Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:484/12.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/17/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVISÃO OFICIOSA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO.
REVERSÃO. INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1) Entre os meios de reacção graciosa do revertido contra o acto tributário está o pedido de revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável.
2) Trata-se de um poder-dever da AT, impulsionado pelo contribuinte, neste caso, a revertida, tendo em vista o exercício do poder funcional da AT de revisão do acto tributário, com vista a corrigir as ilegalidades ou injustiças identificadas nos vários números do artigo 78.º da LGT.
3) O prazo de três anos a contar do acto tributário para a dedução do pedido de revisão oficiosa da matéria tributável, no caso de o pedido ser deduzido pela revertida, deve ser interpretado como tendo o seu início com a data da notificação ou da citação.
4) Perante liquidação oficiosa de IRC de 2006, se dos elementos coligidos nos autos resulta a inexistência de proveitos na esfera da sociedade devedora originária, a ocorrência do facto tributário não se comprova nos autos, o que implica a anulação do acto tributário, por erro nos pressupostos de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
T. C. do M. S. P. interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 142/148vº, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida, na qualidade de sócia gerente da sociedade “M., Lda”, contra o despacho que indeferiu o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IRC, do exercício 2006, no montante de € 1.515,51.
Nas alegações de recurso de fls.166/174, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1. A prova foi incorrectamente apreciada pelo Tribunal "a quo" pelo que a inerente subsunção dos factos no direito aplicável não foi correctamente efectuada pela douta decisão recorrida.
2. A douta decisão recorrida fez uma incorrecta aplicação da lei.
3. A correcta consideração dos factos e do direito aplicável deveria ter levado o Tribunal recorrido a concluir de forma diversa, levando à procedência da presente impugnação com a consequente anulação do acto tributário – liquidação.
4. O Tribunal recorrido ao ter dado como provado que:
a) Em data que não se consegue precisar mas com data limite de pagamento de 09/06/2008 foi efectuada uma liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2006, na qual foi apurado imposto em falta no montante de € 1.515,51 (cfr. docs juntos a fls. 78 a 81, frente e verso dos autos).
b) Em 13/06/2005 foi emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Benguela, um Certificado de Inscrição Consular, do qual consta que a impugnante reside no Lobito onde é Técnica de Recursos Humanos, sendo indicado que o certificado será válido até 12/06/2010 (Cfr. doc.junto a fls. 13 dos autos).
5. A douta decisão recorrida, em clara contradição com a decisão tomada quanto à matéria de facto, reconhece que a IMPUGNANTE SE ENCONTRAVA A RESIDIR FORA DO TERRITÓRIO NACIONAL (sic.) .(Cfr. alínea C da decisão, pág. 14, 3° parágrafo).
6. Assim deveria igualmente ter dado igualmente como provado que:
A Impugnante desde que se encontra a residir em Benguela (República de Angola) deslocou-se inúmeras vezes a Portugal onde permaneceu por curtos períodos de tempo - Cópia do seu passaporte - (Doc. 2 fls. 14 dos autos).
7. A sociedade devedora originária, no período compreendido de 2000 a 2006, entregou regularmente as declarações periódicas (trimestrais e anuais) relativas ao IVA e ao IRC, a saber:
- Declarações Anuais de IRC e IVA - 2000 a 2004;
- Declarações do IVA - Janeiro de 1999 a Junho de 2005.
(Docs. 7 a 12 junto de fls. 19 e seguintes dos autos).
8. As referidas declarações foram sempre entregues a "zeros".
9. As referidas declarações não manifestavam qualquer actividade porquanto no período referido foram sempre entregues a "zeros".
10. A douta decisão recorrida considera erradamente que a referida norma do art.78° nº4 da LGT não se aplica neste caso porque a Impugnante teve um comportamento negligente ao não ter procedido à entrega das declarações de rendimentos. Apreciação que nega uma realidade de facto - a Impugnante encontrava-se a residir desde 2005 em Angola, logo, estava impossibilitada de o fazer.
11. Este entendimento, de que a mera indicação nominal da Impugnante como gerente é garantia da sua responsabilidade, não desfruta de sustentação junto dos Tribunais Superiores.
12. A douta decisão recorrida não avaliou e valorou da mesma forma o comportamento da Fazenda Pública que apesar de durante anos ter recebido as declarações "a zeros", indiciadoras portanto da inexistência de qualquer actividade por parte da sociedade, ter aproveitado a interrupção dessa entrega ao fim de cerca de 6 anos (recorde-se sem actividade), para começar a emitir as declarações oficiosas à revelia do entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
13. A douta decisão recorrida igualmente não considerou que a validade e o fundamento das liquidações oficiosas dependem da existência de actividade e da consequente obtenção de rendimentos.
14. A sociedade nunca teve qualquer actividade desde a sua constituição até à sua dissolução administrativa em 18.02.2010.
15. Pelo que o pretenso "comportamento negligente da Impugnante", para além de não se ter verificado, seria sempre irrelevante neste caso em face da inexistência de actividade por parte da sociedade;
16. O entendimento de que a inércia do outro gerente afecta ou abrange ou qualifica o comportamento da própria Impugnante viola o princípio da legalidade tributária e a norma do art.22° da LGT.
17. Uma vez que nem o próprio exercício da gerência se presume.
18. A douta decisão recorrida faz uma incorrecta interpretação da referida norma do art.78°, nº 4 da LGT, ao considerar precludido o prazo de 3 anos referido nesta norma.
19. De facto, tendo o acto - liquidação sido praticado em 2008, o prazo de 3 anos referido naquela norma iniciou-se no dia 1 de Janeiro do ano seguinte, ou seja, 1 de Janeiro de 2009 e terminou no dia 31 de Janeiro de 2011.
20. Tendo o pedido de revisão do acto tributário sido apresentado em Julho de 2011, foi tempestivamente apresentado por ter sido praticado nos três anos posteriores ao acto tributário (2008).
21. Pelo que a douta decisão recorrida deveria ter considerado procedente a presente impugnação.
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Não há registo de contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 187) no qual se pronuncia no sentido da recusa do provimento do presente recurso jurisdicional.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
Com vista a dirimir as excepções dilatórias do erro na forma do processo da extemporaneidade da acção, a sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 07/06/2007, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3697200701…., que corre termos no Serviço de Finanças de Seixal 2ª por dívidas da sociedade por quotas sob a firma M. – C. de M. de O. T., Lda. referente a IVA de 2005 no montante de €748,20 (cfr. doc. junto a fls. 2 do processo executivo junto aos autos);
2. Ao processo executivo identificado no ponto anterior foram apensos os processos executivos nº369720080100…., 369720080114…. e 369720090108…., referentes a IVA de 2006 e 2007 e IRC de 2006, ficando o processo a valer por € 5.256,51 (cfr. doc. junto a fls. 10 do processo executivo junto aos autos);
3. Em 03/09/2009 a Impugnante tinha a sua residência na P. H. M., nº.., A., C. da C. (cfr. doc. junto a fls. 137 e 138 do processo executivo junto aos autos);
4. Em 09/10/2009 foi publicado anuncio comunicando aos credores que a sociedade M. – C. de M. de O. T., Lda. se encontra em procedimento administrativo de dissolução e liquidação (cfr. doc. junto a fls. 63 dos autos);
5. Em 18/02/2010 foi dissolvida a sociedade M. – C. de M. de O. T., Lda. tendo tido como seus gerentes a Impugnante e R. J. O. S. (cfr. doc. junto a fls. 6 do processo executivo junto aos autos);
6. Por despacho de 02/03/2010 foi determinado ouvir a Impugnante sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas identificada nos dois pontos anteriores (cfr. doc. junto a fls. 9 do processo executivo junto aos autos);
7. Por ofício de 02/03/2010, registado, foi remetida cópia do despacho identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 13 e 14 do processo executivo junto aos autos);
8. Por despacho de 26/03/2010 foram revertidas as dívidas identificadas nos pontos 1 e 2 deste probatório contra a impugnante (cfr. doc. junto a fls. 15 e 16 do processo executivo junto aos autos);
9. Em 26/03/2010 por ofício registado com aviso de recepção, foi remetida à Impugnante, para a morada P. H. M., nº.. – A., C. da C., a citação no âmbito dos processos identificados nos pontos 1 e 2 do probatório (cfr. docs. juntos a fls. 25 a 27 do processo executivo junto aos autos);
10. O ofício identificado no ponto anterior veio devolvido com menção “Objecto não reclamado” (cfr. doc. junto a fls. 26, verso, do processo executivo junto aos autos);
11. Por ofício de 17/05/2010 foi remetida carta precatória para o Serviço de Finanças de Almada 3ª no sentido de proceder à citação da Impugnante (cfr. doc. junto a fls. 39 a 41 do processo executivo junto aos autos);
12. Em 25/05/2010 foi tentada a citação pessoal da Impugnante (cfr. doc. junto a fls. 40 do processo executivo junto aos autos);
13. A tentativa identificada no ponto anterior foi frustrada, pelo que foi deixado aviso marcando hora certa para o dia 02/06/2010 (cfr. doc. junto a fls. 40 do processo executivo junto aos autos);
14. No dia 02/06/2010 verificou-se que ninguém se encontrava na morada, pelo que foi lavrada certidão e afixado aviso de citação (cfr. doc. junto a fls. 40 do processo executivo junto aos autos);
15. Em 04/06/2010 foi remetido ofício de citação com indicação de que foi deixado aviso de citação no dia 02/06/2010 (cfr. doc. junto a fls. 41 e 42 do processo executivo junto aos autos);
16. Por ofício registado com aviso de recepção, datado de 03/11/2010, foi remetida à Impugnante notificação da penhora efectuada sobre a fracção autónoma designada pela letra “..”, do artigo matricial nº 1…, da freguesia da Amora (cfr. doc. junto a fls. 51 do processo executivo junto aos autos);
17. O ofício identificado no ponto anterior veio devolvido com a indicação de “objecto não reclamado” (cfr. doc. junto a fls. 52 e 53 do processo executivo junto aos autos);
18. Por ofício registado com aviso de recepção, datado de 09/12/2010, foi remetida à Impugnante notificação da penhora efectuada sobre a fracção autónoma designada pela letra “..”, do artigo matricial nº1…, da freguesia da Amora (cfr. doc. junto a fls. 63 do processo executivo junto aos autos);
19. O ofício identificado no ponto anterior veio devolvido com a indicação de “objecto não reclamado” (cfr. doc. junto a fls. 64 e 65 do processo executivo junto aos autos);
20. Em 14/12/2010 foi remetido ao Serviço de Finanças de Almada 3ª ofício solicitando que este procedesse à notificação da Impugnante da penhora efectuada (cfr. doc. junto a fls. 70 do processo executivo junto aos autos);
21. O ofício identificado no ponto anterior veio devolvido com a indicação de “objecto não reclamado” (cfr. doc. junto a fls. 52 e 53 do processo executivo junto aos autos);
22. Em 19/04/2011 foi tentada a notificação pessoal da Impugnante (cfr. doc. junto a fls. 71 do processo executivo junto aos autos);
23. A tentativa identificada no ponto anterior foi frustrada, pelo que foi deixado aviso marcando hora certa para o dia 20/04/2011 (cfr. doc. junto a fls. 71 do processo executivo junto aos autos);
24. No dia 20/04/2011 verificou-se que ninguém se encontrava na morada, pelo que foi lavrada certidão e afixado aviso de citação (cfr. doc. junto a fls. 71 do processo executivo junto aos autos);
25. Em 21/04/2011 foi remetido ofício de citação com indicação de que foi deixado aviso de citação no dia 20/04/2011 (cfr. doc. junto a fls. 72 e 73 do processo executivo junto aos autos);
26. Em 09/11/2011 a Impugnante dirige uma reclamação ao Chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2ª, invocando a sua não gerência de facto e indicando uma nova morada (cfr. doc. junto a fls. 74 a 131 do processo executivo junto aos autos);
27. Em 15/06/2011 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças indeferindo a reclamação identificada no ponto anterior por considerar que a reclamação não é o meio processual adequado a reagir contra a reversão (cfr. doc. junto a fls. 132 a 134 do processo executivo junto aos autos);
28. Por ofício registado com aviso de recepção, datado de 15/06/2011, foi remetido ao Mandatário da Impugnante notificação do despacho identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls.136 a 139 do processo junto aos autos);
29. Em 06/07/2011 a Impugnante dirige ao Director de Finanças de Setúbal um pedido de revisão oficiosa das liquidações de IVA de 2005 a 2007 e IRC de 2006 (cfr. doc. junto a fls. 145 e segs. do processo executivo junto aos autos);
30. Em 13/07/2011 o Chefe do Serviço de Finanças profere despacho ordenando a remessa do pedido ao Director da Justiça Tributária de Setúbal, afirmando também que este não é o meio processual adequado (cfr. doc. junto a fls. 200, frente e verso, do processo executivo junto aos autos);
31. É remetido ofício à Impugnante, para a nova morada indicada nas reclamações, que vem devolvido com indicação de “Objecto Não reclamado” notificando do despacho identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 202 e documentos agrafados do processo executivo junto aos autos);
32. É remetido ofício ao Mandatário notificando-o do despacho identificado no ponto 30 (cfr. doc. junto a fls. 203 e documentos agrafados do processo executivo junto aos autos);
33. Por despacho de 24/01/2012 da Directora de Serviços do IRC foi indeferido o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Impugnante (cfr. doc. junto a fls. 208 a 214, frente e verso, do processo executivo junto aos autos); do processo executivo junto aos autos);
34. Por ofício de 15/02/2012 foi o Mandatário da Impugnante notificado do despacho identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 243 e documentos agrafados);
35. A p.i. que dá origem aos presentes autos deu entrada no serviço de finanças em 14/05/2012 (cfr. manuscrito no canto superior esquerdo da p.i.).
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Com vista a apreciar do mérito do pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto tributário, bem com do pedido de anulação da liquidação oficiosa de IRC de 2006, o tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
I. Em data que não se consegue precisar mas com data limite de pagamento de 09/06/2008 foi efectuada uma liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2006, na qual foi apurado imposto em falta no montante de € 1.515,51 (cfr. docs juntos a fls. 78 a 81, frente e verso dos autos);
II. Em 13/06/2005 foi emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Benguela, um Certificado de Inscrição Consular, do qual consta que a impugnante reside no Lobito onde é Técnica de recursos humanos, sendo indicado que o certificado será válido até 12/06/2010 (cfr. doc. junto a fls. 13 dos autos).
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Em sede de «FACTOS NÃO PROVADOS» consignou-se:
«Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.».
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Em sede de «MOTIVAÇÃO DE FACTO» consignou-se:
«A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, quer os identificados aquando da apreciação da questão prévia da intempestividade quer os acima identificados».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
III. Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2001, consta o resultado negativo de €130.70 – fls. 20/23.
IV. Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2002, consta o resultado negativo de €426.88 – fls. 24/28.
V. Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2003, consta o resultado do exercício de €00,00 – fls. 31/33.
VI. Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2004, consta o resultado do exercício de €00,00 – fls. 34/36.
VII. Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 01.01.2005, consta saldo devedor de €426,88 – fls. 80 do p.a.2.
VIII. Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 31.12.2005, consta saldo devedor de €426,88 – fls. 81 do p.a.2.
IX. Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 31.12.2006, consta saldo devedor de €426,88 – fls. 82 do p.a.2.
X. Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 01.01.2007, consta saldo devedor de €426,88 – fls. 83 do p.a.2.
XI. Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 31.12.2007, consta saldo devedor de €426,88 – fls. 84 do p.a.2.
XII. A liquidação de IRC de 2006, referida em i), foi elabora na sequência da falta de apresentação da declaração modelo 22 relativa ao exercício em causa – fls. 13 do p.a.2.
X
2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 142/148vº, que julgou improcedente a impugnação deduzida por T. C. do M. S. P., na qualidade de sócia gerente da sociedade “M., Lda”, contra o despacho que indeferiu o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IRC, do exercício 2006, no montante de € 1.515,51 e acrescido.
A sentença decidiu não conhecer dos fundamentos invocados na petição inicial próprios da oposição à execução fiscal, julgou improcedente a excepção dilatória da intempestividade da impugnação, julgando a mesma improcedente.
2.2.2. Para julgar improcedente a impugnação, a sentença estruturou a argumentação seguinte:
«Comecemos pela possibilidade que a AT possui, ao abrigo do disposto do nº 4 do [artigo 78.º da LGT], de excepcionalmente rever o ato, com fundamento em injustiça grave ou notória.
Desde logo, um dos primeiros requisitos para essa revisão possa ter lugar é a inexistência dum comportamento negligente do contribuinte.
Ora, as liquidações oficiosas de impostos apenas surgem quando os contribuintes não procedem à entrega das declarações de rendimentos a que se encontram obrigados legalmente.
Assim sendo, dificilmente se poderá afirmar que a liquidação oficiosa poderia ser revista com base neste fundamento.
Mais a Impugnante não era a única gerente da sociedade pelo que mesmo considerando que a Impugnante se encontrava a residir fora do território Nacional, a verdade é que o outro gerente sempre poderia ter procedido à entrega da declaração modelo 22 de IRC para o exercício de 2006. Acresce ainda que a liquidação em causa nos autos ocorreu em 2008 (embora não se conheça a sua data concreta, tomamos como referência a data do termo do prazo de pagamento), pelo que apenas tendo a AT 3 anos para proceder à revisão e tendo o pedido sido apresentado em Julho de 2011, há muito que se encontrava decorrido o prazo de três anos».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença sob recurso erro de julgamento, porquanto o acto de indeferimento do pedido de revisão, com base na sua extemporaneidade, incorreu em erro na aplicação do disposto no artigo 78.º/4, da LGT, devendo, por isso ser anulado.
Vejamos.
Determina o artigo 78.º/4, da LGT, que «[o] dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave e notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
Estatui, por seu turno, o n.º 5 do preceito o seguinte: «[p]ara efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
Recorde-se «que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei» (1)

Mais se refere que no caso de erro imputável a comportamento negligente do contribuinte, «não pode operar a revisão extraordinária da matéria tributável (…), uma vez que nesse caso não se verifica em bom rigor uma situação de injustiça grave ou notória e, por outro lado, colidiria com o princípio da colaboração que também impende sobre o próprio contribuinte (artigos 59.º da LGT, 9.º do RCPIT e 60.º, n.º 2, do CPA). Será por exemplo o caso em que não seja apresentada declaração de rendimentos pelo próprio contribuinte» (2)

Sem embargo, no caso em exame, o pedido de revisão oficiosa da liquidação é efectuado pela revertida/recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4, da LGT. Nos termos do preceito citado, «[a]s pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».
Não é passível de dúvida que entre os meios de reacção graciosa do revertido contra o acto tributário está o pedido de revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável, instituído pelo preceito do artigo 78.º da LGT. Trata-se de um poder-dever da AT, impulsionado pelo contribuinte, neste caso, a revertida, tendo em vista o exercício do poder funcional da AT de revisão do acto tributário, com vista a corrigir as ilegalidades ou injustiças identificadas nos vários números do artigo 78.º da LGT.
Também não é passível de dúvida que, estando previsto no n.º 4 do arrigo 78.º da LGT, o prazo de três anos a contar do acto tributário para a dedução do pedido de revisão oficiosa da matéria tributável, tal prazo, no caso de o pedido se deduzido pela revertida, como sucede no presente, deve ser interpretado como tendo o seu início com a data da notificação ou da citação a que se refere o disposto no artigo 22.º, n.º 4, da LGT, sob pena de sair defraudado o acesso à tutela graciosa e contenciosa efectiva da revertida.
No caso, a citação da revertida para os termos da execução ocorreu em 20.04.2011, e o pedido de revisão em causa nos autos deu entrada nos serviços da recorrida, em 06.07.2011, pelo que o pedido de revisão da matéria tributável em apreço mostra-se tempestivo.
Ainda assim, dir-se-á que o prazo de três anos não pode beneficiar a reclamante/revertida, porquanto o eventual erro de que enferma a liquidação sob escrutínio se deve a comportamento negligente do contribuinte, o qual consistiria na omissão do dever de apresentação da declaração modelo 22 por parte da sociedade devedora originária.
Sem embargo, a omissão do dever declarativo em causa imputável à devedora originária não pode ser invocado como fundamento para obstar à sindicância graciosa, e, se necessário, contenciosa, da legalidade da liquidação em causa, por parte do sujeito passivo, de segunda linha, como sucede com a responsável subsidiária, ora impugnante/recorrente, sob pena de denegação da tutela judicial efectiva da mesma perante os actos de liquidação ilegais. Mais se refere que a falta de apresentação da declaração modelo 22 do exercício de 2006 não se deve a conduta imputável à recorrente, dado que a mesma encontra-se a residir no estrangeiro desde 13/06/2005 (3)

Por conseguinte, o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da matéria tributável em causa nos autos enferma do vício de violação de lei, pelo que o mesmo tem de ser anulado, com este fundamento.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que anule o acto de recusa do pedido de revisão oficiosa da matéria tributável em apreço e aprecie os demais fundamentos da impugnação.
Havendo elementos nos autos e uma vez observado o contraditório, impõe-se conhecer dos demais fundamentos da impugnação.
Apesar de ambas as partes terem sido notificadas para o efeito (fls. 197/198), apenas a recorrente proferiu alegações complementares, reiterando a posição já vertida nos autos (fls. 200/207).
2.2.4. Está em causa nos autos a liquidação oficiosa de IRC de 2006, identificada na alínea i), do probatório, emitida ao abrigo do disposto no artigo 83.º/1/b) e c), do CIRC.
A recorrente censura a liquidação em exame, porquanto a mesma incorreu em erro nos pressupostos de facto, dado que a sociedade devedora originária mostra-se inactiva, com saldos contabilísticos nulos, acabando por ser dissolvida.
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2001, consta o resultado negativo de €130.70.
ii) Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2002, consta o resultado negativo de €426.88.
iii) Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2003, consta o resultado do exercício de €00,00.
iv) Da declaração modelo 22 da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, 2004, consta o resultado do exercício de €00,00.
v) Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 01.01.2005, consta saldo devedor de €426,88.
vi) Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 31.12.2005, consta saldo devedor de €426,88.
vii) Do Balanço analítico da sociedade “M. – C. de M. de O. T., Lda.”, em 31.12.2006, consta saldo devedor de €426,88.
viii) Em 09/10/2009 foi publicado anúncio comunicando aos credores que a sociedade M. – C. de M. de O. T., Lda. se encontra em procedimento administrativo de dissolução e liquidação.
ix) Em 18/02/2010 foi dissolvida a sociedade M. – C. de M. de O. T., Lda. tendo tido como seus gerentes a Impugnante e R. J. O. S.
Recorde-se que a liquidação foi emitida ao abrigo do disposto no artigo 83.º/1/b), do CIRC. Nos termos do preceito citado, «[n]a falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o montante mínimo previsto no n.º 4 do artigo 53.º ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada». Nos termos do artigo 83.º/1/c), do CIRC, «[n]a falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha».
No caso em exame, a AT, perante a inércia declarativa do contribuinte, emitiu a liquidação oficiosa do exercício, tendo por base o disposto no normativo citado.
A impugnante invoca contudo a inexistência de actividade o que acarreta a inexistência de matéria tributável no exercício em causa.
A este propósito, não sofre dúvida que «[i]ndependentemente do direito de a Administração Tributária lançar mão do disposto no artigo 83º, nº1, al. b) do CIRC e, nesse caso, perante a falta de apresentação de declaração de rendimentos, liquidar imposto com base na matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, a verdade é que essa pretensão não pode sobrepor-se à constatação, resultante de acção de fiscalização (prévia) desencadeada para o efeito, do facto de aí se ter fixado o lucro tributável em zero e, bem assim, de aí a Administração se ter abstido de efectuar qualquer correcção à matéria colectável» (4)

Por outras palavras, «[n]ão dispondo de elementos que permitam uma maior aproximação à situação real do contribuinte, em nome do princípio da igualdade tributária que se impõe pelo respeito devido aos contribuinte cumpridores, a administração tributária não deixará de produzir uma liquidação oficiosa, justificada também pelo princípio da verdade material. (…) Mas se o fisco dispõe de elementos que permitam uma configuração mais aproximada da realidade tributária do sujeito passivo, então torna-se mister que os mesmos sirvam de base à avaliação da matéria colectável» (5)

No caso, resulta do probatório a inactividade da sociedade devedora originária no exercício em causa, pelo que existem fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário, as quais não foram superadas pela administração tributária, pelo que o acto de liquidação adicional deve ser anulado com este fundamento (artigo 100.º/1 do CPPT). Ou seja, resulta dos elementos coligidos nos autos a inexistência de proveitos na esfera da sociedade devedora originária, pelo que a ocorrência do facto tributário não se comprova nos autos, o que implica a anulação do acto tributário, por erro nos pressupostos de facto.
Termos em que se impõe julgar procedente a presente imputação.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação da liquidação adicional impugnada.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)



(1ª. Adjunta – Cristina Flora)



(2ª. Adjunta – Ana Pinhol)

1) Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 887/11.1BELRA.

2) Paulo Marques, A revisão do acto tributário, Cadernos IDEFF, n.º 19, Almedina, 2015, p. 277.

3) Ponto II do probatório

4) Acórdão do TCAN, de 09.02.2012, P. 0175/05.2.BEPRT

5) Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, Problemas Actuais, AAFDL, 2017, pp. 147/148