Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06525/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXAME E DECISÃO DE DOIS RECURSOS.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
ARTº.19, Nº.4, DO C.I.V.A., NA REDACÇÃO DO DEC.LEI 31/2001, DE 8/2.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS DERROGAÇÕES AO PRINCÍPIO DO DIREITO À DEDUÇÃO DO I.V.A.
Sumário:1. Levando em consideração, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do recurso apresentado pelo recorrente (...), desde logo, por uma questão de prioridade temporal, apesar de entre os dois recursos não se estabelecer qualquer relação de subsidiariedade, visto terem por objecto partes distintas do dispositivo da decisão recorrida (cfr.artº.124, do C.P.P.Tributário).
2. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
3. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
4. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
5. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
6. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
7. O artº.19, nº.4, do C.I.V.A., na redacção do dec.lei 31/2001, de 8/2, consagrava limitações ao direito à dedução do I.V.A., ao impedir a dedução de imposto nos casos de inexistência ou desadequação da estrutura empresarial do fornecedor ou prestador à actividade desenvolvida, se não ocorrer o pagamento do imposto ao Estado. Exige a lei, para este efeito, que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto. Mais se dirá que o princípio da neutralidade do I.V.A. impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objectivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A., matéria cujo ónus da prova compete à A. Fiscal (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
8. As disposições que consagram derrogações ao princípio do direito à dedução do I.V.A., sistema que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restritiva.
9. O TJUE tem entendido que não é compatível com o regime do direito à dedução previsto na Directiva I.V.A. recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que a operação em causa fazia parte de uma fraude, ou que outra operação na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao I.V.A.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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1-O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.263 a 273 do presente processo e que julgou procedente a presente impugnação visando actos de liquidação adicional de I.V.A., relativos aos anos de 2003 e 2004 e respetivos juros compensatórios, tudo no montante global de € 90.834,40.
X

O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.281 a 287 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Tal como foi decidido na sentença recorrida, resulta do relatório de inspecção que os supostos emitentes das facturas em análise dos autos não detinham adequada estrutura empresarial susceptível de exercerem a respectiva actividade, a fim de permitir a dedução do IVA pelo impugnante, nem, tão pouco, exerciam, aqueles, qualquer actividade ligada à respectiva exploração ou comercialização dos produtos facturados e nessa medida foi declarado fundamentado o procedimento inerente à correcção da matéria colectável e às consequentes liquidações;
2-Uma adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada não poderá deixar de ser uma organização apta à prossecução da actividade desenvolvida pela empresa, nomeadamente, em termos de instalações, equipamentos, máquinas, recursos humanos e materiais, que lhe permitam desenvolver essa actividade;
3-Faltando todos esses requisitos nos responsáveis pela emissão das facturas e evidenciando o relatório inspectivo a existência de operações económicas simuladas, por não titularem negócios reais, já que, como aí ficou comprovado, o impugnante nunca realizou as transacções inerentes às mesmas facturas, fica fundamentada a aplicação do art. 19/4 do CIVA;
4-É verdade que esse dispositivo legal impõe o conhecimento do sujeito passivo da falta de adequada estrutura empresarial do emitente das facturas para fornecer a mercadoria nelas constantes e da sua intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, porém, sendo esses factos do foro psicológico, são por via disso, de impossível demonstração naturalística, devendo, por conseguinte, ser comprovados através de circunstâncias que convençam da sua realidade;
5-Face à prova colhida, à factualidade transcrita no relatório da inspecção e as regras da experiência o sobredito aspecto, tido como infundado na sentença recorrida, mostra-se sobejamente fundamentado em factos concretos e a sua afirmação não colide com outra solução diversa;
6- Ademais, a referência à falta de estrutura empresarial e de exercício de actividade ligada aos produtos constantes das facturas, serve de igual modo para fundamentar a simulação das operações económicas subjacentes às mesmas, prevista no art. 19/3 do CIVA, porquanto revela que os pretensos emitentes das facturas não podiam ser os fornecedores dos mesmos produtos;
7-Sendo que, é o próprio impugnante a reconhecer nos art. 8, 9, 10 e 16 da p.i. o seu conhecimento sobre a falta de estrutura dos 2 fornecedores;
8-Por fim, estando em causa a fundamentação formal, o essencial é que a motivação aduzida sobre o acto tributário se mostre apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, caso com a mesma não se conforme. Estando suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa;
9-Na situação em análise e neste particular, além desse conhecimento constar expressa e claramente no relatório inspectivo: "Para efeitos de IVA, o imposto deduzido tendo como suporte tais documentos, vai ser considerado como "indevidamente deduzido", nos termos do nº 4 do art. 19 do CIVA e, como tal, não entregue nos Cofres do Estado", e "Pelas irregularidades antes referidas (em sede de IVA) infringiu o disposto no nº 4 do art. 19 do CIVA, sendo punível nos termos do art. 103 do RGIT, uma vez que o sujeito passivo tinha conhecimento das infracções cometidas e mesmo assim não se absteve de as praticar", mostra-se, repete-se, substancialmente fundamentado, verificando daí uma contradição na sentença recorrida ao decidir de modo diferente com base nos mesmos factos;
10- Ao decidir como decidiu, o Mmº Juiz "a quo" fez, a nosso ver, errada interpretação e aplicação dos artigos 19, nº. 3 e 4 do CIVA (na redacção dada pelo DL 31/2001, de 8/2) e 77 da LGT, pelo que deve anular-se a sentença recorrida e substituída por outra que declare fundamentado o procedimento inspectivo e as liquidações adicionais. VOSSAS EXCELÊNCIAS, porém, melhor decidirão.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância deste primeiro recurso deduzido.
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2-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA também deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.263 a 273 do presente processo e que julgou procedente a presente impugnação visando actos de liquidação adicional de I.V.A., relativos aos anos de 2003 e 2004 e respetivos juros compensatórios, tudo no montante global de € 90.834,40.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.300 a 308 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Foi dado como provado pelo Tribunal a quo que os dois fornecedores identificados nos autos não tinham capacidade para desenvolver a actividade comercial evidenciada em compras de mercadorias (pinhas e cortiças), registadas pelo recorrido na sua contabilidade nos anos de 2003 e 2004;
2-Porém, reputou-se não ter a Administração Tributária demonstrado que o sujeito passivo inspeccionado conhecia a falta de adequada estrutura empresarial dos seus fornecedores, do que derivou o juízo de falta de fundamentação das conclusões da acção inspectiva e das liquidações adicionais de IVA que lhe foram sequentes;
3-Evidenciando assim um erro de julgamento quanto a factos salientes para suportar a decisão incidente sobre o pedido impugnatório do ora recorrido, pois provado pela Inspecção Tributária um maius (a inexistência da actividade empresarial ou comercial dos fornecedores), não é aceitável vir o Tribunal apontar falta de fundamento dum minus (o conhecimento do sujeito passivo da falta de adequada estrutura empresarial dos fornecedores);
4-Também resulta do relatório de inspecção e do probatório especificado, que só é mencionado o conhecimento que o sujeito passivo teria de que os seus fornecedores não dispunham de adequada estrutura empresarial no âmbito da identificação das infracções cometidas pelo inspeccionado, para os efeitos preconizados na al. j), do n.° 3 do art.° 62 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT);
5-Portanto, a concreta menção de "que o sujeito passivo tinha conhecimento das infracções cometidas", merecedora de particular destaque na apreciação feita no Tribunal Administrativo e Fiscal, não está conexionada com os "Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas" (ponto III do relatório), onde se indicam os motivos que vieram a determinar a desconsideração do IVA deduzido;
6-E defende-se que o "conhecimento" ali apontado pela Inspecção Tributária, atento o contexto em que é referido, se reporta tão-só ao que possuiria o agente da infracção quanto à natureza ilícita da sua conduta (a dedução indevida de IVA), e não o conhecimento da falta de estrutura empresarial dos seus fornecedores, como se aquilatou na decisão ora recorrida;
7-Incorreu o Tribunal a quo em erro de apreciação, ao dar uma parte da matéria factual como provada - a falta de adequada estrutura empresarial dos fornecedores do impugnante - a qual depois veio colocar em contradição lógica e em contravenção das regras da experiência comum, ao concluir que tal circunstancialismo não era do conhecimento do impugnante;
8- Ao invés, defende-se que os factos apurados no procedimento inspectivo e expressamente sancionados na sentença sindicada, deveriam suportar coerentemente a conclusão de que foi indevida a dedução do IVA efectuada pelo sujeito passivo;
9- De igual modo, acaba a sentença recorrida por dar corpo a um entendimento que se aparta, de modo extravagante, da doutrina e jurisprudência dominantes quanto à matéria do ónus probatório no exercício do direito à dedução do IVA;
10- Numa definição paradigmática, "quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art.º 82 n.º 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art.º 19 do CIVA" (Acórdão do STA - processo n° 26635, de 17/04/2002);
11-E no caso vertente, no confronto entre o direito à dedução do imposto suportado a montante pelo sujeito passivo de IVA (art.° 19 do Código do IVA), e o dever da Administração de controlar e, eventualmente, corrigir o exercício desse direito (artigos 76 e 82, n.° 1 e n.° 3 do mesmo diploma), veio a decisão ora sindicada propender para protecção do primeiro daqueles valores;
12- Afirmamos que o fez injustificadamente, porque reputa-se que nem os factos elencados na sentença permitem alcandorar de modo inequívoco tal conclusão, nem as normas legais definidoras do regime do IVA sustentam o juízo de bondade, com que se veio a ratificar o comportamento contra legem do recorrido;
13- Obedecendo aos comandos legais e no regular exercício da função inspectiva que lhe está cometida, tendo sido detectadas na contabilidade do impugnante facturas emitidas por dois fornecedores sem estrutura empresarial para a actividade comercial nelas evidenciada, e utilizadas para exercer indevidamente o direito à dedução do IVA nelas mencionado, não poderia a Administração Tributária deixar de adoptar o comportamento correctivo que adoptou;
14-Tudo razões que se reputam determinantes para a prolação dum juízo que determine a revogação da decisão aqui recorrida e, do mesmo passo, venha confirmar a valia dos actos tributários impugnados, desacertadamente anulados pelo Tribunal a quo;
15- Nestes termos e nos demais de Direito que o Insigne Tribunal entender por bem suprir, propugna a Representação da Fazenda Pública que seja dado provimento ao presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a guo e, desse modo, considerar improcedente a impugnação judicial interposta pelo ora recorrido, o Sr. João …………………….., com o que se fará a requestada Justiça!
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O impugnante e ora recorrido apresentou contra-alegações no âmbito da instância deste segundo recurso deduzido, nas quais pugna pela manutenção do julgado (cfr.fls.309 a 313 dos autos), terminando com as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença recorrida não incorre em qualquer vício que determine a sua revogação;
2- Esteve bem a douta sentença ao julgar procedente a impugnação com fundamento no vício de falta de fundamentação das liquidações de imposto impugnadas, porquanto a Administração Tributária não logrou alegar factos que permitissem demonstrar em que medida o impugnante tinha conhecimento da falta de estrutura empresarial dos transmitentes dos bens para exercer a actividade;
3- Atendendo à redação do artigo 19 n.º 4 do CIVA, à data dos factos subjacentes à impugnação (2003 e 2004), eram requisitos cumulativos do corte do direito à dedução do imposto a falta de estrutura empresarial dos transmitentes dos bens e o seu conhecimento pelo sujeito passivo;
4- Como se conclui na douta sentença, se é certo que, no que respeita à falta de estrutura empresarial o relatório de inspeção descreve corretamente, de forma clara e percetível o iter cognoscitivo para chegar a essa conclusão, já relativamente ao seu conhecimento pelo impugnante nada refere, limitando-se a presumir esse conhecimento;
5- É que, à data dos factos nem sequer era exigível ou possível ao sujeito passivo esse conhecimento, tendo em conta que as informações fiscais relativamente a sujeitos passivos terceiros estava-lhe vedada ao abrigo do sigilo fiscal;
6- O próprio autor do relatório de inspeção tributária referiu no seu depoimento que obteve informações sobre a situação fiscal dos transmitentes, através do sistema informático, que não era acessível ao ora impugnante ou a qualquer outro contribuinte;
7- Em face a todo o exposto, não estando o acto tributário impugnado devidamente fundamentado no que respeita aos requisitos legais que lhe permitem o corte do direito à dedução do imposto (através de correções), nos termos do artigo 19 n.° 4 do CIVA, incorreu em vício de falta de fundamentação, violando o disposto nos artigos 77. da LGT e 125 do CPA;
8- TERMOS EM QUE, com o suprimento de V/Ex.as Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida e a anulação das liquidações impugnadas. Assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA!
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.323 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.326 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.


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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.265 a 269 dos autos - numeração nossa):
1-Em cumprimento das ordens de serviço n°s …………….. e ………………, datadas de 21/1/2005 e 24/8/2005, a Administração Tributária procedeu à inspecção aos exercícios de 2003 e 2004, do sujeito passivo João……………………, no âmbito de IRS e IVA, em resultado da qual foi elaborado um relatório de fiscalização onde foram propostas correcções ao lucro tributável em matéria de IVA, nos termos constantes de fls.22 a 31 dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde se refere, designadamente, o seguinte:
"(...)

III-DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
- Em sede de IRS/IVA
Da análise efectuada detalhadamente aos documentos de suporte que serviram de base aos valores das "compras de mercadorias" contabilizadas e declaradas nos anos de 2003 e 2004 verificámos que, no seu aspecto formal, os mesmos se encontram devidamente registados e arquivados. Mais constatámos o seguinte: Nestes exercícios, o sujeito passivo contabilizou e declarou "compras" de cortiça em bruto pinhas. Da análise efectuada a tais aquisições, constata-se que são dois os seus principais fornecedores, atingindo montantes elevadíssimos tanto na base tributável como no imposto "suportado". Vejamos detalhadamente a situação de cada um deles:

1- JOSÉ …………………….. - nif ……………
(…)
Da consulta efectuada ao sistema informático da DGCI, verificámos que se trata de um sujeito passivo registado em sede de IRS - cat.ª B - pela actividade de "comércio a retalho em bancas (nas feiras e mercados) de vestuário, tecidos, calçado, malas e similares - CAE. 52622". Para efeitos de IVA, está enquadrado no Regime Especial dos Pequenos Retalhistas, previsto no art°. 60. ° do CIVA, desde 09.01.2003.
Numa declaração de início de actividade apresentada no Serviço de Finanças de Alpiarça em 20.08.2003, o sujeito passivo declarou no campo 40 - Observações: "Tem também a actividade 51563 - comércio de cortiça, pinhas e lenha".
Uma vez que o sujeito passivo já se encontrava registado, a declaração a apresentar deveria ter sido uma "declaração de alterações", motivo pelo qual esta declaração não produziu efeitos no cadastro (sistema informático) deste sujeito passivo. O sr. José………………. não apresentou qualquer declaração periódica de IVA ou declaração anual de rendimentos (IRS), até à data da elaboração da presente informação.
Em resultado das diligências efectuadas apenas conseguimos apurar, através de informações recolhidas junto de vizinhos deste sujeito passivo, que o mesmo reside em casa dos pais, não explora quaisquer propriedades donde possa ser extraída cortiça ou pinhas, tanto de arrendamento, como próprias, pois, segundo verifiquei através do sistema informático da DGCI, não possui inscritas em seu nome quaisquer prédios, tanto rústicos como urbanos. Segundo me foi informado, apenas possui uma viatura (ligeira), que não se encontra registada em seu nome, não dispondo, consequentemente, de adequadas estruturas empresariais susceptíveis de exercer a referida actividade (comércio por grosso de cortiça e/ou pinhas). Também apurei que não é do conhecimento de qualquer das pessoas vizinhas ou moradoras na localidade de Frade de Cima que este sujeito passivo comercialize cortiça ou pinhas. Ninguém o vê a exercer qualquer actividade, estranhando mesmo tal facto... Refira-se, aliás, que já em anterior acção de inspecção levada a efeito este sujeito passivo (José ………….) se constatou e apurou que o mesmo não é produtor de cortiça, contrariamente ao que foi feito constar de um contrato de compra e venda a que na altura tivemos acesso e que é referido na informação que se encontra arquivada no processo individual daquele sujeito passivo, elaborada na sequência da inspecção antes referida, na qual é descrita a situação concreta deste sujeito passivo no ano de 2003 em análise, situação essa que ainda se mantém nesta data, conforme informámos.

2- JOAQUIM ………………………… - nif ……………..
(...)
Da consulta efectuada ao sistema informático, verificámos se registou em sede de IRS - catª. B - pela actividade de "abate de gado (produção de carne)" CAE.015110, em 01.08.1990, tendo ficado enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral.
Declarou a cessação de actividade em 30.06.1996. Posteriormente a esta data não remeteu ao SIVA qualquer declaração periódica de IVA. A última declaração anual de rendimentos (mod.3 de IRS) apresentada nos Serviços respeita ao ano de 1989.
(...)
Resumindo e concluindo:
O sujeito passivo objecto desta inspecção não é produtor de cortiça (não possui terras próprias, nem de arrendamento) pelo que toda a cortiça vendida foi adquirida (ainda na árvore, por extrair, ou já extraída e empilhada ou não). Os factos antes referidos indiciam e evidenciam o procedimento adoptado pelo sujeito passivo para documentar a maior parte das aquisições de cortiça e pinhas, ou seja, a cortiça e as pinhas são adquiridas a vários proprietários (pequenos e médios) que lhes não emitem qualquer documento (por não os possuírem, ou por outros motivos). Desta forma, para suprir a sua falta, recorre aos sujeitos passivos referidos nos pontos 1 e 2 deste capítulo.
(…)
Em sede de IVA
Para efeitos de IVA, o imposto deduzido tendo como suporte tais documentos, vai ser considerado como "indevidamente deduzido" nos termos do n°. 4 do art°. 19°. do CIVA e, como tal, não entregue nos Cofres do Estado.
Assim.
Imposto (IVA) indevidamente deduzido e (consequentemente) não entregue nos Cofres do Estado.
“(…)
VII) - INFRACÇÕES VERIFICADAS
(…)
2) - Em sede de IVA
- Falta de entrega de imposto nos cofres do Estado - 2003 e 2004
De acordo com o informado no capitulo III desta informação, deduziu indevidamente o imposto suportado em facturas referentes à aquisição de cortiça e pinhas alegadamente efectuadas aos seus fornecedores José …………………………. e Joaquim ……………………, uma vez que os mesmos não dispõem de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a referida actividade, consequentemente, não entregou nos Cofres do Estado o imposto (IVA) nos montantes totais de € 26.608,55, no ano de 2003, e € 60.016,57, no ano de 2004.
(...)
Depois destas correcções, processaram-se as respectivas declarações periódicas (DCU) em conformidade.
Pelas irregularidades antes referidas (em sede de IVA) infringiu o disposto no n.º 4 do art°. 19.º do CIVA, sendo punível nos termos do artº.103 do RGIT, uma vez que o sujeito passivo tinha conhecimento das infracções cometidas e mesmo assim não se absteve de as praticar.
Pelas irregularidades detectadas e antes referidas, procedeu-se nesta data ao levantamento do respectivo auto de noticia.
(...)".
2-O impugnante foi notificado das liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, nos termos constantes de fls.11 a 21 dos autos em suporte de papel, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há outros factos a relevar para a decisão e a considerar, nomeadamente, como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
3-Nos anos de 2003 e 2004, o impugnante, João…………………………, com o n.i.f…………………, era sujeito passivo de I.V.A., enquadrado no regime normal e trimestral, mais não possuindo declarações periódicas em falta (cfr.cópia de relatório de inspecção junta a fls.22 a 31 dos presentes autos).

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação, devido a insuficiência de fundamentação no que se refere ao alegado conhecimento, por parte do sujeito passivo, da falta de estrutura empresarial dos seus fornecedores, vício que equivale a falta de fundamentação, em virtude do que anulou os actos tributários objecto do presente processo (cfr.nº.2 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Tendo em conta, segundo um prudente critério, a tutela mais eficaz dos interesses em presença no âmbito do presente processo, deve concluir-se pela necessidade de apreciação, em primeiro lugar, do recurso apresentado pelo recorrente Ministério Público, desde logo, por uma questão de prioridade temporal, apesar de entre os dois recursos não se estabelecer qualquer relação de subsidiariedade, visto ambos terem por objecto o dispositivo da decisão recorrida (cfr.artº.124, do C.P.P. Tributário).
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1-O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que resulta do relatório de inspecção que os supostos emitentes das facturas em análise nos autos não detinham adequada estrutura empresarial susceptível do exercício da respectiva actividade, a fim de permitir a dedução do I.V.A. pelo impugnante/recorrido, nem, tão pouco, exerciam, aqueles, qualquer actividade ligada à respectiva exploração ou comercialização dos produtos facturados e, nessa medida, foi declarado fundamentado o procedimento inerente à correcção da matéria colectável e às consequentes liquidações. Que faltando todos esses requisitos nos responsáveis pela emissão das facturas e evidenciando o relatório inspectivo a existência de operações económicas simuladas, fica fundamentada a aplicação do artº. 19, nº.4, do C.I.V.A. Que é verdade que este dispositivo legal impõe o conhecimento do sujeito passivo da falta de adequada estrutura empresarial do emitente das facturas para fornecer a mercadoria nelas constante e da sua intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, porém, sendo esses factos do foro psicológico, são por via disso, de impossível demonstração naturalística, devendo, por conseguinte, ser comprovados através de circunstâncias que convençam da sua realidade. Que na situação em análise, neste particular, esse conhecimento consta expressa e claramente no relatório inspectivo. Que a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação dos artºs.19, nºs.3 e 4, do C.I.V.A., e 77, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do recurso sofre de tal pecha.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, definindo os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al. g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr. Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág. 10 e seg.).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc. 7396/14; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.19, nºs.3 e 4, do C.I.V.A., na redacção em vigor nos anos de 2003 e 2004 (redacção do dec.lei 31/2001, de 8/2 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha o seguinte conteúdo:

ARTº.19
(Direito à dedução)
(...)
3 – Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
4 – Não poderá igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que, com conhecimento do sujeito passivo, o transmitente dos bens ou prestador dos serviços, com a intenção de não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, tenha declarado o exercício de uma actividade e não disponha de adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer.

(...)

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
Acresce que as disposições que consagram derrogações ao princípio do direito à dedução do I.V.A., sistema que garante a neutralidade deste imposto, são de interpretação restritiva (cfr.ac.TJCE de 8/01/2002, proc.C-409/99, Metropol; Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.251; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.61 e seg.).
O artº.19, nº.4, do C.I.V.A., na redacção do dec.lei 31/2001, de 8/2, consagrava limitações ao direito à dedução do I.V.A., ao impedir a dedução de imposto nos casos de inexistência ou desadequação da estrutura empresarial do fornecedor ou prestador à actividade desenvolvida, se não ocorrer o pagamento do imposto ao Estado. Exige a lei, para este efeito, que o sujeito passivo adquirente tenha conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto. Mais se dirá que o princípio da neutralidade do I.V.A. impõe a salvaguarda do direito à dedução quando inexistam elementos objectivos que demonstrem que o sujeito passivo sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa fraude ao I.V.A.
Neste âmbito, o TJUE tem entendido que não é compatível com o regime do direito à dedução previsto na Directiva I.V.A. recusar esse direito a um sujeito passivo que não sabia, não lhe sendo exigível que soubesse, que a operação em causa fazia parte de uma fraude, ou que outra operação na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo sujeito passivo, era constitutiva de uma fraude ao I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.242).
No caso "sub judice", conforme constatou o Tribunal "a quo", deve retirar-se, do exame da factualidade provada (cfr.nº.1 do probatório), que no relatório de inspecção não é explicitada a forma como se chegou à conclusão de que o impugnante tinha conhecimento das "infracções cometidas", ou seja, de que os seus fornecedores não dispunham de adequada estrutura empresarial.
Mas, adianta também este Tribunal, do probatório não pode, de todo, retirar-se o desfecho de que o impugnante e ora recorrido tinha conhecimento da intenção fraudatória dos fornecedores (José………………………… e Joaquim………………………), de não entrega nos cofres do Estado do imposto, conforme exigia a lei no examinado artº.19, nº.4, na redacção do dec.lei 31/2001, de 8/2.
E recorde-se que era a A. Fiscal que tinha o ónus da prova dos pressupostos das correcções em sede de regime de dedução de I.V.A. por si propostas e que fundamentaram as liquidações objecto do presente processo (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), assim não abalando a presunção de verdade e boa fé das declarações periódicas apresentadas pelo impugnante (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.).
Por último, sempre se dirá que a decisão recorrida não efectuou uma errada interpretação e aplicação dos artºs.19, nº.3 e 4, do C.I.V.A., e 77 da L.G.T. (devendo vincar-se que o nº.3, do artº.19, do C.I.V.A., não é objecto de apreciação por este Tribunal, visto que as liquidações impugnadas somente se basearam no nº.4 da mesma norma - cfr. nº. 1 do probatório).
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X

2-O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA aduz, em síntese, que foi dado como provado pelo Tribunal "a quo" que os dois fornecedores identificados nos autos não tinham capacidade para desenvolver a actividade comercial evidenciada em compras de mercadorias (pinhas e cortiças), registadas pelo recorrido na sua contabilidade nos anos de 2003 e 2004. Que se concluiu não ter a Administração Tributária demonstrado que o sujeito passivo inspeccionado conhecia a falta de adequada estrutura empresarial dos seus fornecedores, do que derivou o juízo de falta de fundamentação das conclusões da acção inspectiva e das liquidações adicionais de I.V.A. que lhe foram sequentes. Que tal conclusão evidencia um erro de julgamento quanto a factos salientes para suportar a decisão incidente sobre o pedido impugnatório do ora recorrido, visto que sendo provado pela Inspecção Tributária um "maius" (a inexistência da actividade empresarial ou comercial dos fornecedores), não é aceitável vir o Tribunal apontar a falta de fundamento dum "minus" (o conhecimento do sujeito passivo da falta de adequada estrutura empresarial dos fornecedores). Que os factos apurados no procedimento inspectivo e expressamente sancionados na sentença sindicada, deveriam suportar coerentemente a conclusão de que foi indevida a dedução do I.V.A. efectuada pelo sujeito passivo (cfr.conclusões 1 a 13 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Está, inelutavelmente, condenado ao insucesso o presente recurso, atenta a fundamentação constante do exame do recurso deduzido pelo Digno Magistrado do M. P., para onde se remete.
Assim é, porquanto, tal como em relação ao salvatério deduzido pelo M. P., a norma do artº.19, nº.4, do C.I.V.A., na redacção do dec.lei 31/2001, de 8/2, consagrava limitações ao direito à dedução do I.V.A., exigindo, para este efeito e além do mais, que o sujeito passivo adquirente tivesse conhecimento da intenção fraudatória do fornecedor, de não entrega nos cofres do Estado do imposto.
Do exame do probatório não pode, de todo, concluir-se que o impugnante e ora recorrido tinha conhecimento da intenção fraudatória dos fornecedores (José ……………………… e Joaquim ……………………….), pelo que, são ineficazes as conclusões do recurso sob apreciação.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido pela recorrente Fazenda Pública e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva do aresto.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a presente fundamentação.
X
Condena-se a Fazenda Pública em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 14 de Abril de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)