração sujeita a contribuições, uma vez que a Segurança Social poderia, través desses registos, verificar a verdadeira natureza compensatória e não remuneratória dos valores pagos a título de ajudas de custo.

D) – No relatório final a entidade fiscalizadora não identificou, nem quantificou concretamente quais as omissões que a impugnante praticou relativamente a cada trabalhador e período mensal, nos recibos de vencimento e nas respetivas declarações de remunerações.

E) – Quanto ao trabalho suplementar, ficou provado nos pontos 15 e 16 da douta sentença recorrida que os trabalhadores prestavam em média uma a duas horas de trabalho suplementar por dia, contudo, no relatório de inspeção, incluindo nos mapas de apuramento, não é possível quantificar o número de hora por trabalhador por período mensal.

F) – Nos mapas anexos ao relatório com a menção “ajudas de custo” desconhece-se quais os montantes de rendimentos que foram considerados como horas suplementares sujeitas a tributação, assim como se desconhece os montantes de rendimentos pagos a título de ajudas de custo entendidas como sujeitas a tributação.

G) – Os exemplos supra apontados e da análise das folhas 568 a 583 v.º do relatório em confronto com os mapas de apuramento “Ajudas de Custo” folhas n.º 6 a 10 são reveladores da contradição entre a fundamentação apresentada no relatório e os mapas de apuramento.

H) – Ora, as remunerações consideradas omitidas e o cálculo das contribuições efetuadas pela Segurança Social constituem um verdadeiro ato administrativo de liquidação de tributo, e como tal estão sujeitos a fundamentação, fundamentação esta que dimana diretamente da norma do artigo 77º da LGT, que tem que ser expressa, clara, suficiente e congruente, o que não sucedeu no caso concreto, pois não se encontra fundamentada a quantificação da correção com os valores pagos a títulos de trabalho suplementar e de ajudas de custo.

I) – Para que a impugnante/recorrente pudesse alcançar da legalidade das correções efetuadas pela Segurança Social, impunha-se que as liquidações impugnadas estivessem fundamentadas, através do relatório (e respetivos mapas anexos), de forma contextual, contemporânea, expressa e acessível, clara, suficiente e congruente, de modo a que fosse possível alcançar o “iter” cognoscitivo que levou ao apuramento daqueles valores.

J) – A fundamentação do relatório final não permite perceber a qualificação e quantificação das remunerações que integram a base tributável oficiosamente apurada, e tal omissão ou insuficiência de fundamentação, não permite o controlo da legalidade dos pressupostos de facto e de direito da atuação da Segurança Social, ao contrário do entendido na douta sentença recorrida.

K) – No caso em apreço, o que se verifica é que o relatório final descreve algumas situações que considera como “modelo” para o enquadramento jurídico, porém, compulsadas tais considerações com os mapas de apuramento, não existem a densificação legalmente exigível, nem a concretização através da concreta identificação da documentação existente no processo de averiguações, nem são identificados os elementos concretamente atendidos em cada um dos trabalhadores e períodos mensais para a qualificação e quantificação das remunerações que integram a base contributiva constantes dos mapas anexos ao relatório.

L) – Em suma, a forma de cálculo e o modo de apuramento das contribuições não constam do relatório, e nos mapas anexos encontram-se apenas enunciados os montantes devidos, não resultando qualquer evidência do seu apuramento em concreto.

M) – Assim, a decisão de apuramento de contribuições padece de falta de fundamentação que permita apreender cabalmente e com precisão como se alcançou a concreta qualificação e quantificação da base de incidência contributiva, e, consequentemente, são ilegais as liquidações de contribuições impugnadas por não ser possível apreender os pressupostos de facto e de direito.

N) – Deste modo, e contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, não basta o teor do relatório e os mapas de apuramento para a impugnante/recorrente alcançar o iter cognoscitivo das correções e conformar-se com a (i)legalidade das mesmas.

O) – No que toca ao destacamento de trabalhadores na Bélgica, no ponto 23 da douta sentença recorrida foi dado como provado o teor do quadro que consta na página 12 do relatório, remetendo-se para um endereço eletrónico, que não é integralmente coincidente com o que consta na nota de rodapé dessa página do relatório, porém, quer um, quer outro, escritos em língua francesa, nada dizem sobre o valor do salário mínimo pago na Bélgica na área da construção civil.

P) – A mera remissão para um endereço eletrónico, de um sítio na internet, de uma entidade oficial belga, não pode ser considerada uma fundamentação expressa, acessível, clara e suficiente.

Q) – A fundamentação legalmente exigida impõe que a mesma seja expressa e completa, não cabendo à impugnante ir à procura num site estrangeiro, em língua francesa, a fundamentação do ato administrativo que apura rendimentos sujeitos a tributação.

R) – Pelo que, o ponto 23) da douta sentença recorrida deveria ter sido considerado como facto não provado, uma vez que a prova documental (um mero endereço eletrónico), em que a M. ma. Juiz “a quo” assentou o seu juízo de valor e que alegadamente sustenta as correções das remunerações dos trabalhadores destacados na Bélgica, não contém nenhum dado factual sobre os salários mínimos belgas.

S) – Acresce que, a douta sentença recorrida também incorreu em errónea apreciação da prova e errónea aplicação do direito ao considerar como fundamentado o ato de liquidação impugnado no que toca à quantificação ou apuramento efetuado nos mapas anexos do relatório designados “Destacamento – Remuneração mínima país destino” folhas n.º 1 a 5, dos trabalhadores destacados P………., A…………, D………….., J…………, F…………., M…………., M………B…….e P………...

T) – Conforme resulta dos exemplos apontados quanto ao ano 2017, para o trabalhador A…………….., quanto ao ano 201: para o trabalhador M…………….e quanto ao ano 2019 para o trabalhador M……… B…………, a fundamentação da correção relativa aos destacamentos e ajudas de custo é contraditória entre si, e gera a duplicação de rendimentos sujeitos a tributação, na medida em que as ajudas de custo foram consideradas “salário” para efeitos de apuramento do rendimento do trabalhador destacado, donde não pode ser novamente incluída na base contributiva na parte que ao destacamento diz respeito.

U) – Pelo que, a fundamentação do ato de liquidação no que toca ao apuramento de retribuições sujeitas obrigação contributiva relativamente aos trabalhadores destacados, seja nos mapas “Destacamento” seja nos mapas “ajudas de custo”, é contraditória, sendo o apuramento ilegal por duplicação de tributação da verba paga a título de ajudas de custo.

V) – Tal como acima exposto, no relatório de inspeção e nos respetivos mapas, não consta de forma clara e suficiente como foram apuradas as quantias qualificadas como remunerações sujeitas a obrigação contributiva nos períodos de 2017/11 a 2021/10, relativamente a cada um dos trabalhadores.

W) – Em suma, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na medida em que valorou como provado o facto do ponto 23), sem que o mesmo assente em prova documental e incorreu, ainda, em erro de julgamento e aplicação do direito ao considerar o ato de liquidação como devidamente fundamentado no relatório de inspeção e mapas de apuramento anexos, dos pontos de vista formal e substancial, quanto às rúbricas “ajudas de custo”, “trabalho suplementar” e “destacamento”, quando os fundamentos ou estão omitidos, ou são insuficientes e ou contraditórios, nos termos acima expostos.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida, anulando-se as liquidações oficiosas de contribuições e quotizações para a Segurança Social relativas aos períodos 017/11 a 2021/10”.

O Instituto da Segurança Social, I.P. (doravante Recorrido ou ISS) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença que negou razão à pretensão da Recorrente, pois considerou a acção intentada por aquela, totalmente improcedente e absolveu o Recorrido do pedido.

2. Alega, para tanto, a Recorrente que «a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na medida em que valorou como provado o facto do ponto 23) (…). Incorreu, ainda em erro de julgamento e aplicação do direito ao considerar o ato de liquidação como devidamente fundamentado no relatório de inspeção e mapas de apuramento anexos, dos pontos de vista formal e substancial, quanto às rúbricas “ajudas de custo”, “trabalho suplementar” e “destacamento” (…) a douta sentença recorrida fez uma errónea apreciação e valoração da prova documental constante dos autos, o que influiu na errónea decisão da causa, devendo ser revogada e anulando-se as liquidações oficiosas de contribuições e quotizações para a Segurança Social relativas aos períodos 2017/11 a 2021/10.» Todavia, sem razão. Senão vejamos,

3. Das questões colocadas pela Recorrente na fundamentação do recurso, apenas encontramos o seu inconformismo com o sentido da decisão proferida pelo Tribunal a quo sendo certo não padecer a Sentença recorrida, ao contrário do que aquela alega, de qualquer vício. Porquanto,

4. Veio, a Recorrente, sindicar a legalidade do ato de liquidação de contribuições, através do qual foram registadas oficiosamente as DR, relativas aos períodos entre 11/2017 a 10/2021, que lhe foi notificado, pela Diretora da Unidade de Prestações e Contribuições, do Centro Distrital de Leiria, do ISS, I.P., no valor de € 65.557,84 e, peticionar que fossem anuladas as liquidações oficiosas pelas quais foram apuradas contribuições e cotizações relativas aos períodos de 2017/11 a 2021/10 e, que caso assim não se entendesse, que deviam ser anuladas as liquidações oficiosas na parte relativa a cotizações (11%).

5. Ao contrário do preconizado pela Recorrente, s.m.o., andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu. Vejamos,

6. Como consta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo explana na mesma, que os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório e, indica expressamente em cada número o(s) documento(s) que contribuíram para a extração de tal facto, através da indicação das folhas do processo físico ou do processo administrativo em que o mesmo se encontra.

7. Sendo que, Tribunal a quo na valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais. De salientar que as informações oficiais, em que se integra o relatório de inspeção e respetivos anexos, fazem fé, quando devidamente fundamentadas, “como sucede nos presentes autos” [cfr. artigos 76.º, n.º 1 da LGT e 115.º, n.º 2 do CPPT]. Senão vejamos,

8. No que diz respeito ao facto elencado em 2) o Tribunal a quo referiu que a sua a convicção baseou-se na conjugação da prova documental com a prova testemunhal produzida e, que ponderou e valorou devidamente a prova testemunhal.

9. Nesse sentido, veja-se, quanto ao depoimento prestado pela testemunha C……….., que o Tribunal a quo teve em consideração o seguinte: A testemunha declarou ser técnica administrativa da empresa “P……..” (que pertence ao mesmo grupo da Recorrente) desde 02/01/2018; que referiu que a Recorrente e a empresa “P………..” laboravam nas mesmas instalações e que ela prestava serviços às duas empresas, apesar de ser trabalhadora da “P…………”; que em relação aos trabalhadores destacados na Bélgica declarou que tudo passava pelo Sr. J……………, que era ele que controlava as horas e que fazia o pagamento dos vencimentos aos trabalhadores; questionada quanto às deslocações e estadia dos trabalhadores na Bélgica asseverou que era tudo tratado pelo Sr. J…………….., encarregado geral, desconhecendo como ele tratava das coisas; que declarou ainda que a empresa não pagava nada, dando como razão de ciência o facto de a Recorrente ter uma conta bancária da qual o Sr. J…………….tinha procuração e que consultada essa conta a mesma não apresentava movimentos; que referiu que a Recorrente não possuía outras contas bancárias; que declarou, ainda, que: “aliás, depois em conversa, mais tarde, o Sr. J…………..disse que tinha uma pessoa conhecida lá, um amigo, que lhe cedia, era tipo um anexo na casa, que lhe cedia a permanência, porque depois a permanência também não era durante um ano. Eles estavam durante uns meses, depois regressavam a Portugal e depois regressavam novamente quando havia necessidade de trabalho”.

10. Como analisou e ponderou o Tribunal a quo, das declarações da referida testemunha resulta uma clara contradição entre o anteriormente declarado pela mesma, no sentido de não saber como é que os trabalhadores eram deslocados para a Bélgica e como eram alojados, pois, como afirmou, tudo passava pelo Sr. J………….e ele apenas lhe enviava os mapas de horas. Assim, andou bem o Tribunal a quo, ao considerar que o depoimento da aludida testemunha mostrou-se ainda contraditório com o declarado pela testemunha J……………..que afirmou que os trabalhadores iam para a Bélgica em finais de janeiro, regressavam na 1.ª semana de julho e voltavam para a Bélgica em agosto regressando no Natal e ainda que a empresa belga é que arranjava o alojamento.

11. Ademais, andou bem a Sentença recorrida ao considerar que não decorre do declarado a conclusão retirada pela testemunha de que a Recorrente não pagava as deslocações e estadia dos trabalhadores (casa e alimentação), pois, poderia fazê-lo de diversas outras formas que não diretamente através das suas contas bancárias, tanto mais que tal conclusão se mostrou refutada pelo declarado pelos trabalhadores deslocados na Bélgica, aquando do procedimento inspetivo à Recorrente, esses sim com conhecimento direto dos factos, (cfr. factualidade levada ao probatório em 21).

12. Destarte, andou bem o Tribunal a quo, ao decidir que não mereceu credibilidade o depoimento da testemunha C………….., na medida em que sendo a única conta bancária da Recorrente aquela a que o Sr. J………………tinha acesso, a mesma não demonstrasse movimentos de 2018 a 2021, ou que dos movimentos existentes a testemunha conseguisse afirmar que nada foi para pagamento dos custos com deslocações dos trabalhadores na Bélgica, nomeadamente viagens, estadia e alimentação.

13. Dessa forma, o depoimento da testemunha C……………mostrou-se pouco credível e pouco coerente e nessa medida, salvo o devido respeito, andou bem o Tribunal a quo ao não atender ao mesmo para prova do facto não provado em A., à exceção da factualidade levada ao probatório em 2).

14. Quanto ao depoimento prestado testemunha J…………., trabalhador da Recorrente desde 2017 até 2021, conforme concluiu a Sentença recorrida e, s.m.o., bem, também “prestou um depoimento que se mostrou recheado de incoerências”.

15. Porquanto, a testemunha declarou que o acordo que tinha com a Recorrente era “nós tínhamos o nosso ordenado, tínhamos um suplemento e tínhamos as ajudas de custo para pagarem a casa e a comida e o transporte”; declarou ainda que a empresa belga arranjava o alojamento que ele pagava, assim como a alimentação quando iam às compras. Ora, como concluiu o Tribunal a quo não se mostrou credível que o J………….., sendo um trabalhador como os outros (nas suas próprias palavras) tivesse capacidade financeira para pagar a casa e a alimentação e apenas posteriormente os colegas lhe dessem a parte respetiva, sem que para isso manuseasse dinheiros da Recorrente.

16. A testemunha afirmou que por vezes a Recorrente contratava subempreitadas, mas que estas “não interferiam nos custos, pois era tudo à custa deles”, assim sendo, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que quanto aos trabalhadores deslocados na Bélgica não era assim.

17. A mesma testemunha referiu que tinha acesso a uma conta bancária, mas quem pagava os salários era a “C…….”, e que não acedeu a essa conta bancária, que era apenas uma garantia de que a empresa iria pagar os salários aos trabalhadores. Mas, como observou o Tribunal a quo, e bem, s.m.o., tal declaração entra em contradição com o afirmado pela testemunha C…………..que referiu ser o Sr. J…………….que pagava os salários aos trabalhadores. Destarte, andou bem, o Tribunal a quo ao concluir que não parece credível que o gerente de uma empresa dê acesso à única conta bancária dessa empresa a um trabalhador, ainda que “encarregado geral” de acordo com a testemunha C……………, mas não já do próprio J………………., a fim de garantir que a empresa pagasse os salários dos trabalhadores deslocados.

18. Assim, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que não se mostrou credível que um trabalhador aceitasse prestar serviços num país onde o nível de vida era claramente superior ao português, deslocado de sua casa e família, a troco de um salário base de € 850,00, € 790,00 ou € 640,00. Bem como, andou bem o Tribunal a quo ao concluir ainda que o depoimento de B………. não se mostrou relevante para prova do facto não provado em A..

19. Ademais, do supra exposto, cumpre salientar, que o Tribunal a quo analisou, ponderou e valorou os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, por forma a poder decidir como decidiu.

20. Quanto às ajudas de custo a Recorrente alega que “(…) a douta sentença recorrida sustenta a legalidade da correção no teor do relatório. Porém, este não é consentâneo com os elementos recolhidos na inspeção (…)”. Porém, sem razão. Vejamos,

21. Conforme Sentença recorrida, no que se refere às ajudas de custo, o Recorrido apurou em sede de averiguações que os trabalhadores L…….., S……….., J…………, A………….., M………….e P…………. receberam ajudas de custo anualmente em montantes elevados.

22. Da análise dos balancetes analíticos da contabilidade geral dos anos de 2016 a 2019, os mapas de processamento de salários anuais e mensais de todos os trabalhadores da Recorrente, dos anos de 2016 a outubro de 2021, o extrato da conta 625 (deslocações e estadas) dos anos de 2016 a 2018, os mapas de ajudas de custo relativos aos trabalhadores L………. e D………. e os contratos de trabalho de C…….. S…………, L…………., J……………., A…………., M………….., P………. e D……….., tendo em conta que os mapas de processamento de vencimentos dos anos de 2017 e 2018 não se encontravam descriminados e a inexistência de mapas de ajudas de custo de 2017 e 2018, concluiu-se, que a Recorrente, «para além de processar os valores referentes à remuneração base e subsídio de alimentação, processou, ainda, nos anos de 2017 e 2018 o pagamento de uma rubrica designada "Outros", na qual estão incluídos os subsídios de férias e de Natal, as ajudas de custo e outros valores cuja designação se desconhece e que não se encontram a ser objeto de incidência contributiva. São ainda processados "Prémios" e uma rubrica com a designação "Destacamento-Bélgica" que a EA declara para efeitos de incidência contributiva. Foram ainda recolhidos nas instalações da sede da EA registos de assiduidade, a que a EA chama de Folha Semanal nos quais os trabalhadores registam o dia, o local da obra, o cliente, a tarefa e as horas de entrada e saída. Mais deu a EA a conhecer os mapas mensais com as horas de trabalho suplementar realizado pelos trabalhadores, que remete à empresa de contabilidade, C............., que lhes presta apoio no processamento de vencimentos. (…) No que diz respeito aos mapas de ajudas de custo que foram entregues pela EA verifica-se que todos eles têm deslocações por dias sucessivos, em que as horas de saída e de regresso são sempre as mesmas, saída às 7h00 e regresso às 7h00, sendo que esse regresso ocorre sempre num dia de descanso semanal (sábado). Mais se verifica que os dias indicados nos mapas também se repetem, como se pode verificar nos meses de abril, junho, julho e setembro em que o trabalhador teve alegadamente deslocado nos dias 13 a 18 do mês. Ora, analisados os documentos recolhidos na empresa com a designação “Folhas semanais”, constata-se que estes contêm informação distinta da vertida nos referidos mapas, estando os trabalhadores deslocados em locais totalmente diferentes. Veja-se a título de exemplo os mapas de ajudas de custo do mês de janeiro, julho e dezembro de 2020 do trabalhador L………., e as “Folhas Semanais” referentes aos dias ali indicados. Resulta ainda da prova recolhida que a empresa assegura o pagamento das despesas com alojamento e viagens, tendo sido esclarecido por alguns trabalhadores que as despesas com a alimentação são pagas autonomamente ao vencimento, no início ou final da semana, sendo o pagamento de ajudas de custo uma forma de chegar ao valor e remuneração mensal acordado com a EA, incluindo ainda a contrapartida do trabalho suplementar prestado, como veremos adiante. Ora, da prova produzida resulta que a EA abona ajudas de custo e em simultâneo assegura aos trabalhadores as despesas com viagens, alimentação e alojamento realizadas nas deslocações ao serviço da empresa.».

23. Destarte, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que no relatório final, quanto às ajudas de custo, o Recorrido não extrapola para todos os trabalhadores e períodos as conclusões que retira quanto a um trabalhador, que refere a título exemplificativo. E, ainda, ao concluir que o Recorrido fundamentou a correção relativa às ajudas de custo pagas pela Recorrente a todos os seus trabalhadores no facto de inexistirem os respetivos mapas, aqueles que existiam não se mostraram fidedignos e, ainda no facto de a Recorrente fazer face às despesas com alojamento e viagens e pagar as refeições à parte aos trabalhadores deslocados, o que retirou o caráter compensatório aos montantes pagos.

24. S.m.o., andou bem a Sentença recorrida ao observar que o Recorrido não se serviu de procedimentos adotados por outra empresa do grupo para fundamentar a inexistência de caráter compensatório, pois os trabalhadores por si ouvidos, foram-no na qualidade de antigo e atual trabalhador da Recorrente, assim como a própria gerente da Recorrente e que não decorre do relatório final que assim não seja.

25. De outra forma, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que o Recorrido reuniu indícios sérios, com base nas declarações dos trabalhadores da Recorrente e da sua própria gerente [cfr. factualidade vertida em 7) e 15)] de que assim não o era e, salvo o devido respeito, competia à Recorrente a prova desse facto, ou seja, que eram os trabalhadores a fazer face aos custos com a sua alimentação, o que não logrou fazer (cfr. artigo 74.º da LGT).

26. A Recorrente alega quanto ao trabalho suplementar que “Concluímos, (…) e contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, não basta o teor do relatório e os mapas de apuramento para a impugnante /recorrente alcançar o iter cognoscitivo das correções e conformar-se com a (i)legalidade das mesmas.” Contudo, do alegado apenas se verifica o seu inconformismo com o sentido da decisão proferida pelo Tribunal a quo. Vejamos,

27. A Sentença recorrida remete e reproduz, no entendimento do Recorrido bem, para relatório final, no qual consta, em relação ao trabalho suplementar o seguinte: «Resulta, ainda, da prova recolhida que os trabalhadores prestam trabalho suplementar diariamente, numa média de 1 a 2 horas, sendo o pagamento dessas horas "pago dentro das ajudas de custo", conforme esclarecido pela MOE da EA C….. F………... A EA elabora mapas mensais com o número de horas extraordinárias prestadas por cada trabalhador que servem de suporte à contabilização dos montantes que designa de “ajudas de custo”, incluindo esta rubrica os montantes pagos a título de trabalho suplementar, bem como a diferença necessária para perfazer o montante da remuneração base líquida acordada entre trabalhadores e EA. Note-se, ainda, que de acordo com a informação prestada pela trabalhadora C……………., é a empresa de contabilidade que processa os valores de horas extraordinárias fazendo o enquadramento destas situações nas ajudas de custo. Mais se constatou que os valores incluídos nos mapas de ajudas de custo podem não corresponder à totalidade das horas de trabalho suplementar apuradas uma vez que parte destas horas é ainda considerada nos valores pagos como prémios regulares.»

28. Donde resulta demonstrado, em relação ao trabalho suplementar, que estas horas eram pagas na rúbrica “ajudas de custo” e “prémios”, e que apenas teve como consequência a sujeição a tributação do montante pago a título de “ajudas de custo”, tal como a Recorrente teve oportunidade de confrontar através da análise dos mapas de apuramento anexos ao relatório final. Pelo que, salvo devido respeito, andou bem o Tribunal a quo ao concluir como concluiu e, nesse sentido falecer os argumentos expendidos pela Recorrente também quanto ao trabalho suplementar.

29. No que concerne aos trabalhadores destacados, alega a Recorrente que «no ponto 23 da Douta Sentença recorrida foi dado como provado o teor do quadro que consta na página 12 do relatório designadamente que “O salário mínimo constante do sitio oficial da internet do SERVICE PUBLIC FÉDÉRAL Emploi, Travail et Concertation Sociale belga para a categoria mais baixa na área da construção civil é de 2.234,40€ de 1/11/2017 a 10/4/2018, 2.248,48€ de 10/4/2018 a 2/7/2018, 2.260,48€ de 2/7/2018 a 5/10/2018, 2.270,24€ de 5/10/2018 a 9/4/2019, 2.284,16€ de 9/4/2019 a 7/8/2019, 2.334,40€ de 7/8/2019 a 9/6/2020, 2.355,52€ de 9/6/2020 a 8/4/2021, 2.358,40€ de 8/4/2021 a 4/10/2021”. Na douta sentença recorrida remete-se para o seguinte endereço eletrónico https://emploi.belgique.be/fr/themes/remuneration/salaires-minimums-par-souscommission- paritaire. Contudo, no relatório de inspeção, na nota de rodapé da folha 12, o sítio da internet indicado é https://emploi.belgique.be/fr/themes/remuneration/salaires-minimums-par-souscommission-paritaire/banque-de-donnes-salaires.»

30. A Recorrente junta com as alegações de Recurso duas impressões/prints extraídos da internet dos dois referidos endereços eletrónicos, como documentos um e dois, alegando para o efeito que a apresentação nesta fase processual se justifica face à necessidade de provar o teor da informação que é apresentada nos referidos sítios eletrónicos.

31. Nos termos do disposto no artigo 651.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância. O n.º 2 do artigo 651.º, do CPC determina que as partes podem juntar ainda pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão. O artigo 425.º CPC estatui que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

32. Considerando os documentos apresentados com o recurso, apenas releva para o caso o n.º 1 do mencionado artigo 651.º. Atento o preceituado, são duas as situações em que é possível a junção de documentos: (i) quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva); (ii) quando a sua junção apenas se revela necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância. A superveniência objetiva ou subjetiva tem necessariamente de se relacionar com um facto atendível, relevante, que a parte não domina, que demonstre cabalmente que só no momento da interposição do recurso, por razões que são alheias ao interveniente processual, foi possível a junção do documento.

33. Os documentos ora apresentados, constituem dois “prints” extraídos da internet dos referidos endereços eletrónicos. Acresce que nenhum elemento existe nos autos que leve a concluir que a Recorrente foi impedida, nomeadamente pelo tribunal, de juntar a prova documental que está em causa, nomeadamente, em relação ao sítio da internet indicado pelos serviços inspetivos do Recorrido no seu relatório final, o qual foi notificado à Recorrente. Nem devem relevar os argumentos expendidos pela Recorrente a esse respeito.

34. Ademais, também não se afigura que a junção do documento ao processo se tenha tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância, pois, constituía uma questão controversa desde a fase dos articulados sobre a qual a 1.ª instância, necessariamente, se teria de pronunciar, como se pronunciou e, a decisão proferida resultou dos meios de prova carreados para os autos pelas partes processuais.

35. Sobre a previsão contida na parte final, do n.º 1, do artigo 651.º do CPC, a jurisprudência tem-se pronunciado, nos seguintes termos: «A necessidade da junção “em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” tem lugar quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto pelo tribunal ou em preceito com cuja a apreciação as partes não tivessem justificadamente contado.» - Acórdão do STJ, de 18/01/2005, Rec. N.º 3689/04-4.ª: Sumários, Jan./2005; e «A junção de documentos ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do art. 706.º do CPC só pode ter lugar se a decisão recorrida criar pela primeira vez a necessidade dessa junção, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes».

36. Por conseguinte, não tendo a decisão em apreço sido justificada por meio probatório inesperado, junto pelo tribunal, nem tendo sido surpreendentemente aplicado preceito legal com que as partes não contavam, não se verifica, s.m.o., a previsão inserta na parte final do n.º 1 do artigo 651.º do CPC, pelo que, deve ser indeferida a requerida junção dos aludidos documentos ao processo, o que desde já se requer a V. Exas..

37. Mais, se diga, quanto aos trabalhadores destacados, que andou bem o Tribunal a quo ao considerar tal como comprovado pelo Recorrido, que da análise aos contratos celebrados entre a Recorrente e estes trabalhadores, que o local de trabalho previsto nesses mesmos contratos era a Bélgica, o que não permite o pagamento de ajudas de custo. Além de que os pedidos de destacamento foram requeridos pela Recorrente junto do Recorrido.

38. Demais, s.m.o., o Tribunal a quo andou bem ao considerar que o Recorrido apurou, conforme consta do relatório final, que os trabalhadores destacados na Bélgica não tinham despesas com deslocações, pois ficavam alojados numa moradia perto da obra e a comida era comprada com dinheiro da Recorrente.

39. Além do mais, da prova recolhida, ficou demonstrado que a Recorrente, apesar de pagar aos trabalhadores destacados na Bélgica um montante mensal que designou “destacamento-Bélgica”, não cumpria com o estatuído no artigo 12.º do Regulamento CE n.º 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/4/2004, em conjugação com os artigos 6.º a 8.º e 108.º do CT, pagando aos seus trabalhadores destacados a retribuição mínima prevista para a mesma categoria de trabalhadores no respetivo país.

40. Assim, considerando a atividade a que a Recorrente se dedicava e que efetivamente foi levada a cabo pelos seus trabalhadores na Bélgica em confronto com o salário mínimo mais baixo previsto pela legislação belga para os trabalhadores da construção civil (que o Recorrido apurou por consulta ao sitio oficial da internet do Ministério do Emprego Belga), considerou remuneração sujeita a tributação a diferença entre o efetivamente pago pela Recorrente (remuneração base + ajudas de custo + rubrica “destacamento-Bélgica” + “outros”) e o salário mínimo previsto. Não se verificando qualquer contradição, tal como concluiu o Tribunal a quo.

41. Conforme decidiu Sentença recorrida, o Recorrido comprovou que os montantes pagos a título de remuneração base assumiam valores manifestamente inferiores aos pagos a título de ajudas de custo. Veja-se, a título de exemplo, no caso do trabalhador J…………….., com uma remuneração base de € 850,00 auferindo de ajudas de custo, no período de 01/08/2020 a 31/12/2020, o montante de € 8.099,00, ou o trabalhador M………. B……………, com uma remuneração base de € 790,00, auferindo de 25/7/2018 a 31/12/2018, o montante de € 11.115,00 de ajudas de custo, ou ainda, o trabalhador M…………..que auferiu o rendimento base de € 640,00 e ajudas de custo de € 6.452,50 no período de 01/08/2020 a 31/12/2020.

42. Além disso, o relatório final, expressa ainda a fundamentação de direito, invocando os preceitos que considera aplicáveis e, do mesmo, fazerem parte integrante os “mapas de apuramento de remunerações”, dos quais consta a identificação do trabalhador por nome e número de identificação da segurança social, o período a que respeita, a natureza dos montantes em causa (“ajudas de custo” ou “destacamento – Remuneração mínima país destino”, os montantes e a forma de apuramento, os quais foram notificados à Recorrente.

43. Como consta da Sentença recorrida a fundamentação visa esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos corretos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo, da concatenação de todos estes elementos e constando do relatório final uma amostra exemplificativa quanto aos trabalhadores da Recorrente, estava a mesma habilitada a conhecer as razões factuais e jurídicas que estavam na génese das liquidações impugnadas, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, como efetivamente veio a fazer.

44. A Recorrente aduziu que apesar de serem corrigidos os períodos mensais de 2019, 2020 e 2021, nada é dito no relatório sobre estes períodos, não sendo feita referência à forma de processamento destes períodos e quais as rúbricas incluídas nas DR; não se encontra fundamentada a conclusão de que não se mostram credíveis as informações constantes dos mapas de ajudas de custo, pois o Recorrido extrapola para todos os trabalhadores e períodos as conclusões que retira quanto a um trabalhador; nada se diz quanto à trabalhadora C……. S…………..e foram apuradas retribuições para o mês de dezembro de 2018; o Recorrido assenta a fundamentação em processo de averiguações a outra sociedade do grupo económico da Impugnante alegando que esta adotou os procedimentos de pagamento das despesas com alimentação daquela; desconhece-se quais os valores que foram considerados como trabalho suplementar para cada trabalhador e períodos e que o salário mínimo da Bélgica não está fundamentado; não se consegue perceber porque é que para os trabalhadores destacados na Bélgica são consideradas remunerações sujeitas a tributação as ajudas de custo.

45. Porém, conforme Sentença recorrida, o direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetam direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, princípio constitucional que foi densificado nos artigos 152.º e 153.º do CPA e, posteriormente nos artigos 77.º, n.º 1 e 2, da LGT.

46. O dever legal de fundamentação do ato administrativo cumpre uma dupla função: a) Endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; e, b) Exógena, ao permitir ao destinatário do ato uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa. Logo, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

47. Como jurisprudência uniforme e constante, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao Tribunal, em face do caso concreto, ajuizar da sua suficiência, mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos atos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.

48. Por outro lado, conforme Sentença recorrida, a fundamentação formal do ato tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta última exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. Pelo que, in casu, andou bem a Sentença recorrida ao concluir que a Recorrente, refere-se, essencialmente à fundamentação formal e, nesse sentido, não tem que ser exaustiva.

49. A esse respeito, veja-se, (cfr. Sentença recorrida) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, (pág. 676), “A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão (…)” para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa. E, ainda, jurisprudência do STA “[O] acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual”, - v., por todos, o acórdão de 12/3/2014, proferido no processo 01674/13 e publicado em www.dgsi.pt. O que, s.m.o., se verifica in casu.

50. Conforme Sentença recorrida e no entendimento do Recorrido bem, o relatório final inicia por afirmar que: “no que concerne ao trabalhador D…….. foi possível constatar a existência de uma divergência no valor de 391,45 € no ano de 2018. Consultado o processamento de vencimentos enviado pela EA resulta que os montantes declarados a título de remuneração base e subsídios de férias e de Natal são iguais ao incluídos nas DR apresentadas à Segurança Social. Contudo, o referido processamento contém uma rubrica genérica com a designação "Outros" não permitindo verificar que outras rubricas foram pagas ao trabalhador, apenas se constatando que todos os valores incluídos nesta rubrica não foram declarados à Segurança Social, com exceção dos subsídios de férias e de Natal. Ora, considerando que a referida diferença foi declarada em sede fiscal como rendimento de trabalho dependente entendemos ser de considerar essa natureza para efeitos declarativos perante a Segurança Social.”

51. A Recorrente alega que existe uma duplicação de rendimentos, porém não lhe assiste razão. Ora, os serviços inspetivos do Recorrido procederam à elaboração de dois mapas distintos, num dos mapas constam os apuramentos referentes às “ajudas de custo” e no outro mapa constam os apuramentos relativos à “Remuneração mínima país destino”. Sendo que, no mapa referente à “Remuneração mínima país destino” consta a diferença entre o salário praticado na Bélgica e os salários pagos pela Impugnante aos seus trabalhadores. Nesse sentido, salvo o devido respeito, inexiste dupla tributação como a Recorrente quer fazer crer.

52. O Tribunal a quo andou bem ao decidir como decidiu quanto ao peticionado pela Recorrente, que fossem anuladas as liquidações oficiosas pelas quais foram apuradas contribuições e cotizações relativas aos períodos de 2017/11 a 2021/10 e, que caso assim não se entendesse, que deviam ser anuladas as liquidações oficiosas na parte relativa a cotizações (11%). Vejamos,

53. As contribuições para a segurança social podem definir-se como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afetas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas ativas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de proteção social.

54. Nos termos do artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, do Código Contributivo, as obrigações contributivas são de duas espécies: as contribuições, a efetuar pelas entidades empregadoras, e as quotizações, a efetuar pelos trabalhadores. A obrigação contributiva constitui-se com o início do exercício de atividade profissional pelos trabalhadores ao serviço das entidades empregadoras (artigo 37.º do Código Contributivo) e compreende “a declaração dos tempos de trabalho, das remunerações devidas aos trabalhadores e o pagamento das contribuições e das quotizações” (artigo 38.º, n.º 1, do Código Contributivo).

55. As declarações de remunerações são emitidas pela entidade empregadora e autoliquidadas por esta, não obstante poderem ser oficiosamente supridas pelo Instituto de Segurança Social, sempre que haja falta ou insuficiência das declarações de remunerações (artigo 40.º, n.º 3, do Código Contributivo). O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador (cfr. artigo 13.º do Código Contributivo), pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário.

56. Veja-se, neste sentido, o acórdão do STA, de 04/12/2019, proferido no processo 1555/08.5BEBRG; o acórdão do TCA Sul, de 29/9/2016, proferido no processo 9930/16, ambos publicados em www.dgsi.pt.

57. Assim, competia à Recorrente a obrigação de entrega dos montantes das quotizações calculadas pelo Recorrido, porque abrangidas pela obrigação contributiva que incumpriu.

58. Face ao supra exposto, salvo o devido respeito, andou bem, o Tribunal a quo ao determinar a improcedência da presente acção.

59. Demais, s.m.o., andou bem a Sentença recorrida, porquanto, da sua análise verifica-se que a convicção do Tribunal a quo baseou-se nos documentos constantes do processo, conforme indicou ao longo do rol de factos provados, atendeu à posição assumida pelas partes nos seus articulados (artigos 83.º, n.º 4, e 94.º, n.º 4 do CPTA, e artigos 362.º e ss. do Código Civil) e na prova testemunhal produzida pelas partes. O mesmo se verifica quanto à matéria de facto dada como não provada.

60. Assim, andou bem o Tribunal a quo ao julgar totalmente improcedente a presente acção e absolver o Recorrido do pedido.

61. Quanto ao demais alegado pela Recorrente, com a devida vénia e salvo o devido respeito, tratam-se de interpretações jurídicas, juízos de valor e juízos conclusivos, que no seu conjunto ou isoladamente, são irredutíveis ao conceito de factos, ou porque, sendo factos, são apresentados de forma tendenciosa e deturpada ou não se pode extrair deles as conclusões que a Recorrente pretende.

62. Entende o Recorrido, salvo o devido respeito, que a sentença sub judice não merece qualquer censura, nem padece dos vícios que a Recorrente invoca, razões pelas quais deve ser mantida a Sentença do Tribunal a quo na ordem jurídica, importando, deste modo, concluir, como na Sentença recorrida e, improceder o recurso da Recorrente e absolver-se o aqui Recorrido.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser negado provimento ao recurso da Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, por legal.

Tudo com as devidas e legais consequências,

Com o que fará V. Exa a costumada Justiça!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado que o relatório de fiscalização padece de falta de fundamentação, quer quanto a ajudas de custo / trabalho suplementar, quer quanto aos valores designados de destacamento – remuneração mínima?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) A Impugnante é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada cujo objeto social consiste em: “Canalizações, ar condicionado, climatização, energias renováveis, instalações elétricas, representações comerciais, comércio de material e equipamento para instalações técnicas, construção e manutenção de piscinas e jardins, construção civil” (Requerimento (509425) Documento(s) (005624609) Pág. 1 de 13/03/2023 13:03:52).

2) Nas obras realizadas na Bélgica, os trabalhadores da Impugnante dedicavam-se a assentamento de pavimentos (depoimento de J…………..e de C…………….).

3) Os mapas de processamento de vencimentos dos anos de 2017 e 2018, elaborados pela Impugnante não estão discriminados (correio eletrónico da Impugnante datado de 27/1/2021 a fls. 104, 108 e 112 do p. a. e auto de declarações de C……………. a fls. 103 do p. a. e mapas a fls. 46 a 85 do p. a.).

4) A Impugnante, entre 2017 e 2018, para além de processar os valores referentes à remuneração base, subsídio de alimentação, processa ainda uma rúbrica designada “outros” na qual estão incluídos subsídios de férias, de Natal, ajudas de custo e outros valores cuja designação se desconhece (pág. 5 do relatório final a fls. 725 do p. a., mapas a fls. 46 a 85 do p. a. e balancetes a fls. 28 a 41 do p. a.).

5) Os valores mencionados no ponto precedente não foram sujeitos a incidência contributiva pela Impugnante (pág. 5 do relatório final a fls. 725 do p. a., mapas a fls. 46 a 85 do p. a. e balancetes a fls. 28 a 41 do p. a.).

6) A Impugnante processa ainda uma rúbrica designada “prémios” e outra “destacamento-Bélgica”, que sujeita a incidência contributiva (pág. 5 do relatório final a fls. 725 do p. a., balancetes a fls. 105 a 107 do p. a., recibos de vencimento a fls. 109 a 111, 119 a 124 do p. a. e mapas de remunerações a fls. 568 a 583).

7) No caso dos trabalhadores deslocados é a Impugnante que assegura as despesas de transporte e alojamento, nomeadamente em Lisboa onde pernoitam num armazém de uma empresa do grupo da Impugnante – a “P…………” – com quartos e cozinha, chegando a gerente da Impugnante, C……. F……….., a confecionar refeições para os trabalhadores (auto de declarações da gerente da Impugnante a fls. 588 a 589/verso do p. a.).

8) A Impugnante apenas elaborou mapas de ajudas de custo quanto ao trabalhador L………… relativos a 2020 e 2021 e ao trabalhador D……….. relativo ao ano de 2021 (págs. 5 e 19 do relatório final a fls. 725 e 732 do p. a. e fls. 113 a 118 do p. a.).

9) Dos mapas de ajudas de custo do mês de janeiro de 2020, relativos ao trabalhador L…………., consta que este esteve deslocado por dias sucessivos em Lisboa, saindo de Ansião às 07:00horas do dia 27/1/2020 e regressando no dia 31/1/2020, às 07:00horas (fls. 113 e 352 a 401 do p. a.).

10) Das folhas semanais relativas ao trabalhador L…………. consta que, nos dias 27/1/2020 e 31/1/2020, esteve a prestar serviço em Fátima e no dia 30/1/2020 também em Ansião (fls. 113 e 352 a 401 do p. a.).

11) Dos mapas de ajudas de custo do mês de julho de 2020, relativo ao trabalhador L……………, consta que este esteve deslocado por dias sucessivos em Lisboa, saindo de Ansião às 07:00horas do dia 13/7/2020 regressando no dia 18/7/2020, às 07:00horas (fls. 116 e 352 a 401 do p. a.).

12) Das folhas semanais relativas ao trabalhador L…………. consta que, nos dias nos dias 13, 14 e 17/7/2020 esteve a prestar serviço em Fátima, nos dias 15/7/2020 e parte de 17/7/2020 na Amoreira e no dia 16/7/2020 em Santiago da Guarda e Pombal (fls. 116 e 352 a 401 do p. a.).

13) Dos mapas de ajudas de custo do mês de dezembro de 2020, relativo ao trabalhador L………….., consta que este esteve deslocado por dias sucessivos em Lisboa, saindo de Ansião às 07:00horas do dia 27/12/2020 regressando no dia 31/7/2020, às 07:00horas (fls. 118 e 352 a 401 do p. a.).

14) Das folhas semanais relativas ao trabalhador L………….. consta que esteve de férias no dia 28/12/2020 e em Santiago da Guarda nos dias 29 a 31/12/2020 (fls. 118 e 352 a 401 do p. a.).

15) L……….., na qualidade de trabalhador da Impugnante, ouvido em auto de declarações no âmbito do procedimento inspetivo realizado à Impugnante, declarou que: recebe ajudas de custo, mas não sabe a razão para o seu pagamento por parte da Impugnante; maioritariamente exerce as suas funções em Leiria e Fátima, podendo por vezes deslocar-se a Lisboa ou ao Porto. Mais declarou não fazer horas extraordinárias e que não é responsável pelo preenchimento dos mapas de deslocações que afirmou estarem incorretos, pois não se desloca todos os meses a Lisboa tendo de aí pernoitar e que quando se desloca a Lisboa sai às 07:00horas e regressa às 17:00horas. Questionado sobre quem assegura o pagamento das despesas com viagens, alimentação e o alojamento respondeu que é tudo pago pela empresa. Quanto à rúbrica “prémios” declarou julgar que seja compensação da Impugnante por estar à frente dos trabalhadores (auto de declarações a fls. 133 e 134 do p. a.).

16) Os trabalhadores da Impugnante prestam em média uma a duas horas de trabalho suplementar por dia, cuja remuneração é paga na rúbrica “ajudas de custo” e “prémios” (auto de declarações da gerente da Impugnante a fls. 588 a 589/verso do p. a. e fls. 638 a 672 do p. a.).

17) A Impugnante solicitou, ao Impugnado, pedidos de destacamento na Bélgica para os seguintes trabalhadores e períodos: P……….. de 24/2/2017 a 31/12/2017; A……………….de 4/8/2017 a 31/12/2017; D……………de 3/2/2017 a 31/12/2017 e de 10/8/2021 a 31/12/2021; J……………….de 3/2/2017 a 21/12/2017, de 9/2/2019 a 31/12/2019, de 1/8/2020 a 31/12/2020 e de 27/1/2021 a 31/12/2021; F…………….de 24/2/2017 a 31/12/2017; M………….de 1/9/2018 a 31/12/2018, de 9/2/2019 a 31/12/2019, de 1/8/2020 a 31/12/2020 e de 27/1/2021 a 31/12/2021; M……..B………….de 1/9/2018 a 31/12/2018 e 9/2/2019 a 31/12/2019 e P…………… de 10/8/2021 a 31/12/2021 (pág. 11 do relatório final a fls. 728 do p. a. e fls. 610 a 616 do p. a.).

18) Nos contratos de trabalho de A…………, J……………., M…………..e P………….consta a menção que se extrata por relevante para os presentes autos. “7.ª O presente contrato é celebrado devido à execução de obra na Bélgica (…)” (contratos de trabalho a fls. 542 e 543, 544 e 545, 546 a 548, 551 e 552 e 555 e 556 do p. a.).

19) B…….., de 1/8/2020 a 31/12/2020, destacado na Bélgica, auferiu de vencimento base o montante de 850,00€ e ajudas de custo no montante de 8.099,00€ (pág. 11 do relatório final a fls. 728 do p. a., Mapas de processamento de vencimento a fls. 579/verso do p. a. e fls. 678, 680/verso e 681 do p. a.).

20) M………B…………, de 25/7/2018 a 31/12/2018, destacado na Bélgica, auferiu de vencimento base o montante de 790,00€ e ajudas de custo no montante de 11.115,00€ (pág. 11 do relatório final a fls. 728 do p. a. e Mapas de processamento de vencimento a fls. 70 a 72 do p. a.).

21) M…….. B………, na qualidade de antigo trabalhador da Impugnante, ouvido em auto de declarações no procedimento inspetivo à Impugnante, declarou que: exercia funções de calceteiro; quando deslocado na Bélgica, a alimentação era por conta da Impugnante, sendo paga pelo chefe B………. com dinheiro da empresa; recebia prémios e ajudas de custo, sendo que os prémios não constavam do recibo de vencimento. Mais declarou que as despesas com transporte eram suportadas pela Impugnante pagando o bilhete de avião ou fornecendo automóvel para a deslocação. Declarou ainda não fazer horas extraordinárias (auto de declarações a fls. 130 a 132 do p. a.).

22) M…………….., de 1/8/2020 a 31/12/2020, destacado na Bélgica, auferiu de vencimento base o montante de 640,00€ e ajudas de custo no montante de 6.452,50€ (pág. 11 do relatório final a fls. 728 do p. a. e Mapas de processamento de vencimento a fls. 578/verso do p. a. e).

23) O salário mínimo constante do sitio oficial da internet do SERVICE PUBLIC FÉDÉRAL Emploi, Travail et Concertation Sociale belga para a categoria mais baixa na área da construção civil é de 2.234,40€ de 1/11/2017 a 10/4/2018, 2.248,48€ de 10/4/2018 a 2/7/2018, 2.260,48€ de 2/7/2018 a 5/10/2018, 2.270,24€ de 5/10/2018 a 9/4/2019, 2.284,16€ de 9/4/2019 a 7/8/2019, 2.334,40€ de 7/8/2019 a 9/6/2020, 2.355,52€ de 9/6/2020 a 8/4/2021, 2.358,40€ de 8/4/2021 a 4/10/2021

(https://emploi.belgique.be/fr/themes/remuneration/salaires-minimums-par-sous-commission-paritaire).

24) Nos períodos descritos, a Impugnante teve ao seu serviço os trabalhadores que se discriminam:

(fls. 682 e 683 do p. a.).

25) A Impugnante foi submetida a ação inspetiva ao abrigo do PROAVE n.º ………….. (pág. 21 do p. a.).

26) Em 17/11/2021, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção, cuja fundamentação consta a fls. 700 a 711 do p. a..

27) A Impugnante foi notificada para exercer direito de audição ao projeto de relatório, através de ofício enviado sob registo RF………. de 18/11/2021, cujo aviso de receção se mostra assinado em 22/11/2021 (fls. 699, 718 e 719 do p. a.).

28) A Impugnante exerceu direito de audição ao projeto de relatório nos termos que constam a fls. 720 do p. a. e que se dão por reproduzidos.

29) Em 22/11/2021 foi elaborado o relatório final de inspeção, cuja fundamentação consta a fls. 722 a 738 do p. a. e se dá por reproduzida, extratando-se por relevante para os presentes autos:

“(…)

[texto na íntegra no original]

(…)

[texto na íntegra no original]

[texto na íntegra no original]



[texto na íntegra no original]

[texto na íntegra no original]

[texto na íntegra no original]

[texto na íntegra no original]

[texto na íntegra no original]



[texto na íntegra no original]





(…)”

30) O relatório final contem anexo os mapas de apuramento de remunerações referentes aos anos de 2017 a 2021 contendo a identificação dos trabalhadores, por número da segurança social e nome, o respetivo montante das ajudas de custo com identificação da remuneração por período, identificação dos trabalhadores cujo local de trabalho o Impugnado considerou ser o país de destacamento com a respetiva remuneração por período (fls. 734 a 738 do p. a.).

31) Por ofício datado de 23/12/2021, enviado sob registo RF………., cujo aviso de receção se mostra assinado em 24/12/2021, a Impugnante foi notificada do relatório final elaborado no âmbito da ação inspetiva realizada ao abrigo do PROAVE n.º ……….. e respetivos mapas de apuramento de remunerações (fls. 721, 739 e 740 do p. a.).

32) Por requerimento enviado sob registo …………….. datado de 7/2/2022, por referência ao processo de averiguações aqui em causa, a Impugnante requereu a notificação de “cópia integral do processo PROAVE n.º …………” (fls. 742 a 745 do p. a.).

33) Foi entregue à Impugnante cópia integral do processo de averiguações em causa nestes autos (fls. 746 do p. a.).

34) A presente impugnação deu entrada em juízo em 30/5/2022 (fls. 1 do processo físico)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão em causa, atento o pedido e a causa de pedir, nomeadamente não se provou:

A. Que os custos com a alimentação dos trabalhadores da Impugnante destacados em obras a mais de 20 quilómetros ficava a cargos destes”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório, sendo indicado expressamente em cada número o(s) documento(s) que contribuíram para a extração de tal facto, através da indicação das folhas do processo físico ou do processo administrativo em que o mesmo se encontra.

A valoração dos documentos atendeu ao seu valor probatório, ao seu teor e aos factos que comprovam, em si mesmos ou em conjugação com os demais, sendo de salientar que as informações oficiais, em que se integra o relatório de inspeção e respetivos anexos, fazem fé, quando devidamente fundamentadas, como sucede nos presentes autos (cfr. artigos 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 115.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário).

Quanto ao facto elencado em 2) a convicção do Tribunal baseou-se na conjugação da prova documental com a prova testemunhal produzida.

A prova testemunhal foi devidamente ponderada e valorada pelo Tribunal nos termos que se passam a descrever:

A testemunha C…………….., declarou ser técnica administrativa da empresa “P………..” (que pertence ao mesmo grupo da Impugnante) desde 2/1/2018.

A testemunha explicou ao Tribunal que a Impugnante e a empresa P………… laboram nas mesmas instalações e que ela presta serviços às duas empresas, apesar de ser trabalhadora da “P………”.

Quanto aos trabalhadores destacados na Bélgica a testemunha declarou que tudo passava pelo Sr. J………………, era ele que controlava as horas e que fazia o pagamento dos vencimentos aos trabalhadores.

Questionada quanto às deslocações e estadia dos trabalhadores na Bélgica, a mesma testemunha afirmou que era tudo tratado pelo Sr. J……………., encarregado geral, desconhecendo como ele tratava das coisas. A testemunha declarou também que a empresa não pagava nada, dando como razão de ciência o facto da Impugnante ter uma conta bancária da qual o Sr. J……………tinha procuração e que consultada essa conta a mesma não apresentava movimentos. Esclareceu ainda que a Impugnante não possuía outras contas bancárias.

Mais declarou o que se transcreve: “aliás, depois em conversa, mais tarde, o Sr. J……………disse que tinha uma pessoa conhecida lá, um amigo, que lhe cedia, era tipo um anexo na casa, que lhe cedia a permanência, porque depois a permanência também não era durante um ano. Eles estavam durante uns meses, depois regressavam a Portugal e depois regressavam novamente quando havia necessidade de trabalho”.

Ora, das declarações supratranscritas resulta clara contradição entre o anteriormente declarado pela mesma testemunha no sentido de não saber como é que os trabalhadores eram deslocados para a Bélgica e como eram alojados, pois, como afirmou, tudo passava pelo Sr. J…………..e ele apenas lhe enviada os mapas de horas.

O mesmo depoimento mostra-se ainda contraditório com o declarado pela testemunha J…………..que afirmou que os trabalhadores iam para a Bélgica em finais de janeiro, regressavam na 1ª semana de julho e voltavam para a Bélgica em agosto regressando no Natal e ainda que a empresa belga é que arranjava o alojamento.

Por outra via, não decorre do declarado a conclusão retirada pela testemunha de que a Impugnante não pagava as deslocações e estadia dos trabalhadores (casa e alimentação), pois poderia fazê-lo de diversas outras formas que não diretamente através das suas contas bancárias, tanto mais que tal conclusão se mostra refutada pelo declarado pelos trabalhadores deslocados na Bélgica, aquando do procedimento inspetivo à Impugnante, esses sim com conhecimento direto dos factos, (cfr. factualidade levada ao probatório em 21)).

Mais se diga que também não merece credibilidade este depoimento na medida em que, sendo a única conta bancária da Impugnante aquela a que o Sr. J……………..tinha acesso, a mesma não demonstrasse movimentos de 2018 a 2021, ou que dos movimentos existentes a testemunha conseguisse afirmar que nada foi para pagamento dos custos com deslocações dos trabalhadores na Bélgica, nomeadamente viagens, estadia e alimentação.

Pelo exposto, o depoimento da testemunha C…………….mostrou-se pouco credível e coerente ao Tribunal e nessa medida não foi atendido para prova do facto não provado em A., à exceção da factualidade levada ao probatório em 2).

Por seu turno, a testemunha J……….., trabalhador da Impugnante desde 2017 até 2021, prestou um depoimento que se mostrou recheado de incoerências.

Assim, a testemunha declarou que o acordo que tinha com a Impugnante era: “nós tínhamos o nosso ordenado, tínhamos um suplemento e tínhamos as ajudas de custo para pagarem a casa e a comida e o transporte”.

Mais declarou que a empresa belga arranjava o alojamento que ele pagava assim como a alimentação quando iam às compras. Ora, não parece credível ao Tribunal que o Sr. J…………, sendo um trabalhador como os outros – nas suas próprias palavras – tivesse capacidade financeira para, como declarou, pagar a casa e a alimentação e apenas posteriormente os colegas lhe darem a parte respetiva, sem que para isso manuseasse dinheiros da Impugnante.

Mais, a testemunha afirmou que por vezes a Impugnante contratava subempreitadas, mas que estas “não interferiam nos custos, pois era tudo à custa deles”, donde se conclui que quanto aos trabalhadores deslocados na Bélgica não era assim.

A mesma testemunha disse ainda que tinha acesso a uma conta bancária, mas quem pagava os salários era a C………, e que não acedeu à essa conta bancária que era apenas uma garantia de que a empresa iria pagar os salários aos trabalhadores. Contudo, tal declaração entra em contradição com o afirmado por C……..que disse ser o Sr. J…………… que pagava os salários aos trabalhadores.

Também não parece credível ao Tribunal que o gerente de uma empresa dê acesso à única conta bancária dessa empresa a um trabalhador, ainda que encarregado geral nas palavras de C……………., mas não já do próprio J……………., a fim de garantir que a empresa pagava os salários dos trabalhadores deslocados. Tanto mais que, nestes anos de 2017 a 2021, é do conhecimento geral que não faltavam trabalhadores para trabalhar no estrangeiro, nomeadamente por causa da respetiva remuneração.

Por fim, diga-se, não se mostra credível que um trabalhador aceite prestar serviços num país onde o nível de vida é claramente superior ao português, deslocado de sua casa e família, a troco de um salário base de 850,00€, 790,00€ ou 640,00€.

Por tudo quanto se disse, também o depoimento de B………., não se mostrou relevante para prova do facto não provado em A..

Já as testemunhas do Impugnado S……………, inspetora responsável pelo procedimento inspetivo à Impugnante e E………, inspetora com participação na fase inicial do mesmo procedimento inspetivo estas limitaram-se a confirmar as conclusões ínsitas no relatório final”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende, desde logo, a Recorrente que o ponto 23. do probatório deveria ser considerado não provado, porquanto o endereço eletrónico indicado não coincide com o mencionado no relatório de fiscalização e nada nos mesmos, escritos em francês, é dito sobre o valor do salário mínimo pago na Bélgica, na área da construção civil.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169..

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada..

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

O facto 23. em causa tem a seguinte redação:

23) O salário mínimo constante do sitio oficial da internet do SERVICE PUBLIC FÉDÉRAL Emploi, Travail et Concertation Sociale belga para a categoria mais baixa na área da construção civil é de 2.234,40€ de 1/11/2017 a 10/4/2018, 2.248,48€ de 10/4/2018 a 2/7/2018, 2.260,48€ de 2/7/2018 a 5/10/2018, 2.270,24€ de 5/10/2018 a 9/4/2019, 2.284,16€ de 9/4/2019 a 7/8/2019, 2.334,40€ de 7/8/2019 a 9/6/2020, 2.355,52€ de 9/6/2020 a 8/4/2021, 2.358,40€ de 8/4/2021 a 4/10/2021”, sustentando-se, em termos de fundamentação, no sítio oficial belga relativo ao emprego público.

Trata-se de facto atinente a dados públicos, coincidentes com os referidos no relatório de fiscalização (cfr. a sua p. 12) e com a mesma fonte (dado serem dados obtidos no mesmo sítio da Internet, relativo ao emprego na Bélgica).

Por outro lado, acedendo ao referido sítio da Internet (sendo, por isso, irrelevante apreciar os documentos juntos com as alegações, admissíveis nos termos do art.º 651.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC, dado que a fundamentação do Tribunal a quo permite consulta direta na fonte dos dados), confirma-se, por consulta à base de dados aí constante (formato utilizado para se permitir obter dados concretos por setor, estando cabalmente identificado cada um dos setores), que, por referência às datas em causa, os valores mínimos de referência para o setor da construção (construction) são os referidos pelo Tribunal a quo e pelo ISS, no relatório de fiscalização.

Como tal, indefere-se o requerido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto à falta de fundamentação

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em julgamento, porquanto os atos impugnados padecem de falta de fundamentação, quer em relação a ajudas de custo / trabalho suplementar, quer em relação a destacamentos.

Assim, de um lado, quanto às ajudas de custo, entende que o teor do relatório e respetivos mapas não é consentâneo com os elementos recolhidos na inspeção, estando as conclusões em contradição ou não estribadas em elementos factuais. No tocante ao trabalho suplementar, ficou provado nos pontos 15 e 16 da sentença recorrida que os trabalhadores prestavam em média uma a duas horas de trabalho suplementar por dia. No entanto, no relatório de inspeção, incluindo nos mapas de apuramento, não é possível quantificar o número de horas por trabalhador por período mensal. Na sua perspetiva, a forma de cálculo e o modo de apuramento das contribuições não constam do relatório e nos mapas anexos encontram-se apenas enunciados os montantes devidos, não resultando qualquer evidência do seu apuramento em concreto.

Vejamos, então.

O dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários praticados pelo ISS, o dever de fundamentação encontra-se especificamente previsto no art.º 152.º, n.º 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável, em termos de procedimento, ex vi art.º 3.º, al. c), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS).

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676., para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Atento o relatório mencionado em 29) do probatório, temos que:

- Quanto às ajudas de custo:

a) Constatou-se que apenas existiam mapas de ajudas de custo relativos a L……. e aos anos de 2020 e 2021 e D………….. e ano de 2021, inexistindo mapas respeitantes aos demais trabalhadores;

b) Os mapas de ajudas de custo apresentados têm deslocações por dias sucessivos, havendo casos de repetição de dias;

c) Foram identificadas contradições entre tais mapas e os documentos designados de “folhas semanais”;

d) A empresa assegura o pagamento das despesas com alojamento e viagens, tendo alguns trabalhadores esclarecido que as despesas com alimentação são pagas autonomamente ao vencimento, sendo o pagamento de ajudas de custo uma forma de chegar ao valor e remuneração mensal acordado, incluindo a contrapartida do trabalho suplementar;

e) Há mapas com o número de horas extraordinárias que servem de suporte à contabilização dos montantes designados de ajudas de custo, incluindo tal rubrica os montantes pagos a título de trabalho suplementar;

f) Constatou-se que parte do valor relativo a trabalho suplementar é considerada nos valores pagos como prémios regulares;

g) Concluiu o ISS que o pagamento de ajudas de custo não reveste natureza compensatória, assumindo a natureza de remuneração acessória, sujeita a incidência contributiva, nos termos do art.º 46.º, n.º 2, al. p), do CRCSPSS;

h) Foram elaborados os mapas de apuramento de remunerações, dos quais constam a identificação do período a que respeitam e motivo subjacente à sua elaboração, a identificação dos trabalhadores e a identificação do(s) concreto(s) valor(es) objeto de correção.

Ora, considerando este contexto, do ponto de vista de fundamentação, não se acolhe o entendimento da Recorrente.

Com efeito, no relatório, consta de forma completa a explanação do itinerário cognoscitivo percorrido pelo ISS, explicando-se de forma clara quer a fonte dos dados (sendo que, se há erro na sua análise, não se trata de falta de fundamentação, mas de erro sobre os pressupostos, que não foi suscitado), quer o motivo pelo qual, em relação à maioria dos trabalhadores, se entendeu que o que era pago a título de ajudas de custo era, na verdade, um pagamento de natureza remuneratória.

O ISS sustentou-se, como resulta do relatório, no facto de a ora Recorrente suportar todas as despesas com alojamento, deslocações e alimentação e com o facto de terem sido recolhidos elementos no sentido de que tal pagamento visava remunerar o trabalho suplementar (pelo que está evidenciado o tratamento dado pelo ISS em relação ao trabalho suplementar).

Essas concretas omissões e quantificações constam dos mapas de apuramento, estando nos mesmos identificados os valores corrigidos, os períodos em causa e os trabalhadores a que se respeitam as correções.

Como tal, considera-se que, nesta parte, está cabalmente fundamentado o relatório, não assistindo razão à Recorrente.

No tocante ao destacamento de trabalhadores no estrangeiro, extrai-se do relatório de fiscalização o seguinte, em síntese:

- Foram identificados trabalhadores a exercer funções no estrangeiro, especificamente na Bélgica, durante períodos concretamente indicados, trabalhadores esses para os quais a ora Recorrente apresentara pedidos de destacamento;

- O local de trabalho contratualmente fixado era o local onde os trabalhadores estavam destacados;

- Dos mapas de vencimento, verificou-se que havia um valor expressivo (que é quantificado no relatório) de pagamentos a título de ajudas de custo, sendo que as despesas com deslocações, alojamento e alimentação não eram suportadas pelos trabalhadores;

- Verificou-se ademais que o pagamento, entre 2019 e 2021, não era feito de acordo com o que decorre do Regulamento (CE) n.º 883/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, e dos art.ºs 6.º a 8.º e 108.º do Código do Trabalho, dos quais resulta que tem de ser garantida a retribuição mínima do país de destino para a categoria salarial, tendo em consideração o valor hora mínimo convencionalmente estabelecido na Bélgica para a categoria mais baixa na área da construção civil (sendo que, para a comparação, foi tido em conta que os valores pagos a título de ajudas de custo eram retribuição);

- O ISS, nessa sequência, calculou o diferencial por trabalhador, conforme resulta do relatório e dos mapas de apuramento, mapas esses com o nível de detalhe já referido a propósito da correção atinente a ajudas de custo.

Ora, também aqui ficou cabalmente esclarecido o percurso cognitivo percorrido pelo ISS, com a expressa identificação dos trabalhadores em causa, períodos e valores envolvidos e com a explanação do motivo inerente à correção, concretamente não ter sido respeitado o direito ao pagamento das retribuições mínimas previstas na Bélgica, com indicação clara do valor dessas mesmas retribuições por período – que a Recorrente nunca pôs, efetivamente, em causa, sendo certo que, na sua qualidade de empregadora de trabalhadores destacados no estrangeiro, lhe assiste a obrigação de cumprimento das exigências legalmente prescritas, designadamente quando as mesmas passam por ser assegurado o pagamento da retribuição mínima prevista no país de destacamento.

Não se alcança de que forma há a alegada duplicação quanto a ajudas de custo e consequente falta de fundamentação.

Com efeito, extrai-se do relatório, a este propósito, o seguinte: “[P]ara aferir do cumprimento da predita obrigação, foi considerado o montante total das rubricas acima analisada e que se concluiu assumirem natureza retributiva, como aconteceu com as ajudas de custo, tendo-se procedido ao somatório dos valores pagos a título de remuneração base, prémios, “Destacamento-Bélgica” e ajudas de custo para encontrar a remuneração auferida. Nessa sequência foi feito o confronto entre o valor do salário mínimo convencionalmente estabelecido para a categoria mais baixa na área de atividade da EA na Bélgica e o somatório supra referido”.

Assim, o que resulta da fundamentação é que, para efeitos de cálculo, foi considerado, entre outros, o valor das ajudas de custo enquanto remuneração. Ora, tal consideração necessariamente motiva que a diferença entre o valor efetivamente pago e aquele que decorreria do pagamento da retribuição mínima prevista na Bélgica seja menor. A alegada duplicação existiria, sim, na circunstância inversa, ou seja, se a diferença fosse apenas calculada considerando a remuneração declarada enquanto tal em Portugal e se ulteriormente houvesse correção no sentido de se considerar a ajuda de custo retribuição. O que não sucedeu.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 15 de fevereiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)