Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:796/12.7BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO;
ATRASO NA JUSTIÇA;
DANO;
QUESTÃO NOVA;
HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
Sumário:
i) Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

ii) A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).

iii) A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado, é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.

iv) Não tendo a A alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respectiva.

v) A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exacto, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

A ………..……………………………, LDA intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada acção administrativa comum, na forma ordinária, contra o Estado Português, na qual pede que este seja condenado no pagamento global da quantia de EUR 177.167,77, a título de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, pelos prejuízos que alega ter sofrido em virtude da violação do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável no processo expropriativo que correu termos no então Tribunal Judicial do Montijo. Sendo EUR 169.667,77, referentes aos danos derivados da delonga no processo – perda de rendimento comercial e financeiro - acrescidos de juros de mora a contar da data da citação, até integral ressarcimento, bem como da condenação do Réu ao pagamento de “pelo menos €7.500,00 por despesas e honorários de advogado, suportados pelo maior e ilícito atraso no recebimento das indemnizações expropriativas”.

Mais peticionou a condenação do R. no pagamento do montante que se liquidar no decurso destes autos por honorários e despesas relacionadas com esta mesma acção.

Subsidiariamente pediu, para o caso do R. não proceder ao pagamento dos juros, a condenação deste no pagamento de juros capitalizados, nos termos do artigo 560, nºs 1 e 2 do Código Civil.

Em 6.04.2017 foi proferida sentença, na qual se julgou a acção improcedente e, em consequência, foi o Estado Português absolvido do pedido.

Inconformada com a sentença veio a Autora recorrer para este Tribunal Central Administrativo, extraindo-se da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1ª. O agente causador do atraso na definição e pagamento da justa indemnização é o Estado-Juiz pelo que o regime há de ser o mesmo (fosse a entidade expropriante), ainda que não por força do artigo 71º C. Expropriações 99, MAS da regra da sua responsabilização civil atento o artigo 12º do RRCEE e artigo 6º CEDH.

2ª. Pelo não cumprimento atempado, ou no prazo contratado ou no prazo que a lei determine, tratando-se de obrigação proveniente de uma fonte legal, o dano ressacível é estabelecido pelo artigo 806º,nº 1 do C.C., de um modo forftário, como o valor dos juros à taxa legal.

3ª. A função-prestação que compete ao Estado-Juiz no processo judicial de expropriação, em causa nos presente autos, consiste em realizar o fim que o artigo 1º. do C. Expropriações enuncia:

a)Definir a justa compensação pela privação de um património;

b)Determinar o seu efectivo pagamento “contemporâneo” (na letra da Lei), àquele acto ablativo de um Direito Constitucionalmente garantido;

4ª. Assim, a obrigação em causa tem por objecto e realidade mediata prestar uma efectiva prestação pecuniária, justa e atempada, ao expropriado, e o seu retardamento para além do prazo razoável deve aferir-se pelo juros ressarcitários do artigo 806º C.C..

5ª. Atenta a matéria de facto provada, verifica-se que o Estado, pela deficiente administração da Justiça dos seus deveres/poderes violou, ilícita e culposa, o prazo para uma decisão em prazo razoável e assim retardou o recebimento ao então expropriado, ora Recorrente.

6ª. Que o acto de pagamento é uma obrigação pecuniária, após o depósito pela entidade expropriante, e é um acto jurisdicional da responsabilidade exclusiva do Tribunal.

7ª. Este comportamento pela parte do Estado-Juiz ou Estado-Tribunal configura ilicitude objectiva – conforme supra vertido e à luz do artigo 7º da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro.

8ª. Com efeito, a tramitação de um procedimento de expropriação, de acordo com os prazos legais estipulados e que a própria DUP classificou de urgente, determina que a fixação e pagamento da justa indemnização deveria ter ocorrido, no prazo máximo, até 15-07-2011 e pago ao ora Recorrente em 17.11.2014.

9ª. Os danos ressarcíveis à A. ora Recorrente, são, pelo menos, os forftariamente abrangidos pela taxa de juros legais do artigo 806 nº. 1 C.C., bem como as despesas acrescidas derivadas daquele atraso por aplicação de um juízo de equidade, com o Advogado, conforme artigo 563º C.C., como, aliás resulta claro pelo supra vertido, é normal, notório e próprio nestas circunstâncias, pois teve e tem de fazer-se representar legalmente por Advogado, presumindo-se que este mandato é oneroso (artigo 1158 nº. 1 e 2 C.C) e que tem a seu favor presunção legal e assim dispensado de prova, conforme resulta do artigo 350º CC.

10ª. O disposto no artigo 6º do CEDH, quanto a prazo razoável, e louve-se, tal como vem sendo densificado pela jurisprudência do TEDH e jurisprudência nacional determinam de forma clara e absoluta a matéria ora vertida e que a Sentença do Tribunal a quo bem aplica.

11ª. Daí e à luz do artigo 6º CEDH, o TEDH tem entendido a responsabilidade civil em causa, ocorrendo numa relação processual tipificada em direitos e deveres do Estado-Juiz / partes processuais, é obrigacional e não aquilina.

12ª. Devendo considerar-se que não esgota a função de Administração da Justiça do Estado-Juiz o acto de pagamento e que esta, necessariamente é uma prestação pecuniária, “goza” a A. ora Recorrente da presunção iuris et de iure do artigo 806º C.C. pelo que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil.

13ª. Pelo que deverá a Douta Sentença, nesta parte, porque contrária aos princípios constitucionais, da jurisprudência do TEDH e Tribunais Superiores Nacionais, da CEDH e lei ordinária, ser revogada, dando-se provados os requisitos da responsabilidade civil do Estado.

14ª. Impõe-se a condenação do R. nos termos peticionados, ou seja, calculando a indemnização peticionada desde o momento em que a obrigação pecuniária, não fosse a ilícita e culposa actuação do R. Estado, estaria definida, entenda-se Julho de 2001;

15ª. Assim não considerando o supra mencionado, condenar o R. Estado ao pagamento de uma indemnização calculada nos termos do artigo 806º. C.C., pelo menos desde 15-07-2011até à data de efectivo recebimento acrescido de juros moratórios desde a citação do R. Estado e até efectivo e integral pagamento.

16º Atribuir à ora Recorrente a título de danos não patrimoniais por aplicação da equidade nos termos do artigo 496º nº. 3 e 494º C.C. valor condigno atenta a violação do prazo razoável, no sentido que tem sido definido pela jurisprudência do TEDH.

TERMOS NOS QUAIS E, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DESTE VENERANDO TRIBUNAL, DEVE PROFERIR-SE ACÓRDÃO QUE REVOGUE A PARTE DA SENTENÇA RECORRIDA, APLICANDO AOS FACTOS O DIREITO QUE A A. ORA RECORRENTE ALEGA E, ASSIM, A FINAL CONDENANDO O R. ESTADO AO PAGAMENTO DA IMPORTÂNCIA DE:

A)169.667,77 € ACRESCIDOS DE JUROS VINCENDOS DESDE A DATA DA CITAÇÃO À TAXA LEGAL.

B) EM ALTERNATIVA O PAGAMENTO DA IMPORTÂNCIA DE 58.923,34 € CÁCULADOS DE ACORDO COM O ARTIGO 806º C.C. E REFERENTE DESDE A DATA DO DEPÓSITO E EFECTIVO RECEBIMENTO PELO EXPROPRIADO DO VALOR EXPROPRIATIVO, ACRESCIDOS DE JUROS VINCENDOS DESDE A DATA DA CITAÇÃO À TAXA LEGAL E ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.

C)PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO EQUITATIVA POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS CONSEQUÊNCIA NECESSÁRIA DA VILOÇÃO ILÍCITA E CULPOSA POR VIOLAÇÃO DE DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS FIRMADOS NA JURISPRUDÊNCIA DO TEDH.

D) HONORÁRIOS DE ADVOGADO EQUITATIVAMENTE AJUIZADOS POR DESPESAS E HONORÁRIOS SUPORTADOS PELO MAIOR E ILÍCITO ATRASO NO RECEBIMENTO DAS INDEMNIZAÇÕES EXPROPRIATIVAS QUE SE PETICIONA NO MÍNIMO NO VALOR DE 7.500,00€.

E) HONORÁRIOS DE ADVOGADO COM ESTA MESMA ACÇÃO QUE VENHAM A LIQUIDAR-SE NO SEU DECURSO POIS QUE O SEU MANDATÁRIO AINDA NADA RECEBEU.

O Réu, Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações onde concluiu do modo que se segue:

A - A recorrente ……………………….., Lda não se conformando com a sentença de 6.04.2017 deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, veio interpor recurso da mesma.

B - Defende que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 71º do Código das Expropriações de 99, nos artigos 7º e 12º do RRCEE, no artigo 806, nº1do Código Civil e no artigo 6º da CEDH.

C- A matéria factual em apreciação, tal como foi configurada pela autora, encontra-se abrangida na responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional e está directamente relacionada com o direito a obter uma decisão em prazo razoável - artigo 20º nº 4 da CRP, artigo 6º CEDH e artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, prendendo-se com o atraso verificado na tramitação da fase judicial de processo de expropriação.

D - A obrigação de garantir uma decisão em prazo razoável por parte do Estado Português, não se constitui como obrigação pecuniária, pelo que não tem aplicação a norma do artigo 806º nº1do Código Civil.

E - Ora, não sendo a norma do artigo 806º do Código Civil aplicável à situação dos autos e não beneficiando a autora de qualquer presunção quanto ao dano, recaía sobre a mesma o ónus de alegar e provar que o atraso na decisão judicial lhe causou danos.

F - Assim, a autora não logrou provar, como era seu ónus, em que medida é que a demora no processo de expropriação em causa nos autos, lhe causou danos.

G - Os honorários de advogado não configuram dano indemnizável, uma vez que integram as custas de parte - artigo 26º do Regulamento das Custas Judiciais.

H- Uma vez que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português são de verificação cumulativa, faltando o dano e o nexo causal, a acção tem de soçobrar e o Estado Português ser absolvido do pedido.

J - Assim, a douta sentença recorrida decidiu acertada e correctamente, aplicando adequadamente o direito aos factos, ao julgar a ação improcedente e ao absolver o Estado Português do pedido, termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso.



Após vistos legais, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou:

a) Ao ter julgado improcedente o pedido indemnizatório formulado a título de responsabilidade civil extracontratual, pelos prejuízos alegadamente sofridos em virtude da violação do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável no processo expropriativo que correu termos no então Tribunal Judicial do Montijo, concretamente referentes aos danos derivados da delonga no processo e consistentes na perda de rendimento comercial e financeiro;

b) Ao ter julgado improcedente o pedido de fixação de indemnização pelos honorários de advogado, também devidos nesta acção, sendo estes a liquidar em execução de sentença.

Mais pedindo a este TCAS:

c) A fixação de montante indemnizatório a arbitrar a título de danos não patrimoniais por aplicação da equidade por violação do prazo razoável, no sentido que tem sido definido pela jurisprudência do TEDH.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

A questão colocada no recurso pela Autora, ora Recorrente, é a de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter considerado não verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, desde logo a existência de dano, tendo, em consequência julgado improcedente acção e absolvido o Estado de todos os pedidos.

Comece-se por se deixar estabelecido que o pedido formulado de indemnização a título de danos não patrimoniais por aplicação da equidade por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, no sentido que tem sido definido pela jurisprudência do TEDH, só agora nesta sede recursiva foi formulado.

Com efeito, na p.i. a A. e ora Recorrente peticionou a condenação do Estado no pagamento global da quantia de EUR 177.167,77, a título de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, pelos prejuízos que alegou ter sofrido em virtude da violação do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável no processo expropriativo que correu termos no então Tribunal Judicial do Montijo. Concretizando o valor de EUR 169.667,77, referentes aos danos derivados da delonga no processo e que motivaram perda de rendimento comercial e financeiro, isto acrescido de juros de mora a contar da data da citação, até integral ressarcimento, bem como da condenação do Réu ao pagamento de EUR 7.500,00 por despesas e honorários de advogado, suportados pelo maior e ilícito atraso no recebimento das indemnizações expropriativas. Mais peticionou a condenação do R. no pagamento do montante que viesse a liquidar no decurso destes autos por honorários e despesas relacionadas com esta mesma acção. E, subsidiariamente, pediu ainda, para o caso do R. não proceder ao pagamento dos juros, a condenação deste no pagamento de juros capitalizados, nos termos do artigo 560, nºs 1 e 2 do Código Civil. Como se vê, do catálogo dos pedidos formulados no tribunal a quo, lida e relida a p.i., não consta qualquer pedido relativo ao pagamento de indemnização a título de danos não patrimoniais.

Ora, sendo os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais, não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões que não tenham sido oportunamente invocadas (e, portanto, debatidas e decididas). Significa isto que depois de proferida a decisão em primeira instância não pode ser apreciada, designadamente em sede de recurso jurisdicional, qualquer questão nova.

Como se concluiu, entre muitos outros, no acórdão do STA de 27.04.2016, proc. n.º 288/15: “[o]s recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (v., também, i.a., o ac. deste TCAS de 22.09.2016, proc. nº 13594/16, por nós relatado).

Assim, por o pedido de responsabilidade civil do Estado a título de danos não patrimoniais constituir questão nova, está dela este tribunal de recurso impedido de conhecer.

Quanto ao mais, as questões que nos são colocadas no presente recurso correspondem àquelas também colocadas no recurso recentissimamente decidido pelo STA, no ac. de 13.03.2019, proc. nº 437/12.2BEALM (sendo as mesmas as partes). Assim, nos termos permitidos pela lei processual civil, limitar-nos-emos a transcrever o seu discurso fundamentador na parte aqui relevante, adoptando-se, por remissão, a respectiva fundamentação. Escreveu-se no citado aresto:

3.1 Indemnização por Danos patrimoniais

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).

Assim sendo, e tal como considerou o acórdão recorrido, haverá sempre que aferir da verificação dos respectivos pressupostos, a saber: (i) o facto; (ii) a ilicitude; (iii) a culpa; (iv) o dano (lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros) e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

No caso em apreço foram considerados como verificados os requisitos facto, ilicitude e culpa, estando em causa os danos invocados pela Recorrente e que esta alega não ter que provar, atento o que dispõe o art. 806º, nº 1 do CC.

Com efeito, analisando a tramitação dos processos expropriativos nºs 118/99, 161/99 165/99, 200/99, 151/99 e 150/99 concluiu o tribunal a quo que ocorreu violação do direito da recorrente a obter uma decisão em prazo razoável, direito violado pelo Estado e que configura acto omissivo ilícito, por violação do art. 20º, nº 4 da CRP e art. 6º nº 1 da CEDH, por força do nº 2 do artigo 8º da CRP, e culposo, culpa que “(...) resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos” – cfr. Ac. do STA de 09.10.2008. Proc. nº 319/08.

A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º do CC), e importa a reparação de todos os danos sofridos e a reconstituição, tanto quanto possível, da situação que existiria se aquela actuação não tivesse lugar. E, não sendo possível a reconstituição natural, como é o caso, a indemnização será fixada em dinheiro e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem os danos (art. 566º, nº 1 do CC), abrangendo-se os danos patrimoniais e não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

A Recorrente defende que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao não ter fixado um montante indemnizatório de acordo com o art. 806º do CC.

Este preceito estabelece no seu nº 1 que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar da do dia da constituição em mora”.

No entanto, tal como entenderam as instâncias, a obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado, é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do citado art. 806°, nº1 do CC.

Como bem considerou o acórdão recorrido, a responsabilidade que a Recorrente pretende ver efectivada “é uma responsabilidade por facto ilícito e culposo, aquiliana, fundada no deficiente funcionamento do sistema de justiça, que não tem na sua génese ou que não se caracteriza por ser uma obrigação pecuniária”.

Assim, e uma vez que o art. 806º, nº 1 do CC não é aplicável à situação dos autos, a autora não beneficia de qualquer presunção quanto ao dano, pelo que sobre si recaía o ónus de alegar e provar que o atraso na decisão judicial de fixação do valor da indemnização, com o consequente retardamento no pagamento da mesma, lhe causou danos.

Como tal, assume relevância no caso concreto o regime geral de prova, previsto no art. 342º, nº 1 CC, de acordo com o qual cabia à autora fazer a prova dos factos constitutivos do alegado direito à indemnização, aplicando-se também o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa do lesado (art. 570º do CC) e quanto ao cálculo do montante da indemnização.

Ora, como consideraram, quer o TAF de Almada, quer o TCAS, a recorrente limitou-se a alegar, de forma conclusiva, que por causa do atraso na fixação dos montantes indemnizatórios e no efectivo pagamento, perdeu a oportunidade de os aplicar nos seus negócios, rentabilizando-os e multiplicando o seu valor como é normal em qualquer empresa, bem como que, sendo uma sociedade comercial, poderia ter investido o valor das indemnizações no seu giro comercial.

Mas tal alegação da aqui Recorrente além de manifestamente insuficiente, não foi minimamente comprovada ao não ter a mesma oferecido qualquer prova sobre os alegados danos (que nem concretizou).

Não tendo a A alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respectiva.

Sobre esta questão em matéria em tudo idêntica e respeitando ao mesmo processo expropriativo (globalmente considerado) se pronunciou este Supremo Tribunal no recente acórdão de 10.01.2019, Proc.nº 025/12.3BEALM, nos seguintes termos, transponíveis para o presente recurso:

«(…)a recorrente mistura ou confunde duas realidades distintas. Uma coisa são os lucros cessantes, outra coisa a mora do devedor relativamente a obrigações pecuniárias. E se quanto à mora do devedor – cujo modo próprio de ressarcimento será o pagamento de juros moratórios -, não se impõe a alegação e prova de danos, quanto aos lucros cessantes, não há dúvida de que em relação a eles devem ser alegados e provados danos específicos para efeitos indemnizatórios.».

Assim, o acórdão recorrido só podia concluir, como fez, de que a A. não logrou provar que o retardamento no pagamento das indemnizações devidas pelas expropriações decorrente do atraso das decisões judiciais que fixaram os respectivos montantes lhe causou prejuízos e quais eles foram (cfr. o citado Ac. deste STA de 09.10.2009). Quanto ao constante das conclusões 1ª e 2ª do presente recurso parece a Recorrente estar a afirmar que o acórdão recorrido teria incorrido num erro na apreciação dos factos, matéria que estaria subtraida à apreciação deste Supremo Tribunal, atento o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 150º do CPTA.

No entanto, o que estava em causa na conclusão 15 do recurso de apelação era o eventual direito a uma indemnização calculada, segundo a recorrente, nos termos do art. 806º do CC, desde a data do depósito efectuado pela entidade expropriante à ordem do Estado-juiz e até efectivo recebimento pelo expropriado, a recorrente.

Ora, sobre tal questão considerou o acórdão recorrido não poder pronunciar-se sobre a mesma, por ser questão nova, apenas invocada em sede do recurso de apelação, pelo que o tribunal de primeira instância não se havia sobre ela debruçado. E esta fundamentação do acórdão recorrido não é questionada no presente recurso, pelo que, em tal matéria o decidido no TCAS transitou em julgado (art. 628º do CPC), não podendo ser apreciada nesta sede de revista.

Improcedem, consequentemente, as conclusões 1ª a 23ª da Recorrente.

(…)

3.3 Os Honorários de Advogado

Quanto ao pedido de condenação no pagamento dos honorários a Advogado, cujo montante a A não concretizou, quer os resultantes da necessidade de prolongar o mandato nos processos de expropriação quer pelo exercício do mandato forense nos presentes autos, alega o Recorrente Estado não serem devidos.

O acórdão recorrido, fundando-se na jurisprudência do acórdão do TCAN de 12.10.2012, Proc. nº 64/10.9BELSB (e na abudante jurisprudência deste STA neste indicada), no qual se considerou que os honorários do advogado constituem um dano indemnizável, considerou o seguinte:

«Assim, aderindo por completo à fundamentação vertida neste Aresto importa concluir pela procedência do peticionado, dado se tratar de dano patrimonial susceptível de ser indemnizado, quer na necessidade do prolongamento da contratação de Advogado nos processos de expropriação, quer nos presentes sendo que a tal não obsta o facto do seu valor não se mostrar fixado porquanto a solução passará actualmente pela liquidação em momento posterior do respectivo valor em incidente próprio (cfr. arts. 358º, n.º 2, e 609º, nº 2 do CPC.».

Não se questiona a jurisprudência, nomeadamente, deste STA no sentido de que os honorários do advogado constituem um dano indemnizável (cfr. entre muitos outros o acórdão deste STA de 04.03.2009, Proc. nº 0754/08).

A questão é, no entanto, outra.

Com efeito, como bem se entendeu em 1ª instância, os honorários de advogado apenas são susceptíveis de consubstanciar um dano indemnizável quando o seu valor aumente devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo.

Ora, no caso dos autos a A., aqui recorrida, nada provou, quanto ao valor dos honorários que pagou ao seu mandatário judicial nos processos de expropriação, também não resultando provados nos autos quaisquer factos que permitam concluir que foram por si suportados honorários de advogado superiores aos que suportaria se os processos de expropriação aqui em causa não tivessem sofrido os atrasos em causa nos autos.

A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exacto, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer. No entanto, esta apenas se limitou a alegar, na sua PI, de forma conclusiva que o atraso em causa, determinou que a A. prolongasse a contratação e a necessidade de serviços jurídicos e de advogado que a patrocinou nos processos judiciais, reclamando ser de fixar equitativamente, atendendo o total de processos e o número de anos, um valor de honorários não inferior a € 20.000,00 (arts. 187º e 188º da PI).

Quanto aos honorários devidos, pela presente AAC, na medida em que, não está finda e, como alegou a A., ainda não procedeu a qualquer pagamento.

Mas, neste caso os honorários não constituem um dano indemnizável, só podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos arts. 25º, nº 2, al. d) e 26º, nº 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), a elas tendo direito a parte vencedora, na medida do seu vencimento (cfr. arts. 527, nºs 1 e 2 e 533º do CPC), tal como alega o Recorrente Estado. E, sendo a A. parte totalmente vencida não tem direito a receber qualquer montante a título de honorários de advogado, procedendo o recurso do R. Estado.

Ademais, a norma do artigo 806º, nº 1, do Código Civil não é aplicável à situação dos autos, pelo que a Autora não beneficia de qualquer presunção quanto ao dano, pelo que impendia sobre a mesma o ónus de alegar e provar que o atraso na decisão judicial de fixação do valor da indemnização, com o consequente retardamento no pagamento desta, lhe causou danos. Ora, como se afirmou na sentença recorrida, a ora Recorrente limitou-se a alegar, de forma conclusiva, que por causa do ilícito atraso na fixação dos montantes indemnizatórios e no efectivo pagamento, perdeu a oportunidade de os aplicar nos seus negócios, rentabilizando-os e multiplicando o seu valor como é corrente em qualquer empresa, bem como que, sendo uma sociedade comercial, poderia ter investido o valor das indemnizações no seu giro comercial, alegação manifestamente insuficiente para que se possa concluir que o atraso na administração da justiça causou danos, com os moldes genericamente invocados, à recorrente.

Assim, impõe-se concluir que a Autora e ora Recorrente desde logo não provou, por motivos que têm origem na insuficiente alegação, que o retardamento no pagamento das indemnizações devidas pelas expropriações decorrente do atraso na prolação das decisões judiciais que fixaram o seu montante lhe causou efectivamente prejuízos, designadamente, os prejuízos decorrentes de não ter tido a oportunidade de aplicar tais montantes nos seus negócios, negócios que não especificou, não tendo alegado em que é os mesmos consistiriam.

Donde, temos que não ocorre dano indemnizável, nem que os honorários de advogado sejam susceptíveis igualmente de o consubstanciar. Quanto a estes, nada se provou quanto ao seu valor e aumento do mesmo devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo. Como se escreveu no acórdão citado: “no caso dos autos a A., aqui recorrida, nada provou, quanto ao valor dos honorários que pagou ao seu mandatário judicial nos processos de expropriação, também não resultando provados nos autos quaisquer factos que permitam concluir que foram por si suportados honorários de advogado superiores aos que suportaria se os processos de expropriação aqui em causa não tivessem sofrido os atrasos em causa nos autos.

E, por fim, como supra afirmado, também não se mostra indemnizável o dano derivado do pagamento – ainda não efectuado, ou pelo menos disso não há notícia nos autos - dos honorários devidos nesta mesma. Estes “só podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos arts. 25º, nº 2, al. d) e 26º, nº 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), a elas tendo direito a parte vencedora, na medida do seu vencimento (cfr. arts. 527, nºs 1 e 2 e 533º do CPC)”, e, não havendo vencimento, “sendo a A. parte totalmente vencida não tem direito a receber qualquer montante a título de honorários de advogado”.

Razões pelas quais improcede o recurso na totalidade.


III. Conclusões

Sumariando (adoptando-se, parcialmente, o sumário do ac. do STA que vimos de seguir):

i) Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

ii) A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).

iii) A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado, é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.

iv) Não tendo a A alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respectiva.

v) A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exacto, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente

Lisboa, 4 de Abril de 2019


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Pedro Marchão Marques

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Alda Nunes

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Cristina Santos

[conforme voto de vencido que segue em anexo]


Voto de vencido:

Salvo o devido respeito pelo enquadramento jurídico que obteve vencimento, julgaria em favor da procedência pelas razões que, em síntese, se expõem.

Por efeito da DUP o particular deixa de ser titular do direito de propriedade sobre o imóvel nela identificado e passa a ser beneficiário de um direito de indemnização devida pela imposição ao visado de um dano especial - a subtracção da propriedade do fim e utilidade económica a que estava adstrita, substituído pelo novo fim a que é destinada e que também é identificado na DU P [ artº 1 7º nºs. 3 e 4 Lei 168/99, 18.09 (CE/99) e artº 15/2 DL 438/91 , 09. 11 (CE/91 )] - indemnização cujo escopo é garantir a observância do princípio da igualdade perante os encargos públicos a título compensatório pelo sacrifício especial suportado com a expropriação.

Ou seja, de acordo com esta posição doutrinária em que nos inserimos, a DUP constitui um acto administrativo que converte imediatamente o direito de propriedade do expropriado num direito de indemnização, sendo que o acto de adjudicação da propriedade à entidade expropriante da competência do Tribunal cível nos termos do art. 51º nºs 5 e 6 CE/99 (50º CE/91) funciona como acto integrativo de eficácia da DUP, sem o qual a mesma não subsiste.

Por este motivo tem expressão normativa no art. 1º CE “(…) o princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização em relação ao momento em que o expropriado se vê privado de um bem que lhe pertencia – princípio este que é … uma exigência do princípio constitucional da “justa indemnização” por expropriação (…)

Sobre a questão do momento … debruçou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 261/97.Nele se afirmou que o princípio da “justa indemnização”, inserto no artº 62º nº 2 da Constituição, comporta um ideia de “paridade temporal” entre a aquisição pelo expropriante do bem e o pagamento da indemnização ao expropriado… princípio da contemporaneidade do pagamento [que] só pode ser entendido de forma absoluta a partir do trânsito em julgado da decisão que fixa uma indemnização. (…)”(1)

Atento este enquadramento legal e de acordo com o regime constante do artº 805º nº 3 C. Civil, o expropriado, na veste de credor perante entidade expropriante, só vê este seu devedor constituir-se em mora a partir do momento em que o valor indemnizatório por expropriação, na parte litigiosa e sem prejuízo da parte sob acordo, se torna certo e líquido por decisão judicial definitiva, ou seja, por trânsito em julgado da sentença que, à data, será o acórdão da Relação no caso de interposição de recurso da sentença do tribunal de comarca e decorridos que sejam os 10 dias do prazo consignado no art. 71º nº 1 CE/99.


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Aplicando o que vem de ser dito no quadro da concretização do conceito de prazo razoável no tocante ao padrão de duração média da lide processual seguido, para generalidade das matérias, pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – que aponta para 3 anos na primeira instância, e para 4 a 6 anos de duração global da lide contando com a instância de recurso – julgaria em favor da procedência do recurso, tendo para efeitos de fixação do quantum indemnizatório a concreta matéria de facto julgada assente em 1ª instância.

Lisboa,04.ABR.2019

(Cristina dos Santos)

Alves Correia, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Coimbra/1982, págs. 127/128; Manual …, V-III, págs. 219 a 224.