Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:523/20.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR,
ART. 209.º, N.º 2 DO CPPT
Sumário:Constitui fundamento de rejeição liminar da Oposição nos termos do n.º 2, do art. 209.º do CPPT a não junção dos documentos necessários à prova do fundamento invocado ao abrigo da alínea i), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

R... vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que rejeitou liminarmente a oposição por si deduzida contra o processo de execução fiscal (PEF) n° 4…, instaurado pelo Serviço de Finanças de Odivelas, para cobrança coerciva de dívida de IRS, referente ao ano de 2017, no montante de € 25.328,62.

O recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«1. Não foi considerado pelo Tribunal “a quo" a causa de pedir do Apelante, que consiste no facto de que o registo do seu casamento deve produzir efeitos desde a data da sua celebração e não desde a data do seu registo, tal como disposto no n°1, do art.° 188 do Código de Registo Civil, cite-se, “efetuado o registo, ainda que este venha a perder-se, os efeitos civis do casamento retroagem a data da celebração.”
2. Consequentemente, a dívida exequenda contraída durante a vigência do casamento deveria ter sido repartida em duas partes iguais, entre o Apelante e a sua ex-cônjuge, o que não sucedeu, obrigando deste modo o Apelante a assumir parte da dívida exequenda cuja responsabilidade deve ser imputada a sua ex-cônjuge.
3. Nos termos alínea d), do n° 1, do artigo 1° conjugado com o art.° 2, ambos do Código de Registo Civil, conclui-se que o registo do casamento é obrigatório para que este possa ser invocado.
4. O n° 1, do art.° 3°, do Código de Registo Civil, determina que o valor probatório do registo quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode se ilidido por qualquer outro. O n° 2 do art.° 3 do Código do Registo Civil, refere que, cite-se, “Os factos registados não podem ser impugnados em juízo sem que seja pedido o cancelamento ou a ratificação dos registos correspondentes”.
5. Por tudo que ficou dito, torna-se claro e de elementar justiça que a dívida exequenda deve ser repartida em duas partes iguais entre o Apelante e a sua ex-cônjuge.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao Recurso, revogando a Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e, por consequência, determinar que aquele se pronuncie sobre o mérito da causa, para que a dívida exequenda seja divida em duas partes iguais, entre o Apelante e a sua ex-cônjuge.
Assim farão V, Exas., como sempre,
JUSTIÇA!»

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter indeferido liminarmente a Oposição por não junção dos documentos necessários à prova do fundamento invocado ao abrigo da alínea i), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a fundamentação do despacho de indeferimento liminar recorrido:

“Antes de mais, conforme previsto no artigo 97°, n° 2, da LGT, "a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”, que corresponde ao Princípio da plenitude ou adequação dos meios processuais, previsto no artigo 2°, n° 2 do CPC.
Não está, assim, na disponibilidade dos autores a escolha arbitrária do tipo de acção para fazer valer os seus direitos.
A idoneidade ou adequação do meio processual, afere-se pelo pedido formulado na petição inicial [cfr., entre outros, acórdão do STA de 05.11.2014, processo n° 01015/14].
No caso dos autos, o Oponente peticiona a extinção da execução fiscal, que é o pedido típico de oposição. 
Sucede, no entanto, que sendo utilizado este meio processual previsto nos artigos 203° e seguintes do CPPT - meio processual que se destina a apreciar as circunstâncias que afectem a exigibilidade da dívida exequenda -, nele apenas podem ser invocados e apreciados os fundamentos taxativos elencados no artigo 204° do CPPT, ou seja:
"a) inexistência do imposto, (...);
b) ilegitimidade da pessoa citada (...);
c) falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) prescrição da dívida exequenda;
e) falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) duplicação de colecta;
h) ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação;
i) quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título".
Esta taxatividade dos fundamentos de oposição não representa uma restrição dos direitos fundamentais de acesso aos tribunais ou ao recurso contencioso (uma vez que a impugnação dos actos lesivos é permitida pela própria norma), mas antes uma garantia do seu eficaz exercício.
Mais estabelece o n° 1 do artigo 209° do CPPT que:
"1. Recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos:
a) (...)
b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n° 1 do artigo 204°;
c) Ser manifesta a improcedência.
2. Se o fundamento alegado for o da alínea i) do n° 1 do artigo 204°, a oposição será também rejeitada quando à petição se não juntem o documento ou documentos necessários.".
Ora, analisando a petição inicial, e atenta a causa de pedir, constata-se, em primeiro lugar, que a mesma não é adequada à pretensão formulada (de extinção da instância executiva), já que, invocando a existência de um acordo celebrado no âmbito do processo de divórcio, o Oponente pretende, com base nele, "dividir" a dívida exequenda com a (ex)cônjuge.
Reconhece, portanto, que pelo menos parte da dívida em causa lhe é imputável e exigível, o que inviabiliza a extinção do processo de execução fiscal.
Em segundo lugar, invocando a alínea i) do n° 1 do artigo 204° do CPPT, o Oponente não juntou aos autos o documento onde consta o alegado acordo, elemento fundamental da sua alegação, não permitindo sequer analisar o seu teor, o que é motivo objectivo de rejeição liminar, ao abrigo do n° 2 do artigo 209° do CPPT.
Acresce aina o facto de, a existir tal acordo, o mesmo terá apenas efeitos inter partes (i.e., entre os cônjuges), não vinculando, de forma alguma, a Autoridade Tributária. E neste conspecto sempre se dirá que, mesmo chegando à conclusão - como parece pretender o Oponente - que o imóvel gerador de mais-valias em sede de IRS era de ambos os cônjuges, e que houve opção pela tributação conjunta, prevê o artigo 102°-C do Código do IRS que "a responsabilidade dos sujeitos passivos pelo pagamento do imposto é solidária", o que significa que o imposto poderia legitimamente ser exigível na sua totalidade ao Oponente.
Nesse caso, tem o Oponente obrigação de efectuar o pagamento integral do imposto à AT podendo eventualmente intentar uma acção judicial nos tribunais comuns, contra a ex- cônjuge, de direito de regresso ou de incumprimento do acordo celebrado, a fim de reaver parte do montante cujo pagamento considera ser obrigação da ex-cônjuge.
Assim, face ao exposto, não é possível afirmar que a existência do referido acordo determina a extinção ou modificação da dívida exequenda, não consubstanciando fundamento de inexigibilidade da dívida, e, por consequência, não consubstanciando fundamento de oposição.
Não sendo imputado qualquer vício à liquidação de IRS, nem sendo alegado fundamento de inexigibilidade da dívida perante a AT, está a presente acção votada necessariamente ao insucesso.
Por conseguinte, concluindo-se pela sua manifesta improcedência, e pela falta de junção aos autos do documento/acordo, verificam-se motivos para a rejeição liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea c) do n° 1 e n° 2 do artigo 209° do CPPT.
Reitere-se, como resulta do já explicitado, que no caso vertente não se verifica erro na forma do processo, pelo que não cumpre equacionar qualquer possibilidade de convolação.”

O recorrente não se conforma com aquele despacho, invocando, em síntese, erro de julgamento de facto, na medida em que não se considerou que o registo do seu casamento deve produzir efeitos desde a data da sua celebração e não desde a data do seu registo, e deste modo, a responsabilidade pela dívida exequenda deve ser repartida em duas partes iguais, entre a Apelante e a sua ex-cônjuge.

Contudo, não lhe assiste razão, sendo de confirmar a decisão recorrida.

Na verdade, e desde logo, tendo sido invocado o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, deveria ter sido junto, os documentos para a prova do alegado, não tendo sido feito, fica legitimada a rejeição da Oposição nos termos do n.º 2, do art. 209.º do CPPT.

Por outro lado, não colhe a argumentação aduzida nas alegações de recurso (que complementam as conclusões) de que juntou o acordo celebrado com a sua ex-mulher, e demais documentação no procedimento de reclamação graciosa, porque se trata de um procedimento de impugnação gracioso, diverso e não comunicante, com o presente processo judicial de Oposição.

Por outro lado, insiste a recorrente que a sua causa de pedir consiste no facto do casamento do Apelante realizado em 2014, em Angola, registado em Portugal em 2018, dever produzir todos os efeitos legais desde a data da sua celebração e não desde a data do seu registo, e nessa medida, pretende que a sua ex-mulher seja responsabilizada por metade da dívida exequenda.

Porém, também quanto a este fundamento verifica-se a falta de junção dos documentos comprovativos dos factos alegados, nomeadamente, do casamento e do registo em Portugal, o que de per se, é suficiente para se manter a decisão de rejeição liminar da Oposição nos termos do n.º 2, do art. 209.º do CPPT.

De todo modo, sempre se dirá que, o fundamento invocado pelo Oponente sempre conduziria à manifesta improcedência da Oposição, e, por conseguinte, sempre se enquadraria, de igual modo, no fundamento de rejeição liminar nos termos da alínea b) do n.º 1, do art. 209.º do CPPT.

Efetivamente, tratando-se de dívida exequenda de IRS de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, atento ao disposto no art. 13.º, n.º 2, e 3, do CIRS, conjugado com o art. 1671.º, n.º 2 do CC, importaria sempre concluir que ambos os cônjuges são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos do disposto no art. 21.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, abrangendo tal responsabilidade a totalidade da dívida, nos termos do art. 22.º, n.º 1 da LGT – v. numa situação semelhante à dos autos, em que foi rejeitada liminarmente a Oposição, o acórdão do STA de 13/11/2013, proc. n.º 0215/12 , que confirma a decisão de rejeição liminar, e em cujo sumário se pode ler o seguinte: “I - O IRS incide sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que compõem o agregado familiar, considerando-se sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (art.13° n°2 CIRS), sendo este agregado constituído pelos cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (art.13° n°3 CIRS)
II - Competindo a direcção da família a ambos os cônjuges (art. 167 1° n°2 CCivil) e existindo agregado familiar deve ser apresentada uma única declaração pelos dois cônjuges ou por um deles, se o outro for incapaz ou ausente (art.59° n°1 CIRS).
III - No caso de ocorrer separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar uma declaração autónoma dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo (art.59° n°2 CIRS)
IV - O regime fiscal específico, supra destacado, exclui a aplicação do regime da lei civil e torna irrelevante a elisão da presunção de comunicabilidade da dívida tributária, resultante da declaração subscrita pelo outro cônjuge (art. 1691° n°s 1 al.d) e 3 CCivil).
V - Nos termos do artº 21º nº 1 da LGT salvo disposição legal em contrário, quando os pressupostos do facto tributário se verificarem em relação a mais de uma pessoa, todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária.”

Pelo exposto, improcedem in totum as conclusões de recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

Constitui fundamento de rejeição liminar da Oposição nos termos do n.º 2, do art. 209.º do CPPT a não junção dos documentos necessários à prova do fundamento invocado ao abrigo da alínea i), do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 03 de dezembro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora


A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.