Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12144/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA – NULIDADE DO ACÓRDÃO DA CONFERÊNCIA – TOTAL FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Deduzida que seja a reclamação para a conferência prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA, impõe-se a esta (formação coletiva de juízes) que aprecie a questão, segundo o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 652º do CPC novo, observando o disposto no 154º do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA.

II - Tal decisão (acórdão) encontra-se sujeita ao cumprimento do dever de fundamentação, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

S………. – S……………, S.A. (devidamente identificada nos autos), autora no Processo de Contencioso Pré-contratual (Proc. nº 2473/14.5BESNT) que instaurou contra o Conselho de Ministros (igualmente devidamente identificado nos autos), sendo contra-interessada a P……….. – Empresa ………….., SA processo no qual foi impugnada a decisão de exclusão da proposta por ela apresentada no procedimento de «aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança e de ligação à central de receção e monitorização de alarmes – lote 24 do Acordo-Quadro nº 3 da ANCP» (procedimento nº 05AQ-SGPC/2013) e a adjudicação dos serviços à identificada contrainteressada – inconformada com o Acórdão de 26/01/2015 (fls. 598) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que em sede de reclamação para a conferência (artigo 27º nº 2 do CPTA), manteve a decisão de procedência da exceção de ilegitimidade passiva proferida pela Mmª Juíza relatora no despacho-saneador de 21/12/2014 (fls. 513 ss.), vem interpor o presente recurso.

Nas suas alegações a aqui Recorrente formula as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I. A reclamação para a conferência visa que seja emitido acórdão (que normalmente seria esperado face ao disposto no artigo 40.º n.º 3 do ETAF) no qual sejam (re)apreciadas as questões aí invocadas, dando-se cumprimento às exigências do artigo 94.º do CPTA e artigos 154.º e 607.º n.º 3 e 4 do CPC (decisão singular do TCAS de 18-12-2014 proferida no processo 11705/14, junta sob o Documento n.º 1)
II. O Colectivo não se pode limitar a "avaliar" a decisão do Relator.
III. O Acórdão recorrido, no qual o Colectivo se limitou a "confirmar, nos seus precisos termos" a decisão do Relator, padece de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. b) do CPC (cfr. decisão singular do TCAS de 18-12-2014 proferida no processo 11705/14, junta sob o Documento n.º 1)
IV. Deve ser aditado um facto à Matéria Assente no qual se considere que o Conselho de Ministros, na Resolução 93/2013 de 12 de Dezembros, deliberou 1 - Autorizar as entidades adjudicantes que constam do anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante, a assumir os encargos orçamentais decorrentes da aquisição de serviços de vigilância e segurança até aos montantes nele indicados, no valor total de 7 866 713,85 EUR." ( ...) 6 - Determinar, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 259.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o recurso ao procedimento pré-contratual adequado para aquisição de serviços de vigilância e segurança, através do acordo quadro para aquisição de serviços de vigilância e segurança (AO-VS/ 2010), celebrado pela Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, l.P. (DR 1ª Série de 23-12-2013) facto relevante para apreciar a intervenção que o Conselho de Ministros teve no procedimento pré-contratual 05AQ-SGPCM/2013, como melhor se demonstrará nas conclusões infra.
V. O Conselho de Ministros interveio de forma determinante na relação material em litígio tal como configurada pela S………na petição inicial (artigo 30.º n.º3 do CPC e artigo 10.º n.º 1 do CPTA).
VI. O Conselho de Ministros é a entidade competente para autorizar a despesa e, consequentemente, tomar a decisão de contratar (artigo 17º n.º 1 al. e) do DL 197/99 de 8 de Junho e artigo 36.º do CCP), competências que efectivamente exerceu nos termos dos pontos 1 a 6 da Resolução do Conselho de Ministros 93/2013.
VII. Foi o Conselho de Ministros que tomou a decisão final da fase administrativa, ao indeferir a impugnação administrativa da decisão de exclusão da proposta da S……… e de adjudicação à P...........(factos provados E a L).
VIII. O Conselho de Ministros praticou o acto inicial e o acto final do procedimento pelo que é inegável que integra a relação jurídica material controvertida.
IX. Por outro lado, não obstante a delegação de poderes para a prática dos actos a realizar no procedimento pré-contratual e para a outorga dos contratos, a competência para a prática daqueles actos era originariamente do Conselho de Ministros e nele se manteve.
X. Já que a delegação não transfere a competência, apenas o seu exercício é permitido ao delegado (ct. Acórdão do STA de 21-06-2000, processo 045171).
XI. O Conselho de Ministros, na sua qualidade de delegante, tinha e tem poderes para proferir o acto de adjudicação e celebrar os contratos.
XII. E quanto à impugnação dos actos efectivamente praticados pelo Secretário-Geral da presidência do Conselho de Ministros, a legitimidade passiva também cabe ao Conselho de Ministros, nos termos do artigo 1O.º n.º 2 do CPTA pois existe uma inequívoca conexão orgânica entre o Conselho de Ministros e a Presidência do Conselho de Ministros, estando a Presidência do Conselho de Ministros integrada no Conselho de Ministros ou, no mínimo, os dois integrados no Governo (artigos 4.º n.º 1 e 10.º n.º 1 do Decreto-Lei 86-A/2011, de 12 de Julho e artigo 1.º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei 4/2012 de 16 de Janeiro).
XIII. Tal total interdependência foi bem visível nestes autos pois a entidade contestante identifica-se como o "Conselho de Ministros", mas o consultor que assina a contestação foi designado pela Exma. Senhora Directora da Presidência do Conselho de Ministros.
XIV. Pelo que não se verifica qualquer ilegitimidade passiva do Conselho de Ministros.
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XV. Ainda que se conclua pela ilegitimidade do Conselho de Ministros, sempre seria de aplicar o disposto no artigo 81 .º n.º 2 do CPTA, não podendo a S…….. ser prejudicada pelo facto de o Conselho de Ministros não ter reencaminhado a citação para a Presidência de Conselho de Ministros e, ao invés, ter contestado.
XVI. Perante uma excepção dilatório suprível o Tribunal, previamente a declarar a absolvição da instância, deve procurar corrigi-la oficiosamente ou, quando tal não seja possível, proferir despacho de aperfeiçoamento, convidando as partes a suprir ou corrigir tal irregularidade (artigo 88.º do CPTA).
XVII. Tal norma consubstancia-se numa das decorrências do principio da prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjectiva (artigo 7.º do CPTA) privilegiando-se o suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação por forma a possibilitar o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo (cfr. também os artigos 6.º n.º 2 e 590.º n.º 2 e 3 do CPC).
XVIII. Não está em causa uma faculdade que o juiz poderá ou não utilizar de acordo com o seu critério, mas sim uma verdadeira imposição legal (Acórdãos do TCA Norte de 25-05-2012, processo 01505/09.3BEBRG, do TR Guimarães de 19-06-2014, processo 3553/12.7TBBCL.G1, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume 1, Almedina, pág. 517).
XIX. O Tribunal está, pois, vinculado a cumprir o disposto no artigo 88.º do CPTA.
XX. A ilegitimidade passiva singular é susceptível de suprimento/sanação (Acórdão do TCA Sul de 08-05-2008, processo n.º 01509/06, do TCA Norte de 25-05-2012, processo 01505/09.3BEBRG, do STA de 21-05-2002, processo 0558/02 e do TCA Sul de 22-04-2010, processo 05901/10.
XXI. No concreto caso em análise, como referido nas conclusões V a VIII, o Conselho de Ministros não é, de todo, uma entidade estranha à matéria em discussão nestes autos e que não tenha tido qualquer intervenção na relação material em litígio.
XXII. Atento o supra exposto na conclusões V a VIII, XII e XIII, a ter havido erro da S…….. na identificação do Conselho de Ministros como Entidade Demandada, tal erro não é grosseiro nem indesculpável.
XXIII. Não apenas é admitido, no geral, o suprimento da excepção dilatória da ilegitimidade passiva singular como, no caso concreto, nada se opunha à mesma.
XXIV. Ao contrário do defendido no Acórdão recorrido, a posição que a S………, no articulado de resposta à excepção, assumiu quanto à pretensa ilegitimidade passiva em nada influencia a necessidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 88.º do CPTA.
XXV. Se o Tribunal, não obstante os argumentos do Autor, considerar que se verifica ilegitimidade passiva, continua vinculado a assegurar a regularização da instância (Acórdãos do STA de 21-05-2002, processo 0558/02 e do TR Guimarães de 19-06-2014, processo 3553/12.7 TBBCL.G l).
XXVI. Não cabe ao Autor, aquando da resposta à excepção, antecipar qual será a decisão do Tribunal sobre essa excepção e, desde logo, responder afirmativamente a um convite que ainda não lhe foi dirigido e que poderá nunca ser feito se o Tribunal julgar a excepção improcedente.
XXVII. Só perante a decisão no sentido da verificação da excepção e os seus respectivos fundamentos, é que o Autor poderá ponderar se aceita o convite ou se adapta outro comportamento, designadamente, recurso do despacho que declarou a verificação da excepção.
XXVIII. Não é admissível que se exija que o Autor, em momento anterior à decisão do Tribunal sobre a excepção, e desconhecendo qual a posição que o Tribunal irá assumir, tenha já que decidir se, perante uma futura declaração de ilegitimidade passiva cujos termos se ignoram, irá ou não responder ao convite (cfr. Acórdão do TCA Norte de 21- 05-2009, processo 01016/07.lBEBRG).
XXIX. Pelo que entendendo o Tribunal a quo que se verificava ilegitimidade passiva, ao invés de declarar a absolvição da instância deveria ter dado cumprimento ao artigo 88.º do CPTA.
XXX. O Acórdão recorrido viola os artigos 7.º, 10.º n.º 1 e 2, 27.º n.º2, 35.º n.º2, 81.º n.º2, 87.º n.0 1 ai. a), 88.º e 94.º do CPTA, artigo 40.º n.º3 do ETAF, artigos 6.º n.º2, 30.º n.º3, 154.º, 3 e 607.º n.º 3 e 4 do CPC, artigo 36.º do CCP, artigo 17º n.º 1 al. e) do DL 197/99, artigo 4.º n.º 1 e 10.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 86-A/2011, e artigo 1.º n.º 1 e 2 do DL 4/2012.
XXXI. Deve, pois, ser revogado e substituído por outro que julgue o Conselho de Ministros parte legítima ou, caso assim se não entenda, e nos termos do disposto no artigo 88º do CPT A, supra oficiosamente a excepção ou formule convite dirigido à Autora para que esta supra a excepção, através da correcção da petição inicial, com o que se fará JUSTIÇA!

Contra-alegaram o Conselho de Ministros e a P…….. – Empresa de ……….., SA pugnando ambos pela improcedência do recurso.

Notificado(a) nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA o(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu Parecer (cfr. fls. 670 ss.).

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, cumpre:
- apreciar e decidir se o acórdão do Tribunal a quo de 26/01/2015 (fls. 598), aqui recorrido, é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC, por se ter limitado a «confirmar, nos seus precisos termos» a decisão proferida pelo relator do processo relativamente à qual foi deduzida reclamação para a conferência nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA – (conclusões I a III das alegações de recurso);

- apreciar e decidir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento (de facto e de direito), com violação dos artigos 7.º, 10.º n.ºs 1 e 2, 27.º n.º2, 35.º n.º2, 81.º n.º2, 87.º n.º 1 al. a), 88.º e 94.º do CPTA, artigo 40.º n.º3 do ETAF, artigos 6.º n.º2, 30.º n.º3, 154.º, 590.º n.º2 e 3 e 607.º n.º 3 e 4 do CPC, artigo 36.º do CCP, artigo 17º n.º1 al. e) do DL. 197/99, artigo 4.º n.º 1 e 10.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 86-A/2011, e artigo 1.º n.º 1 e 2 do DL. nº 4/2012 – (conclusões IV a XXXI das alegações de recurso).


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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Da questão de saber se o acórdão do Tribunal a quo de 26/01/2015 (fls. 598), aqui recorrido, é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC.
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Do acórdão recorrido
Na sequência de reclamação para a conferência (artigo 27º nº 2 do CPTA) deduzida pela autora, aqui recorrente, da decisão de procedência da exceção de ilegitimidade passiva do demando Conselho de Ministros, com a sua consequente absolvição da instância, proferida pela Mmª Juíza relatora em 21/12/2014 (fls. 513 ss.) foi proferido o acórdão recorrido, de 26/01/2015 (fls. 598), cujo teor integral é o seguinte:
«Reunidos em conferência, acordam os Juízes deste Tribunal em desatender os argumentos da ora reclamante constantes da presente reclamação e confirmar, nos seus precisos termos, a decisão reclamada proferida pela relatora em 12 de Dezembro de 2014, que decidiu julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo a Entidade Demandada, Conselho de Ministros e a Contra-interessada da instância.

Acrescentando-se, ainda, que a Autora, ora reclamante aquando da resposta à aludida excepção (vide fls. 431 e segs), manteve que a legitimidade passiva cabia ao Conselho de Ministros e ainda que invocando o art. 88º do CPTA, quanto à admissibilidade do convite pelo Tribunal de correcção da p.i., não aproveitou para se considerar a acção proposta contra a entidade competente.

Notifique.»
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Da tese da recorrente
Pugna a recorrente que o Acórdão recorrido padece de nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC, por nele o Coletivo de juízes se ter limitado a «confirmar, nos seus precisos termos» a decisão do Relator, sustentando em suma que reclamação para a conferência visa que seja emitido acórdão, que normalmente seria esperado face ao disposto no artigo 40.º n.º 3 do ETAF, no qual sejam (re)apreciadas as questões aí invocadas, dando-se cumprimento às exigências do artigo 94.º do CPTA e artigos 154.º e 607.º n.º 3 e 4 do CPC, e que tal não sucedeu.
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Da análise e apreciação da questão a decidir

Dos elementos patenteados nos autos (incluindo por consulta no SITAF), ressuma o seguinte com relevância para a questão a decidir:
1. Na petição inicial do presente Processo de Contencioso Pré-contratual (Proc. nº 2473/14.5BESNT) que a autora, aqui recorrente, instaurou contra o Conselho de Ministros e a identificada contrainteressada P...........– Empresa de Segurança, SA, foi indicado como valor da causa o de 30.000,01 € - (cfr. fls. 5 ss.)

2. A Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, titular do processo, procedeu ao seu saneamento, proferindo despacho-saneador em 21/12/2014 (a fls. 513 ss.), no qual, entre o demais, julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva do demandado Conselho de Ministros, absolvendo-o em consequência o réu e a contrainteressada da instância. - (cfr. fls. 513 ss.)

3. Naquele despacho-saneador (de 21/12/2014) a Mmª Juíza do Tribunal a quo fixou em 30.000,01 € valor da causa - (cfr. fls. 513 ss.).

4. Dele notificadas as partes a autora, aqui recorrente, aqui recorrente, apresentou nos cinco (5) dias posteriores à sua notificação, reclamação para a conferência (através do requerimento constante de fls. 537 ss.) - (cfr. fls. 532-536 e 537 ss.).

5. Após as contra-partes se pronunciarem quanto à reclamação (respetivamente a fls. 545 ss. e a fls. 568 ss.), o coletivo de juízes do Tribunal a quo proferiu o acórdão de 26/01/2015 (fls. 598), cujo teor integral é o seguinte:

«Reunidos em conferência, acordam os Juízes deste Tribunal em desatender os argumentos da ora reclamante constantes da presente reclamação e confirmar, nos seus precisos termos, a decisão reclamada proferida pela relatora em 12 de Dezembro de 2014, que decidiu julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo a Entidade Demandada, Conselho de Ministros e a Contra-interessada da instância.

Acrescentando-se, ainda, que a Autora, ora reclamante aquando da resposta à aludida excepção (vide fls. 431 e segs), manteve que a legitimidade passiva cabia ao Conselho de Ministros e ainda que invocando o art. 88º do CPTA, quanto à admissibilidade do convite pelo Tribunal de correcção da p.i., não aproveitou para se considerar a acção proposta contra a entidade competente.

Notifique.»

- (cfr. fls. 545 ss., fls. 568 ss. e fls. 598)



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Surge recorrido no presente recurso o Acórdão de 26/01/2015 (fls. 598) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que em sede de reclamação para a conferência (artigo 27º nº 2 do CPTA), manteve a decisão de procedência da exceção de ilegitimidade passiva proferida pela Mmª Juíza relatora no despacho-saneador de 21/12/2014 (fls. 513 ss.).
A convocação da conferência, mediante a reclamação prevista no nº 2 do artigo 27º do CPTA, pressupõe que o reclamante não se conforme com o decidido pelo juiz (relator) em ação que, por ser de valor superior ao da alçada do Tribunal, deveria ser julgada por um coletivo de juízes.
Mas o CPTA não contém qualquer outra densificação normativa no que tange à reclamação para a conferência prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA. Pelo que tem a mesma que ser encontrada por aplicação supletiva dos normativos contidos no Código de Processo Civil (com as necessárias adaptações) nos termos do disposto no artigo 1º do CPTA.
Ora neste a reclamação para a conferência encontra-se prevista no atual artigo 652º nºs 3 e 4 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013).
E muito embora se trate de normas sistematicamente inseridas no âmbito do regime de julgamento do recurso de apelação, é àquelas que se hão de ir buscar os normativos reguladores da reclamação para a conferência prevista no nº 2 do artigo 27º do CPTA, mesmo quando, como é o caso, ela seja deduzida em tribunal de 1ª instância. Ainda que, naturalmente, com as devidas adaptações, como aliás o explicita o artigo 1º do CPTA.
É o seguinte o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 652º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013):
- nº 3: “Salvo o disposto no nº 6 do artigo 641º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.

- nº 4: “A reclamação deduzida é decidida no acórdão que julga o recurso, salvo quando a natureza das questões suscitadas impuser decisão imediata, sendo, neste caso, aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 2 a 4 do artigo 657º.


A esta luz não é exigível que no requerimento da reclamação devam ser expostos os fundamentos da discordância do decidido pelo relator, reconduzidos nas formulação das respetivas conclusões, tal como previsto na lei para os recursos jurisdicionais. Bastando que nele seja requerido que a questão controvertida seja apreciada pelo respetivo coletivo.
Nesse sentido se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul, nos Acórdãos de 07/02/2013, Proc. 08481/12, e de 14/05/2015, Proc. 11.783/15 (in, www.dgsi.pt/jtacs). Como neste último, em que fomos relatores, se disse, “não há qualquer previsão normativa nesse sentido, não decorrendo de qualquer norma (seja do CPTA seja do CPC) que no requerimento da reclamação devam ser expostos os fundamentos, reconduzidos nas formulação da respetivas conclusões, tal como se prevê na lei para os recursos jurisdicionais (cfr. artigo 144º nº 2 do CPTA e entre outros, artigos 665º-A do CPC antigo, correspondente aos artigos 639º do CPC novo, aprovado pela Lei n.º 41/2013). Nem aliás se mostra justificado que assim seja, quer em face da natureza, função e âmbito da reclamação assim prevista, quer perante a discrepância dos prazos de que a parte dispõe em cada uma das situações. Com efeito, enquanto o prazo de recurso (nos processos não urgentes) é de 30 dias (cfr. artigo 144º nº 1 do CPTA), o prazo a observar na reclamação para a conferência prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA (em processo não urgente) é, na falta de prazo específico previsto para o efeito, o prazo supletivo geral de 10 dias previsto no nº 1 do artigo 29º do CPTA.”
Não se desconhece que amiúde nas reclamações para a conferência ao abrigo do artigo 27º nº 2 as partes expõem os fundamentos da sua discordância com o decidido pelo juiz relator, seguindo uma estrutura similar à da interposição de recurso, fazendo apelo à defesa da sua posição, expondo os respetivos fundamentos que reconduzem a conclusões. O que foi precisamente o que a autora fez no caso presente, tendo no requerimento de reclamação para a conferência (de fls. 537 ss.) exposto, ao longo dos seus 45º artigos, as razões pelas quais discordava da decisão de absolvição dos réus da instância com fundamento na procedência da exceção de ilegitimidade passiva do demandado Conselho de Ministros, que reconduziu às conclusões A. a S. que formulou a final.
E também não se desconhece que perante a posição assim assumida pelas partes os tribunais de primeira instância abordem também com frequência a reclamação para a conferência como uma impugnação do despacho/decisão do relator.
Porém, não é assim que a reclamação para a conferência a que alude o artigo 27º nº 2 do CPTA deve ser configurada, como decorre do quadro normativo aplicável, supra explicitado (vide Acórdão deste TCAS de 14/05/2015, Proc. 11.783/15, já citado).
O que se pede à conferência (formação coletiva de juízes) não é que avalie o despacho (ou decisão, no caso da alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA) por referência a eventuais vícios deste (mormente por eventual erro de julgamento, por errada interpretação ou aplicação da lei).
O que se pede à conferência (formação coletiva de juízes) é que sobre a matéria do despacho (ou decisão, no caso da alínea i) do nº 1 do artigo 27º do CPTA) recaia um acórdão.
O que significa que a conferência (formação coletiva de juízes) é chamada a decidir a questão. Seguindo, naturalmente, a respetiva estrutura decisória.
Tal decisão (acórdão) encontra-se naturalmente sujeita ao cumprimento do dever de fundamentação, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA.
A recorrente invoca precisamente que o acórdão recorrido incorre na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por se ter limitado a «confirmar, nos seus precisos termos» a decisão da Mmª Juiz relatora.
As situações de nulidade decisória encontram-se tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), correspondente ao artigo 668º nº 1 do CPC antigo, cuja enumeração é taxativa.
Dispõe com efeito o nº 1 do artigo 615º do CPC novo o seguinte:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Estão aqui compreendias causas de nulidade de dois tipos, as de carácter formal (alínea a)) e as respeitantes ao conteúdo da decisão (alíneas b) a e)).
Neste último grupo se integra a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a que alude a alínea b), invocada pela recorrente.
Como é sabido em face do comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP, as decisões judiciais devem ser fundamentadas.
Fundamentação que, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo tribunal, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que admitido o recurso.
Sendo certo que o dever de fundamentação das decisões judiciais se encontra positivado, entre outros, no artigo 154º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), que sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” (correspondente ao artigo 158º do CPC antigo), dispõe que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (nº 2).
No caso o acórdão recorrido tem o seguinte teor integral:
«Reunidos em conferência, acordam os Juízes deste Tribunal em desatender os argumentos da ora reclamante constantes da presente reclamação e confirmar, nos seus precisos termos, a decisão reclamada proferida pela relatora em 12 de Dezembro de 2014, que decidiu julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo a Entidade Demandada, Conselho de Ministros e a Contra-interessada da instância.

Acrescentando-se, ainda, que a Autora, ora reclamante aquando da resposta à aludida excepção (vide fls. 431 e segs), manteve que a legitimidade passiva cabia ao Conselho de Ministros e ainda que invocando o art. 88º do CPTA, quanto à admissibilidade do convite pelo Tribunal de correcção da p.i., não aproveitou para se considerar a acção proposta contra a entidade competente.

Notifique.»

Ora, como é bom de ver, para além de não seguir a estrutura decisória que se lhe impunha em face da natureza da questão (relembre-se que se está perante o conhecimento, em sede de saneador, de exceção dilatória obstativa ao conhecimento do mérito da ação – cfr. artigos 87º nº 1 alínea a) e 89º nº 1 alínea d) do CPTA e artigo 278º nº 1 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA), a decisão judicial assim proferida foi meramente conclusiva, sem qualquer fundamentação própria sobre a questão em causa (no caso, e em concreto, sobre a exceção de ilegitimidade passiva do demandado Conselho de Ministros). Apenas diz «desatender os argumentos apresentados pela autora na reclamação apresentada» e «confirmar, nos seus precisos termos», a decisão proferida no despacho-saneador pela Mmª Juiz titular do processo, mas sem motivar o assim decidido.
Ora tem que considerar-se incorrer na nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA (falta de fundamentação) o acórdão que, na sequência de reclamação para a conferência, prevista no nº 2 do artigo 27º do CPTA, deduzida do despacho-saneador proferido pela Mmª Juiz titular do processo que julgando procedente a exceção de ilegitimidade passiva da entidade demandada a absolveu da instância, se limita a dizer que desatende os argumentos apresentados pela autora na reclamação apresentada, confirmando a decisão proferida pela juiz titular do processo, sem que motive o assim decidido nem aprecie a questão.
Aqui chegados, tem que conceder-se provimento ao recurso, considerando-se incorrer o acórdão recorrido na nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Deve, pois aquele acórdão ser anulado, baixando os autos ao Tribunal a quo para que a conferência (formação coletiva de juízes), deduzida que foi a reclamação prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA, aprecie a questão, segundo o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 652º do CPC novo, observando o disposto no 154º do CPC novo, todos ex vi do artigo 1º do CPTA.
O que se decide.


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2. Da questão de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento (de facto e de direito) – (conclusões IV a XXXI das alegações de recurso).
Em face do decidido supra, com anulação do acórdão recorrido, fica prejudicado o conhecimento da imputação de erro de julgamento. De que assim, nos abstemos de conhecer.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, anulando, pelos fundamentos expostos, a decisão recorrida, baixando os autos ao Tribunal a quo para que a conferência (formação coletiva de juízes), deduzida que foi a reclamação prevista no artigo 27º nº 2 do CPTA, aprecie a questão, se a tanto nada mais obstar.
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Custas nesta instância pelos recorridos - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 25 de Junho de 2015
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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)

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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela