Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:143/04.1BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/28/2020
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:SUSPENSÃO PARCIAL DA OBRA
DANOS EMERGENTES
Sumário:O direito à indemnização por danos emergentes decorrente da suspensão parcial da obra, prevista no artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de dezembro (e depois no artigo 190.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março), não afasta o ónus de o empreiteiro ter de alegar e provar factos demonstrativos da existência desses danos e da sua extensão temporal, ainda que a liquidar em momento posterior.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
L….., SA, intentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa comum sob a forma ordinária contra o Município de Vila Real de Santo António, pedindo o pagamento da quantia de € 148.726,71, acrescida dos juros legais a contar da citação do réu, com fundamento na suspensão parcial da empreitada de obra pública, cujo contrato foi celebrado com aquele Município a 23/06/2000.
Alega, em síntese, que após a celebração daquele contrato foi detetada a necessidade de efetuar uma contenção especial das areias na cave do edifício a construir, sem a qual não se poderia dar continuidade à empreitada, e celebrado contrato de empreitada de “Contenção do Torreão Sul e edifícios envolventes”, levando à suspensão parcial da empreitada durante 420 dias, que não se deveu a facto imputável à autora e produziu danos emergentes.
Citado, o Município de Vila Real de Santo António invoca, em síntese, que a suspensão foi apenas parcial e que durante o período da mesma a autora continuou em plena atividade no local, para além da continuação dos trabalhos no Torreão Sul.
Por sentença de 02/10/2017, o TAF de Loulé julgou a ação improcedente.
Inconformada, a autora apresentou recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
I
Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria factual, (como é o caso), constitui, para tanto, elemento fundamental o depoimento prestado na audiência final ou de documentação oferecida nos autos.
II
No caso sub judice, são também as testemunhas arroladas pela própria ré (aqui recorrida), a fazer prova em sentido inverso à decisão proferida.
III
Sendo certo que dos autos não resulta prova alguma a sufragar a tese factual da decisão recorrida.
IV
É certo que o próprio recorrido, sempre afirmou ter existido suspensão parcial da empreitada.
V
Levando em conta a prova constante dos autos, o Mmo Tribunal a quo, deveria ter dado por provados os seguintes factos:
a) - “A suspensão parcial da empreitada relativa à "adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal", de 2000.10.02 a Dezembro de 2001, ou seja, 420 dias.”
b) -“se deveu a facto imputável ao Réu”
VI
Quanto ao facto "A suspensão parcial da empreitada relativa à "adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal", de 2000.10.02 a Dezembro de 2001, ou seja, 420 dias", este deveria ter sido dado por provado atendendo aos depoimentos das testemunhas C….., M….. e M….., aos documentos constantes dos autos, e tendo também em conta que no art. 12º da sua contestação o admite.
VII
Quanto ao facto -“se deveu a facto imputável ao Réu” este deveria ter sido dado por provado atendendo aos depoimentos das testemunhas C….. e M….., aos documentos constantes dos autos, e tendo também em conta a recorrida na sua contestação o admite, no entanto.
VIII
Errou também, de Direito a Sentença recorrida, ao aplicar ao caso sub judice, o DL 59/99 de 02 de Março, ao invés do DL 405/93, de 10 de Dezembro.
VI
Pelo que, jamais a sentença recorrida, poderia, como, no entanto, o fez, absolver o réu.
Termos em que, nos melhores de Direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser alterada a decisão proferida, no sentido de condenar a ré ora recorrida.”
O recorrido apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1 - Na presente acção o Autor vem pedir a título de indemnização por prejuízos sofridos por danos emergentes devido a suspensão parcial de trabalhos na empreitada designada por “Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal”;
2 - No decorrer da obra e com fundamento no facto de se verificar a necessidade de efectuar uma contenção de areias no edifício anexo para ampliação do edifício principal, foi efectuada a consignação parcial dos trabalhos (Auto de Consignação de 2 de Outubro de 2000), à excepção dos trabalhos do Grupo 2 “construção” da proposta do empreiteiro e respectivas instalações especiais sujeitas a alteração e a reserva de reclamação do empreiteiro onde este apresentou uma importância a título de indemnização pelo atraso da consignação (nessa parte da obra designada por “construção”);
3 - Na empreitada, os trabalhos no edifício a recuperar, continuaram a um ritmo normal;
4 - Todas as testemunhas inquiridas foram unânimes em afirmar que os trabalhos decorreram normalmente sem qualquer interrupção, sendo os testemunhos coadjuvados pelo livro de registo da obra, conforme se pode verificar pelos registos ocorridos entre 2 de Outubro de 2000 e 10 de Dezembro de 2001;
5 - Não se registou qualquer suspensão parcial da obra que tivesse sido titulada por “Auto de Suspensão”, conforme determinam os artigos 166º a 171º do Decreto-Lei 405/93 de 10 de Dezembro;
6 - Por outro lado, foi concedido ao ora recorrente um direito à prorrogação do prazo de conclusão da obra pelo atraso da adjudicação dos referidos trabalhos do Grupo 2 “construção”, pelo alegado período de suspensão dos trabalhos para a execução da ampliação da cave;
7 - E foram-lhe adjudicados os trabalhos a efectuar que se mostraram necessários, tendo sido celebrado o novo contrato de empreitada entre o ora recorrente e o recorrido, designado por “Contenção do Torreão Sul e edifícios envolventes”;
8 - Não resultou provado na presente acção qualquer prejuízo decorrente do alegado período de suspensão;
9 - Pelo que, tal como foi decidido na douta sentença, o Réu deverá ser absolvido.
*

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- do erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto;
- do erro de julgamento de direito, ao aplicar ao caso o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, ao invés do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de dezembro.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 2000.06.23, a Autora e o Réu celebraram o contrato de empreitada de ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal’, no valor de 98.159.197$00, acrescido de IVA (cfr doc nº 1 da petição inicial);
B) Em 2000.10.02, foi lavrado o ‘Auto de Consignação de Trabalhos (Parcial)’, relativo ao contrato de ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal’, para todos os trabalhos excepto os trabalhos considerados no Grupo 2’Construção e atinentes a instalações especiais (cfr doc nº 3 da petição inicial e nº 2 da contestação);
C) Em 2000.10.02, o Livro de Registo de Obra foi assinado pela Fiscalização e o Empreiteiro (cfr doc nº 4 da contestação),
D) Em 2001.10.18, foi celebrado entre as partes, o contrato de empreitada nº 21/001, para execução da ‘Contenção do Torreão Sul e Edifícios Envolventes, no valor de €124.605,80/ 24.981.220$00 (cfr doc nº 2 da petição inicial e doc nº 7 da contestação);
E) Em 2001.01.15, foi lavrado o ‘Auto de Consignação de Trabalhos (Final)’ referente ao contrato de ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal’ tendo lugar os trabalhos de contenção de areias e os trabalhos de construção do edifício novo (cfr doc nº 3 da contestação);
F) A empreitada consistia na recuperação de um edifício antigo e construção de um novo no mesmo sítio (cfr testemunha, Senhor Engenheiro, C…..);
G) Na Informação nº ….. de 2001.03.15, do Gabinete de Apoio Técnico – GAT do Ministério do Planeamento – Comissão de Coordenação da Região do Algarve, com o assunto ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal – Estudo Geotécnico’, extrai-se, designadamente o que segue: “No seguimento da alteração da área da cave do arquivo, e atendendo às características do local de implantação, houve necessidade de efectuar sondagens (…).
Estas sondagens destinam-se objectivamente para a definição do método construtivo das fundações das superestruturas e este por sua vez à resolução da problemática dos meios de contenção do próprio Torreão, bem como das construções vizinhas e envolvente.
O orçamento em anexo, no valor de esc. 1.089.396$00 (…) enviado a este Gabinete pelo adjudicatário, quantifica e valoriza os trabalhos efectuados, e nada temos a opôr” (cfr doc nº 6 da contestação);
H) Pelo ofício de 2001.03.15, o Gabinete de Apoio Técnico – GAT do Ministério do Planeamento – Comissão de Coordenação da Região do Algarve, enviou a Informação referida em G) ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António (cfr doc nº 6 da contestação);
I) No Parecer de 2002.03.27, do Gabinete de Apoio Técnico – GAT do Ministério do Planeamento – Comissão de Coordenação da Região do Algarve, relativo à prorrogação do prazo do contrato de empreitada de ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal, foi concluído o seguinte: “Considera-se razoável e ao abrigo da legislação em vigor a prorrogação legal de prazo até 27 de Março de 2002 e graciosa até 27 de Abril de 2002, o que corresponde a um total de 206 dias, relativamente à 1ª consignação com o prazo de 12 meses” (cfr doc nº 5 da contestação);
J) Em 2002.04.26, foi celebrado entre as partes, o contrato adicional nº 9/2002 ao contrato de empreitada ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal – Trabalhos a Mais e Trabalhos a Menos’, “totalizando a empreitada o valor de seiscentos e onze mil cento e cinquenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos, acrescido do IVA, à taxa legal” (cfr doc nº 8 da contestação);
K) Pelo ofício nº ….. de 2002.07.23, com o assunto ‘Suspensão Parcial dos Trabalhos na Empreitada de Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal – Pedido de Indemnização, a Autora apresentou ao Réu, “o Relatório Justificativo do pedido de indemnização, cujo valor é 205.985,99 Euros, ou seja duzentos e cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos.
Naturalmente que tal montante é um cálculo estimado e como tal flexível a negociação com Vª Excª, em ordem à obtenção duma rápida solução consensual.
Só agora vimos apresentar tal situação porque a obra está a ser finalizada, isto é, não o fizemos antes para que Vª Excª não se sentisse coagido pelo decurso dos trabalhos” (cfr fls do processo administrativo);
L) O edifício novo a construir de raiz estava próximo do edifício a recuperar, tendo sido celebrado o contrato adicional para contenção das areias dado que após escavação apareceu água, sendo necessário construir um muro de betão armado para permitir fazer a cave onde ficaria uma parte do arquivo (cfr testemunhas, Senhor Engenheiro, C….., arquivista, M….. e o fiscal da obra, M…..);
M) No Livro de Registo de Obra, assinado pela Fiscalização e o Empreiteiro, verifica-se que não houve suspensão dos trabalhos, existiam sempre pessoas a trabalhar, houve um atraso na parte nova devido aos trabalhos de contenção de areias que não estava inicialmente prevista, que foi aprovado e registado; por exemplo, nas fls 30 e ss daquele Livro, e no período de 200.10.02 a 2001.12.31, estavam a ser executadas essas obras; a fls 34 e ss, por exemplo, na reunião de 2001.04.27, nada é dito sobre a alteração dos trabalhos e suspensão, os trabalhos continuaram sempre com normalidade no Torreão como atestam os Autos de Medição indicados no Livro de Obra (cfr testemunha, técnico de construção civil, M….. e testemunha, fiscal de obras, M….);
N) Pelo ofício nº ….., de 2002.06.04, com o assunto: ‘Resolução da conta pendente na empreitada “Contenção do Torreão Sul e Edifícios Envolventes’”, a Autora solicitou ao Réu “se digne resolver a conta pendente no valor de 5.200.000$00 ou 30.925,47 Euros, referente aos trabalhos a mais executados até 25% sobre o Contrato na empreitada supra referida” (cfr fls do processo administrativo);
O) No Parecer de 2002.08.08, elaborado pelo Gabinete de Apoio Técnico – GAT do Ministério do Planeamento – Comissão de Coordenação da Região do Algarve, sob a epígrafe:
‘Câmara Municipal de Vila Real de Santo António
“Contenção do Torreão Sul e Edifícios Envolventes”
– Resolução da conta pendente na empreitada –
consta o seguinte: “Relativamente ao assunto apresentado pelo empreiteiro referente aos trabalhos a mais, executados até 25% sobre o contrato, no valor de €30.925,47, salienta-se que esta empreitada resulta da adjudicação de uma proposta variante apresentada pelo concorrente L, executadas com as condições existentes à data do concurso, pelo que, em nosso entender, não há lugar a trabalhos a mais” (cfr fls do processo administrativo);
P) Pelo ofício de 2002.08.08, a Senhora Directora do Gabinete de Apoio Técnico – GAT do Ministério do Planeamento – Comissão de Coordenação da Região do Algarve, enviou o Parecer referido em O), ao Réu (cfr fls do processo administrativo);
Q) Pelo ofício de 2002.08.23, o Réu enviou à Autora cópia do Parecer referido em O) e P) (cfr fls do processo administrativo);
R) Em 2003.03.31, foi celebrado entre as partes, o terceiro contrato adicional nº 4/2003 ao contrato de empreitada ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal, tendo “por objecto a execução de trabalhos a mais e prorrogação do prazo. (…) totalizando a empreitada o valor de setecentos e trinta mil trezentos e quarenta e oito euros e seis cêntimos,, acrescido do IVA, à taxa legal” (cfr doc nº 9 da contestação);
S) Em 2003.12.12, foi lavrada a ‘Acta da Primeira Reunião da Comissão e Auto de Não Conciliação respeitante ao contrato de ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal (cfr doc nº 4 da petição inicial).
[ADITADOS T) E U), ponto a) da decisão]
Não se provaram os factos seguintes:
1. A suspensão parcial da empreitada relativa à ‘Adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal de 2000.10.02 a Dezembro de 2001, ou seja, durante 420 dias. [EXCLUÍDO, ponto a) da decisão]
2. A existência do ‘Auto de Suspensão Parcial dos Trabalhos’.
3. A existência de um ‘Plano de Trabalhos a Executar no Período de Suspensão dos Trabalhos’.
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tal como supra enunciado, as questões a decidir neste recurso cingem-se a saber se:
- ocorre erro de julgamento da decisão sobre a matéria de facto;
- ocorre erro de julgamento de direito, ao aplicar ao caso o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, ao invés do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de dezembro.


a) da decisão de facto

Sustenta aqui a autora que se devem ter por provados os seguintes factos:
- A suspensão parcial da empreitada relativa à ‘adaptação e Reabilitação do Torreão Sul a Arquivo Municipal’, de 2000.10.02 a Dezembro de 2001, ou seja, 420 dias.
- se deveu a facto imputável ao Réu.
O primeiro por resultar dos depoimentos das testemunhas C….., M….. e M….., dos documentos constantes dos autos, e tendo também em conta que no artigo 12.º da contestação é admitido.
O segundo por resultar dos depoimentos das testemunhas C….. e M….., dos documentos constantes dos autos, e tendo também em conta que a recorrida na sua contestação o admite.
Vejamos se lhe assiste razão.
Quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do CPC, exige que o recorrente especifique:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso previsto na alínea b), incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – artigo 640.º, n.º 2, al. a), do CPC.
Quanto à admissão por acordo, na contestação alega-se que:
- logo à data de início da obra, 02/10/2000, foram consignados todos os trabalhos com exceção dos pertencentes ao grupo B, que vieram a ser consignados em 15/01/2001 (artigos 8.º e 9.º);
- ocorreu uma suspensão parcial da obra entre 02/10/2000 e dezembro de 2001, dada a necessidade de efetuar uma contenção especial das areais na cave do edifício a construir, interrompendo-se os trabalhos relativos à construção do edifício do Torreão Sul (artigos 10.º a 12.º).
Mais invoca o documento n.º 4 junto com a contestação, o livro de registo da obra, no qual efetivamente se dá conta da suspensão parcial, devido aos aludidos motivos.
Quanto aos depoimentos das referidas testemunhas, C….., M….. e M….., analisadas as passagens da gravação indicadas nas alegações de recurso, constata-se que igualmente confirmam a suspensão parcial da obra no período indicado.
Procede, pois, a impugnação da decisão da matéria de facto quanto a este ponto.
Quanto ao segundo facto que se pretende ver aditado, contém um juízo conclusivo, não um acontecimento da vida real, mas antes uma extrapolação que na verdade integra parte do objeto do processo. Ou seja, no caso teremos como acontecimentos da vida real a constar do probatório os que estiveram na génese da aludida suspensão parcial da obra, sendo a imputação à recorrida da responsabilidade por tais eventos uma eventual conclusão a retirar dos mesmos.
E considerando os indicados meios probatórios e a análise já efetuada, o concreto facto que se deve ter como assente é o seguinte:
- a suspensão parcial da obra ocorreu devido à necessidade de efetuar uma contenção especial das areias na cave do edifício a construir, levando à interrupção dos trabalhos relativos à construção do edifício do Torreão Sul.
Procede, pois, parcialmente a impugnação da decisão de facto nos termos seguintes:
§ Exclusão do ponto 1 dos factos não provados.
§ Aditamento à matéria de facto assente dos seguintes pontos, por via dos meios probatórios indicados pela recorrente
T) Ocorreu uma suspensão parcial da obra entre 02/10/2000 e dezembro de 2001.
U) Esta suspensão ocorreu devido à necessidade de efetuar uma contenção especial das areais na cave do edifício a construir, levando à interrupção dos trabalhos relativos à construção do edifício do Torreão Sul.


b) da decisão de direito

Invoca ainda a recorrente que o Tribunal a quo errou ao aplicar ao caso o Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, ao invés do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de dezembro.
Vejamos.
Conforme consta da Cláusula 18.ª do contrato de empreitada, o concurso que o antecedeu foi autorizado por deliberação da Câmara Municipal de Santo António de 18/02/1998 e a empreitada foi adjudicada à recorrente por deliberação da Câmara Municipal de Santo António de 15/09/1999.
Ainda que o contrato haja sido celebrado na vigência do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, nos termos do respetivo artigo 278.º, este diploma entrou em vigor três meses após a data da sua publicação, mas apenas se aplica às obras postas a concurso após essa data, sem prejuízo de aplicação às empreitadas em curso das disposições do título IX sobre contencioso dos contratos.
Como tal, assiste-lhe razão, sem prejuízo da solução jurídica a dar ao caso se afigurar idêntica, seja por aplicação do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, ou do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de dezembro.
Neste último diploma legal, previa o artigo 171.º, sob a epígrafe ‘suspensão parcial’, o seguinte:
“Se, por facto não imputável ao empreiteiro, for ordenada qualquer suspensão parcial de que resulte perturbação do normal desenvolvimento da execução da obra, de acordo com o plano de trabalhos em vigor, terá o empreiteiro direito a ser indemnizado dos danos emergentes.”
Idêntica previsão passou a constar do artigo 190.º do Decreto-Lei n.º 59/99.
Ora, decorre de tais normativos um direito à indemnização pelos danos emergentes, o que não afasta o ónus de o empreiteiro ter de alegar e provar quais são esses danos emergentes, ainda que a liquidar em momento posterior.
Os danos emergentes, cf. artigo 564.º, n.º 1, do CCiv, são o prejuízo causado, que no caso se traduziriam numa efetiva diminuição do património do empreiteiro, como refere a recorrente na petição inicial.
É verdade que, de acordo com o artigo 569.º do CCiv, “[q]uem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”.
Contudo, é de exigir ao peticionante que alegue e prove factos demonstrativos da existência de danos e da sua extensão temporal.
No caso, a recorrente invocou na petição inicial que durante a suspensão parcial da obra teria sofrido uma redução no aproveitamento de meios humanos e materiais.
Sucede que não se mostra provado qualquer facto que integre a verificação dos aludidos danos, nem a recorrente disputou a decisão da matéria de facto quanto a este ponto.
O que antes resulta da factualidade dada como assente é que, no decurso da empreitada, foram celebrados entre o município e a ora recorrente outros dois contratos adicionais, o n.º 9/2002 no valor de € 611.151,44 (ponto J do probatório), e o n.º 4/2003 no valor de € 730.348,06 (ponto R do probatório).
Mas facto algum se mostra provado quanto à ocorrência de danos emergentes por via da suspensão parcial da obra.
Como tal, necessariamente claudica a pretensão da recorrente.

Em suma, é de negar provimento ao recurso.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 28 de maio de 2020

(Pedro Nuno Figueiredo - relator)


(Ana Cristina Lameira)


(Paulo Pereira Gouveia)